Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0839/19.3BEALM
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
Sumário:I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis), não podendo o recurso ser admitido se o recorrente, em ordem a desincumbir-se desse ónus, se limita a transcrever a letra da lei e a concluir, de modo vago e não consubstanciado factualmente, pela verificação desses requisitos.
III - O recurso de revista não é o meio adequado para formular o pedido de reforma quanto a custas do acórdão recorrido.
Nº Convencional:JSTA000P27131
Nº do Documento:SA2202102030839/19
Data de Entrada:01/11/2021
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......, LDA. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 839/19.3 BEALM

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Central Administrativo Sul, inconformado com o acórdão proferido por esse tribunal em 19 de Novembro de 2020 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/46e2c147b8bfa1228025862600571a12.) – que, concedendo provimento ao recurso deduzido pelos ora Recorridos, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgara improcedente a oposição deduzida pelos ora Recorridos ao arresto que contra eles foi decretado a pedido da AT –, dele interpôs recurso excepcional de revista, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentado com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A) O presente recurso foi interposto por ambos os requeridos no presente procedimento cautelar e o Tribunal pronunciou-se pela sua procedência por “por não ocorrer o fundado receio de diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributários.” (Dispositivo, fls. 38).

B) A Fazenda Pública não se pode conformar com o decidido, ou seja, com o levantamento do arresto para ambos os recorrentes como adiante se desenvolve porque, no nosso entender, tal situação não se verifica.

C) Em síntese, o fundamento para o sentido da decisão tomada foi a de que os créditos tributários aqui em causa, embora tendo origem em IVA, não se tratam de impostos efectivamente repercutidos, mas de correcções de imposto que nunca foi cobrado aos clientes, pelo que a presunção prevista no artigo 214.º, n.º 2 não se pode aplicar.

D) E afastada a presunção legal da verificação do fundado receio seria necessário estabelecer efectivamente este requisito o que, na posição assumida também não se deu como estabelecido relativamente ao responsável subsidiário (cfr. fls. 36/38) nos termos que se transcrevem:
Nos presentes autos, verificou-se que, efectivamente o património da devedora originária era insuficiente para garantir tais créditos – daí a possibilidade de ser chamado a responder pela dívida o responsável subsidiário e da eventualidade de contra este ser dirigida igualmente idêntica providência cautelar, o que se encontra de acordo com o disposto no n.º 2 e n.º 3, “in fine”, do art. 23.º, todos da LGT e n.º 2, do art. 153.º, do CPPT – vd. pontos 26 e 27, do probatório.
Dito isto,
Dever-se-á dizer que tal circunstancialismo não se verifica em relação ao 2.º arrestado, porquanto, na eventualidade de o mesmo vir a responder subsidiariamente pela dívida exequenda e acrescido, como ficou demonstrado na sentença sub judice e este Tribunal acolheu relativamente aos ditos pressupostos de facto e de direito da referida susceptibilidade de se efectivar o seu chamamento a esse título, já não se constata tal justo receio. De facto,
A própria sustentação da decisão revinda assenta na pretensa presunção do referido “periculum in mora”, o que como observado supra, não se constata nos autos. Por outro lado,
Constata-se que os bens do seu património são mais que suficientes para que se considere que inexiste tal perigo de insuficiência para pagamento de tais créditos tributários, antes a própria eventualidade de efectivar a reversão da execução a que se refere o n.º 1, do art. 23.º da LGT, constitui-se como uma forma de “… garantir a possibilidade de ulteriormente vir a efectuar, … essa cobrança coerciva…” nas palavras daquele Ilte Autor e obra citada, págs. 696 – vd. pontos 28 a 33, do probatório.
Assim sendo,
- Verificando-se que inexiste uma probabilidade que aquele património do 2.º arrestado venha a se mostrar insuficiente para cobrança dos créditos tributários em razão da falta do pressuposto de qualquer diminuição do respectivo valor que a sustentasse;
- E constatando-se a forte probabilidade de o mesmo vir a ser chamado para a execução fiscal a título subsidiário;
- Sendo que, nesse caso, tais circunstâncias serão suficientes para “… afastar a possibilidade de arresto”, como bem refere o Ilte Conselheiro, in obra citada, págs. 602. Assim,
Julga-se como totalmente desajustada tal apreensão judicial dos bens dos ditos arrestados e nos termos determinados pelo Tribunal “a quo”, pelo que não se pode manter na ordem jurídica por carecer de fundamento legal o seu decretamento, decisão a que se procede na parte dispositiva do presente acórdão.

E) A nossa discordância com o decidido encontra-se exactamente neste ponto, o considerar como inexistente de probabilidade de o património do responsável subsidiário se mostrar insuficiente por ser vasto e não ser previsível qualquer diminuição do respectivo valor.

F) Porque, como é alegado no próprio recurso da Requerente (fls. 6 do Acórdão), os bens imóveis arrestados são objecto de uma impugnação pauliana, a qual se até se encontra registada.

G) No próprio recurso, em termos mais desenvolvidos, diz-se (fls.9):
VIII. Vejamos a matéria factícia que não se considera provada, tendo-o sido, e outra com relevância para a decisão da causa:
a) Sobre os imóveis, e melhor descritos em 28., 29., 31. e 32. dos factos dados como provados na douta sentença proferida, incide o registo da acção de impugnação pauliana, a favor do Banco Comercial Português SA, registada sob as Apresentações 3172 de 24/11/2016, 3714 de 25/11/2016, e, 3397 de 24/11/2016,
b) Na qual o dito Banco pede a ineficácia quanto a si, da doação efectuada por B…….. e mulher C………… a D…………, e ser este condenado a restituir os imóveis, na medida em tal seja necessário à satisfação do direito de crédito do Banco, reconhecendo-se a este o direito de executar os mesmos no património do D………, Vide documentos juntos a fls. 28 a 31, fls. 32 a 34, fls. 41 a 44, fls. 45 a 46 do doc. de fls. 107, numeração do SITAF, e,
Vide gravações de dia 03 de Março de 2020, ao minuto 06:22 ao minuto 07:39 – Meritíssima Juiz: Porque é que o seu pai não podia ser gerente? D…….: Porque o meu pai tinha sido administrador de uma empresa que entrou em insolvência e como ele na altura era avalista dessa empresa, tinha a reforma dele penhorada e tinha outras situações e não convinha constituir a empresa em nome dele.

H) Assim sendo, a presente decisão baseia-se em pressupostos que não se verificam de todo, como se demonstra.

I) Isto é, o grosso do património de D…………, os cinco imóveis já identificados nos autos, cujos valores patrimoniais, serão respectivamente de € 71.659,00, € 33.445,98, € 223.459,86, € 127.965,88, € 86.782,50, num total de € 543.313,22, foram doados pelo seu pai para evitar a sua penhora pelo Banco BCP na sequência da insolvência de uma outra sociedade, negócio que foi objecto de impugnação pauliana por parte do credor, processo ainda pendente de decisão final.

J) Ficando apenas a quota na sociedade E……….., Lda., no valor de € 5.000,00 o que, tendo em conta o valor dos créditos tributários aqui em causa, no montante de € 571.097,23, não existe qualquer excesso, antes pelo contrário, não pode deixar de julgar como verificado um fundado receio de frustração da sua cobrança se a providência for levantada.

K) Aliás, a própria situação alegada, só por si, indicia mais um comportamento ilegal, uma transferência de património do pai para filho para fugir aos credores, mantendo o património na família, o que reforça a conclusão de que os créditos tributários também estão em perigo se comportamento equivalente for novamente assumido pelo Requerente.

L) Repetimos, tudo isto consta do recurso dos próprios recorrentes pelo que se encontra plenamente adquirido em termos processuais e, por isso, tem que ser tido em conta na decisão.

M) Estamos, por isso, salvo melhor opinião, perante um erro de julgamento, que compromete de forma absolutamente determinante a decisão.

N) E, como também já se encontra adquirido, o único bem arrestável da sociedade era a sua conta bancária já identificada nos autos, cujo valor arrestado foi de € 163,09, tendo até sido considerado na presente decisão que (fls. 36) “No caso dos autos, ficou claramente demonstrado que a devedora originária não possui bens suficientes para fazer face às dívidas exequendas pelo que temos de considerar que este pressuposto se encontra preenchido. De facto, ficou provado que a devedora originária não possui outros bens para além duma conta bancária, pelo que somos forçados a concluir que ficou provado pela Fazenda Pública a fundada insuficiência do património do devedor”.

O) Assim sendo, salvo melhor opinião, verifica-se efectivamente o fundado receio de frustração dos créditos tributários relativamente a ambos os Requeridos.

P) Pelo que pedimos que a presente decisão seja objecto de revista e que o erro aqui demonstrado seja corrigido ao abrigo do artigo 150.º, n.º 1 do CPTA onde se prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

Q) Porque está aqui em causa um erro que compromete o interesse público de uma forma significativa e que deve ser corrigido e é para casos como este que o legislador introduziu aquilo que muitas vezes é chamado de “válvula de segurança do sistema” para situações como a presente.

R) Por isso se pede a admissão do presente recurso de revista.

S) Se assim não se entender, meramente a título subsidiário, também pedimos que o presente Acórdão seja objecto de reforma em termos de custas, com os fundamentos seguintes.

T) Nos termos do acórdão supra identificado, que decidiu pela total procedência do recurso foi a Fazenda Pública na qualidade de recorrente, condenada em custas em ambas as instâncias.

U) Contudo, tendo em conta o valor da causa, impõe-se, nos termos da lei, o pagamento do respectivo remanescente, em cumprimento do disposto na anotação à TABELA I anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), de acordo com a 1.ª parte do n.º 7 do art. 6.º do citado diploma legal.

V) Lembramos que estamos num processo cautelar de arresto, em que não se pretende estabelecer a situação definitiva, mas apenas se pretende estabelecer uma situação provisória, com as inerentes especialidades que implica, mas onde apenas é exigida uma cognição sumária da prova.

W) Considerando que o valor da presente causa ultrapassa o patamar de 275.000 € e que a mesma não assumiu especial complexidade nem a conduta assumida por qualquer uma das partes, em recurso, pode considerar-se num nível reprovável, nada obsta que a Fazenda Pública seja dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendo o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

X) Pelo exposto, parecem-nos reunidas as circunstâncias para que este Tribunal faça uso da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do RCP, por forma a dispensar a Fazenda Pública do pagamento do remanescente da taxa de justiça, reformando-se, nessa parte, o Acórdão quanto a custas, ao abrigo do n.º 1 do art. 616.º do CPC, devendo ordenar-se a reforma da conta de custas, tendo em conta o máximo de € 275,000,00 fixado na TABELA I do RCP, desconsiderando-se, neste caso concreto, o remanescente aí previsto.

Nestes termos, e nos demais de direito, requer-se a V.Ex.ª que seja concedido provimento à pretensão da Fazenda Pública, e declarado procedente o presente recurso de revista e, se assim não for entendido, proceder-se à reforma de custas, dispensando-se a Fazenda Pública do pagamento do remanescente».

1.2 Os Recorridos não contra-alegaram.

1.3 O Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Sul ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que a revista não deve ser admitida, por considerar que não estão verificados os requisitos de admissibilidade desse recurso, nos seguintes termos: «[…]

Na alegação, o que a recorrente diz pretender é uma resposta peremptória e definitiva para a problemática do receio de diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributários. E por isso, diz, que se impõe a admissão do presente recurso de revista, como claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.
Nada de mais errado.
Em nossa opinião, o que a Recorrente pretende é, no essencial, ver reexaminado o próprio julgamento de facto operado no acórdão recorrido.
Segundo a recorrente, o acórdão errou na aplicação do direito aos factos.
A recorrente acaba por consubstanciar tal fundamentação na alegada discordância com a factualidade julgada provada e com as ilações factuais relevadas pelo acórdão recorrido no âmbito da valoração probatória dessa mesma factualidade. E ainda que se refira de forma genérica aos requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional, a recorrente também não logra identificar qualquer questão que reúna esses requisitos, evidenciando-se das alegações apenas a sua contestação à forma como o TCAS apreciou a matéria de facto julgada provada.
Não se trata, portanto, de apreciar os pressupostos legais legitimadores sobre a problemática do receio de diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributários, antes se trata, de apreciar a prova efectuada e os juízos valorativos sobre ela produzidos nas instâncias, mas que não são sindicáveis pelo STA.
Assim, somos de opinião que a questão suscitada no recurso se reconduza, no essencial, a uma questão de natureza casuística.
Para terminar diremos apenas que a expressão melhor aplicação do direito redunda assim que a um critério de necessidade acrescenta uma circunstância de premência, de avultamento do desacerto. E por conseguinte, o recurso só pode ser aceite quando da decisão recorrida o erro avultar de forma categórica e, pela dignidade da questão, pelos seus importantes reflexos materiais, seja irremediavelmente preciso corrigir o erro.
Posto isto, tem-se como certo que a melhor aplicação do direito a que a lei se refere não compreende situação como a verificada no desenvolvimento dos autos, cuja solução não passa pela intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, a matéria do recurso, não é fundamento para uma admissão extraordinária do recurso.
Igualmente não se verificando “uma particular relevância social nas questões suscitadas pelo Recorrente em sede de revista, não se surpreendendo, no caso dos autos, um interesse comunitário que, pela sua peculiar importância, pudesse levar, por si só, à admissão de revista, já que os interesses em jogo não ultrapassam significativamente os limites do caso concreto.
Finalmente, a resolução das questões ora levantadas não requer um esforço interpretativo particularmente acentuado, antes apresentando um grau de dificuldade que não ultrapassa o que é normal das controvérsias judiciárias, carecendo, por isso, as ditas questões de especial relevo jurídico” (Ac. do STA de 09/05/2012, Rec. 0412/12).
Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da não admissão do recurso, por considerarmos que não estão preenchidos os pressupostos a que se refere o n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.
Ora, a não admissão do recurso, restringe a apreciação sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais, pelo que não cabe a este tribunal tal análise».

1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido.

2.2 DE DIREITO

2.2.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT e do n.º 1 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Ou seja, o recurso de revista excepcional não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, i.e., que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável).
Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que «[…] o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» (Cf. acórdão de 2 de Abril de 2014, proferido no processo com o n.º 1853/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.).

2.2.2 A Recorrente interpôs o presente recurso de revista pedindo que este Supremo Tribunal revogue o acórdão recorrido – que, por seu turno, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a oposição deduzida pelos ora Recorridos ao arresto dos seus bens decretado a pedido da AT – e mantenha o arresto decretado.
Sustenta, em síntese, que, contrariamente ao que entendeu o acórdão recorrido, se deve ter por verificado o fundado receio de diminuição da garantia da cobrança dos créditos tributários relativamente a ambos os recorridos, pois ficou demonstrado que a sociedade, enquanto devedora originária, não possui bens suficientes para fazer face às dívidas exequendas e que o ora recorrido, enquanto devedor subsidiário, tem o seu património imobiliário sujeito a uma acção de impugnação pauliana. Assim, e porque não se discute a verificação dos demais requisitos para o decretamento do arresto, a Recorrente sustenta que este deve ser mantido.
Na verdade, o acórdão recorrido considerou que, não se verificando a possibilidade de fazer funcionar a presunção do n.º 2 do art. 214.º do CPPT, porque o IVA em causa não foi repercutido a terceiros, mas antes não liquidado em virtude de erro da sociedade (ora Recorrida) quanto ao regime aplicável às operações tributáveis, haveria a AT que ter demonstrado, ainda que sumariamente, os factos de que pudesse retirar-se o justo receio de diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributários em execução, o que não logrou.
É esse entendimento que a Recorrente ora contesta, afirmando expressamente que a sua «discordância com o decidido encontra-se exactamente neste ponto, o considerar como inexistente a probabilidade de o património do responsável subsidiário se mostrar insuficiente por ser vasto e não ser previsível qualquer diminuição do respectivo valor», pois «os bens imóveis arrestados são objecto de uma impugnação pauliana, a qual se até se encontra registada».
Como judiciosamente realçou a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, a Recorrente não identificou inequivocamente uma questão jurídica (O recurso de revista apenas pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual e versa, essencialmente, sobre questões de direito, sendo certo que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» (cf. n.º 4 do art. 285.º do CPPT) ) que constitua o objecto do recurso e, ao invés, limita-se a pôr em causa a valoração dos factos que foi efectuada pelo acórdão recorrido, designadamente se os mesmo são ou não bastantes para que se considere demonstrado o fundado receio de diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributários em execução. Ademais, parece também pretender que sejam considerados factos que o acórdão não deu como provados.
Ou seja, apresenta este recurso como se o mesmo constituísse um modo de impugnar a decisão proferida pelo acórdão como um todo, como se este recurso constituísse um terceiro grau de jurisdição – há muito eliminado do regime de recursos em processo tributário (A possibilidade de recurso em terceiro grau de jurisdição, que estava prevista na redacção inicial do art. 32.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, foi abolida pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro.) –, parecendo ignorar que a função da revista é a de trazer à apreciação do Supremo Tribunal Administrativo, enquanto órgão de cúpula da jurisdição tributária, uma concreta questão relativamente à qual estejam verificados os requisitos do n.º 1 do art. 285.º do CPPT acima enunciados.
É certo que nas conclusões P) e Q) deste recurso de revista, a Recorrente parece tentar a demonstração de que se verificam os requisitos da admissibilidade do recurso de revista. Mas, salvo o devido respeito, essa tentativa não cumpre o seu desígnio. Na verdade, a Recorrente limita-se a enunciar esses requisitos para, depois, concluir que «está aqui em causa um erro que compromete o interesse público de uma forma significativa e que deve ser corrigido e é para casos como este que o legislador introduziu aquilo que muitas vezes é chamado de “válvula de segurança do sistema” para situações como a presente». Lidas também as alegações de recurso, maxime as com os n.ºs 22. a 24., concluímos que, só formalmente a Recorrente se desincumbiu do ónus de alegar os requisitos de admissibilidade da revista. A alegação aduzida com esse fim apresenta-se como genérica, insuficientemente concretizada e meramente conclusiva.
Assim, por falta de demonstração dos pressupostos de admissibilidade da revista previstos no art. 285.º do CPPT – que, recorde-se, não constitui mais um grau de recurso que o legislador tenha posto à disposição da parte –, o recurso não será admitido.

2.2.3 Pretende ainda a Recorrente, a título subsidiário, a reforma do acórdão recorrido quanto a custas, sustentado que deve ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça [cf. conclusões S) a X)].
É manifesto que o recurso de revista não serve esse propósito. Na verdade, o recurso previsto no art. 285.º do CPPT tem o seu objecto circunscrito à questão de direito relativamente à qual se entenda estarem verificados os requisitos da revista e não contempla o conhecimento de outras questões, ainda que suscitadas pelo recorrente na sua alegação.
A reforma do acórdão recorrido quanto a custas está fora do objecto do presente recurso e só pode ser apreciada e decidida pelo Tribunal Central Administrativo Sul.

2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis), não podendo o recurso ser admitido se o recorrente, em ordem a desincumbir-se desse ónus, se limita a transcrever a letra da lei e a concluir, de modo vago e não consubstanciado factualmente, pela verificação desses requisitos.

III - O recurso de revista não é o meio adequado para formular o pedido de reforma quanto a custas do acórdão recorrido.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, atenta a simplicidade, uma vez que o recurso não ultrapassou a fase da apreciação preliminar, não é de complexidade superior à média e a conduta das partes não merece censura (cf. art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais).


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Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Isabel Marques da Silva.