Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01614/15
Data do Acordão:06/06/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA
DÍVIDA EXEQUENDA
REPOSIÇÃO
Sumário:I - A obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas, que devam reentrar nos cofres do Estado, prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento (artigo 40º, nº 1, do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho);
II - O referido prazo de prescrição interrompe-se nos mesmos termos da prescrição civil, ou seja, interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (art.º 323.º, n.º 1, do CC).
Nº Convencional:JSTA000P23392
Nº do Documento:SA22018060601614
Data de Entrada:12/03/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A………… melhor identificada nos autos vem recorrer da decisão do TAF de Sintra que julgou improcedente oposição a execução fiscal por ela deduzida contra a cobrança de dívidas à Caixa Geral de Aposentações, no valor de € 25.189,79.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª A matéria submetida à apreciação desse Colendo Tribunal unicamente de direito, cingindo-se na questão de saber se, no caso dos autos, em que os dinheiros públicos, da Caixa Geral de Aposentações, de que se trata foram embolsados pela Recorrente antes de 2006, não sendo ela funcionária pública ou pensionista nem “o respectivo destinatário”, é ou não aplicável o prazo de prescrição estatuído no artigo 40°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, que é de cinco anos
2.ª Sendo esse o prazo prescricional aplicável no caso, como é, ele não se conta apenas a partir do conhecimento ou consciência de que foram indevidos os recebimentos em causa, operados por levantamentos da conta bancária creditada, mas sim a partir desses mesmos levantamentos/recebimentos, o último dos quais ocorreu em Março de 2005,
3.ª No decurso desse prazo prescricional não ocorreram nenhuns factos que importassem legalmente a suspensão ou interrupção daquele prazo.
4.ª Embora de modo pouco regular, a Caixa Geral de Aposentações já obteve a devolução dos valores correspondentes aos últimos cinco anos, e até bem mais do que esses valores.
5.ª O artigo 40.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, quando interpretado como foi entendido na douta sentença recorrida, segundo a qual no caso não é aplicável, antes se aplicando o prazo geral de prescrição de vinte anos, fundamentando essa decisão em que se está perante um caso de apropriação de dinheiros públicos alheios à relação jurídica estabelecida entre a Caixa Geral de Aposentações e o pensionista, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República.
6.ª Essa inconstitucionalidade também ocorre na exacta medida em que o preceito, assim interpretado, ofende gravemente o princípio da segurança jurídica a proteger os beneficiários, como corolário de um Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
7.ª A douta sentença recorrida, ao não reconhecer a prescrição invocada pela Recorrente, com a consequente determinação da extinção e arquivamento da presente execução violou, por erro de interpretação, aplicação e julgamento, os artigos 8°, n.º 2, 9°, n.ºs 2 e 3, e 309.º do Código Civil, o artigo 40°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, e os artigos 2.° e 13.° da Constituição da República.
8.ª Deve, por isso mesmo, ser revogada, julgando-se prescrita a obrigação de reposição das quantias reclamadas pela Caixa Geral de Aposentações através desta execução, com os consequentes arquivamento e extinção da mesma.»

2. A recorrida, Fazenda Pública não contra alegou.

3. O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer, a fls. 102 dos autos, que, na parte relevante, se transcreve:

(….) Sobre a questão da prescrição revejo-me inteiramente no conjunto de argumentos vertidos na sentença recorrida e na doutrina do douto Acórdão deste Supremo Tribunal de 17.04.2002 — P 026676, em que a mesma se louva, e do douto Acórdão do TCA Sul de 10.07.2015 — P. 07577/14.
Apenas se acrescentará, com atinência às indemonstradas Conclusões 5ª e 6ª, que não se vislumbra que o art. 40°, n.º 1 do DL 155/92, de 28 de Julho, afronte o princípio da igualdade quando interpretado como na sentença recorrida, porque esse princípio, enquanto limite à discricionariedade legislativa, não exige o mesmo tratamento para todas as situações. O que proíbe é a discriminação no tratamento de situações similares, sem justificação objectiva e racional. Ora, não se vê que o preceito quando interpretado como na sentença recorrida, estabeleça qualquer discriminação que atente contra o princípio inscrito no art. 13° da CRP e, bem assim, contra o princípio da segurança jurídica enquanto postulado da estabilidade e previsibilidade das normas jurídicas.
Pronuncio-me, nesta conformidade, sem mais delongas, pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção do julgado.
É o meu parecer.»

4. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir

5 - O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra considerou como provados e com interesse para o caso, os seguintes factos:
A. B…………, pai da oponente, faleceu em 12.06.2002 [cf. fls. 56 dos autos].
B. Durante o período compreendido entre 01.07.2002 a 30.11.2012, foi pela Caixa Geral de Aposentações depositado na conta sob o NIB …………, constituída na Caixa Geral de Depósitos, pensões em nome de B…………, no total de €103.675,00 [cf. fls. 6 do PEF em apenso].
C. A executada oponente era co-titular da conta de depósito à ordem identificada no ponto anterior [cf. fls. 8 a 11 dos autos).
D. Por ofício nº 2488, de 07.11.2012, da Direcção de Finanças de Leiria dirigido à CGA foi-lhe comunicado o falecimento de B……….., ocorrido em 12.06.2002 [cf. fls. 56 dos autos].
E. Após conhecimento do óbito de B………… a CGA promoveu a restituição da quantia depositada indevidamente, tendo recuperado €78.485,21 [cf. fls. 4 do PEF em apenso].
F. Por carta datada de 24.01.2013 em nome da oponente, dirigido à CGA, foi solicitado o pagamento em prestações mensais de €250,00, do pagamento indevido de pensões [cf. fls. 57 dos autos].
G. A 11.12.2013 foi instaurado contra a oponente o processo de execução fiscal n.º 1554201301096699, a correr termos no Serviço de Finanças de Oeiras 1, com base em certidão de dívida emitida pela CGA, referente à quantia exequenda de €25.189,79, juros vencidos até 30.11.2013 de €1.414,30, e acrescido [fls. 1 a 7 do PEF em apenso].
H. A 27.12.2013 foi a oponente citada em sede do PEF identificado no ponto anterior [fls. 27 do PEF em apenso].
I. A 24.01.2014 foi pela oponente apresentada a petição inicial que deu origem aos presentes autos [cf. fls. 3 dos autos].


6. Do objecto do recurso:

Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração podemos concluir que a questão objecto do recurso consiste saber se o prazo prescricional previsto no art. 40°, n.º 1 do DL 155/92, de 28 de Julho é aplicável à reposição de quantias que foram depositadas pela Caixa Geral de Aposentações na conta identificada no ponto 6) dos factos provados, de que a ora recorrente era co-titular e no período compreendido entre 01.07.2002 e 30.11.2012.
Tais quantias eram referentes a pensões a favor do pai da recorrente, B…………, falecido em 12.06.2002.

Mostram os autos que tendo sido instaurado contra a recorrente o processo de execução fiscal n.º 1554201301096699, a correr termos no Serviço de Finanças de Oeiras 1, com base em certidão de dívida emitida pela CGA, referente à quantia exequenda de €25.189,79, indevidamente recebida pela recorrente, esta veio deduzir oposição à execução fiscal, invocando como fundamento a prescrição por força do artº 40º, nº 1 do Decreto-lei 155/92.
Perante a suscitada questão da prescrição da dívida exequenda, a sentença recorrida, invocando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão 026676 de 17.04.2002), considerou estar em causa uma situação de apropriação de dinheiros por terceiros alheios à relação jurídica estabelecida entre a CGA e o pensionista, sendo que o regime de prescrição mais exigente estabelecido no artigo 40º do Decreto-Lei n. 155/92, de 28 de Julho, aplicar-se-ia apenas a quem o pagamento indevido foi dirigido.
Não tendo sido o pensionista falecido “a receber” os dinheiros pagos pela CGA, mas sim a sua filha, aqui oponente, concluiu a sentença recorrida que não poderá esta aproveitar do prazo de prescrição estabelecido no artigo 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, sendo aplicável o prazo geral de prescrição do Código Civil.

Não conformada com o assim decidido alega a recorrente em síntese, o seguinte:
- O artigo 40.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, quando interpretado como foi entendido na douta sentença recorrida, segundo a qual no caso não é aplicável, antes se aplicando o prazo geral de prescrição de vinte anos, fundamentando essa decisão em que se está perante um caso de apropriação de dinheiros públicos alheios à relação jurídica estabelecida entre a Caixa Geral de Aposentações e o pensionista, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República.
- Essa inconstitucionalidade também ocorre «na exacta medida em que o preceito, assim interpretado, ofende gravemente o princípio da segurança jurídica a proteger os beneficiários, como corolário de um Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa».

6.1 Apreciando e decidindo

No caso em apreço o ataque que a Recorrente dirige ao decidido na sentença recorrida, como resulta das supra transcritas conclusões, centra-se fundamentalmente e em síntese, na alegada inconstitucionalidade da norma do artigo 40.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, quando interpretada como foi entendido na sentença recorrida, por violação dos princípios da igualdade e da segurança jurídica.

Esta argumentação em que se apoia a recorrente para sustentar o erro de julgamento imputado à sentença, não pode, no entanto, obter acolhimento.

Como bem nota o Ministério Público no seu supracitado parecer, o princípio da igualdade, enquanto limite à discricionariedade legislativa, não exige o mesmo tratamento para todas as situações. O que proíbe é a discriminação no tratamento de situações similares, sem justificação objectiva e racional.
Ora, não se vê, nem a recorrente demonstra, que o preceito quando interpretado como na sentença recorrida, estabeleça qualquer discriminação que atente contra o princípio inscrito no art. 13° da CRP. Do mesmo modo não se pode aceitar a argumentação de que a interpretação acolhida na sentença «ofende gravemente o princípio da segurança jurídica».
É que, cumpre sublinhar, não estão em causa actos constitutivos de direitos, está em causa, sim, a reposição de quantias que indevidamente foram creditadas na conta de que a recorrente era co-titular, que a mesma sabia que não lhe eram devidas. Não há, pois, aqui legítimos interesses ou expectativas do particular a acautelar e a exigir a intervenção dos princípios da confiança ou da segurança jurídica.

Dito isto e porque nos presentes autos de oposição à execução fiscal está em causa a questão da prescrição da dívida exequenda, que é conhecimento oficioso (artº 175º do CPPT), importa apurar, sem embargo do exposto, se ocorreu ou não a prescrição da dívida e se, para além da suscitada questão de inconstitucionalidade, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez da mesma.

Como se viu a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra considerou que não estava em causa uma reposição de quantias recebidas por funcionário ou agente da Administração Pública, uma vez que o executado não era o beneficiário da pensão, estando em causa, sim, uma obrigação de restituir aquilo que tinha sido recebido indevidamente.
Como tal, considerou-se que o prazo de prescrição era de vinte anos e não o regime de prescrição mais exigente estabelecido no artigo 40º do Decreto-Lei n. 155/92, de 28 de Julho (de cinco anos) que se aplicaria apenas a quem o pagamento indevido foi dirigido.

Não subscrevemos no entanto este entendimento.
A questão sub judice prende-se com a interpretação dos arts. 36º e 40º do Decreto-lei 155/92, que dispõem sobre a reposição de dinheiros públicos.
O Decreto-lei 155/92, de acordo com o seu preâmbulo, «finaliza a arquitectura legislativa da reforma orçamental e de contabilidade pública», estabelece um novo regime de administração financeira do Estado e desenvolve os princípios aí estabelecidos na Lei de Bases da Contabilidade Pública (Lei 8/90, de 20 de Fevereiro), substituindo 31 diplomas fundamentais da contabilidade pública que vão desde a 3.ª Carta de Lei, de 1908, até à sua publicação.

De entre esses diplomas revogados conta-se o Decreto-lei 324/80 de 25 de Agosto (Revogado, em conjunto com outras disposições legais pelo Decreto-lei 155/92), que regulava «a reposição de importâncias indevidamente ou a mais recebidas dos cofres do Tesouro por quaisquer funcionários, agentes ou credores do Estado», procedendo, como expressamente se fez constar do respectivo preâmbulo, a uma «revisão as disposições legais que regulamentam a reposição de importâncias indevidamente ou a mais recebidas dos cofres do Tesouro por quaisquer funcionários, agentes ou credores do Estado»

Ora o Decreto-lei 155/92, enquanto diploma regulador do novo regime de administração financeira do Estado, tem um âmbito de aplicação mais vasto, e integra na sua Secção IV um capitulo relativo à «reposição de dinheiros públicos», nele se referindo «à reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado», e não, expressa e unicamente à reposição de quantias «recebidas dos cofres do Tesouro por quaisquer funcionários, agentes ou credores do Estado».

Assim dispõe o artº 36º daquele diploma legal que «1 - A reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado pode efectivar-se por compensação, por dedução não abatida ou por pagamento através de guia. 2 - As quantias recebidas pelos funcionários ou agentes da Administração Pública que devam reentrar nos cofres do Estado serão compensadas, sempre que possível, no abono seguinte de idêntica natureza. 3 - Quando não for praticável a reposição sob as formas de compensação ou dedução, será o quantitativo das reposições entregue nos cofres do Estado por meio de guia»

No que se refere à obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado (art.º 36.º, n.º 1), o art.º 40.º nº 1 do referido diploma estabelece um prazo de prescrição de cinco anos (n.º 1), prazo que não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141.º do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, aditado com “natureza interpretativa”, pelo artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (n.º 3).
Com efeito, o art. 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho, na sua redacção original, dispunha: «Prescrição
1- A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.
2- O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.»

Esta última disposição, como lei “interpretativa”, integra-se na lei interpretada nos termos do art.º 13.º n.º 1 do Cód. Civil, retroagindo por isso os seus efeitos à data da entrada em vigor da lei interpretada, ou seja, à data da entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 155/92.
A este propósito, sublinhou a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que o sentido normativo deste nº 3, introduzido pela Lei n.º 55-B/2004, era o de que a previsão legal do nº 1 – de que a obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas só prescreve 5 anos após o seu recebimento – não é prejudicada ou de alguma forma condicionada pelo regime de revogação dos actos administrativos inválidos fixado no art. 141º do CPA (neste sentido, podem ver-se os Acórdãos do Pleno da SCA do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.06.2008, recurso 1212/06 e da 2ª Subsecção de 30.10.2007 – Rec. 86/07).

Tendo-se uniformizado jurisprudência no sentido de que «[o] despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do artigo 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, não viola o artigo 141.º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no n.º 3 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro» - cf. o supracitado Acórdão 1212/06 e bem assim os Acórdãos que se lhe seguiram, de 17.03.2010 [Proc. n.º 0413/09], de 22.11.2011 [Proc. n.º 0547/11], e de 29.10.2015 [Proc. n.º 0183/15]

Assim, a prescrição prevista no artigo 40º do DL 155/92, supõe a exigibilidade ou possibilidade de cobrança de crédito preexistente, mas nada terá a ver com a definição dessa exigibilidade.
Em suma resulta daquele regime legal de prescrição, que estando em condições de ser exercido o direito à reposição de verbas, o mesmo se aplica a qualquer montante de dinheiro público indevidamente recebido que deva reentrar nos cofres do Estado, quer resulte de meros actos jurídicos de pagamento, quer resulte de actos administrativos, definidores de qualquer relação jurídica obrigacional com as pessoas a quem o pagamento indevido foi dirigido, nomeadamente beneficiários de pensões, funcionários ou agentes do Estado.
Importa também referir que tal como a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento, o artº 35º do mesmo diploma legal prevê, sobre a epígrafe «restituições», que o direito à restituição de quaisquer receitas que tenham dado entrada nos cofres do Estado sem direito a essa arrecadação prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que deram entrada nos cofres do Estado as quantias a restituir, salvo se for legalmente aplicável outro prazo mais curto. Parece pois claro que no regime de administração financeira do Estado regulado pelo Decreto-lei 155/92 se prevê um prazo de prescrição de cinco anos quer para obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos, quer para o direito de restituição de receitas, o que bem se compreende e a que não será, seguramente, alheia a ponderação de valores como a segurança e a certeza jurídicas.
Daí que se entenda que o prazo prescricional de 5 anos previsto no artº 40º nº1 do DL nº155/92, de 28.07, que constitui norma especial e derroga a norma geral do artº 309º do Código Civil, será aplicável à reposição em questão nos autos - de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado - pese embora estejamos em presença de actos de processamento de pensões de reforma cujo montante foi percebido por outrem que não era o respectivo destinatário (E se é certo que para estes pagamentos indevidos muito contribuiu a reprovável conduta da recorrente que se aproveitou do erro dos serviços, (o que, só por si não é bastante para preencher o tipo legal de burla tributária – artº 87º do RGIT), também a CGA não estará isenta de responsabilidades por ter negligenciado durante longo período de tempo o controle dos factos extintivos da aposentação. ).
Importa, pois, proceder à contagem do prazo de prescrição de cinco anos tendo em conta que, como resulta inequivocamente do nº 1 do referido artº 40º, a data do recebimento constitui o seu termo inicial.
Sendo que tal prazo se interrompe nos mesmos termos da prescrição civil, ou seja, interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (art.º 323.º, n.º 1, do CC), o que significa que no caso em apreço a citação para o processo executivo ocorrida em 27.12.2013 (probatório, al. h) interrompeu a prescrição.
Em face do exposto forçoso é concluir que se mostrará prescrita a dívida exequenda na parte que contende com o período temporal que vai de 01.07.2002 até 27.12.2008.
A sentença recorrida, que assim não entendeu, padece do erro de julgamento que lhe é imputado, pelo que o recurso merece provimento.

7. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, julgar procedente a oposição e declarar a prescrição da dívida exequenda na parte correspondente ao período que vai de 01.07.2002 até 27.12.2008.
Custas pela recorrida, sem taxa de justiça devida neste recurso, por não ter contra-alegado.

Lisboa, 6 de Junho de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.