Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01457/12
Data do Acordão:02/19/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:DESCRITORES
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
IRC
DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS
Sumário:I - São requisitos para que o tribunal possa decretar a suspensão da instância, nos termos do artº 279°, nº 1 do Código de Processo Civil, os seguintes:
a) - A decisão da causa está dependente do julgamento de outra causa já proposta ou verificar-se outro motivo; b) - Não haver fundadas razões para crer que a causa prejudicial foi intentada para obter a suspensão; c) - A causa dependente não estar tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
II - Se na causa prejudicial se impugnam correcções efectuadas aos prejuízos fiscais e na dependente se efectua o reporte dos mesmos verifica-se entre as causas o nexo de prejudicialidade ou dependência justificativo da suspensão da instância.
Nº Convencional:JSTA000P17104
Nº do Documento:SA22014021901457
Data de Entrada:12/18/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.........,S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

1 – A Fazenda Publica, vem recorrer para este Supremo Tribunal do despacho do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, que determinou a suspensão da presente impugnação judicial interposta pela A……, SA, melhor identificada nos autos, contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios referente ao exercício de 2006, até ser proferida decisão final transitada em julgado no processo 915/11.0BELRS, relativo ao IRC de 2005, cuja decisão terá repercussões da dedução de prejuízos de 2006.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«a) Na decisão ora recorrida, o tribunal “a quo”, julgou procedente a pretensão da impugnante, e determinou ‘... a suspensão da presente instância até que seja proferida decisão final transitada em julgado no processo 915/11.0BELRS, cf. Artigo 279°, nº 1 da CPC, aplicável ex vi do artigo 2°, al. e), do CPPT”;
b) Decisão com a qual, com o devido respeito, que é muito, não nos conformamos, desde logo, por entendermos, que o despacho recorrido enferma de erro quanto aos pressupostos e do vício de violação de lei, concretamente, dos artigos 276°, nº 1, alínea c), e 279°, nº 1, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2°, aliena e) do CPPT e 97°, nº 1 da LGT;
c) A correcção à matéria colectável relativa ao exercício em discussão, nos presentes autos (2006), não “... decorre do ajustamento dos prejuízos fiscais dedutíveis no exercício precedente, objecto da já referenciada de impugnação judicial nº 915/11.0BELRS, ...“, como menciona o despacho em crise;
d) Em momento algum do relatório de inspecção (RIT), se depreende terem sido corrigidos pela administração fiscal, prejuízos fiscais reportados ou a reportar pela Impugnante, naqueles exercícios ou de exercícios anteriores;
e) A Administração fiscal apenas corrige prejuízos fiscais declarados pelos sujeitos passivos, quando os mesmos deduziram ou reportaram prejuízos superiores aos efectivamente devidos (p. ex. quando sujeito passivo reporta prejuízos de períodos superiores a 6 anos, ou então em valor superior ao que efectivamente deveria ser reportado), que in casu, não se verificou;
f) No caso sub judice, o que ocorreu efectivamente, com a acção de inspecção, foi uma correcção a diversos custos dos diferentes exercícios, que na opinião da Impugnante enfermam de vício de violação de lei;
g) Vícios esses que são o objecto mediato da presente impugnação e não as deduções dos prejuízos fiscais reportados, ou que deveriam ser reportados do ano anterior (2005), com é referido;
h) Atento o “princípio da especialização económica de exercícios ou da anualidade” consagrado no artigo 18° do Código do CIRC. As matérias controvertidas podem ambas ser apreciadas autonomamente, não se verificando entre elas uma dependência jurídica, nem a decisão a dar a uma destrói o fundamento e, ou, a razão de ser da outra;
I) Tendo presente que o objecto mediato da presente impugnação, são as correcções efectuadas aos custos fiscais relacionados com:
- Os encargos com reformas antecipadas dos trabalhadores do ex-.......,
- Mais e menos - valias fiscais;
- A correcção efectuada ao lucro tributável referente à “Eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos”;
- A correcção efectuada referente a imposto por dupla tributação internacional,);
- Dividendos auferidos pela sucursal de Londres;
- Ajustamento em valores de comissões indevidamente acrescidas ao lucro tributável do exercício;
- Os Juros compensatórios;
j) Desde logo daqui resulta, que a decisão de nenhuma das questões elencadas está dependente do julgamento daquele processo, pelo que não deveria ter sido decretada a suspensão de instância requerida;
l) Face à não existência de dependência ou causa prejudicial entre as questões elencadas e as constantes daquele outro processo, não se encontram reunidos os pressupostos previstos no artigo 279°, nº 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2°, al. e) do CPPT, que justifiquem aquela suspensão da instância;
m) Deve assim, o douto despacho ser anulado, por ilegal, por violação dos artigos 276°, nº 1, alínea c), e 279°, nº 1, ambos do CPC, aplicável ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT, e do principio da celeridade da justiça tributária, previsto no artigo 97° da Lei Geral Tributária»

2 – A entidade recorrida, A….,SA apresentou as suas contra alegações defendendo a manutenção do despacho, nos seguintes termos:

A)Nos atos de liquidação, ora impugnados, encontra-se reflectido um ajustamento ao valor dos prejuízos fiscais reportáveis, apurados em exercícios anteriores a 2006, e, em particular, as correções positivas ao lucro tributável da ora recorrida, relativas ao exercício de 2005, no valor global de Euros 155.602.484,74;
B)As correções ao lucro tributável, relativas ao exercício de 2005, determinaram que a ora recorrida passasse, em tal exercício, de um lucro tributável declarado de Euros 382.420.041,29 para um lucro tributável corrigido de Euros 538.022.526,03;
C) Ainda na sequência de tais correções relativas ao exercício de 2005, o saldo dos prejuízos fiscais reportáveis, susceptíveis de ser utilizados em 2006, foi reduzido em Euros 155.602.482,74;
D) A recorrida discorda frontalmente das correções que lhe foram efectuadas pelas Autoridades Fiscais com referência ao exercício de 2005, encontrando-se atualmente pendente de apreciação judicial a legalidade do ato de liquidação que as concretizou (impugnação n.º 915/11.0BELRS);
E)Existe in casu uma relação de prejudicialidade entre, por um lado, a apreciação da legalidade das correções efectuadas ao exercício de 2005 da ora recorrida (que “amputaram” o direito à dedução de prejuízos fiscais pela ora recorrida em 2005 e em 2006) e, por outro, as correções às deduções dos prejuízos fiscais susceptíveis de ser consideradas no exercício de 2006;
E)A Decisão do Tribunal a quo, ao determinar a suspensão da presente instância até que seja proferida decisão final transitada em julgado no âmbito do processo n.º 917/11.0BELRS, relativo ao ato de liquidação de IRC referente ao exercício de 2005, procedeu a uma correta apreciação dos factos dos autos e a uma correta aplicação do Direito àqueles.

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu o douto parecer no sentido do não provimento do recurso e da confirmação da decisão impugnada que determinou a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir na impugnação n.º 917/11.0BELRS, em que se configura causa de que depende a apreciação na presente impugnação.

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5. A questão a dirimir no presente recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento a decisão recorrida que entendeu por bem suspender a presente impugnação, ao abrigo do disposto no artº 279º do CPC aplicável por força do artº 2º al. e) do CPPT, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na impugnação judicial precedente (impugnação nº 917/11.0BELRS).

Com efeito, para decidir pela suspensão da instância, entendeu o tribunal a quo, que existe uma relação de dependência/prejudicialidade entre a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC de 2005, já referenciada e a presente impugnação deduzida contra a liquidação de IRC de 2006, visto que as correcções efectuadas pela Administração Tributária no exercício de 2005 vão ser repercutidas no exercício de 2006, ou seja “… a decisão final a proferir na impugnação de IRC relativa a 2005 não pode deixar de afectar o julgamento a proferir na impugnação do IRC de 2006 no que respeita aos prejuízos reportados.”- cf. despacho de fls. 444 dos autos.

É contra o assim decidido que se insurge a Fazenda Pública alegando em síntese que, atento o “princípio da especialização económica de exercícios ou da anualidade” consagrado no artigo 18° do Código do CIRC, as matérias controvertidas podem ambas ser apreciadas autonomamente, não se verificando entre elas uma dependência jurídica, nem a decisão a dar a uma destrói o fundamento e, ou, a razão de ser da outra.
E que o objecto mediato da presente impugnação, são as correcções efectuadas aos custos fiscais relacionados com: os encargos com reformas antecipadas dos trabalhadores do ex-.....; mais e menos - valias fiscais; correcção efectuada ao lucro tributável referente à “Eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos”; correcção efectuada referente a imposto por dupla tributação internacional,); dividendos auferidos pela sucursal de Londres; ajustamento em valores de comissões indevidamente acrescidas ao lucro tributável do exercício e os juros compensatórios.
Concluindo que nenhuma destas questões está dependente do julgamento daquele processo, pelo que não deveria ter sido decretada a suspensão de instância requerida.

A nosso ver carece de razão, sendo que não merece censura o despacho agravado.

Vejamos pois.
5.1 Nos termos do artº 279º nº 1 do Código de Processo Civil Na redacção em vigor à data dos factos – Lei 29/2009 de 29.06. o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, isto é, quando pender causa prejudicial, ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada, ou seja aquela em que se discute, em sede principal, uma questão que é essencial para a decisão de outra.
Segundo o n.º 2 do art.º284.º do CPC, uma causa é prejudicial de outra quando a decisão daquela pode fazer desaparecer o fundamento ou razão de ser desta.
São também requisitos para poder ser ordenada a suspensão da instância que não haja fundadas razões para crer que a causa prejudicial foi intentada para obter a suspensão e que a causa dependente não esteja tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens (nº 2 do mesmo normativo).
No caso subjudice resulta da petição inicial (fls. 82) que a impugnante requereu também a suspensão da instância com a seguinte fundamentação:
«r) Nos actos de liquidação, ora impugnados, encontra-se reflectido um ajustamento ao valor dos prejuízos fiscais reportáveis, apurados em exercícios anteriores a 2006, e, em particular, as correcções positivas ao lucro tributável da ora recorrida, relativas ao exercício de 2005, no valor global de Euros 155.602.484,74;
s) As correcções ao lucro tributável, relativas ao exercício de 2005, determinaram que a ora impugnante passasse, em tal exercício, de um lucro tributável declarado de Euros 382.420.041,29 para um lucro tributável corrigido de Euros 538.022.526,03;
t) Ainda na sequência de tais correcções relativas ao exercício de 2005, o saldo dos prejuízos fiscais reportáveis, susceptíveis de ser utilizados em 2006, foi reduzido em Euros 155.602.482,74;
u) A legalidade das correcções efectuadas no exercício de 2005, encontra-se pendente de apreciação judicial, não tendo, por isso aquelas se tornado ainda definitivas na esfera jurídica da ora impugnante.
v) A questão da legalidade das correcções relativas à dedução de prejuízos fiscais em determinado exercício ter-se-á necessariamente de considerar como uma questão prejudicial na apreciação da legalidade dos actos tributário de liquidação, relativos a exercícios subsequentes aos dessas correcções, quando nestes últimos esteja em causa a dedução de prejuízos declarados /deduzidos anteriormente.
w) Em face do exposto, a apreciação da presente impugnação deverá, assim, ficar suspensa até que seja concluída a apreciação, em sede judicial, da legalidade das correcções efectuadas pelas autoridades Fiscais, ao exercício de 2005 da ora impugnante.»
E foram estes factos que o despacho recorrido teve em atenção para concluir que “… a decisão final a proferir na impugnação de IRC relativa a 2005 não pode deixar de afectar o julgamento a proferir na impugnação do IRC de 2006 no que respeita aos prejuízos reportados.”
Despacho este que não merece censura e se subscreve.
Com efeito, como este Supremo Tribunal Administrativo já várias vezes decidiu, a questão da legalidade das correcções relativas ao apuramento dos prejuízos fiscais em determinado exercício ou a alteração da dedução de prejuízos fiscais num determinado exercício na sequência de correcções à matéria colectável relativas a esse mesmo exercício, configuram questões prejudiciais face à apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação de impostos relativos a exercícios subsequentes àqueles, quando nestes últimos esteja em causa a possibilidade legal de dedução de prejuízos declarados anteriormente.
Assim no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.05.2011, recurso 238/11, ficou dito que, quando «na causa prejudicial se impugnam correcções efectuadas aos prejuízos fiscais e na dependente se efectua o reporte dos mesmos verifica-se entre as causas o nexo de prejudicialidade ou dependência justificativo da suspensão da instância».
E também no Acórdão de 11.09.2013, recurso 773/13, este Supremo Tribunal Administrativo afirmou que «o facto de a decisão a proferir na acção relativa ao IRC de 2002, tendo como consequência eventual a fixação dos prejuízos a reportar para exercícios futuros, levará a que, consoante o quantitativo fixado, este tenha reflexo no IRC de 2003, tendo como consequência a estruturação de liquidação correctiva, no âmbito da execução oficiosa do julgado por banda da AT, não afasta a justificação para a suspensão da instância, pois que a necessária e oficiosa reposição da legalidade em caso de procedência das pretensões anulatórias dos contribuintes não demonstra que não se justifique a suspensão da instância em casos, como o dos autos, em que a prejudicialidade se verifica não entre as acções mas entre os actos tributários que dela são objecto.»

Ora no caso subjudice, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto no parecer supracitado, a impugnante e ora recorrida demonstra, de forma convincente a relação de dependência entre a impugnação judicial da liquidação de IRC — exercício de 2005 (causa prejudicial) e a impugnação judicial da liquidação de I.R.C. — exercício de 2006 (presente causa dependente), pois a correcção de prejuízos efectuada pela A.T. quanto ao exercício de 2005 e que a recorrida pôs em causa pela impugnação nº 917/11.0BELRS é susceptível de projectar os seus efeitos na presente, pelo diferente reporte de prejuízos que da mesma pode resultar.
Prejudicialidade aliás que é evidente e resulta do relatório dos serviços de inspecção (vide fls 140 a 142 do 2º vol. do processo administrativo apenso) do qual decorre que na sequência de correcções ao lucro tributável relativas ao exercício de 2005, o saldo dos prejuízos fiscais reportáveis, susceptível de ser utilizado em 2006, foi reduzido em 155.602.484,74€, «em conformidade com as conclusões do processo de inspecção incidente sobre o exercício de 2005 (realizado ao abrigo da ordem de Serviço nº 200800051) e liquidação adicional nº 8500028664, de 2009-11-30» - cf. ponto IX.1.3 do relatório dos SIT a fls. 142 do referido 2º vol. do processo administrativo apenso).

Sendo certo que no referido exercício de 2006, a Administração Fiscal efectuou correcções ao lucro tributável da recorrida que originaram um aumento da respectiva matéria colectável, resultando tal acréscimo essencialmente das correcções relativas à dedução de prejuízos fiscais apurados de acordo com as conclusões do processo de inspecção incidente sobre o exercício de 2005 (no valor de 155.602.484,74 €) e, marginalmente, de outras correcções ao lucro tributável.
Daí que se conclua que existe uma dependência entre a apreciação da legalidade das correcções relativas à dedução de prejuízos fiscais do exercício de 2006,objecto da presente impugnação, e a apreciação da legalidade das correcções efectuadas com referência o exercício de 2005, objecto da impugnação nº 917/11.0BELRS, já que a decisão final a proferir nestes autos, nomeadamente quanto à legalidade daquelas correcções pode, por si só, modificar a situação jurídica a apreciar nos presentes.

Assim, e porque um dos valores que se pretende tutelar com a suspensão da instância prevista no artº 279º, nº 1, do Código de Processo Civil tem precisamente a ver com a coerência das decisões, procurando evitar julgamentos não coincidentes sobre a mesma questão, não se verificando nem sendo alegados os pressupostos negativos a que alude o nº 2 do artº 279º, forçoso é concluir que bem andou decisão recorrida ao suspender a instância, merecendo, por isso, ser confirmada.

Custas pela Fazenda.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2014. – Pedro Delgado (relator) – Valente TorrãoAscensão Lopes.