Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0960/17
Data do Acordão:11/30/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Sumário:I - Nos termos do artigo 146º nº1 do CPTA, é atribuída ao Ministério Público legitimidade para emitir parecer sobre o mérito de recurso jurisdicional interposto por terceiros, sempre que, no seu entender, assim o imponha a defesa de algum dos direitos, interesses, valores ou bens referidos no n.º 2 do art. 9.º do CPTA.
II - Esta pronúncia do Ministério Público sobre o mérito do recurso não abrange a emissão de promoções adjectivas, nem a intervenção em defesa da chamada legalidade processual onde se incluem a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao prosseguimento do processo.
III - O que significa que não pode suscitar questão relativa a legalidade processual que não constituía o objecto do recurso e não tinha sido invocada por qualquer uma das partes, de forma de impôr sobre o julgador o seu conhecimento como questão prévia autónoma.
Nº Convencional:JSTA00070435
Nº do Documento:SA1201711300960
Data de Entrada:10/26/2017
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS DE 2017/05/18
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT.
Legislação Nacional:CONST05 ART212 ART219.
ETAF02 ART51.
CPTA02 ART1 ART7A ART9 N2 ART11 N2 ART85 N2 ART141 N1 ART146 N1
CPC13 ART615 N1 D ART629.
EMP98 ART1.
L 74/2013 DE 2013/09/06 ART8 N4.
L 63/2011 DE 2011/12/14 ART39 N4 ART46.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01354/12 DE 2015/01/29.; AC TCAS PROC0342/04 DE 2004/11/18.
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA (LIÇÕES) 8ED PAG455.
AROSO DE ALMEIDA E FERNANDES CADILHA - COMENTÁRIO AO CPTA 2005 PAG725.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
I-RELATÓRIO

1. O MINISTÉRIO PÚBLICO vem interpor recurso jurisdicional do acórdão de 18 de Maio de 2017 do TCAS que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto do Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) de 12/1/2017 (que condenara o A………. Clube ao pagamento de multa no montante de 408,00 €, pela prática da infracção disciplinar, p. e p. nos termos do art. 80º RDFPF no âmbito do pedido de arbitragem necessária do Acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Não Profissional) de 12 de Agosto de 2016, relativo ao processo disciplinar nº 55/D.-15/16, que absolvera da prática da mesma infracção disciplinar, o Contra-interessado, A………. Clube).

2. O Recorrente apresenta as suas alegações (fls. 175/201), em que conclui:

“1. O Douto Acórdão cuja Revista se pretende seja admitida e apreciada pelo Venerando Supremo Tribunal Administrativo foi proferido em processo de Recurso Jurisdicional Urgente – 5ª espécie - interposto pela Federação Portuguesa de Futebol, de Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto em 12 de Janeiro de 2017.

2. Este Acórdão foi proferido na sequência de pedido apresentado por B………. Clube contra a FPF e A……….. Clube e deu parcial provimento ao recurso, revogou a decisão do Conselho de Disciplina da FPF, condenando o A……….. Clube pela prática da infracção prevista e punida no art° 80° n° 1 a) do Regulamento de Disciplina da FPF.

3. A FPF interpôs Recurso Jurisdicional para o TCAS com os fundamentos supra mencionados mas com desrespeito pelo previsto nos art°s 39°, 42° e 46° da Lei de Arbitragem Voluntária aplicável por força do disposto no art° 8° n° 4 da Lei n° 74/2013.

4. Os fundamentos trazidos para fundamentar o recurso pela FPF, não constam do elenco de fundamentos permitidos pelo art° 46° da LAV.

5. O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do art° 146° do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e suscitou a questão da inadmissibilidade do recurso interposto pela FPF.

6. Sobre o Parecer do Ministério Público o Tribunal a quo decidiu que “não cumpre conhecer da mesma, pois a notificação que lhe foi feita, nos termos do art. 146° n.º 1, do CPTA, foi apenas para, querendo, se pronunciar sobre o mérito do recurso, não abrangendo o poder de se pronunciar sobre a legalidade processual (isto é, sobre a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao prosseguimento do processo), ou seja, deve-se ter por não escrito o parecer do MP no segmento em que suscita a questão prévia...”.

7. O tribunal a quo não apreciou expressa e concretamente a questão suscitada no Parecer do Ministério Público sendo certo que a apreciação da questão da “(in)admissibilidade” teria de preceder a apreciação do mérito do recurso.

8. Ao decidir como decidiu, o TCA Sul pôs em causa o normal exercício de funções do Ministério Público junto deste Tribunal Superior, de defesa da legalidade democrática que lhe está legal e estatutariamente confiada (art°s 51° do ETAF e 1º do EMP), considerando, como considerou que a notificação que lhe foi feita, foi, apenas, para se pronunciar sobre o mérito do recurso e que a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao prosseguimento do processo, são da competência exclusiva do Juiz, uma vez ouvidas as partes, não competindo ao Ministério Público emitir promoções sobre elas.

9. Dando como não escrito o Parecer emitido pelo Ministério Público no segmento em que foi suscitada a questão da admissibilidade do recurso e sendo esta de conhecimento oficioso, o tribunal a quo acabou por violar de forma flagrante e grave o estabelecido nos art°s 629° do CPC e 8° n° 4 da Lei nº 74/2013, 39° n° 4 e 46° da LAV e também os deveres de gestão processual — art° 7°-A do CPTA - e o princípio de que não devem ser praticados no processo actos inúteis, como será o acórdão revidendo se a questão suscitada vier a ser julgada procedente.

10. Para além disso, o TCA Sul decidiu com flagrante violação, entre outros, do disposto no art° 51º do ETAF, do art° 1º do Estatuto do Ministério Público e também do art° 219º nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

11. A questão de direito que aqui suscitamos versa sobre as funções do Ministério Público tal como constam das normas vigentes e aplicáveis no Contencioso Administrativo e bem assim no seu Estatuto e na CRP, constitui violação de norma, cuja interpretação e correcta aplicação torna necessária e imperiosa a intervenção do STA, face ao erro grave em que incorreu este TCA Sul, ao desvalorizar e ignorar o conteúdo do Parecer do Ministério Público em matéria muitíssimo relevante como é a do exercício da sua importante função de defesa da legalidade e também em matéria muitíssimo importante como é a da jurisdição das diversas ordens de tribunais, o âmbito e competência da jurisdição administrativa e da competência dos respectivos tribunais.

12. O tribunal a quo também não teve em conta o seu dever de conhecer e de se pronunciar sobre a questão da inadmissibilidade suscitada, uma vez que tal questão é de conhecimento prioritário e oficioso, independentemente da circunstância em que a mesma foi suscitada e trazida ao processo.

13. Ao apreciar e decidir, de mérito, a pretensão formulada pela recorrente, sem que, precedentemente, se tenha pronunciado e tenha apreciado a questão suscitada, o TCA Sul violou, também, de forma flagrante e grosseira, o disposto nos art°s 629° do CPC e 8° da Lei n°74/2013.

14. Estamos perante um contencioso que envolve interesses públicos muito relevantes do Estado Português mas, também, da comunidade portuguesa; em causa estão, não só interesses imateriais importantes, relacionados com o cumprimento das leis, o respeito pelo sistema jurídico, o prestígio, honorabilidade e bom funcionamento das instituições, sendo crucial a apreciação das questões em litígio, suscitando-se dúvidas no seu tratamento e importando delimitar a melhor interpretação a dar aos preceitos invocados como tendo sido ofendidos — cf. art°s 219° da CRP, 1° do EMP, 51° do ETAF e 7°-A e 13° do CPTA.

15. As questões em análise no presente recurso relacionadas com o funcionamento das organizações que gerem o desporto profissional e não profissional assumem, em regra relevância social e colectiva.

16. Invoca-se erro de julgamento evidente do douto Acórdão sub judice, lapso clamoroso e manifesto e notório erro de interpretação dos preceitos ao abrigo dos quais o Ministério Público, no exercício das funções que lhe estão confiadas, se pronunciou, em defesa da legalidade.

17. Acresce ainda outro erro de julgamento resultante da circunstância de o tribunal a quo ter apreciado o mérito do recurso sendo certo que o mesmo é inadmissível por não respeitar os termos e fundamentos previstos na LAV, aplicável por remissão do art° 8º nº 4 da Lei n°74/2013.

18. Foram ofendidos os preceitos legais já mencionados como sejam os art.°s 212° da CRP, 1° do EMP, 51° do ETAF e 141 e 146° do CPTA, impondo-se, o recebimento do presente recurso jurisdicional de revista e a revogação do douto Acórdão recorrido com todas as legais consequências.

19. A intervenção do STA é de se considerar justificada in casu, em que as questões em apreço são de assinalável relevância e de enorme utilidade prática, pois a decisão recorrida constitui um clamoroso erro na aplicação do direito e pode acarretar graves danos para o interesse público, se o recurso não for apreciado, devendo o douto Acórdão ser sindicado por esse Supremo Tribunal.

20. A intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa portuguesa, tem plena justificação, razão por que, deverá ser admitido o presente recurso de revista, face à clara necessidade de uma melhor aplicação do direito em causa, pois só assim se fará boa administração da justiça, em sentido amplo e objetivo, sendo necessária orientação jurídica esclarecedora que possa surgir do entendimento desse Supremo Tribunal, face às dúvidas suscitadas — art.° 150.°, n.°s 1, 2 e 4, do CPTA.

21. Notificado nos termos e para o efeito do art° 146° do CPTA o Ministério Público emitiu o seu parecer sobre o mérito do recurso e previamente suscitou a incompetência da Jurisdição Administrativa uma vez que entendeu que entre a requerente e o BdP não existe qualquer relação jurídica administrativa e fiscal, sendo certo que de acordo com o art° 212° da CRP são os litígios emergentes dessa espécie de relação que são julgadas pelos tribunais administrativos e fiscais.

22. Sobre o parecer do Ministério Público o Tribunal a quo decidiu no sentido de que “não cumpre conhecer da mesma, pois a notificação que lhe foi feita, nos termos do art. 146° n,° 1, do CPTA, foi apenas para, querendo, se pronunciar sobre o mérito do recurso, não abrangendo o poder de se pronunciar sobre a legalidade processual (isto é, sobre a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao prosseguimento do processo), ou seja, deve-se ter por não escrito o parecer do MP no segmento em que suscita a questão prévia...”.

23. Em consequência o tribunal a quo não apreciou expressa e concretamente a excepção suscitada no Parecer do Ministério Público sendo certo que o âmbito da jurisdição e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies é de ordem pública e precede o conhecimento de qualquer outra matéria (art° 13° do CPTA).

24. Tendo sido suscitada a excepção, como foi, pelo Ministério público a quem compete a defesa da legalidade democrática - a lei não distingue se é legalidade substantiva se é legalidade processual - e que ao abrigo do disposto no art° 146° do CPTA é um interveniente processual, devia, o tribunal a quo ter apreciado e decidido a mesma, sob pena de omissão de pronúncia o que acarreta a nulidade do acórdão proferido, conforme preceitua o art° 615° n° 1 d) do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no art° 1° do CPTA.

25. Mesmo considerando, o que não admitimos, que o Ministério Público apenas pode pronunciar-se sobre o mérito do recurso, sendo a questão da “inadmissibilidade do recurso” uma questão de conhecimento oficioso, estava o tribunal a quo vinculado a apreciá-la, porque tal lhe é imposto nos termos do estipulado nos 629° do CPC e 8° da Lei n° 74/2013 e ainda do art° 7°-A do CPTA.

26. O art° 146° do CPTA não pode ser lido e interpretado isoladamente, tendo apenas em consideração o elemento literal devendo, o preceito ser lido e interpretado, integrado no sistema jurídico que é lógico, coeso e sem contradições.

27. O art° 146° do CPTA não revogou qualquer das normas que confiam ao Ministério Público a defesa da legalidade, nuns casos por ser uma norma de valor e força idêntica e no caso do art° 212° da CRP, por não ter força e valor para tanto e ao defender a legalidade democrática, o Ministério Público fá-lo sempre que esteja no exercício das suas funções.

28. Podendo interpor recurso de todas as decisões judiciais de acordo com o previsto no art° 141° do CPTA, não faz qualquer sentido que ao intervir previamente no processo, ao abrigo do art° 146° do mesmo diploma, não possa suscitar questões de natureza adjectiva e possa posteriormente impugnar a decisão proferida que não conheceu dessa questão e que considera ilegal.

29. Foram ofendidos os preceitos legais já mencionados como sejam os art.°s 212° e 219° da CRP, 1° do EMP, 51º do ETAF, 7°-A, 141° e 146° do CPTA...”

3. A RECORRIDA, FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, conclui as suas contra-alegações da seguinte forma:

“1. A intervenção do Ministério Público em matéria de recursos jurisdicionais encontra-se devidamente prevista e regulada nos termos da lei processual aplicável, em concreto, no artigo 146.º do CTPA, intervenção essa que não é livre, no sentido de que o Ministério Público não decide, discricionariamente, em que casos emite parecer e em que casos não o faz nem em que matérias pode pronunciar-se.

2. Pelo contrário, a intervenção do Ministério Público deve obedecer a um conjunto de requisitos, de carácter restritivo, que o legislador entendeu legitimarem (apenas se reunidos esses requisitos) essa mesma intervenção.

3. Sobre esta concreta matéria, existe vasta jurisprudência dos Tribunais Centrais e do próprio STA assim como doutrina que consideram esta uma “intervenção qualificada”, onde as questões de legalidade processual que não tenham sido suscitadas pelas partes, ou seja, que não impliquem a apreciação do mérito do recurso, não podem ser objeto de parecer por parte do Ministério Público.

4. Ora, no parecer apresentado pelo Ministério Público, ora Recorrente nos autos, não é indicado qual o fundamento constante do CPTA (ou da CRP) que esteve subjacente à emissão do mesmo, qual o interesse ou valores que o Ministério Público se encontra a proteger ou quais os direitos fundamentais que pretende com ela salvaguardar.

5. Andou, bem, portanto, o Tribunal a quo e não existe qualquer interesse em que esta matéria seja (novamente) apreciada por este STA pelo que o recurso deve desde logo improceder.

6. Por outro lado, o Recorrente incorre em grave erro de apreciação das normas que sustentam a admissibilidade do recurso de decisões do TAD para o TCA Sul.

7. O Recorrente olvida que estamos perante um processo arbitral necessário e não perante um processo arbitral voluntário, e, mais grave, olvida todo o processo de aprovação da Lei do TAD em particular no que respeita ao regime de recursos, que culminou com a consagração de um regime de recurso para o TCA Sul das decisões proferidas no âmbito da arbitragem necessária (e um alternativo para uma câmara de recurso interna).

8. Esta questão da recorribilidade das decisões proferidas pelo TAD em sede de arbitragem necessária foi por duas vezes sujeita ao crivo do Tribunal Constitucional (nos Ac. n.º 230/2013 e Ac. n.º 781/2013) de onde resultou clara a exigência de que a Lei do TAD fosse alterada no sentido de prever um regime de recursos para os tribunais estaduais.

9. Com a publicação da Lei n.º 33/2014 os problemas de constitucionalidade em volta do regime de recursos consagrado na Lei do TAD viram um ponto final e a regra vigente é a de que das decisões dos árbitros proferidos no âmbito da arbitragem necessária existe recurso para o Tribunal Central Administrativo.

10. Com efeito, prevê agora o n.º 1 do artigo 8.º da Lei do TAD uma alternatividade de recursos, podendo as partes escolher em renunciar ao recurso para os tribunais comuns (sobrando apenas o recurso para a câmara de recurso do TAD) ou em nada dizer, caso em que se abre a possibilidade de recorrer para o Tribunal Central Administrativo.

11. A Lei de Arbitragem Voluntária apenas se aplica, naturalmente, aos processos arbitrais e natureza voluntária e não de natureza necessária, e quando as partes decidam renunciar ao recurso, fica sempre salvaguardada a impugnação da decisão e o recurso para o Tribunal Constitucional, e é este o sentido do n.º 4 do artigo 8.º

12. No caso concreto, as partes nada acordaram previamente (designadamente, não renunciaram ao recurso) e estamos perante um recurso apresentado de uma decisão arbitral proferida no âmbito da arbitragem necessária do TAD, pelo que dúvidas não existem — o que fica cabalmente demonstrado — que o recurso é perfeitamente admissível.

13. Deste modo, deve improceder o alegado pelo Recorrente quanto a esta matéria. Aliás, uma decisão em contrário seria absolutamente desrespeitadora do que ficou determinado, por duas vezes, pelo Tribunal Constitucional aquando da aprovação da Lei do TAD, que quis expressamente que ficasse assegurado o recurso aos tribunais do estado, no caso, ao Tribunal Central Administrativo Sul.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso Jurisdicional e, consequentemente, ser mantido o Acórdão recorrido...”

4. Sobre este recurso recaiu o despacho de sustentação e admissão do recurso, fls. 221/2, e, no tocante à arguida nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, fez expressa menção da pronúncia do acórdão recorrido a fls. 157/8.

5. A revista foi admitida por acórdão de 4.10.2017, da formação deste STA, fls. 228/230, a que alude o nº5 do artº 150º do CPTA, donde se extrai o seguinte:

“(...) 4. Conforme resulta do exposto a questão que o M.P. suscita nesta revista nada tem a ver com o mérito da causa do Acórdão recorrido mas apenas com uma questão que precede o conhecimento daquele, qual seja a de saber quais as questões que pode suscitar no âmbito da pronúncia que lhe cabe a fazer a coberto do disposto no art.º 146.º do CPTA.

Ainda muito recentemente esta Formação não admitiu duas revistas que versavam sobre essa problemática com o fundamento de que não se justificava o seu recebimento não só por se estar perante processos urgentes em que as partes haviam acatado as decisões recorridas como pela sua remota instrumentalidade (Acórdãos de 14/09/2017, rec.s 858/17 e 866/17).

Todavia, surgindo-nos o problema mais uma vez, o que indicia a sua recolocação frequente, importa repensar se essa problemática não merece o recebimento do recurso. E isto porque tal evidencia que, por um lado, não são assim tão raras as situações em que o M.P. recorre para que se aprecie essa matéria como, por outro, é importante que o Supremo proceda ao esclarecimento dessa questão por a mesma ter a relevância jurídica suficiente para merecer a admissão da revista.”

6. Cumpre decidir sem vistos.

II- FUNDAMENTOS

O acórdão recorrido deu como assente a matéria de facto fixada em 1ª instância:

“1. Por e-mail datado de 18.01.2016, o B……….. Clube pediu à FPF autorização para transmitir, via streaming, o jogo que opunha aquele ao C………, a realizar-se no dia 23.01.2016, pelas 15:00, a contar para a primeira fase da série H do Campeonato de Portugal Prio.

2. Em 20.01.2016, também via e-mail, o Serviço de Competições da FPF informou o B……….. Clube que não era possível autorizar a transmissão, uma vez que já haviam aceite a transmissão do jogo entre o ……… e ………. contra o ……….

3. No dia 23.01.2016, respeitante à última jornada do Campeonato de Portugal Prio, 1.ª Fase - Série H, época 2015/2016, defrontaram-se o A………. Clube e o ………… Clube.

4. No dia 26 de Janeiro de 2016, o B………. Clube, em e-mail enviado ao departamento de competições da Federação Portuguesa de Futebol, informou que o referido jogo A………. Clube/………. Clube havia tido transmissão streaming pela A…….. TV (A………. Clube TV), a televisão oficial do A……..C (vídeo de https://Ognxhi.s.cld.pt)

5. Em 10.02.2016, o B……….. Clube informou os autos disciplinares do vídeo referente à transmissão do jogo, a que se acedia por via do link https://351ewt.s.cld.pt

6. O vídeo referente à transmissão do jogo encontrava-se alojado/localizado na Cloud, em 09.02.2016, 1506, de 2.4GB, sob a referência A…..X…._entre_outros_mp4, com referência ao produto USSTREAM Live que consiste numa aplicação destinada à única função de transmissão em streaming.

7. A transmissão em streaming consubstancia-se numa transmissão de dados em tempo real, o que conduz a que, após a transmissão em streaming, os links envolvidos em tal transmissão apresentem conteúdo vazio.

8. Não foi pedida à Federação Portuguesa de Futebol a transmissão televisiva do referido jogo entre o A………. Clube e o ……… Clube.

9. A Federação Portuguesa de Futebol não autorizou a transmissão televisiva em directo ou em deferido do jogo entre o A………. Clube e o ……….. Clube.

10. O A……… Clube é titular da página de Facebook “A……… Clube- Oficial”, no qual faz diversas publicações referentes ao dia a dia do clube, entre anúncios de jogos, entrevistas a agentes desportivos e inclusive assembleias.

11. Os dados constantes da informação da página de Facebook “A……….. Clube-Oficial” são coincidentes com o site oficial do clube a saber http://www.A.........clube.pt.

12. O A……… Clube divulgou, quer através do Facebook, quer através do site oficial do Clube, a transmissão do jogo em causa.

13. No dia 22 de Janeiro de 2016 pelas 08:10h, na sua página oficial, o A………. Clube partilhou uma publicação da A……… TV onde se refere que “No próximo Sábado faremos a última transmissão da época. O jogo A……..-……. vai ter transmissão em directo na A…….. TV.

14. O canal A……… TV possui uma página oficial na rede social Facebook, na qual se apresenta como o “Canal de divulgação e promoção do A……….. Clube no Facebook” e no qual publicita o facto de se poder acompanhar pela página “todas as transmissões em directo”.

15. Da informação da referida página na rede social Facebook consta, além de um e-mail próprio, a indicação do site e do contacto telefónico do A……….. Clube.

16. No site oficial do A……….. Clube, http://www.A..........clube.pt, existia um link para acesso à A……… T\/.

17. No site oficial do A………. Clube foram feitas solicitações de apelo financeiro por parte da massa associativa para a transmissão do jogo dos autos.

18. Do print screen do referido site oficial do A……… Clube, estava inscrita uma hiperligação de acesso com a seguinte frase: “caso pretenda ajudar o A……… nas transmissões em directo, clique aqui”.

19. Clicando em tal hiperligação obtém-se uma imagem com dados de uma conta do A………. Clube no Banco ……….. com o IBANPT…………. (“A pedido do nosso cliente A……….. CLUBE vimos informá-lo dos dados da conta ……….. .... Com os melhores cumprimentos. Banco ……….”).

20. O A……….. Clube obteve um benefício económico com a transmissão do jogo, quer através de donativos para IBAN que indicou, quer através do aumento de visualizações do site durante a transmissão do jogo.

21. O A……….. Clube realizou a transmissão do referido jogo pela A……… TV, utilizando um sistema de transmissão em streaming na internet.

22. O A……….. Clube tem cadastro disciplinar, nunca tendo sido condenado pela infracção que lhe é imputada e que se encontra p. e p. pelo artigo 80°, n.° 5 do RD da FPF”.


*

O DIREITO

1.Começa o MP, aqui recorrente, por invocar que ocorre nulidade de acórdão nos termos do art. 615º nº 1 al. d) do CPC ex vi art. 1º do CPTA já que o tribunal não conheceu da excepção por si suscitada, o que se impunha, face ao facto de competir ao MP a defesa da legalidade democrática e a lei não distinguir se está em causa uma legalidade substantiva ou processual.

Então vejamos.

Nos termos do art. 615º nº1 al. d) do CPC relativo aos casos de nulidade de sentença:

“O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Ora, não estamos perante qualquer nulidade de acórdão já que não houve por parte do tribunal uma omissão de conhecimento de qualquer questão, estando nós antes perante uma posição jurídica tomada pelo tribunal no sentido de não dever conhecer dessa questão.

Tanto assim, que a questão de saber se o tribunal andou bem ao entender não conhecer da questão alvo da invocada nulidade por omissão de pronúncia constitui o objecto do recurso de revista aqui em causa.

Não estamos, pois, perante qualquer nulidade por omissão de pronúncia mas antes perante uma posição jurídica, ainda que discutível, de não ser possível conhecer da referida questão.

O que se traduz eventualmente em erro de direito e não em qualquer omissão de pronúncia.

Não ocorre, pois, qualquer nulidade.

2. Estamos perante recurso de revista de um acórdão do TCAS que anulou uma decisão do TAD que concedera parcial provimento ao recurso de uma decisão do Conselho de Disciplina da FPF que, no âmbito de um processo disciplinar, absolvera o A……….. Clube da prática de uma infracção disciplinar.

A questão que aqui se coloca é a de saber se o Ministério Público pode suscitar, nos termos e para os efeitos do art.° 146° do CPTA, a questão da inadmissibilidade do recurso interposto pela FPF.

Extrai-se do acórdão recorrido, nesta parte:

“(...) Quanto à questão prévia suscitada pelo MP no respectivo parecer (inadmissibilidade do presente recurso jurisdicional), não cumpre conhecer da mesma, pois a notificação que lhe foi feita, nos termos do art. 146° n.° 1, do CPTA, foi apenas para, querendo, se pronunciar sobre o mérito do recurso, não abrangendo o poder de se pronunciar sobre a legalidade processual (isto é, sobre a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao prosseguimento do processo), ou seja, deve-se ter por não escrito o parecer do MP no segmento em que suscita a questão prévia.”

Pretende o recorrente que a decisão recorrida ao considerar não escrito o Parecer emitido pelo Ministério Público, nessa parte, violou os artigos 629°do CPC e 8° n° 4 da Lei n° 74/2013, 39° n° 4 e 46° da LAV e também os deveres de gestão processual - art.° 7°-A do CPTA - e o princípio de que não devem ser praticados no processo actos inúteis.

A questão é mais, a nosso ver, saber se o Ministério Público, notificado para se pronunciar, querendo, sobre o mérito do recurso, nos termos do art. 146°, n.º 1, do CPTA, pode abranger, nessa pronúncia, questões de legalidade processual (isto é, sobre a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao prosseguimento do processo), que impliquem para o tribunal vinculação de pronúncia.

Como se extrai do Ac. deste STA – Proc. 01354/12 de 29-01-2015:

“Nos termos do art. 146º nº1 do CPTA:

“1 - Recebido o processo no tribunal de recurso e efetuada a distribuição, a secretaria notifica o Ministério Público, quando este não se encontre na posição de recorrente ou recorrido, para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre o mérito do recurso, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no nº 2 do artigo 9º”.

Este preceito atribui ao Ministério Público legitimidade para emitir parecer sobre o mérito de recurso jurisdicional interposto por terceiros, em qualquer tipo de processo, sempre que, no seu entender, assim o imponha a defesa de algum dos direitos, interesses, valores ou bens, nele referidos, ou seja, de uma situação justificada pela defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou dos valores ou bens referidos no nº2 do artigo 9º do CPTA (saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais).

E resulta, desde logo do mesmo que, nos recursos jurisdicionais, o MP não emite parecer final quando se encontre na posição de recorrente ou de recorrido, ou seja, nomeadamente quando o processo tenha sido desencadeado por si no exercício da ação pública ou quando nele tenha intervindo no exercício do patrocínio judiciário do Estado ou de outras pessoas ou entidades (art. 11º nº2 do CPTA).

É que, nestas situações, na posição de parte, o MP pode impugnar as decisões judiciais ou contra-alegar, se for caso disso.

Pelo que, apenas quando tal não acontecer, ou seja, quando não for parte no processo, quer na posição de recorrente quer de recorrido nas situações referidas, pode o MP emitir parecer sobre o mérito do recurso.

Não lhe é permitido, pois, intervir no âmbito deste preceito, na defesa da mera legalidade processual (a não ser quando ela seja o próprio objeto do recurso), que por si só não constitui direito fundamental ou interesse público especialmente relevante [neste sentido ver José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 8ª edição, página 455; e AC TCAS de 18.11.04, Rº342/04].

Pelo que, não deixa de ser questão de mérito o conhecimento de questão processual que seja objeto do recurso, isto é, o MP não pode suscitar uma questão de legalidade processual (como é o caso da nulidade em questão nos presentes autos) mas já poderá pronunciar-se sobre a mesma se for o objeto do recurso e entender que o justifica a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, em interesses públicos especialmente relevantes ou valores ou bens referidos no nº 2 do artigo 9º do CPTA (saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais), ao abrigo dos artigos 85º nº2 e 146º, nº 1, do CPTA.

A este propósito e como diz Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilhe em anotação a este art. 146ª do Comentário ao CPTA 2005, pág. 725):

“(...) Por outro lado, o MP, independentemente de ter sido parte no processo, tem legitimidade para impugnar as decisões judiciais, nos termos previstos no art. 141º nº1. A emissão de parecer sobre o mérito do recurso jurisdicional só se justifica, assim, quando o MP não seja parte no processo e não tenha de intervir nessa qualidade, e não tenha interposto recurso por sua própria iniciativa.

Por outro lado, essa intervenção, quando tenha lugar, opera em relação a qualquer tipo de processo, e não apenas no âmbito da ação administrativa especial, embora se encontre condicionada à existência, no caso concreto, de uma situação em que a emissão de parecer se justifique em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de alguns dos valores ou bens... Por outro lado, essa notificação deve ter lugar em todos os recursos jurisdicionais, cabendo ao MP avaliar se se verifica o condicionalismo que justifica a intervenção, devendo considerar-se como precludido o direito processual logo que transcorra o prazo de 10 dias...”.

A intervenção do Ministério Público ao abrigo deste preceito traduz, pois, o exercício de verdadeiro poder-dever de raiz constitucional, cujo exercício obedece a um critério de oportunidade de intervenção que a ele, enquanto órgão titular da função de defesa da legalidade cabe exercer, dependendo da interpretação que o respetivo magistrado do Ministério Público faça quanto à relevância dos interesses em jogo, juízo esse que não é suscetível de controlo jurisdicional.

Em suma, cabe ao MP avaliar se se verifica o condicionalismo referido na lei.

Mas, quando o MP está na posição de parte nos termos supra citados pode e deve o tribunal controlar se o mesmo está impedido de emitir parecer assim como de aferir se está em causa uma questão de mérito (mesmo que o conhecimento do mérito se possa traduzir no conhecimento de uma questão processual) ou se o MP invocou ele mesmo uma questão de legalidade processual (sobre a regularização da petição, exceções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao prosseguimento do processo).

É, pois, diferente a situação em que o Ministério Público suscita determinada questão processual daquelas em que apenas se pronuncia sobre o mérito de questão processual em causa no recurso, sendo esta última a situação dos autos.

Enquanto para a primeira situação o tribunal terá de conhecer da falta de legitimidade para tal, na segunda, o tribunal tem perante si uma pronúncia sobre a qual não lhe cabe apreciação, surgindo o MP apenas como um auxiliar da decisão final....”

Em suma, nos termos do artigo 146º nº1 do CPTA, é atribuído ao Ministério Público legitimidade para emitir parecer sobre o mérito de recurso jurisdicional interposto por terceiros, sempre que, no seu entender, assim o imponha a defesa de algum dos direitos, interesses, valores ou bens referidos no n.º 2 do art. 9.º do CPTA.

A pronúncia do Ministério Público sobre o mérito do recurso não abrange a emissão de promoções adjectivas, nem a intervenção em defesa da chamada legalidade processual onde se incluem a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao prosseguimento do processo.

A identificação e avaliação destas questões são da competência exclusiva do Juiz.

Aquela intervenção do MP [se não for parte] opera em qualquer tipo de processo, limitando-se ao pronunciamento sobre o próprio mérito do recurso, e está condicionada à existência, no caso concreto, de uma situação em que esse pronunciamento seja justificado pela defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou dos valores ou bens referidos no nº2 do artigo 9º do CPTA, não sendo permitida a intervenção quando ocorra na defesa da mera legalidade processual.

Aliás, esta, por si só, não constitui direito fundamental ou interesse público especialmente relevante como resulta do que diz José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 8ª edição, página 455.

Compete-nos, assim, aferir se o MP é parte, recorrente ou recorrido, e se está em causa a legalidade processual ou uma questão de mérito ainda que esta possa ser uma questão processual.

Ora, no caso sub judice, podemos concluir que o MP não é parte e vem suscitar uma questão relativa à legalidade processual (não admissibilidade do recurso) que não constituía o objecto do recurso e não tinha sido invocada por qualquer uma das partes.

Daí que possamos concluir, nos termos supra expostos, que não podia suscitá-la em termos de impôr sobre o julgador o seu conhecimento como questão prévia autónoma.

3. Não se diga, também, que, ao assim se entender, foi violado o artigo 629.º do CPC já que o mesmo diz respeito às decisões que admitem recurso e não está aqui em causa nenhum recurso interposto pelo MP, mas antes um parecer emitido pelo mesmo numa fase processual única e exclusivamente para esse efeito.

4.E, também, não se diga que foram violados os art. 39º nº 4 e 46º da LAV.

Aquele art 39º nº4 dispõe que:

"4 - A sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável”.

O artigo 46º é relativo à impugnação da sentença arbitral e às formas que a mesma possa revestir salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do referido n.º 4 do artigo 39º.

Mas, esta é a questão processual invocada pelo MP e que o tribunal não lhe permitiu invocar.

Pelo que, apenas e se tal fosse possível é que poderíamos conhecer da violação destes preceitos e assim conhecer da admissibilidade de recurso da decisão do tribunal arbitral.

5.Quanto à questão da inutilidade de actos a questão não se coloca já que estamos tão só perante regras processuais que há que cumprir, não sendo possível nem às partes nem ao juiz afastar a sua incidência.

E, não foram, por isso, também preteridos o art. 8° n° 4 da Lei nº 74/2013, art° 7°-A do CPTA assim como os art.°s 212° e 219° da CRP, 1° do EMP, 51º do ETAF.

Senão vejamos.

Nos termos do artigo 8.º nº4 supra citado:

“4 - Fica salvaguardada, em todos os casos, a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e de impugnação da decisão com os fundamentos e nos termos previstos na LAV.”

Relativamente à invocada violação deste preceito pelo acórdão recorrido não se percebe de que forma é que o recorrente pretende que tal acontece já que no art. 146.º do CPTA disciplina-se aquilo que é a intervenção do MP em sede de recurso jurisdicional quando o mesmo não é nem recorrente, nem recorrido, ao passo que no aludido preceito tido por infringido está em causa não a disciplina dos poderes de intervenção do MP em sede de recurso mas a garantia do direito ao recurso, mormente, seus fundamentos e definição dos tribunais a que os recursos podem ser dirigidos.

Sendo que a questão aqui em causa não é a de saber se o recurso é ou não admissível mas tão só se o MP pode suscitar com autonomia tal questão.

Quanto ao artigo 7.º-A do CPTA, relativamente ao dever de gestão processual, o mesmo dispõe que : “1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.

2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando-as a praticá-lo.

3 - Das decisões referidas no n.º 1 não é admissível recurso, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.”

Ora, não se vê de que forma apenas porque é lícito ao juiz conhecer oficiosamente de uma questão não seja possível que a lei obstaculize a que o MP a invoque formal e autonomamente relativamente às partes interessadas.

Quanto aos referidos preceitos constitucionais também não se vê onde os mesmos tenham sido preteridos já que, como resulta do art. 219º da CRP compete ao Ministério Público representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar e tal não contende com o facto de o MP em certos tipos de processos e a propósito de um parecer sobre o mérito não poder suscitar a questão da admissibilidade do recurso de forma a que o tribunal se tenha de pronunciar sobre a mesma como questão prévia.

O que não contende com a possibilidade de o juiz a poder suscitar oficiosamente, se for o caso.

Assim, se a lei, o art. 146º do CPTA, não determina ao MP a incumbência de defender os referidos interesses, não foram violados quaisquer preceitos constitucionais.

Os referidos preceitos constitucionais, legais e do ETAF não coarctam, pois, de forma alguma, o conteúdo do art. 146º do CPTA, na interpretação supra referida.

Daí que, não se possa atacar a decisão recorrida ao desconsiderar parte do parecer do MP relativo à legalidade processual no sentido de não se sentir vinculado a conhecer da questão como formalmente invocada, independentemente de a forma utilizada de considerar “não escrito” a parte do parecer, poder não ser a mais feliz e correcta.

Não podemos esquecer que estamos no âmbito de uma questão de conhecimento oficioso que o tribunal sempre podia e devia suscitar, sendo o caso, na certeza de que o MP, no uso dos poderes e faculdades estatutários e processuais, sempre assiste legitimidade activa para interpor recurso jurisdicional em defesa da legalidade (processual ou substantiva).

Mas, o que releva é que podia o acórdão recorrido não conhecer da mesma como questão autónoma a ter de merecer por si pronúncia.

Pelo que, a nível de fundo, o recurso não merece provimento.


*

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida nos termos supra expostos.

Sem custas.

Lisboa, 30 de Novembro de 2017. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.