Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02465/10.3BELRS |
Data do Acordão: | 11/10/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | IVA TRIBUNAL DE JUSTIÇA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO NULIDADE PROCESSUAL |
Sumário: | I - O TJUE, pelo seu acórdão de 10 de Julho de 2014, proferido no processo C-183/13, considerou que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. II - Em face da interpretação fornecida pelo TJUE sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos. III - Se, previamente à prolação da decisão, que se sustentou na referida jurisprudência do TJUE, que vincula os tribunais nacionais, não foi facultada ao impugnante – que apresentou a petição inicial antes da pronúncia do TJUE – a possibilidade de ajustar a sua alegação de facto à doutrina nele veiculada, designadamente permitindo-se-lhe complementar a factualidade alegada em ordem a determinar se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos, é de julgar procedente a nulidade processual por violação do princípio do inquisitório, a determinar a anulação da decisão recorrida. |
Nº Convencional: | JSTA000P28500 |
Nº do Documento: | SA22021111002465/10 |
Data de Entrada: | 07/03/2019 |
Recorrente: | A................ - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A. |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2465/10.3BELRS Recorrente: “A………….. - Instituição Financeira de Crédito, S.A.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida da liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, que lhe foi efectuada pela AT com referência ao mês de Dezembro de 2007, na parte respeitante ao imposto suportado com bens e serviços de utilização mista ou de afectação promíscua (i.e., utilizados indistintamente nas diversas actividades prosseguidas pela Impugnante, sendo que apenas uma é sujeita a imposto). 1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «a. Da decisão do tribunal a quo: A) A recorrente foi impedida de se pronunciar sobre os argumentos novos invocados no teor da contestação, designadamente, entre outros, sobre o teor do ofício circulado n.º 30108 do IVA, junto ao Processo Administrativo, a folhas 313 a 315 e invocado, ex novo, no artigo 53.º da Contestação (cfr. artigo 53.º ao articulado de contestação – pág. 10 da contestação junta aos autos). B) E foi também impedida de se pronunciar acerca do teor do acórdão do TJUE n.º C-183/13, o qual foi determinante para a decisão do caso sub judice, conforme resulta do teor da sentença recorrida. C) A violação do princípio do contraditório, porque no caso concreto ora em apreço influencia o exame e decisão da causa, gera a nulidade da decisão impugnada, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, aplicável por força do artigo 2.º do CPPT. D) A primeira e principal questão decidenda é aferir se o valor de amortização do capital em dívida, incluído nas rendas de contratos de locação financeira, deve (ou não deve) ser considerado no numerador e no denominador da fórmula de cálculo da percentagem de dedução do IVA (pro-rata), suportado com a aquisição de bens e serviços afectos à actividade de crédito e de locação financeira. E) No probatório da sentença recorrida não se vislumbra uma qualquer referência que relacione o nível de consumo dos bens e serviços de utilização mista com as actividades de financiamento e gestão dos contratos de locação financeira e com as actividades de disponibilização e manutenção dos veículos. Esta questão de facto é considerada determinante – no entender do TJUE (Acórdão C-183/13) – para o enquadramento jurídico da situação em apreço. F) A sentença ora recorrida deve ser anulada na parte que diz respeito à questão decidenda ora em apreço e os autos devem ser devolvidos à 1.ª instância, a fim de se proceder à ampliação da matéria de facto tida por essencial, pelo T.J.U.E. e para que se proceda a novo julgamento quanto à matéria da impugnação. G) É manifesta a improcedência dos «fundamentos» jurídicos invocados e são ostensivos e grosseiros os erros na parte decisória da sentença do tribunal a quo. H) Em primeiro lugar, porque a sentença recorrida tenta fundamentar a decisão, ficcionando que os entendimentos da Fazenda Pública, transcritos na parte decisória da sentença recorrida, correspondem a decisões dos tribunais superiores, o que se demonstrou ser uma completa falsidade. I) Em segundo lugar, porque a decisão do tribunal a quo ao transcrever apenas parcialmente as conclusões do TJUE (Acórdão C183/13) omitiu precisamente, a parte com maior relevância para a decisão do caso em apreço, conforme se evidencia em seguida. J) A conclusão do acórdão do TJUE proferida no Proc. C-183/13 é a seguinte: «o artigo 17.º, n.º 5... deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».(sublinhado nosso) K) A parte sublinhada é aquela que foi omitida no teor da sentença do tribunal a quo, e é precisamente a parte sobre a qual o tribunal a quo devia ter emitido pronúncia, apreciando a matéria de facto e se necessário ampliando-a, de modo a responder à questão de facto (que, no entender do TJUE, se afigura determinante para resolver o caso em apreço). L) Em suma, andou mal a sentença do tribunal a quo ao não apreciar a questão de facto, que é determinante para o enquadramento jurídico-tributário e andou ainda pior a referida sentença ao optar – infundadamente – por um enquadramento jurídico, o qual não tem a mínima correspondência com a factualidade subjacente, nem corresponde ao entendimento jurisprudencial no que a esta matéria diz respeito, pelo que a decisão recorrida, ao manter o acto impugnado, enferma do vício de errónea qualificação dos factos tributários, devendo ser anulada por força do previsto no artigo 99.º alínea a) do CPPT. M) Em face de tudo o exposto, o presente recurso deve ser julgado procedente e, em consequência, ser anulada a sentença do tribunal a quo, no que a esta matéria diz respeito, e determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo, para que a sentença seja substituída por outra que, ampliado a base factual necessária, aplique o direito em conformidade com os factos apurados. b. Da procedência da impugnação: Sem nada conceder, os factos e os fundamentos que determinam a procedência da presente impugnação são, sumariamente, os seguintes: N) No ponto 3 dos Factos Provados, a sentença recorrida considera provados os factos constantes dos artigos 10.º e 11.º da P.I., afirmando, no referido ponto 3. da sentença recorrida, que «desde a fusão, a impugnante constitui-se como sujeito passivo de IVA misto...» O) Como resulta documentalmente provado no doc. 5 anexo à PI, a ora recorrente, na qualidade de entidade incorporante, realizou duas operações de fusão por incorporação, a saber: P) Está provado que das sete sociedades que foram unificadas (uma sociedade incorporante e seis sociedades incorporadas por fusão) apenas uma dessas sociedades tinha por actividade o financiamento e a gestão dos contratos de financiamento e outra, a sociedade incorporante, tinha como actividade a locação financeira. Q) Perante estes factos (documentalmente provados, cfr. doc. 5 anexo à P.I.) é manifesto que o nível de consumo dos bens e serviços de utilização mista está sobretudo relacionado com as actividades de disponibilização (aluguer de veículos não financeiro) manutenção, reparação, assistência a veículos, de comércio (compra e venda) de veículos e, menos significativamente, com as actividades de financiamento e gestão dos contratos de crédito e de locação financeira. R) Assim sendo, a metodologia adoptada pela ora recorrente (pro-rata) para apuramento do IVA dedutível nos gastos comuns, não conduz a uma distorção significativa na tributação. Antes pelo contrário, em face destes factos provados, devidamente documentados, é manifesto que a fórmula de cálculo de dedução do IVA, que pondere a dedutibilidade fiscal do IVA incorporado nos custos comuns unicamente em função dos juros recebidos da actividade de crédito e da actividade de locação conduziria, no caso concreto da Impugnante ora Recorrente, a uma redução artificial do direito à dedução do IVA, desfavorável à Impugnante, atentas as características concretas da respectiva actividade da impugnante. S) Concluindo, o acto tributário de liquidação impugnado, no que a esta matéria diz respeito, enferma do vício de errónea qualificação dos factos tributários, motivo pelo qual deve ser anulado, com fundamento na alínea a) do artigo 99.º do CPPT. T) Ainda que se entendesse não estar provada pela ora recorrente a inexistência de distorção significativa na metodologia de cálculo do pro-rata de dedução de IVA utilizada pela recorrente – sem conceder e somente ad cautelem se equaciona – ainda assim, é a AT que tem o ónus de provar que a referida metodologia utilizada pela requerente conduz a uma distorção significativa na tributação. U) No probatório da sentença recorrida e no relatório de inspecção tributária não se vislumbra uma qualquer referência que relacione o nível de consumo dos bens e serviços de utilização mista com as actividades de financiamento e de gestão dos contratos de financiamento e de locação financeira e com as actividades de disponibilização (aluguer não financeiro) e de manutenção dos veículos, nem se encontra qualquer facto – um único que seja – susceptível de provar a alegada distorção significativa. V) Em consequência, no que concerne a esta matéria, o acto tributário de liquidação que ora se impugna é anulável, ex vi artigo 99.º alínea c) do CPPT, por ausência de fundamentação legalmente exigida. W) Acrescente-se, sem nada conceder, mesmo se por mera hipótese académica fosse de admitir que alguma prova havia sido produzida pela AT, é manifesto e notório que a AT não logrou provar a existência de uma distorção significativa, pelo que aplicar-se-ia à situação a regra prevista no n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, a saber: «sempre que da prova produzida resulte fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado». X) Ainda que se entendesse estarem verificados os pressupostos ínsitos no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA, nomeadamente estar provada a existência de uma distorção significativa – sem conceder e somente ad cautelem se equaciona – ainda assim AT estaria a aplicar uma metodologia de dedução que não tem acolhimento legal (conforme referido nos artigos 137.º a 142.º da P.I., transcritos no presente articulado de recurso). Z) É precisamente neste mesmo sentido, que defendemos na P.I. apresentada em 2010, a recente interpretação, de 09-01-2018 do Tribunal Arbitral Colectivo, presidido pelo Venerando Juiz Conselheiro Jubilado Jorge Lopes de Sousa, proferida no âmbito do processo arbitral n.º 309/2017T: AA) Sem nada conceder, ainda que por mera hipótese de raciocínio académico se admita que a Legislação Portuguesa (mais concretamente o CIVA) transpôs para o nosso ordenamento o que estava previsto na Directiva, ou seja, a possibilidade que a mesma concedia de os Estados Membros efectivamente mitigarem o pro rata, podendo obrigar o Contribuinte a incluir ou excluir determinadas verbas da fórmula de cálculo do pro rata; AB) Ainda assim, «sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são susceptíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios» (cfr. Acórdão C-153/17 do TJUE de 18-03-2018). AC) Ora no caso concreto em apreço, há um conjunto de serviços de utilização mista – custos gerais, nomeadamente com edifícios, mobiliário, electricidade e outros consumíveis – que não são objecto de afectação real para efeitos das operações que conferem direito à dedução. AD) E relembramos que, a ora recorrente não é um banco nem o conjunto das suas actividades é similar as actividades desenvolvidas pelos bancos, nem os serviços de utilização mista (os gastos gerais) se destinam maioritariamente a actividades de financiamento, antes pelo contrário, conforme anteriormente se demonstrou. AE) E por ser assim no caso concreto em apreço, a ora recorrente subscreve integralmente, a mais recente decisão do TJUE a respeito da metodologia de cálculo do pro-rata numa sociedade, que tem por actividade a locação financeira de veículos automóveis, que em seguida se transcreve: AF) Por último, sem nada conceder, refira-se que a orientação genérica (o Ofício n.º 30108 da Direcção Geral dos Impostos) invocada pela AT como «fundamento» das liquidações adicionais de IVA não estava «em vigor» no momento do facto tributário (nem sequer estava «em vigor» no momento em que foi emitida a liquidação adicional de imposto), pelo que as referidas liquidações de IVA violam não apenas o artigo 68.º-A n.º 2 da LGT como também violam ostensivamente os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, subjacentes ao princípio da não retroactividade das regras fiscais que afectam a base de incidência do imposto (cfr. artigo 103.º n.º 3 da CRP). AG) A respeito dos contratos de locação financeira, cujos créditos que lhe estão subjacentes foram cedidos ao abrigo do regime da titularização, a ora Recorrente (porque não cedeu a posição contratual de locador) continua a ser, mesmo após a cedência do crédito, a entidade locadora, isto é, continua a ter a responsabilidade e a obrigação de conceder o uso do veículo locado e continua a ter o direito de exigir do locatário a renda acordada, pelo que, mesmo após a cedência do crédito, a ora Recorrente continua a efectuar as prestações de serviços que configuram as operações de locação financeira e, consequentemente, continua a emitir as facturas, liquidar e entregar o IVA nos cofres do Estado. AH) Ou seja, excluir as operações de locação financeira, com as características supra identificadas, do âmbito do conceito de volume de negócios (mencionado no artigo n.º 1 do artigo 19.º da Sexta Directiva e concretizado no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA) é não respeitar a letra e o espírito dos referidos preceitos, porquanto se afiguram imperativos e sem qualquer margem de discricionariedade para a definição do seu âmbito. Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V. Exas., se dignem julgar procedente o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue procedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA». 1.3 A Recorrida não contra alegou. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que a sentença recorrida deve ser «revogada e ordenada a devolução do processo ao tribunal recorrido para proferimento de nova decisão, após ampliação da matéria de facto necessária para a aplicação do direito». Isto, depois de elencar as questões a apreciar e decidir, com a seguinte fundamentação: «1. Violação do princípio do contraditório (art. 3.º n.º 3 CPC) 2. Legalidade do método de cálculo da dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista (art. 23.º n.º 4 CIVA) 1.5 As questões suscitadas pela Recorrente são as de saber: a) se o processo enferma de nulidade por violação do princípio do contraditório, por não lhe ter sido concedida a possibilidade de se pronunciar i) sobre os argumentos novos invocados na contestação, designadamente sobre o teor do ofício circulado n.º 30108 do IVA e invocado, pela primeira vez, no art. 53.º da contestação e ii) acerca do teor do acórdão do TJUE n.º C-183/13, o qual foi determinante para a decisão do caso sub judice, conforme resulta do teor da sentença recorrida; b) se a sentença fez errado julgamento, na medida em que não efectuou julgamento sobre a factualidade relativa à questão da legalidade do método de cálculo da dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa deu como provados os seguintes factos: «Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a presente decisão: 1. A A…………..-Instituição Financeira de Crédito, SA., tem como objecto social, o exercício da actividade de locação financeira mobiliária e das actividades afins ou conexas legalmente permitidas às sociedades de locação financeira mobiliária – cfr. fls. 109 do processo administrativo em apenso aos autos; 2. Em 30/11/2004 foi outorgada “Escritura de Fusão, por Incorporação”, da A………… ALD-Comércio e Viaturas de Aluguer, Lda., D…………, S.A. e A………….. Rent - Comércio de Viaturas de Aluguer, Lda., na A…………..-Instituição Financeira de Crédito, S.A. (sociedade incorporante) abrangendo a sua actividade, a partir daquela data, também, a realização de operações de crédito – cfr. fls. 21 do processo administrativo em apenso aos autos; 3. Desde a fusão, a impugnante constituiu-se como sujeito passivo de IVA “misto”, assim: i) utiliza o método da afectação real relativamente ao IVA dos “inputs” directamente relacionados com a actividade que confere direito à dedução, pelo que recupera integralmente o imposto suportado a montante nas operações efectuadas no âmbito da actividade de locação financeira mobiliária; e ii) utiliza o método do “pro rata” de dedução no que respeita ao IVA suportado na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com e sem direito a dedução – cfr. fls. 325 do processo administrativo em apenso aos autos; 4. No cálculo do “pro rata”, no exercício de 2007, a impugnante considerou no numerador da fracção, as transmissões de bens e prestações de serviços (imposto excluído) que dão lugar a dedução e, no denominador, todas as operações (imposto excluído) efectuadas incluindo as isentas ou fora do campo do imposto – cfr. fls. 325 do processo administrativo em apenso aos autos; 5. Na sequência da Ordem de Serviço n.º OI201000051, de 18/01/2010, a A.T. iniciou procedimento de inspecção externa, de carácter parcial, à A…………. - Instituição Financeira de Crédito, S.A., tendo apresentado as seguintes conclusões que fundamentaram as correcções ao IVA/Dezº/2007: (...) [IMAGEM] – cfr. fls. 120 a 138 dos autos; 6. Com data limite de pagamento de 31/08/2010, foi efectuada à A……….. - Instituição Financeira de Crédito, S.A., a liquidação adicional de IVA do período 07/12, no valor de € 714.897,14 – cfr. fls. 44 dos autos; 7. Com data limite de pagamento de 31/08/2010, foi efectuada à A………. - Instituição Financeira de Crédito, S.A. a liquidação de juros compensatórios do período de 07/12, no valor de € 64.321,16 – cfr. fls. 45 dos autos. II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS Não existem outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR A sociedade ora Recorrente caracteriza-se, para efeitos de IVA, como sujeito passivo misto. 2.2.2 DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO A Recorrente começa por arguir a nulidade, por violação do princípio do contraditório, decorrente de duas omissões: a primeira, porque não lhe foi concedida a possibilidade de se pronunciar sobre os argumentos novos invocados na contestação, designadamente sobre o teor do ofício circulado n.º 30108 do IVA, que aí foi invocado pela primeira vez; a segunda, porque não lhe foi possibilitada a pronúncia sobre o teor do acórdão do TJUE n.º C-183/13 – proferido depois de apresentada a petição inicial e a contestação –, o qual foi determinante para a decisão do caso sub judice, conforme resulta do teor da sentença recorrida, pois não foi notificada para esse efeito, nem sequer foi notificada para alegar ao abrigo do disposto no art. 120.º do CPPT. 2.2.2.1 Relativamente à falta de notificação da contestação é manifesto que, a ter-se verificado, ocorreria nulidade processual, sujeita ao regime dos arts. 195.º, 197.º, e 199.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente nos termos da referida alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a inquinar a validade dos actos ulteriormente praticados e dela dependentes (cf. arts. 195.º, n.ºs 1 e 2 do CPC), incluindo a decisão recorrida. Na verdade, o princípio do contraditório (Hoje entendido, não na sua dimensão negativa, de direito de defesa, oposição ou resistência à actuação alheia, mas na sua dimensão positiva, de direito de influir activamente, no desenvolvimento e no êxito do processo, constituindo um dos mais elementares princípios que enformam todo o direito adjectivo e também o processo tributário. Para maior desenvolvimento quanto ao princípio do contraditório, designadamente de natureza doutrinal, e com citação de jurisprudência, vide o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Março de 2010, proferido no processo n.º 63/10, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/1f4bfa574b6a7515802576e10040e44b.) – previsto no n.º 3 do art. 3.º do CPC – impõe a notificação da contestação e do processo administrativo com ela apresentado ao impugnante. 2.2.2.2 Relativamente à invocada falta de possibilidade para se pronunciar sobre o teor do acórdão do TJUE de 10 de Julho de 2014, proferido no processo com o n.º C-183/13, o qual, segundo alega, foi determinante para a decisão do caso sub judice, conforme resulta do teor da sentença recorrida, a questão assume maior complexidade. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O TJUE, pelo seu acórdão de 10 de Julho de 2014, proferido no processo C-183/13, considerou que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. II - Em face da interpretação fornecida pelo TJUE sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos. III - Se, previamente à prolação da decisão, que se sustentou na referida jurisprudência do TJUE, que vincula os tribunais nacionais, não foi facultada ao impugnante – que apresentou a petição inicial antes da pronúncia do TJUE – a possibilidade de ajustar a sua alegação de facto à doutrina nele veiculada, designadamente permitindo-se-lhe complementar a factualidade alegada em ordem a determinar se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos, é de julgar procedente a nulidade processual por violação do princípio do inquisitório, a determinar a anulação da decisão recorrida. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, anular o processado ulterior à notificação da contestação e documentos que a instruíram e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí prosseguirem, designadamente com a notificação da Impugnante e da Fazenda Pública nos termos que acima ficaram referidos. Custas pela Recorrida [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT], que não paga taxa de justiça neste Supremo Tribunal porque não contra-alegou. * Lisboa, 10 de Novembro de 2021. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos. |