Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0163/19.1BEPRT
Data do Acordão:10/29/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:PERDA DE MANDATO
IMPEDIMENTO
Sumário:I - Um partido político que está representado no órgão autárquico de que fazem parte os impedidos tem o mesmo interesse em demandar e utilidade na procedência da ação que o de qualquer membro do órgão autárquico a que alude o referido art. 11º nº2 da LTA.
II - Resulta do nº4 do art. 11º da Lei 27/96 de 1/08 (LTA) que o prazo para interposição das ações de perda de mandato e de dissolução dos órgãos autárquicos é de cinco anos tanto para o MP como para qualquer interessado direto em demandar ou qualquer membro do órgão de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido e do nº3 do mesmo preceito que o MP tem o dever funcional propor as referidas ações dentro do prazo de 20 dias.
III - A subscrição de uma proposta dirigida à Câmara Municipal por parte de um Presidente e de um Vereador da Câmara Municipal da mesma, nessa qualidade, no sentido de o Município assumir dívidas fiscais contra eles revertidas constitui, per si, uma “intervenção em procedimento administrativo”, para efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 69.º do CPA e artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 27/96, de 01/08, na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10.
IV - Não tendo os impedidos participado na reunião em que foi deliberada a proposta por si subscrita por se terem feito substituir em conformidade com o previsto nos artºs 78º nº 1 e 79º nº 1 da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro não podemos dizer que os mesmos intervieram em procedimento para o qual estavam impedidos.
V - Não há motivo para perda de mandato quando a intervenção ilícita dos impedidos no procedimento, face ao circunstancialismo em causa, não revela uma conduta gravemente ofensiva das suas obrigações e deveres funcionais.
Nº Convencional:JSTA000P26624
Nº do Documento:SA1202010290163/19
Data de Entrada:07/13/2020
Recorrente:A..........PRESIDENTE DO ÓRGÃO EXECUTIVO DO MUNICÍPIO........ E OUTROS
Recorrido 1:JPP (JUNTOS PELO POVO) PARTIDO POLÍTICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Os recorrentes, após a interposição do recurso para este STA vieram requerer a junção de pareceres nomeadamente um emitido pelo Prof. Daniel Duarte que versa sobre a matéria que integra o objeto do processo, outro emitido pelo Prof. Licínio Lopes Martins e outro pelo Prof. Dr. Mário Aroso de Almeida.
Sobre estes requerimentos de junção de pareceres, nos termos do art. 651º do CPC, cumpre apreciar da sua oportunidade.

Já neste STA os recorrentes , em 24/10/2019, vêm também requerer a junção aos autos de uma decisão de 14/10/2019 do TAF do Porto que julga totalmente procedente a impugnação judicial _que interpuseram das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, referentes aos períodos de tributação de 2012 e 2013, no valor global de 146.219,30 euros e aqui em causa _ anulando as referidas liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios.

Então vejamos.

A «junção de documentos e pareceres» nos recursos de revista rege-se pelo art. 680º do CPC.

E, nos termos deste preceito:

“1 - Com as alegações podem juntar-se documentos supervenientes, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 674.º e no n.º 2 do artigo 682.º.

2 - À junção de pareceres é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 651.º.”

Quanto aos documentos, o n.º 1 do artigo clarifica que eles, sendo supervenientes, hão-de ser juntos «com as alegações» – e não depois delas. Quanto aos pareceres, o n.º 2 do artigo, ao remeter para o art. 651º, n.º 2, admite a sua junção mais tarde – desde que se esteja perante «pareceres de jurisconsultos».

Como dispõe o artigo 651.º do CPC (art.º 693.º-B CPC 1961):

“Junção de documentos e de pareceres

1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

2 - As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.”

E, nos termos do artigo 425.º (art.º 524.º CPC 1961)

“Apresentação em momento posterior

Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”

Por outro lado, o art. 426º do CPC distingue entre os pareceres de jurisconsultos – que são os advogados ou os professores de direito – e os pareceres técnicos. Estes últimos incidem exclusivamente sobre matéria de facto; e esse pormenor torna logo inútil, e até inconcebível, o oferecimento de pareceres técnicos nos recursos de revista, face ao disposto nos arts. 150º, ns.º 2 a 4, do CPTA e 674º do CPC.

Ora, os pareceres juntos pelo recorrente depois das alegações são pareceres de advogados/professores de direito, devendo por isso serem considerados parecer de jurisconsulto , pelo que pode ser junto até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.

Quanto à sentença junta já neste STA face à sua data não a podiam os recorrentes ter junto antes dado que a mesma apenas foi proferida em 14/10/2019.

Pelo que, a não ser que a mesma não tenha qualquer interesse para a decisão da causa, deve a mesma ser excluída.

Ora, e porque este não é ainda o momento da decisão, não parece que atendendo a todas as soluções plausíveis de direito, deva dizer-se que , sob qualquer perspetiva é o mesmo completamente inútil.

Daí que deva o mesmo ser admitido.

Devem, pois, os referidos documentos juntos serem admitidos nos autos.

*

1.A……….. e B…………., devidamente identificados, vêm interpor para este STA recurso de revista nos termos do art. 150º do CPTA:

A_ do acórdão do TCAN de 30/08/2019, no âmbito do recurso interposto da decisão proferida pelo TAF do Porto, que julgara parcialmente procedente a ação intentada, em 23.1.2019 por JPP - Juntos pelo Povo (partido político) [contra os ora Recorrentes e ainda contra ……………., Presidente do Conselho da Administração da empresa C……….. para declaração de perda de mandato dos demandados e dissolução de órgãos autárquicos (art.s 8º e 9º da Lei nº 27/96, de 1 de agosto)], e consequentemente declarara a perda de mandato do 1º R. e do 2º R., absolvendo do pedido o 3º R., o 4º R. e o 5º R

B_do acórdão de 13/03/2020 do TCAN que, em cumprimento do Acórdão proferido neste STA, em 06.02.2020 - que determinou a baixa dos autos, à 2ª instância, para proceder ao conhecimento do recurso que havia sido interposto da decisão proferida no saneador, sobre a legitimidade ativa - negou provimento ao recurso interposto do despacho saneador que concluíra que «As partes, dotadas de capacidade e personalidade judiciárias, são legítimas e encontram-se devidamente representadas na parte que teve por objecto a excepção da ilegitimidade ativa”.

2. Para tanto concluem as suas alegações da seguinte forma:

Relativamente ao recurso do acórdão de 13/3/2020:

“ (...) DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO DE REVISTA

U. No despacho saneador, e de forma tabular, decidiu o TAF do Porto que as partes – nomeadamente o Autora, ora Recorrido - são legítimas.

Decisão essa confirmada pelo Acórdão recorrido.

V. A questão que importa dilucidar é se, atento o disposto no n.º 2 do artigo 11º da Lei n.º 27/96, um partido político tem legitimidade para intentar uma ação de perda de mandato e, se neste caso concreto, estão reunidas as condições para que tal suceda.

W. Ora, das três hipóteses oferecidas pelo legislador – “Ministério Público, por qualquer membro de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido, ou por quem tenha interesse direto em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação”, resulta do óbvio que o Recorrido, não cabe nas duas primeiras15 [15 Não se trata do Ministério Público, nem de nenhum membro dos órgãos municipais.]

X. Sempre que é necessário interpretar uma norma jurídica, atenta-se nos seus elementos literal e racional – que abarca os elementos sistemático, histórico, e teleológico -, contando normalmente com a preciosa ajuda da doutrina e da jurisprudência. Sendo certo que quanto a esta questão em particular não se encontram escritos doutrinários ou decisões judiciais de tribunais superiores que permitam tatear o sentido interpretativo da norma.

Y. Na verdade, e não obstante a aturada pesquisa, a única decisão judicial transitada em julgado atinente a esta matéria em concreto – legitimidade de um partido político para instaurar uma ação de declaração de perda de mandato – foi proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no processo n.º 667/19.6BEPRT, que opunha curiosamente o partido JPP (ora Recorrido) e uma Vereadora da Câmara Municipal ………. Sentença essa que julgou procedente a exceção de ilegitimidade ativa e com a qual o partido JPP se conformou, tendo o Ministério Público prosseguido com a acção16 [16 Acção essa que foi julgada improcedente e que já transitou em julgado.]

Será que um partido político tem legitimidade para intentar uma acção de perda de mandato?

Z. A letra da lei – artigo 11.º, n.º 2 - não o refere expressamente, ao contrário do que sucede quanto ao Ministério Público e aos eleitos do órgão em causa. Por outro lado, a terceira hipótese – “por quem tenha interesse direto em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação” – não se encontra sequer densificada ao ponto de aqui se poder subsumir o conceito de partido político. Acresce que, não encontramos no ordenamento jurídico mais nenhuma norma que confira essa legitimidade a um partido político, não obstante o entendimento das “funções constitucionais dos partidos políticos” que servem de base ao entendimento – errado - preconizado pelo tribunal a quo e sobre o qual se tratará adiante.

AA. Daí que o elemento literal da norma a interpretar conduza à não inclusão dos partidos políticos nesse leque concebido pelo legislador.

BB. O entendimento de que um partido político tem legitimidade ativa para peticionar uma declaração de perda de mandato de eleitos locais, quando tem Vereadores e Deputados Municipais da sua cor política nos órgãos municipais, como sucede in casu, é contrário à desejável coerência do sistema unitário do Direito, que impõe o elemento sistemático. Por outro lado, é nosso entendimento que o legislador não pretendeu duplicar a legitimidade ativa para estes casos. Note-se que os eleitos locais do JPP (ou do próprio PS, que se encontra em coligação) poderiam ter sido Autores desta ação e não o foram, nem se associaram sequer a esta demanda.

CC. E, em última análise, analisando conjuntamente os elementos histórico e teleológico, a procedência do entendimento vertido no Acórdão recorrido – e ao contrário dos argumentos de índole constitucional lá enunciados – vai contra a finalidade prevista pelo legislador e contra o próprio “lugar” dos partidos políticos na arquitectura do sistema político-constitucional português e das funções que lhe cabem.

DD. Acresce ainda que, como supra se mencionou – a legitimidade ativa de um partido político numa ação de perda de mandato – exatamente pelas refregas políticas típicas do quotidiano, as quais se intensificam em vésperas de eleições -, será sempre contrária à teleologia em que a norma assenta.

Sem prescindir,

EE. Mas mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que não foram carreados factos para os presentes autos que permitam perceber qual o “interesse direto em demandar” e qual a “utilidade derivada da procedência da ação” para o Recorrido, enquanto partido político.

FF. E note-se que “utilidade derivada da procedência da ação”17 [17 Cfr. ERNESTO VAZ PEREIRA in “Da perda de mandato autárquico, da dissolução de órgãos autárquicos – Legislação, Notas Práticas e Jurisprudência”, Almedina, p. 53, quando refere que a legitimidade ativa cabe “(3) a que tem interesse direto (e não meramente mediato) em demandar, interesse esse que se exprime pela utilidade, benefício ou vantagem, de natureza patrimonial ou não patrimonial, derivada da procedência da ação. Atente-se em que se fala em interesse e não em direito. E não se trata de uma ação popular”.] está agrilhoada a uma vantagem patrimonial ou não patrimonial. E esta vantagem não se vislumbra nem é invocada.

GG. A procedência desta ação só conduzirá a uma alteração dos membros do Executivo Municipal e nunca à convocação de eleições intercalares18.

HH. O Acórdão do tribunal a quo, tendo por base única e exclusivamente o artigo 10.º, n.º 1, alínea b) da LPP, ensaia um conceito das funções dos partidos políticos que não tem apoio legal nem constitucional, tentando encontrar nesse conceito de “fiscalização” um fundamento para a legitimidade ativa do Recorrido nesta demanda.

II. Indo ainda mais longe e por referência às questões de perda de mandato que aqui nos interessam, a referida “fiscalização”, de acordo com o disposto o n.º 2 do artigo 11.º, pode ser feita diretamente pelos eleitos desse partido político (intentando os próprios uma acção) ou – como habitualmente sucede – através de uma participação ao Ministério Público junto dos tribunais administrativos.

JJ. O Acórdão recorrido relaciona esta fiscalização com as “fundamentais quão irrefragáveis funções constitucionais dos partidos políticos” [19 Cfr. p. 8 do Acórdão recorrido.] E, para tanto, convoca os artigos 10.º, n.º 2, e 114.º, nºs 2 e 3, todos da CRP que, s.m.o., sustentam o entendimento preconizado pelo tribunal a quo.

KK. Os partidos políticos não têm vocação constitucional para sindicar decisões em sede jurisdicional, nem tal se encontra expressamente previsto na lei. E essa razão seria, de per si, suficiente para fazer claudicar o entendimento vertido no Acórdão recorrido.

LL. Cumpre arguir (por mera cautela e dever de patrocínio), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 280.º da CRP, que se for entendido que um partido político tem legitimidade para intentar uma ação de declaração de perda de mandato por via do artigo 11.º, n.º 2 da LTA, por se entender que tal decorre do conceito de “fiscalização” contido no artigo 10.º, n.º 1 alínea b) da LPP, tal decorrerá de uma interpretação manifestamente desconforme e inconstitucional do disposto no artigo 10.º, n.º 2 e 114.º, nºs 2 e 3, todos da CRP que lhe servem de fundamento, pois seria sempre violadora do princípio da confiança ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático consagrada no artigo 2.º da CRP.

MM. Pelo exposto, ao entender que um partido político tem legitimidade para instaurar uma ação de declaração de perda de mandato, o tribunal a quo fez uma errónea interpretação e aplicação do artigo 11º, nº 2 da Lei 27/96, de 1 de Agosto, pelo que deve o Acórdão ser revogado e, em consequência, ser declarada a ilegitimidade ativa do Recorrido, com todas as consequências legais daí decorrentes...”

Relativamente ao acórdão de 30/08/2019 os recorrentes produziram alegações de cujas conclusões se extrai:

“(...) DO RECURSO QUANTO À IMPROCEDÊNCIA DA CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO

OOO. O despacho que decide julgar improcedente a exceção de caducidade de direito de ação, bem como o Acórdão que o confirma, decorre de um errónea interpretação e aplicação do artigo 98º, nº 2 do CPTA e do artigo 11º, nº 4, da Lei nº 27/96, de 1 de Agosto.

PPP. As ações para declaração de perda de mandato, como sucede in casu, i) têm carácter urgente e que ii) seguem os termos do processo do contencioso eleitoral previsto no CPTA.

QQQ. E, na falta de regime processual próprio, encontrou o legislador no contencioso eleitoral e nos prazos previstos para a sua tramitação, a resposta rápida para as ações de declaração de perda de mandato e de dissolução de órgãos autárquicos.

RRR. A proposta que dá mote à presente demanda foi votada favoravelmente em reunião da Câmara Municipal ………. no dia 6 de Dezembro de 2018 e em reunião de Assembleia Municipal ……… no dia 17 de Dezembro de 2018. Não há dúvidas de que, pelo menos a partir dessa data (17 de Dezembro de 2018), os eleitos do Recorrido tiveram conhecimento da proposta e das ulteriores deliberações do Executivo Municipal e da Assembleia Municipal ………..

SSS. No entendimento sufragado pelo tribunal recorrido, o prazo de 7 dias não se aplica a quem, tendo conhecimento de factos que permitam sustentar uma ação de declaração de perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos, podendo assim tomar essa iniciativa no prazo de 5 anos a partir da ocorrência desses mesmos factos.

TTT. Tal interpretação, reitera-se, é profundamente errada, por várias ordens de razão, na medida em que o referido prazo de 5 anos tem que ser obrigatoriamente conjugado com o prazo de 7 dias referido no artigo 98º do CPTA.

UUU. A interpretação preconizada pelo tribunal a quo, choca frontalmente com a sistemática do ordenamento jurídico no seu todo.

VVV. Alinhando pela urgência deste tipo de ações, o legislador consagrou um prazo máximo de 20 dias para que o Ministério Público possa agir judicialmente.

WWW. Não faz assim qualquer sentido que um partido político ou um eleito local possam intentar uma ação de perda de mandato ou de dissolução de órgão autárquico durante um longo prazo de 5 anos, independentemente do momento em que tomaram conhecimento dos factos que fundamentam a ação.

Aqui exceptua-se o Ministério Público que, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 11º da Lei nº 27/96, tem o dever funcional de propor essas ações no prazo máximo de 20 dias após o conhecimento dos respectivos fundamentos.

XXX. Isto porque, a interpretação sustentada pelo tribunal a quo, levada ao limite, conferiria ao Autor de uma ação desta natureza, a possibilidade de, por exemplo, um eleito local, gerir o prazo de 5 anos em seu proveito próprio ou com um determinado objectivo político, deixando de servir o propósito da justiça administrativa num processo de natureza sancionatória e adquirindo um efeito indesejavelmente perverso.

YYY. Mais, para além deste efeito perverso e indesejável, fica contrariado e comprometido o carácter urgente deste tipo de ações.

ZZZ. Parece claro que o prazo de 5 anos previsto no n.º 4 do artigo 11º da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, tem que ser conjugado com o n.º 3 do mesmo inciso legal (20 dias) e, também, com o disposto no n.º 2 do artigo 98º do CPTA (7 dias).

AAAA. Ao contrário do caso do Ministério Público, o legislador não estabeleceu uma previsão especial no artigo 11.º da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, para os restantes autores (particulares) de uma ação desta natureza. E aqui se encontra a verdadeira vexata quaestio da decisão colocada em crise.

BBBB. Contudo, o legislador apontou o caminho, quando refere que este tipo de ações têm carácter urgente e seguem os termos do processo de contencioso eleitoral, previsto no artigo 15.º do CPTA.

CCCC. E, não existindo uma previsão especial na Lei.º 27/96, de 1 de Agosto, o prazo tem que ser encontrado no artigo 98.º, n.º 2, do CPTA, sendo igualmente necessário, mutatis mutantis, conjugar esse prazo de 7 dias com o prazo de 5 anos previsto no artigo 11.º, n.º 4 da referida lei.

DDDD. Acresce ainda que, a interpretação sustentada pelo tribunal a quo é ainda errada, porquanto prefigura uma diferença abissal e incompreensível de prazos entre o Ministério Público (20 dias) e os particulares (5 anos), que não é de todo compatível como objetivo comum deste tipo de ações. Isto é, a realização da justiça administrativa nas ações de declaração de perda de mandato e de dissolução de órgãos autárquicos – salientando-se a importância que revestem este tipo de ações, que têm por fim extinguir um mandato autárquico conferido democraticamente por voto popular -, não pode ser entendida de uma forma urgente quanto ao tempo do Ministério Público – “prazo máximo de 20 dias” – e relaxada quanto a iniciativa cabe aos particulares – 5 anos.

EEEE. Importa perceber o papel do Ministério Público no âmbito do processo administrativo, bem como os prazos de que dispõe quando o legislador lhe atribui legitimidade para intentar uma ação (administrativa) pública.

FFFF. No âmbito do contencioso administrativo, que ocupa primacialmente os tribunais administrativos portugueses com ações administrativas que visam impugnar atos administrativos, o prazo do Ministério Público para “atos anuláveis” é de um ano e para os restantes casos (nomeadamente particulares) é de três meses.

GGGG. Com isto se pretende demonstrar que no âmbito do processo administrativo, os prazos de que dispõe o Ministério Público para intentar ações é igual ou superior ao dos particulares, pelo que, não faria sentido que nas ações de declaração de perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos a regra fosse diferente.

HHHH. Se este tipo de ações persegue os mesmos objetivos – maxime a defesa da legalidade democrática -, qual seria o sentido de o legislador conferir prazos tão díspares (20 dias e 5 anos) a autores distintos?

IIII. A partir desse dia 17 de Dezembro de 2018 – data da AM, tinha o Recorrido o prazo de 7 dias para intentar a correspondente ação de declaração de perda de mandato.

JJJJ. A presente ação deu entrada em juízo no dia 23 de Janeiro de 2019, isto é, mais de um mês após “a data em que seja possível o conhecimento do ato” nos termos definidos no n.º 2 do artigo 98º do CPTA, pelo que nessa data se encontrava ultrapassado o prazo legal de 7 dias.

KKKK. Por todo o exposto, deverá ser julgada procedente, por provada, a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, que conduz à absolvição da instância dos Recorrentes, nos termos previstos no artigo 89º, n.º 4, alínea k) do CPTA.

Ainda sem prescindir,

QUANTO AO RECURSO DO ACÓRDÃO NA PARTE EM QUE CONFIRMA A PERDA DE MANDATO DOS RECORRENTES

LLLL. O Acórdão recorrido confirmou a sentença do TAF do Porto, declarando a perda de mandato dos Recorrentes, como Presidente e Vereador da Câmara Municipal ……...

Para além da notória e incompreensível diferença de prazos entre o Ministério Público e os restantes casos.

MMMM. O tribunal a quo, para sustentar tal decisão, louvou-se, grosso modo, no facto de os Recorrentes i) terem subscrito uma proposta – e que tal implica uma participação no procedimento administrativo - que alegadamente ii) lhes atribuiu uma vantagem patrimonial e de iii) tal conduta ter sido praticada com “culpa grave”.

NNNN. A letra da lei determina que incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem, como alude o artigo 8º, n.º 2 da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto.

OOOO. Contudo, importa referir que a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores têm ensinado que a aplicação desta medida sancionatória - perda de mandato – deve ser caldeada pelo princípio da proporcionalidade e ser reservada aos casos em que se verifica uma conduta dolosa, de culpa grave, por parte dos eleitos locais, e que origine uma censura ético-jurídica.

PPPP. Ao contrário do que propugna o Acórdão recorrido, a mera subscrição da proposta em análise não é apta a gerar o efeito enunciado, nem tão pouco ser propulsora da radical consequência de perda de mandato.

QQQQ. A mera subscrição de uma proposta não implica a produção de efeitos jurídicos, sendo obviamente necessário que sobre ela recaia uma deliberação.

RRRR. Caso assim não se entendesse, poderíamos cair no absurdo de um eleito local ter subscrito uma determinada proposta acerca de um assunto em que tivesse um interesse direto (nos termos legalmente consignados), a mesma tivesse sido retirada de votação por qualquer motivo, e ainda assim se conceber uma cominação legal de perda de mandato para o autarca em causa.

SSSS. A este propósito, adere-se integralmente ao Parecer do Senhor Doutor Mário Esteves de Oliveira, junto com as Alegações de Recurso para o TCAN e cujo teor se dá por reproduzido, o qual refere na Conclusão nº 9 que “Importa portanto averiguar, em primeiro lugar – como antecedente legal e lógico, que é, do requisito da existência de “culpa grave” que na sentença se imputa aos Consulentes –, se o citado requisito legal da “intervenção em procedimento administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado, relativamente ao qual se verifique impedimento legal […]” deve considerar-se preenchido pela referida intervenção dessas mesmas pessoas na apresentação à Câmara ……… da proposta de assunção municipal das dívidas da C…….., cuja reversão para os respectivos administradores, os ditos Consulentes, fora determinada pela Autoridade Tributária”.

TTTT. E este raciocínio prossegue e expande-se a partir da Conclusão nº12 (até à conclusão 48), que aqui se dão por reproduzidas.

UUUU. Analisado o Acórdão recorrido – que estranhamente não faz referências ao enunciado Parecer do Dr. Mário Esteves de Oliveira e aos importantes e valiosos argumentos lá contidos -, do mesmo resulta uma decisão judicial urdida por um raciocínio tolhido pelo entendimento de que a mera subscrição da proposta sub judice – aditada a uma alegada vantagem patrimonial e a uma conduta classificada (erradamente) como “culpa grave”, como veremos adiante – é causa suficiente para declarar a perda de mandato dos Recorrentes como Presidente e Vereador da Câmara Municipal ………..

VVVV. Por outro lado, não se tratou de uma proposta ou de uma deliberação que visou a obtenção de uma vantagem patrimonial para os Recorrentes. Os Recorrentes não se apropriaram de dinheiro público, nem beneficiaram com uma deliberação que se consubstancia unicamente no pagamento de uma alegada dívida da C…….. à Autoridade Tributária e que ainda está a ser discutida no plano administrativo-tributário.

WWWW. A própria proposta que fundamentou a deliberação sub judice refere expressamente que “independentemente do que fica consignado na presente proposta e nos documentos que a integram, não se poderá deixar de salientar que o pagamento das quantias exequendas não prejudica a dinâmica das Reclamações Graciosas, bem como as eventuais Impugnações Judiciais. E que caso a AT ou o Tribunal venha a considerar que as liquidações promovidas pela AT não sejam legais, julgando as Reclamações Graciosas ou as Impugnações Judicias procedentes, como já se referenciou em supra, e que deram origem às reversões contra os três administradores indigitados pela Câmara Municipal ………., todas as quantias pagas serão devolvidas ao abrigo das liquidações revertidas”.

XXXX. A este propósito, importa salientar a decisão final proferida pela AT, da qual resulta a revogação parcial, a título definitivo, da liquidação de IVA.

YYYY. E se as Reclamações e Impugnações apresentadas contra os atos de liquidação de IVA e IRC forem julgadas procedentes in totum pela AT ou pelos tribunais, como se justificará a tal “vantagem patrimonial” que refere o tribunal a quo e que serve de fundamento para a declaração de perda de mandato?

ZZZZ. A obrigação de pagamento das quantias, como foi demonstrado neste pleito através do Parecer jurídico de 19 de Novembro de 2018 (que aqui se dá por reproduzido), competia à Câmara Municipal ……… (para além dessa responsabilidade advir da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 147º do CSC).

AAAAA. Daí ter sido elaborada a proposta e ter sido a mesma apresentada com toda a lisura e transparência.

BBBBB. Importa ainda salientar um vício de raciocínio na sentença da 1.º instância e repetido no Acórdão recorrido, no que tange à suspensão do processo de execução fiscal, por aplicação do artigo 216º do CPPT57.

Ora, como refere Jorge Lopes de Sousa no CPPT Anotado – mencionado, aliás, na decisão judicial - basta que seja deduzida oposição à execução para deixarem de ser realizadas as diligências aqui previstas tendentes a cobrança coerciva da dívida . Contudo, este regime só opera se for deduzida oposição. No caso da C……… não foi deduzida oposição à execução fiscal, mas sim impugnação e reclamação, que não cabem dentro do mecanismo previsto no artigo 216º do CPPT. E foram deduzidas as reclamações e impugnações e não a oposição à execução, porque os fundamentos desta são taxativos e estão previstos no artigo 204º do CPPT.

CCCCC. Ou seja, o mecanismo do artigo 216º do CPPT só opera na oposição à execução (e não, como refere erradamente o tribunal a quo, no caso de impugnação), sendo certo que neste caso não era possível a apresentação da oposição, por não ser legítima a discussão da legalidade da liquidação neste meio de tutela, o que significa que, na prática, o artigo 216º do CCPT não opera os seus efeitos.

*

DO QUADRO LEGAL DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA E DO DEVER DA AUTARQUIA PAGAR AS QUANTIAS EM CAUSA

DDDDD. Questão que o tribunal a quo não considerou e que legitima a atuação dos Recorrentes, está relacionada com a aplicação do artigo 147.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) ao caso em apreço.

EEEEE. Não obstante tal fundamentação não constar da deliberação camarária que deu mote à presente demanda, certo é que não pode o julgador deixar de aplicar as disposições legais a que se devem subsumir os factos dados como provados.

FFFFF. A deliberação de dissolução da C……… é anterior às inspeções tributárias que originaram os atos de liquidação de IRC e de IVA. O que significa que, à data da dissolução da C………., as dívidas fiscais em apreço ainda não existiam.

GGGGG. Daí que o disposto no n.º 2 do artigo 147º do CSC seja aplicável aos autos e conduza à única solução possível: o Município ………., na qualidade de sócio, era e é responsável subsidiário pelo pagamento destas dívidas fiscais.

HHHHH. A dissolução das empresas locais obedece ao regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, tal como é imposto pelo n.º 4 do artigo 62.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de Agosto.

IIIII. Esta modalidade de responsabilidade subsidiária do Município ……… opera ou deve operar com fundamento num pressuposto legal vinculado, por se tratar de dívidas fiscais ainda não exigíveis à data da dissolução da C………, assim o impondo o estatuído no n.º 2 do artigo 147.º do Código das Sociedades Comerciais, por força do qual as dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios.

JJJJJ. A referida norma jurídica permite concluir que a questão jurídica fundamental controvertida que está em causa no caso concreto, não é, afinal, uma questão de responsabilidade fiscal subsidiária dos Administradores da Empresa Local (artigo 24.º da Lei Geral Tributária), mas antes a responsabilidade dos sócios.

KKKKK. Pelo exposto, e atento o disposto no n.º 2 do artigo 147.º do CSC, o Município ………, enquanto sócio público, assume vinculadamente a responsabilidade subsidiária, ilimitada e solidária pelas dívidas fiscais da C………, E.M., uma vez que as mesmas foram só exigíveis em momento ulterior à sua dissolução.

Sem prejuízo do supra exposto,

LLLLL. No dia 19 de Novembro de 2018, foi emitido um parecer jurídico, que se dá por reproduzido e que apresenta as seguintes conclusões:

- “O projeto de reversão, transversal a todos os revertidos, cumpre os pressupostos da responsabilidade subsidiária e determina validamente a imputação das dívidas da C……….

- Em resultado da reversão que se irá operar, nasce a obrigação de cumprimento das obrigações tributárias melhor identificadas no respetivo projeto de decisão.

- A obrigação de pagamento das quantias exequendas compete à Câmara Municipal ………..”

MMMMM. Tendo sido concluída a obrigação de pagamento das quantias por parte da Câmara Municipal ……….., foi claramente com base neste entendimento que foi apresentada a proposta em apreço, que foi posteriormente aprovada em reunião de Câmara Municipal e em reunião da Assembleia Municipal ……...

NNNNN. Foi com base nesse parecer que foi apresentada proposta em apreço.

OOOOO. O Município …….., enquanto titular de 51% do capital social da C……….. tem obrigações de reposição de equilíbrio financeiro e reposição dos prejuízos nos termos do artigo 40º, nº 2 da Lei 50/2012, à data em vigor.

PPPPP. No que concerne ao Município …….., e ao contrário do que vem referido na sentença do TAF do Porto e no Acórdão recorrido, o valor global das suas responsabilidades enquanto titular de 51% do capital social da C…….. era de € 2.573.232,65, dos quais haviam sido entregues (pagos) € 677.838,69, faltando assim entregar € 1.895.393,96.

QQQQQ. Tal valor acabou por não ser transferido diretamente para a C………, tendo vindo a ser utilizado no pagamento das responsabilidades fiscais que contra os Recorrentes foi revertida enquanto administradores da C………..

RRRRR. Isto é, em alternativa à circunstância da Câmara Municipal transferir para a C………. o montante acima referido, para que aquela cumprisse as suas obrigações fiscais, optou a autarquia por utilizar o mesmíssimo valor para cumprir responsabilidades da C………. e que para os administradores foram revertidos.

SSSSS. O pagamento, em escrutínio nos presentes autos, está dotado, para além da legitimação jurídica decorrentes do artigo 147.º, nº 2 do CSC e bem assim dos juízos expendidos no parecer acima referido, da legitimidade que lhe é emprestada por uma deliberação da Câmara e da Assembleia de 31 de Outubro de 2016 e 7 de Novembro de 2016, respectivamente, que em nenhum momento foi posta em causa nas instâncias judiciais.

TTTTT. No pagamento realizado ao abrigo do processo de reversão– sindicado nesta ação - foi utilizado o cabimento e compromisso associado àquele NCD 7862, no valor de € 1.388.897,84, acrescido de um compromisso adicional (RED 3239/2018), no valor de € 83.687,25, o que significa que o valor em apreço estava já contemplado e previsto no projeto de relatório de dissolução e proposta de plano de liquidação da C………….

UUUUU. O que aqui se consigna é fundamental, porque dessa deliberação decorre a obrigação do Município …….. assumir as obrigações da C………. dentro daquele valor e nesse perímetro caem os impostos agora assumidos.

VVVVV. Sublinhe-se novamente que a notificação da AT para pagamento de impostos alegadamente em falta ocorreu em data posterior à dissolução da C…….., pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 147º do CSC, a responsabilidade pelo pagamento das dívidas fiscais, depois da dissolução, cabe aos sócios e não aos Administradores, não se aplicando o artigo 24º da LGT.

WWWWW. O Município …….. colocou em crise a liquidação dos impostos em causa, pelo que, em caso de decisão favorável (como já sucedeu, para já de forma parcial, com a decisão definitiva proferida pela AT, da qual resulta a revogação parcial, a título definitivo, da liquidação de IVA 61), os cofres municipais receberão todo o dinheiro que agora pagou.

XXXXX. Não se verifica qualquer vantagem patrimonial para os Recorrentes.

YYYYY. O que está em causa no presente recurso é um Acórdão do TCAN que – confirmando a sentença do TAF do Porto - declara, por erro de julgamento e errónea interpretação e aplicação de normas jurídicas, a perda de mandato de dois autarcas que foram democraticamente eleitos pelos munícipes em Dezembro de 2017 para um mandato de 4 anos.

ZZZZZ. Uma ação de declaração de perda de mandato não se faz de aplicações automáticas de normas jurídicas ou da alegação de um conjunto de factos – alguns deles falsos, como se demonstrou – para servir, aparentemente, objectivos políticos de circunstância e a que a justiça administrativa é absolutamente alheia.

AAAAAA. Prova disso mesmo é o recente Parecer n.º 25/2019, de 19 de Setembro de 2019 da Procuradoria Geral da República, solicitado por Sua Excelência o Primeiro-Ministro de Portugal, que pediu um esclarecimento atinente à interpretação e aplicação dos artigos 8.º e 10.º, n.º 3, da Lei n.º 64/93, de 26 de agosto, que estabelece o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos.

BBBBBB. O julgamento do tribunal deve ser casuístico, atrelado ao circunstancialismo descritos, ponderado e precedido de um juízo de prognose que permita aferir da gravidade da situação.

CCCCCC. A decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento quanto a esse juízo, que viola inclusivamente o princípio constitucional da proporcionalidade nas suas três dimensões (adequação, necessidade e proporcionalidade “stricto sensu”)

DDDDDD. Lembre-se a este propósito que a decisão judicial colocada em crise não pondera sequer a aplicação do artigo 10º da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, a qual refere expressamente não há lugar a perda de mandato quando se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes.

EEEEEE. Como bem lembra o Ernesto Vaz Pereira, “a teleologia da norma é a evitação de obtenção pelos autarcas ou pessoas próximas de situações de favor, de primazia ou de privilégio em detrimento de terceiros que não têm à autarquia qualquer ligação funcional. Para respeito das diretivas constitucionais estabelecidas nos n.ºs 1 e 2 do art. 266 da CRP. A jurisprudência do STA tem exigido que o interesse direto e pessoal, relevante, de tal modo que afecte a capacidade do autarca de decidir”, com isenção e imparcialidade, o interesse público posto a seu cargo (acs. Do STA de 24/04/96, rec. 39873, de 11/07/96m rec. 40467, de 19/03/96, rec. 39746, e de 14/05/96, rec. 40138)”.

FFFFFF. Ao contrário do que conclui – erradamente – o Acórdão proferido pelo tribunal a quo, não existem quaisquer evidências nos presentes autos que permitam concluir que a conduta dos Recorrentes foi dolosa, ou caracterizada por uma “culpa grave”.

GGGGGG. E se seguirmos o raciocínio expendido na sentença do TAF do Porto e no Acórdão recorrido quanto ao sentido de voto dos Vereadores substitutos na reunião de Executivo de 6 de Dezembro de 2018 – que parece sustentado numa presunção de alinhamento partidário no tange ao sentido de voto – parece altamente provável que a proposta poderia ter sido subscrita por outros membros da Vereação ou até por apenas um Vereador.

HHHHHH. E a deliberação da dita proposta seria, provavelmente, no mesmo sentido, isto é, favorável.

IIIIII. O que exclui desde logo uma conduta dolosa por parte dos Recorrentes.

JJJJJJ. Os Recorrentes não têm formação jurídica, agiram com total transparência, suportados por um parecer jurídico detentor de argumentos sólidos.

KKKKKK. Por outro lado, note-se que as dívidas fiscais em causa são originadas por uma inspeção tributária posterior à deliberação de dissolução da C………., o que, como atrás se explanou, cai no âmbito de responsabilidade subsidiária dos sócios (e não dos Administradores), nos termos do artigo 147º, n.º 2 do CSC.

LLLLLL. Sendo certo que as liquidações que totalizam o valor das reversões foram contestadas pela Comissão Liquidatária da C………. e a única decisão conhecida até ao momento, da banda da AT, é parcialmente favorável.

MMMMMM. No limite, existem causas que justificam os factos descritos e que excluem a culpa dos Recorrentes, pelo que deveria ter sido aplicado o artigo 10º da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto. Ao não aplicar o mencionado artigo 10º incorre a decisão judicial recorrida numa errónea interpretação e aplicação (por omissão) da dita norma jurídica.

NNNNNN. Sublinhe-se o acerto do referido no Parecer do Senhor Doutor Mário Esteves de Oliveira, que aqui se dá por reproduzido na parte relativa à apreciação (errada) do tribunal a quo no que concerne às alegadas “consciência da ilicitude” e “culpa grave” dos Recorrentes.

“Deve ainda assinalar-se aqui, por dever de ofício, que na mencionada conclusão decisória da sentença, constante de suas fls. 70, para além de outras referências de relevância ou inteligibilidade discutível – como sucede com a admissão, mesmo que hipotética, do facto de as dívidas revertidas poderem ser de valor bem reduzido em relação ao € 1.472.429,07 votados na deliberação camarária sub iudice –, também a conclusão sobre a plena consciência da ilicitude e a culpa grave imputada aos Consulentes se mostra muito fragilmente fundamentada, sobretudo quando se está perante um elemento decisivo, de acordo com a jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Administrativo, para a formulação de censuras ético-jurídicas tão graves quanto estas;

Desde logo, porque se encontra exclusivamente reportado tal juízo, pelo menos do ponto de vista literal, às premissas constantes das alíneas (i) e (ii) da referida fls. 70 da sentença;

E se bem que aí se diga que os Consulentes “visaram obter, para si, uma vantagem patrimonial na exata medida desse montante global de EUR 1.472.429,07”, o certo é que em parte alguma da sentença do TAF do Porto se encontram registados quaisquer factos que indiciem ou revelem com satisfatório grau de certeza que os Consulentes atuaram com a intenção de obter uma vantagem patrimonial para si;

Ou seja, que revelem tratar-se de uma atuação (não apenas antijurídica, mas) dolosa sua, “em termos de dolo direto”, que a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores uniformemente exige como pressuposto da aplicação da sanção da perda de um mandato democrático (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 8 de Março de 2007, proc. nº 00110/06.BEBRG, disponível em www.dgsi.pt);

E não apenas que atuaram assim pelo facto de, supondo eles

– com base até no “parecer jurídico” a que se refere a sentença

– terem estado na Administração da C………. em representação efetiva do Município, ser a este que deveria ser imputada o encargo com a satisfação das dívidas dessa empresa municipal;

Aliás, o que é óbvio é que, se tivessem atuado com plena consciência da ilicitude da sua conduta, como se inferiu na sentença, os Consulentes não teriam naturalmente assinado, com mais quatro pares seus, uma proposta cujo efeito procedimental propulsivo se produziria à mesma, independentemente das suas assinaturas – por a lei, já o vimos, se bastar com a subscrição de propostas de deliberação colegial apenas por um dos vogais do respectivo órgão;

No entendimento dos signatários deste Parecer, ficou assim concludentemente demonstrado não estarem preenchidos, no presente caso, os requisitos da ilicitude da conduta e da culpa grave dos respectivos agentes, não obstante haja que reconhecer a laboriosa e muitas vezes cuidadosa reflexão que sobre ele (tal caso) se fez na sentença do TAF do Porto;

Sem podermos esquecer, contudo, existirem na mesma sentença – embora a propósito do caso aparentado da apreciação do pedido de dissolução da Câmara e Assembleia Municipais ………, nos termos do art. 9º da Lei nº 27/96 – fundamentos que funcionaram aí como causa de absolvição desse pedido aparentado com o nosso e que são inteiramente coincidentes com aqueles que também se verificavam no caso desta Consulta, mas que serviram aqui como fundamentos principais ou instrumentais do juízo e da sanção ético jurídica de perda do mandato dos dois Consulentes;

Referimo-nos, nomeadamente, em primeiro lugar, ao facto de, para efeitos do art. 10º da Lei nº 27/96, se considerar na sentença (a fls. 73) causa justificativa do facto ou excludente da culpa no caso da votação por parte da Câmara da proposta que lhe foi apresentada para assunção das dívidas revertidas para os Consulentes, a existência de um “parecer jurídico” sustentando que impendia sobre o Município a obrigação do pagamento de tais dívidas – afinal, exatamente o mesmo parecer com fundamento no qual os Consulentes e quatro pares seus apresentaram aquela proposta de deliberação camarária, e que levou o Tribunal de 1ª instância a sancioná-los com a perda de mandato;

E referimo-nos, em segundo lugar, ao facto de “não se descartar” na sentença (a fls. 75), em relação ao juízo de absolvição nela formulado sobre o pedido de dissolução do órgão colegial, “a ideia de que poderia existir um efetivo (e exclusivo) interesse público secundário do Município ……… na assunção das dívidas” referidas;

Enquanto, como se viu, no que tange ao pedido de perda de mandato dos Consulentes, o TAF do Porto descartou essa ideia, entendendo (ao contrário do que vimos ser nossa opinião) que a proposta de decisão camarária por eles formulada visava antes a obtenção de uma vantagem patrimonial para si próprios – ainda por cima com culpa grave e plena consciência da respectiva ilicitude – sem valorizar ou desvalorizar a intenção com que os restantes quatro subscritores dessa proposta a teriam assinado, os quais, naturalmente, também poderiam ter sido motivados pela tal “ideia de que poderia existir um efetivo (e exclusivo) interesse público secundário do Município ………. na assunção das dívidas”;

São mais dois argumentos a acrescer àqueles para aqui já consistentemente carreados, julga-se, no sentido de demonstrar que os juízos e a decisão de perda de mandato dos Consulentes decretada pelo TAF do Porto se mostram desconformes não apenas com o sentido do art. 8º/2 da Lei nº 27/96, mas também com os valores e os princípios gerais de que a jurisprudência dos nossos mais altos Tribunais, por respeito aos alicerces do Estado de Direito democrático, faz frequente aplicação em matéria de valoração ético-jurídica da sanção da perda de mandato”.

OOOOOO. A sanção de perda de mandato, contida no Acórdão recorrido, é altamente injusta e manifestamente desproporcionada face à conduta dos Recorrentes.

PPPPPP. Os Recorrentes subscrevem uma proposta que se limita a seguir um plano de dissolução da C………. validamente deliberado e um parecer jurídico solicitado para o efeito.

Sublinhe-se que a proposta remete amiúde para deliberações anteriores e para o aludido parecer jurídico.

QQQQQQ. E este ponto assume importância especial, atento o disposto no artigo 80º-A da atual Lei das Finanças Locais, que refere que:

“1 - Nas autarquias locais, a responsabilidade financeira prevista no n.º 2 do artigo 61.º da Lei n.º 98/97, de 9 de março, na sua redação atual, recai sobre os membros do órgão executivo quando estes não tenham ouvido os serviços competentes para informar ou, quando esclarecido por estes em conformidade com as leis, hajam tomado decisão diferente.

2 - A responsabilidade financeira prevista no número anterior recai sobre os trabalhadores ou agentes que, nas suas informações para o órgão executivo, seus membros ou dirigentes, não esclareçam os assuntos da sua competência de harmonia com a lei”.

RRRRRR. Ora, os Recorrentes limitaram-se a seguir deliberações do mandato anterior e a sustentar a sua atuação num parecer jurídico solicitado para o efeito. Não se verifica assim responsabilidade financeira dos Recorrentes e, por conseguinte, responsabilidade sancionatória, afastando-se a tese defendida na sentença recorrida quanto à “culpa grave”.

SSSSSS. A perda de mandato é um ato sancionatório que limita o exercício de direito políticos, encaixando no naipe de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.

TTTTTT. Sendo certo que, em caso de dúvidas, o julgador tem obrigação de se ater ao princípio in dubio pro libertate, o que não sucedeu in casu.

UUUUUU. Deste modo, cumpre arguir, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 280.º da CRP, que a interpretação que foi efetuada pelo tribunal a quo para declarar a perda de mandato no sentido de que a conduta dos Recorrentes é de molde a consubstanciar a obtenção de uma vantagem patrimonial e que se pode qualificar como praticada com “culpa grave”, é uma interpretação manifestamente inconstitucional do disposto no artigo 8.º, nº 2 e artigo 10º, ambos da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, pois viola flagrantemente o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, referente à restrição de direitos, liberdades e garantias,

VVVVVV. Sendo ainda uma interpretação manifestamente inconstitucional, na medida em que viola esse mesmo princípio da proporcionalidade e proibição do excesso quanto ao direito de acesso a cargos eletivos, consagrado no artigo 50º, nº 3 da CRP, na medida em a perda de mandato implica uma inelegibilidade dos Recorrentes.

WWWWWW. Na verdade, como acima se enunciou, ainda que se admita, por mera cautela que os Recorrentes podem ter errado ao subscrever a proposta, a cominação para esta alegada falha não passa automaticamente pela perda do mandato, isto é, pela consequência mais drástica, que contraria ostensivamente a vontade do voto popular.

XXXXXX. Com efeito, a aplicação da medida de perda de mandato só é constitucionalmente legítima relativamente a quem, tendo sido eleito para determinado cargo autárquico, não observou, no exercício das suas funções, as regras de isenção, imparcialidade e independência, isto é, a quem violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento se tornou imperioso, o que não sucede in casu.

YYYYYY. Ora, o caso em apreço não se subsume esta realidade, pelo que a decisão recorrida, ao declarar a perda de mandato dos Recorrentes, impõe consequentemente uma restrição aos seus direitos políticos fundamentais muito para além dos limites constitucionais consagrados nos artigos 18.º, n.º 2, e 50.º, n.º 3, da CRP, sendo a interpretação e a aplicação que na decisão recorrida é feita do artigo 8º, nº 2, da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto (e a que não é feita do disposto no artigo 10º do mesmo diploma) é desproporcionada, excessiva e, por essa via, manifestamente inconstitucional.

ZZZZZZ. Resulta assim evidente que não estão reunidas as condições legais necessárias para ser decretada a perda de mandato dos Recorrentes.

AAAAAAA. Por todo o exposto, deverá o Acórdão ser revogado e, consequentemente e pelas razões acima aduzidas, ser a ação julgada improcedente in totum, com todas as consequências legais daí decorrentes. (...)

3. Não foram produzidas Contra-alegações relativamente ao recurso relativo ao acórdão de 13/3/2020.

Foram produzidas as seguintes contra-alegações relativamente ao recurso do acórdão de 30/8/2019 cujas conclusões se transcreve:

“1. No âmbito do processo n.º 163/19.1BEPRT, que correu termos no Tribunal Administrativo do Porto, e após apresentação de articulados das Partes que divergiam (além do mais) quanto ao prazo de caducidade do direito de ação, foi proferido despacho saneador que entendeu, em suma, não assistir qualquer razão aos Réus, ora Recorrentes, em sede de matéria excetiva. Isto, porque, tal como é sustentado pelo Autor Recorrido, o especial e reduzidíssimo prazo estabelecido para a instauração das ações de contencioso eleitoral jamais poderia ser aplicável às ações para declaração de perda de mandato e dissolução de órgãos autárquicos, pelos vários argumentos: “nenhum elemento da hermenêutica jurídica [literal, histórico, sistemático e teleológico] permite interpretar a norma do artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto como remetendo para o pressuposto processual específico do prazo de caducidade previsto para ação de contencioso eleitoral que, como se sabe, tem uma lógica interna que lhe é própria e inextensível”.

2. Os Recorrentes, não assacando qualquer vício concreto àquele libelo decisório, acabam por explanar o já defendido em sede de Contestação, reiterando o entendimento da caducidade do direito de ação, sem invocar, contudo, qualquer posição jurisprudencial a favor da sua “tese”;

3. Compreendem-se os motivos por inexistentes, dando o Recorrido nota das várias decisões dos Tribunais Administrativos superiores, que defendem a aplicação do prazo de 5 (cinco) anos de caducidade do direito de ação, nos termos do regime jurídico da Tutela Administrativa, que versa, de forma especial, sobre este tipo de ações.

4. Vejam-se, nomeadamente, os Acórdãos do TCA-Norte, de 14 de julho de 2017, proferido no processo n.º 00731/17.6BEPRT e da formação de apreciação preliminar do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de outubro de 2017, processo n.º 01045/17.

5. Não estamos perante um processo de contencioso eleitoral, mas perante uma ação, de caráter urgente, que apenas segue os termos do processo de contencioso eleitoral estipulados no CPTA, sem prejuízo, como é natural, das disposições especiais aplicáveis àquela ação, como sucede, precisamente, em matéria de prazos de caducidade.

6. Assim, o prazo para a propositura de ação de perda de mandato ou de dissolução de órgão é de 5 anos, conforme consta do n.º 4 do artigo 11.º da Lei n.º 27/96.

7. Nos termos prescritos nos números 3 e 4 do art.º 11º da Lei n.º 27/96, de 1/Agosto, o Ministério Público desfruta do prazo de 5 (cinco) anos para propor ações de perda de mandato de órgãos autárquicos e não apenas o prazo de 20 dias.

8. Assim, entende o Recorrido que a decisão ora em crise deverá ser mantida, com a consequente apreciação do mérito da causa.

9. Também a legitimidade ativa foi concretamente atestada no mesmo Despacho saneador, não apresentando quaisquer dúvidas quanto à presença da mesma – pressuposto inteiramente aceite pelo Ministério Público, que teve participação nos mesmos autos.

10. Como já se viu, o Autor Recorrido considera que os 1.º e 2.º Réus ao subscreverem a proposta de pagamento de dívidas fiscais que contra si reverteram em sede de execução fiscal e ao participarem e votarem a sua aprovação na reunião da Câmara Municipal …….. de 6 de Dezembro de 2018, quando se encontravam legalmente impedidos para o efeito, agiram com o intuito de atribuir uma vantagem patrimonial a si próprios.

11. Dispõe, para o efeito, sob a epígrafe “Perda de mandato”, o artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 27/96, de 01/08, na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10, que:

“Incorrem, igualmente, em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem.”

12. Do normativo acabado de transcrever, logo se retira que são três os requisitos legais de que depende, no caso, a declaração de perda de mandato [cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de outubro de 2016, processo n.º 0869/16, acessível em www.dgsi.pt]:

(i) A existência de uma intervenção por parte do eleito em procedimento administrativo, em ato ou contrato;

(ii) A verificação de um impedimento legal a tal intervenção;

(iii) A intenção de obter de vantagem patrimonial para si ou para outrem;

13. Pois bem, como não poderia deixar de ser, o procedimento administrativo, enquanto sucessão ordenada de atos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução, inicia-se oficiosamente (por iniciativa da Administração) ou por iniciativa dos interessados, v.g. através de requerimento (artigo 53.º do CPA na redação introduzida pelo DL n.º 4/2015, de 07 de janeiro).

14. Todavia, conforme esclarecem MÁRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e PACHECO DE AMORIM [in Código de Procedimento Administrativo anotado, 2007, pp. 292- 293]: “(…) A noção de procedimento administrativo não abrange todos os atos jurídicos eventualmente relacionados com a decisão a produzir (…) ficam de fora do procedimento uma quantidade indefinida de atos que, servindo eventualmente como pilares ou pressupostos da sua abertura, não esgotam a utilidade dos seus efeitos nessa função: não entram, por isso, no procedimento, os atos que a sua instauração pressupõe, mas apenas aqueles que são praticados em função da decisão final, como é o caso, desde logo, do requerimento (…)”

15. Significa isto que aquele requerimento ou proposta, enquanto ato de iniciativa do procedimento, tem “nele um efeito jurídico propulsivo: põem-no em marcha e delimitam (inicialmente) o seu objeto, não obstante se permitir (mesmo nos procedimentos particulares) decisão sobre “coisa diferente ou mais ampla” do que aquela a que tendia o ato de iniciativa. (…)”

16. Ora, as asserções que se acabam de deixar expendidas, assumem, desde logo, relevância na interpretação do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do CPA de 2015 que, sob a epígrafe “Casos de impedimento”, em concretização do comando constitucional previsto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, dispõe do seguinte modo:

“1 - Salvo o disposto no n.º 2, os titulares de órgãos da Administração Pública e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública, nos seguintes casos:

a) Quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa;”

17. No mesmo sentido, veja-se LUIZ S. CABRAL MONCADA (in Novo Código do Procedimento Administrativo, 2015, pp. 278-279) quando afirma que: “O conceito de intervenção é muito amplo. Não se trata apenas de impossibilitar a intervenção na decisão final o que seria tirar efetividade prática à garantia correspondente, mas também de vedar qualquer intervenção qualitativa anterior que possa conformar a decisão final, seja na (sub) fase instrutória, seja noutra.

Também está abrangida a intervenção na execução do ato administrativo, pois aí ela pode ser decisiva na conformação da posição do interessado e utilizada para o favorecer ilicitamente. Só não relevam as intervenções que em nada influenciam a decisão final.”

18. E, bem assim, ELIANA DE ALMEIDA PINTO, ISABEL SILVA, JORGE COSTA (in Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2018, pp. 190) esclarecendo que:

“(…) O conceito de intervenção não se deve cingir apenas à fase da decisão, mas deve abranger todos os procedimentos de instrução, bem como os atos de execução da decisão, o que é perfeitamente compreensível, dado ser na fase de instrução que o órgão recolhe os dados essenciais da decisão, sendo, porventura, o momento em que mais sentido faz a exigência de uma ponderação isenta e imparcial dos factos e interesses envolvidos (…)”.

19. Quer isto dizer que a análise a efetuar nesta sede deverá, por um lado, abranger todos os momentos ou fases do procedimento administrativo [desde a sua génese até à sua extinção, através da tomada de decisão] e, por outro, levar em conta qual o específico impacto ou influência exercida por aquela “intervenção” na decisão final proferida pelo órgão.

20. Depois de projetada a modificação subjetiva daquela instância executiva, especificamente 4 dias após, os Recorrentes e, bem assim, os demais membros do executivo pertencentes à Coligação “………….” – PSD/CDS, viriam a subscrever uma proposta dirigida à Câmara Municipal ………… no sentido de este Município proceder ao pagamento daquelas dívidas fiscais (assumindo o encargo), em suma e, além do mais, no pressuposto de que aquele pagamento constituía, na realidade, uma obrigação da autarquia local, enquanto acionista maioritário.

21. Assim, e em conclusão quanto ao presente ponto, considera o Autor que a mera apresentação de uma proposta por parte de um Presidente e de um Vereador da Câmara Municipal a este mesmo órgão colegial (de que aqueles são membros) constitui, per si, uma “intervenção em procedimento administrativo”, para efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 69.º do CPA (na esteira da supra explicitada interpretação alargada) – sobretudo se se tiver a qualidade que assumem no órgão executivo (Presidente e Vereador) – e, ainda que assim se não considerasse, o probatório daqueles autos sempre permitiria concluir que essa “intervenção” tinha tudo para interferir, como interferiu, decisivamente no sentido da votação, quer na reunião da Câmara Municipal de 6 de Dezembro de 2018, quer na reunião da Assembleia Municipal de 17 de Dezembro de 2018.

22. Não deve, pois, haver dúvidas que, em face da maioria partidária atestada pela prova testemunhal requerida, no momento em que foi apresentada a proposta à Câmara Municipal ………., para deliberação, o sentido da votação final encontrava-se inevitavelmente condicionado.

Os Recorrentes encontravam-se legal e inevitavelmente impedidos de subscrever a proposta de pagamento das dívidas em questão, seja à luz do genericamente disposto na alínea a), do n.º 2 do artigo 69.º do CPA, seja nos termos do especialmente consagrado na subalínea iv), da alínea b), do artigo 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais.

23. É igualmente inegável que os Réus tinham um interesse pessoal, direto e “material” no desfecho do procedimento administrativo que despoletaram através da subscrição da proposta de pagamento de dívidas fiscais da C…….. cujos processos de execução fiscal haviam sido contra eles pessoalmente revertidos, na qualidade de responsáveis subsidiários, então não há como não concluir que se encontram verificados, no caso concreto, os primeiros dois requisitos normativos de que depende a declaração de perda de mandato [(i) intervenção do eleito em procedimento administrativo e a (ii) verificação de um impedimento a tal intervenção.

24. A partir do momento em que é operada e efetivada a reversão da execução fiscal contra os respetivos administradores da C………. (artigos 23.º e 24.º da LGT e 153.º, n.º 2, do CPPT), estes, na qualidade de responsáveis subsidiários, passam a responder pessoal e solidariamente entre si pela dívida fiscal cuja execução havia sido originariamente instaurada contra a sociedade (a expensas do seu património pessoal, quanto ao pagamento integral ou em prestações da dívida exequenda).

25. Finalmente, independentemente da bondade das eventuais razões que se encontraram na génese da subscrição de tal proposta, é manifesto que ao submeterem à aprovação da Câmara Municipal ……… e, bem assim, da Assembleia Municipal ………., a referida proposta de pagamento das dívidas fiscais, enquanto administradores e responsáveis subsidiários da empresa municipal C………………., S.A., E.E.M., não podiam deixar de ter a intenção de obter, para si, uma vantagem patrimonial, valor que se lhes encontrava a ser pessoalmente exigido em sede de reversão fiscal e cujo não pagamento implicaria a inevitável realização de diligências executivas.

26. Posto isto, encontram-se assim preenchidos os requisitos normativos de que depende a declaração da perda de mandato dos referidos eleitos, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto.

27. Também a sanção parece adequada e razoavelmente fundamentada – vd. Acórdão de 7 de dezembro de 2011, proferido no processo n.º 0859/11.

28. Finalmente, não pode deixar ainda de ser negativamente relevado o facto de, num primeiro momento, o Município …….. (tal como os demais acionistas da C………..) não haver assumido voluntariamente o pagamento das referidas dívidas fiscais, para depois, num segundo momento (talvez de eminência da efetivação de diligências executivas sobre o património pessoal dos administradores), e impulsionado pela iniciativa dos Recorrentes, assumir o pagamento de uma quantia que antes, embora instado para o efeito, não havia assumido, arrogando-se, agora, que o fez sob a “capa” das transferências que se encontravam a seu cargo no âmbito do equilíbrio de contas.

29. Face ao exposto, considera o Autor Recorrido que o Município ……… não tinha, de todo, o dever jurídico de proceder ao pagamento das dívidas fiscais cuja cobrança coerciva se encontra revertida contra os Recorrentes, enquanto eleitos locais e administradores da empresa municipal C……….. uma vez que, por um lado, estes foram eleitos pela Assembleia Geral da C………. (e não pela Câmara Municipal ……….. e, por outro, o montante que, por esta via, foi “assumido” pelo Município …….., seja qual for a perspetiva adotada, superou o montante das transferências que lhe caberiam no âmbito do equilíbrio de contas previsto no processo de dissolução da C……….

30. Não há como não concluir que os Recorrentes agiram com plena consciência da ilicitude da sua conduta e com culpa grave, pelo que, tendo presente a máxima da proporcionalidade, a sanção de declaração de perda de mandato é efetivamente a medida adequada e proporcional à infração por estes cometida, enquanto eleitos locais, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto.”

3. As revistas foram admitidas por acórdãos, de 18.06.2020 e de 30/08/2019, da formação deste STA, a que alude o nº5 do artº 150º do CPTA.

4. O Ministério Público junto deste STA, relativamente ao acórdão de 13/3/2020, emitiu Parecer no sentido da legitimidade ativa do A. e “no que respeita ao recurso do acórdão proferido pelo TCA Norte em 30/8/2019, que determinou a perda de mandato dos recorrentes, já o Ministério Público se pronunciou sobre o mesmo, em parecer emitido nos autos em 6/12/2019, que subscrevemos, e que, com a devida vénia, aqui damos por reproduzido.”

Quanto ao recurso de 30/08/2019 o MP emitira parecer no sentido de negação de provimento ao recurso.

5. Uma vez notificados do Parecer do MP, não foi apresentada qualquer resposta.

6. Cumpre decidir sem vistos.

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II. FACTOS FIXADOS:

Dá-se aqui por reproduzidos a matéria de facto fixada pelas instâncias.

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III. O DIREITO

1. A 1ª questão a conhecer é a da legitimidade ativa.

Alegam os recorrentes que a decisão do TCAN de 30/03/2020 errou na interpretação e aplicação do artigo 11º, nº 2, da Lei 27/96, de 1 de Agosto já que o Recorrido não preenche os requisitos legais necessários para intentar a presente ação.

Entendeu a decisão recorrida que:

“O Requerente e ora Recorrido é um partido político que goza, entre outros, do direito de acompanhar, fiscalizar e criticar a atividade dos órgãos do Estado, das Regiões Autónomas, das autarquias locais e das organizações internacionais de que Portugal seja parte [alínea b) do nº 1 do artigo 10º da LPP].

Enquanto partido político, o Requerente e ora Recorrido goza do direito de oposição democrática e, tal como esclarece J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 6ª ed., pág. 326, «O direito de oposição democrática (cfr. art. 114.º/2) é um direito imediatamente decorrente da liberdade de opinião e da liberdade de associação partidária. Precisamente por isso, o direito de oposição não de limita à oposição parlamentar (o art. 114.º/3, conjugado com o número 1.º do mesmo artigo, poderia ser interpretado nesse sentido), antes abrange o direito à oposição extraparlamentar, desde que exercido nos termos da constituição (art. 10.º/2)», ou seja, acrescentamos, no respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política.

A concreta utilização de meios de tutela jurisdicional revela-se, por oposição à proibição de autodefesa (artigo 1º do CPC), uma forma própria de realização do direito que se harmoniza com os referidos princípios constitucionais.

É por demais evidente que, na solução constitucionalmente adoptada, os partidos políticos exercem uma função essencialmente altruísta, cujo fim, em geral, é o de contribuir para a promoção dos direitos e liberdades fundamentais e o desenvolvimento das instituições democráticas [alínea h) do artigo 2º da LPP].

Como tal, o interesse que o Requerente defende, entendemo-lo como directo e altruísta (a legitimidade processual altruísta respeita aos casos em que o legitimado defende em primeira linha interesses de outrem, como ensina Castro Mendes, Direito Processual Civil, 2º vol., 1980, pág. 163) e, outrossim, como jurídico ou legítimo, porque invocado como tutelado pelo direito.

Pelo que conclui pela legitimidade do ora recorrido.

Então vejamos.

Nesta matéria rege o disposto no artigo 11º, nº 2, da Lei da Tutela Administrativa (LTA), Lei nº 27/96, de 01 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 1/2011, de 30 de Novembro, de Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02 de Outubro, que dispõe:

“ As ações para perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos ou de entidades equiparadas são interpostas pelo Ministério Público, por qualquer membro do órgão de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido, ou por quem tenha interesse direto em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação.”

Pelo que, podemos concluir que as ações para perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos ou de entidades equiparadas podem ser interpostas pelo Ministério Público, por qualquer membro do órgão de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido, ou ainda por quem tenha interesse direto em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação.

Não está em causa que o ora Recorrido seja um partido político.

E como equacionar um partido político no seio do referido art. 11º nº 2 da LTA?

Resulta do artigo 51º, nº 1, da CRP que os partidos políticos concorrem democraticamente para a formação da vontade popular e a organização do poder político e do nº 2 do artigo 10º da CRP que concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política.

São pois, entes jurídicos cuja personalidade e autonomia são diretamente reconhecidas na Constituição com um conjunto de direitos e deveres próprios que resultam nomeadamente dos artigos 151º, nº 1, 40º, nº 2, 114º, nº 3, 133º, alínea e), todos da CRP.

E, resulta, nomeadamente do artigo 10.º da Lei Orgânica n.º 2/2003 de 22 de Agosto, Lei dos Partidos Políticos, que

“1 - Os partidos políticos têm direito, nos termos da lei:

...b) A acompanhar, fiscalizar e criticar a atividade dos órgãos do Estado, das Regiões Autónomas, das autarquias locais e das organizações internacionais de que Portugal seja parte;...”

Pelo que, e como bem entenderam as instâncias “o Requerente e ora Recorrido é um partido político que goza, entre outros, do direito de acompanhar, fiscalizar e criticar a atividade dos órgãos do Estado, das Regiões Autónomas, das autarquias locais e das organizações internacionais de que Portugal seja parte [alínea b) do nº 1 do artigo 10º da LPP].

Enquanto partido político, o Requerente e ora Recorrido goza do direito de oposição democrática e, tal como esclarece J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 6ª ed., pág. 326, «O direito de oposição democrática (cfr. art. 114.º/2) é um direito imediatamente decorrente da liberdade de opinião e da liberdade de associação partidária. Precisamente por isso, o direito de oposição não de limita à oposição parlamentar (o art. 114.º/3, conjugado com o número 1.º do mesmo artigo, poderia ser interpretado nesse sentido), antes abrange o direito à oposição extraparlamentar, desde que exercido nos termos da constituição (art. 10.º/2)», ou seja, acrescentamos, no respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política.”

Alegam os autores que, de qualquer forma, não foram carreados factos para os presentes autos que permitam perceber qual o “interesse direto em demandar” e qual a “utilidade derivada da procedência da ação” para o Autor Recorrido, enquanto partido político.

Mas, não é assim, face às referidas funções constitucionais dos partidos políticos.

Sendo que não está aqui em causa um qualquer partido político mas um partido político que está representado no órgão autárquico de que fazem parte os impedidos e que, por isso, tem o mesmo interesse em demandar e utilidade na procedência da ação que o de qualquer membro do órgão autárquico a que alude o referido art. 11º nº2 da LTA.

E, não constitui óbice a esta legitimidade o facto de poder ocorrer uma duplicação de legitimidade por os eleitos locais do JPP poderem ter sido autores já que , e como resulta dos artigos 32º, 33º e 36º do CPC , e também do nº2 do art. 11º da LTA, uma posição processual pode ser ocupada, em simultâneo por várias entidades.

Pelo que, não procede o recurso, nesta parte, por o autor e aqui recorrido ser parte legítima.

2- A segunda questão de que cumpre conhecer tem a ver com a caducidade da ação.

Alega o recorrente que a decisão recorrida erra quando julga improcedente a exceção da caducidade da ação.

Para tanto refere que não faz qualquer sentido que um partido político ou um eleito local possam intentar um ação de perda de mandato ou de dissolução de órgão autárquico durante um longo prazo de 5 anos, independentemente do momento em que tomaram conhecimento dos factos que fundamentam a ação quando o legislador consagrou um prazo máximo de 20 dias para que o Ministério Público possa agir judicialmente (nos termos do disposto no nº 3 do artigo 11º da Lei nº 27/96, o MP tem o dever funcional de propor essas ações no prazo máximo de 20 dias após o conhecimento dos respectivos fundamentos) .

Pelo que a interpretação sustentada pelo tribunal faz uma diferença abissal e incompreensível de prazos entre o Ministério Público (20 dias) e os particulares (5 anos), o que não é compatível com o objetivo comum deste tipo de ações de declaração de perda de mandato e de dissolução de órgãos autárquicos que é a realização da justiça administrativa.

Refere, ainda, que no âmbito do processo administrativo, os prazos de que dispõe o Ministério Público para intentar ações é igual ou superior ao dos particulares, pelo que, não faria sentido que nas ações de declaração de perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos a regra fosse diferente.

Contudo, nunca se disse no acórdão recorrido que o prazo para o MP era de 20 dias e para os restantes interessados 5 anos.

O que se diz, e bem, no acórdão recorrido é que resulta do nº4 do art. 11º da Lei 27/96 de 1/08 ( LTA) que o prazo de cinco anos aí referido para interposição das ações de perda de mandato e de dissolução dos órgãos autárquicos tanto o é para o MP como para qualquer interessado direto em demandar ou qualquer membro do órgão de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido.

E que, o prazo de vinte dias a que se refere o art. 11º nº3 da LTA , tal como o mesmo expressamente refere, apenas diz respeito ao dever funcional para o MP de propor as referidas ações dentro do prazo de 20 dias.

O que, na verdade, é perfeitamente perceptível.

Dados os interesses públicos em causa e, independentemente do prazo alargado de cinco anos para propositura das referidas ações, existe uma obrigação ética de rapidez e urgência em fazer com que não se mantenha no poder quem efetivamente não tem condições para tal.

Daí que o MP, a quem incumbe defender a legalidade democrática, tenha um dever funcional de acionar no prazo de vinte dias, que não é um prazo de propositura da ação, pelo que a sua inobservância apenas gera nomeadamente responsabilidade disciplinar mas não a extinção do direito.

Este só opera com o decurso do prazo previsto no n.º 4 de cinco anos.

Improcede, pois, a invocação de erro na decisão recorrida quanto à improcedência da exceção de caducidade, pelo que se mantém a mesma nos seus precisos termos.

3. A terceira questão de que cumpre conhecer tem a ver com a decisão de mérito, decidida por ambas as instâncias no mesmo sentido, ou seja no sentido da perda de mandato dos aqui recorrentes.

3.1. Invocam os recorrentes que o tribunal recorrido erra quando refere que a subscrição por si de uma proposta implica uma participação no procedimento administrativo com “culpa grave” da qual resulta a atribuição de uma vantagem patrimonial.

Então vejamos.

Sob a epígrafe “Perda de mandato”, dispõe o artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 27/96, de 01/08, na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10, que:

“Incorrem, igualmente, em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem.”

Por sua vez o artigo 4.º alínea b) subalínea iv da Lei 29/87 dispõe que:

“No exercício das suas funções, os eleitos locais estão vinculados ao cumprimento dos seguintes princípios:

a) (...) b) Em matéria de prossecução do interesse público: (...)

iv) Não intervir em processo administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado nem participar na apresentação, discussão ou votação de assuntos em que tenha interesse ou intervenção, por si ou como representante ou gestor de negócios de outra pessoa, ou em que tenha interesse ou intervenção em idênticas qualidades o seu cônjuge, parente ou afim em linha recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum (...) ”

E o artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do CPA de 2015 que, sob a epígrafe “Casos de impedimento”, dispõe:

“1 - Salvo o disposto no n.º 2, os titulares de órgãos da Administração Pública e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública, nos seguintes casos:

a) Quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa (...);”

Resulta, assim, que a perda de mandato depende da intervenção por parte do eleito local em procedimento administrativo, ato ou contrato relativamente ao qual exista impedimento legal a essa intervenção, com a intenção de obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem.

O artigo 1º do CPA começa por distinguir procedimento de processo, da seguinte forma:

“1 - Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública.

2 - Entende-se por processo administrativo o conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo.”

O procedimento administrativo é, assim, constituído por uma sequência juridicamente ordenada de atos e formalidades tendentes à preparação e exteriorização da prática de um ato da Administração ou à sua execução.

E podemos organizá-lo em diversas fases como a fase da iniciativa. da instrução, a fase da audiência dos interessados, a fase de preparação da decisão e a fase de decisão.

A fase da iniciativa pode ser levada a cabo por iniciativa pública (Administração toma a iniciativa de desencadear) ou por iniciativa privada (procedimentos desencadeados por iniciativa dos particulares) como refere o art. 53º do CPA.

Segue-se a fase de instrução que se destina a averiguar os factos que interessem à decisão final (arts. 115º a 120º do CPA) e que se rege pelo princípio do inquisitório, isto é, fase em que a administração pública, sem a dependência da vontade dos interessados, requer factos e esclarecimentos que mais facilmente levem à tomada da melhor decisão. (artigo 58º CPA).

O fundamento da perda de mandato que vem equacionado na petição inicial tem a ver com a proposta expressa do 1º e 2º demandados ao órgão executivo para aprovação do pagamento de uma quantia que identificam assim como que, após votação e aprovação, seja a mesma submetida a provação ao órgão deliberativo Assembleia Municipal.

A 1ª questão é a de saber se a subscrição da referida proposta se pode configurar como intervenção no procedimento que lhes estivesse vedada por alguns dos preceitos referidos.

Para tal há que socorrer-nos dos princípios de interpretação da lei a que alude o art. 9º do CC.

Quanto ao art. 4.º alínea b) subalínea iv da Lei 29/87 o mesmo tem em vista o funcionamento dos órgãos colegiais autárquicos.

Atenhamo-nos aos elementos literal, lógico e sistemático do art. 8º supra referido e do art. 69º do CPA.

É certo que a iniciativa procedimental faz parte do procedimento administrativo mas o elemento literal ao referir participar num procedimento induz que se esteja perante um procedimento já existente e não está a impedir que se dê início a qualquer procedimento.

Por outro lado a ratio legis deste preceito é que alguém com interesses próprios não possa influenciar o procedimento de forma a afeiçoá-lo aos seus interesses.

Se o interessado só estivesse impedido de intervir na decisão final poderia no procedimento tê-la condicionado.

O que não contende com a mera formulação de um requerimento desde que o seja a nível pessoal.

Caso assim não se entendesse, poderíamos cair no absurdo de um eleito local não poder fazer qualquer requerimento aos órgãos autárquicos relativo a assunto do seu interesse direto sob pena de perda de mandato!

O que em nada contende com o facto de o conceito de intervenção do procedimento não se dever cingir apenas à fase da decisão, antes devendo abranger todos as fases do procedimento nomeadamente a da instrução ( fase em que o órgão recolhe os dados essenciais da decisão, sendo, porventura, o momento em que mais sentido faz a exigência de uma ponderação isenta e imparcial dos factos e interesses envolvidos) e assim como os atos de execução da mesma decisão.

Questão diferente é a dos autos em que os aqui recorrentes não submetem uma proposta enquanto meros cidadãos mas enquanto Presidente da Câmara e Vereador da mesma.

Neste concreto caso em que o Presidente da Câmara e o Vereador, nessas qualidades, acompanhados dos restantes membros do partido eleito, formulam uma proposta em papel timbrado do gabinete do Presidente , na sequência de um parecer já formulado , a pedido da CM ………, a uma sociedade de advogados no sentido da assunção municipal das dívidas da C……….., revertidas para os respectivos administradores, pela Autoridade Tributária, não pode deixar de ser considerado intervenção procedimental para efeitos de perda de mandato.

A proposta dos aqui recorrentes é, pois, uma intervenção num procedimento administrativo que lhes dizia respeito e para o qual estavam impedidos.

Pelo que, entende-se que a subscrição de uma proposta dirigida à Câmara Municipal ……… por parte de um Presidente e de um Vereador da Câmara Municipal no sentido de este Município proceder ao pagamento daquelas dívidas fiscais revertidas da C……….. (assumindo o seu encargo) constitui, per si, uma “intervenção em procedimento administrativo”, para efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 69.º do CPA e artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 27/96, de 01/08, na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10.

Ora os aqui recorrentes apenas intervieram nesta fase já que, como resulta da matéria de facto, ponto DD), na reunião da CM ………. de 6 de dezembro de 2015 fizeram-se substituir por cidadãos imediatamente a seguir da mesma Coligação, em conformidade com o previsto nos artºs 78º nº 1 e 79º nº 1 da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro.

E, como parece evidente, se não estavam presentes não se colocava a questão de suscitarem o seu impedimento.

O impedimento é suscitado quando os impedidos estão presentes e não podem participar na discussão ou votação de determinado assunto.

Assim, após a referida intervenção inicial os aqui recorrentes não intervieram em qualquer ato.

E, não podemos dizer que também não está preenchido o pressuposto exigido da “...obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem” já que a reversão os atingia a eles e não ao Município pelo que a tentativa de que o Município assumisse a dívida era-lhe vantajosa, e nisso consistia a sua vantagem patrimonial.

3.2. A questão que se segue é a de saber se, não obstante, a referida intervenção procedimental para a qual estavam impedidos devem os aqui recorrentes perder o mandato.

O acórdão do STA Proc. nº 0248/04 de 22/04/2004 reitera jurisprudência anterior deste Tribunal (cfr. Acs. de 18/05/1995 - Proc. n.º 37472, de 12/05/1995 - Proc. nº 36434, de 18/03/2003 - Proc. nº 0369/03) consignando que “… a perda de mandato tem carácter sancionatório o que implica a necessidade de ter em conta os princípios do direito Disciplinar e Penal (cfr. art. 10º da Lei 27/96). Ou, como se entendeu … “dada a gravidade da sanção de perda de mandato que a lei comina para determinados comportamentos, importa não só determinar se esses comportamentos estão objectivamente tipificados na lei, mas ainda se se verifica o elemento subjetivo que justifique um juízo de censura proporcional à medida sancionatória que só será de aplicar quando, ponderados os factores objectivos e subjetivos relevantes, se conclua pela indignidade do requerido para a permanência no exercício das suas funções (…)”.

No Ac. deste STA Proc. nº 048349 de 09/01/2002 também se diz que “… só um grau de culpa relativamente elevado sustentarão a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo.”

O Ac. de 21.3.96, in rec. 39.678, já disse expressamente que a aplicação da perda de mandato só se justifica relativamente a quem, “tendo sido eleito membro de um órgão de uma autarquia local, no exercício das respectivas funções não observou as regras de isenção e desinteresse (a imparcialidade) e de independência exigíveis a quem deve estar ao serviço do bem comum”, a quem “violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento se tornou imperioso” (Ac. TC 25/92) …”.

Por sua vez o Ac. do STA Proc. nº 0369/03 de 18/03 refere , no mesmo sentido, que “… a lei fala da obtenção de vantagem patrimonial, com uma conotação ou valoração negativa em termos de poder desencadear a grave sanção de perda de mandato, apenas pode querer significar que o eleito local, por via de atuação decorrente do exercício das suas funções ou por causa delas, vise obter uma situação de favor, de primazia ou de privilégio geradora de desigualdade em relação outros concretos ou eventuais concorrentes que pudessem prestar o mesmo serviço em condições iguais ou mais favoráveis. Ou ainda quando intervenha em qualquer ato ou contrato favorecendo, em termos patrimoniais, a sua própria posição ou a de terceiro.

Vale isto dizer (na linha, aliás, do decidido nos Acs. de 03.04.97, rec. 41784 e de 21.03.96, rec. 39678) que só relevam, no âmbito do tipo legal do art. 8º, nº 2 do Lei 27/96, os proveitos económicos que o autarca vise obter ilicitamente, exercendo as suas funções para fins que a lei proíbe ou diversos dos legalmente previstos.

A preterição dos princípios consignados no artº 4º, nº 2, designadamente, nas alíneas d) e), da Lei 29/87, de 30.06, apenas determina a perda de mandato se os comportamentos ali referidos puderem ser subsumidos àquela norma sancionadora do art. 8º, nº 2 da Lei 27/96 …”

Recentemente, no acórdão deste STA 69/19.4BEMDL de 05/21/2020 diz-se:

“(...) E é tendo em conta a gravidade da sanção e das suas consequências que a jurisprudência tem afirmado que, exceptuados os casos em que o dolo é legalmente exigível na configuração da infracção, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal.

Tudo, porque, como já se referiu, a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção visto que, se assim não for, será de questionar a constitucionalidade das normas que permitam declarações de perda de mandato fundadas em lapsos mínimos e, portanto, destituídas de razoabilidade (Acórdão de 20/12/2007 (rec. 908/07).

Deste modo, e muito embora seja certo que a perda de mandato pode ser decretada sem que haja dolo na conduta do agente também o é que a aplicação dessa sanção só encontra justificação quando "a atuação mereça um forte juízo de censura (culpa grave ou negligência grosseira). Na verdade, atendendo: (i) à natureza sancionatória da medida da perda de mandato, (ii) à intrínseca gravidade desta medida, equivalente às penas disciplinares expulsivas, com potencialidade destrutiva de uma carreira política, iii) a que a conduta dos titulares de cargos políticos eletivos é periodicamente apreciada pelo universo dos respectivos eleitores, há que concluir que a aplicação de tal medida só se justifica a quem tendo sido eleito membro de um órgão de uma autarquia local, no exercício das respectivas funções «violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento se tornou imperioso» (cfr. Acórdão STA de 21/03/96).

Violaria o princípio da proporcionalidade das medidas sancionatórias que restrinjam direitos políticos aplicar uma tal sanção a incumprimentos veniais» (Acórdão de 11/03/99, rec. 44.576).

E, porque assim é, entende-se que, nos casos de violação da norma que proíbe ao autarca de intervir em procedimento onde possa obter vantagem patrimonial, essa violação só é determinante da perda do mandato quando se mostre que ele tinha interesse direto, pessoal e relevante nessa intervenção e que esse interesse o impedia de atuar de forma rigorosa, isenta e imparcial na defesa do interesse público posto a seu cargo, acrescentando-se que essa intervenção tem de estar associada a culpa grave visto que “só um grau de culpa relativamente elevado sustentará a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo” - (Acórdão de 9/01/2002, rec. 48.349).”

Para análise da situação dos autos não podemos olvidar o concreto condicionalismo que envolveu a subscrição da proposta relativamente á qual os aqui recorrentes estavam impedidos.

E vejamos.

Está aqui em causa uma intervenção ao nível da fase inicial do procedimento através de uma proposta subscrita não só pelos aqui recorrentes mas por mais 4 vereadores que a poderiam ter subscrito desacompanhados dos 2 Réus/recorrentes e com a mesma eficácia jurídica.

Pelo que, a única intervenção que os aqui recorrentes tiveram no procedimento era inóqua no sentido de que sem a sua assinatura sempre o requerimento seria levado à sessão da Câmara.

A C……… era uma entidade com capital maioritariamente detido pelo Município ……….. e cujo Conselho de Administração integrava, por isso, membros designados pelo Município, autarcas, cujas funções não eram remuneradas.

E apenas após a deliberação da sua dissolução surgiram inspeções tributárias que originaram os atos de liquidação de IRC e de IVA e a sua reversão para os aqui recorrentes por insuficiência dos bens penhoráveis da C……….

Estão em causa, pois, dívidas da empresa municipal C……… que reverteram para os aqui recorrentes que estiveram na sua Administração em representação efetiva do Município.

E, porque as dívidas fiscais em causa são originadas por uma inspeção tributária posterior à deliberação de dissolução da C………., pode questionar-se se a mesma não cairá eventualmente no âmbito de responsabilidade subsidiária dos sócios, chamando à colação o artigo 147º, n.º 2 do CSC e os artigos 22 e 24 da LGT.

Pelo que, a questão da responsabilidade do Município pelas dívidas fiscais dessa empresa municipal é discutível atendendo a que o Município era acionista, com posição dominante, na empresa municipal em causa, responsável pelo seu equilíbrio financeiro.

Por outro lado, parte das dívidas fiscais em causa têm vindo a ser anuladas, no seguimento de impugnações efetuadas.

Atendendo a todo este circunstancialismo não podemos concluir por uma gravidade da intervenção ilícita dos Réus/Recorrentes no procedimento ao co-subscreverem a proposta em causa, que atinja o grau exigível para a perda dos mandatos.

Procede, pois, o recurso devendo improceder a ação de perda de mandato.

*

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a ação para perda de mandato dos aqui recorrentes.

Custas pelo recorrido.

DN.

Lisboa, 29 de Outubro de 2020.

A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15°-A do DL n.° 10-A 2020, de 13.03, aditado pelo art. 3º do DL n.° 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento (Conselheiros Jorge Artur Madeira dos Santos e Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha).

Ana Paula Soares Leite Martins Portela