Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01201/13
Data do Acordão:11/25/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:REVERSÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
INSOLVÊNCIA
Sumário:A sustação dos processos de execução fiscal que se verifica na sequência da declaração de falência/insolvência da devedora originária, comporta as excepções previstas nos nºs. 1 e 6 do art. 180º do CPPT, não estando vedada a reversão das dívidas tributárias contra o responsável subsidiário (nº 7 do art. 23º da LGT), caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais, impondo-se, contudo, que a AT respeite os limites da excussão prévia impostos pelo nº 2 do art. 23º da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P19753
Nº do Documento:SA22015112501201
Data de Entrada:07/04/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a Fazenda Pública, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a oposição judicial deduzida por A…….., melhor identificado nos autos, contra a execução fiscal nº 1830201101054775 instaurada contra a sociedade B……… LDª, com os demais sinais dos autos, por dívidas de IRS, IVA e Imposto de Selo referente ao ano de 2011, no montante total de € 5.735,54.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«Salvo o devido o devido respeito, e sem prejuízo de melhor opinião, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida fez um errado enquadramento dos factos à luz dos normativos legais vigentes quando decidiu que o acto de reversão contra o aqui oponente consubstanciou uma violação do artigo 180.º do CPPT, porquanto a execução fiscal deveria ter ficado sustada depois de declarada a insolvência da devedora originária.
B. Cumpre então apreciar quais os efeitos que a declaração de insolvência da devedora originária produz relativamente aos processos executivos contra si instauradas e se é admissível reverter as dívidas contra as responsáveis subsidiárias.
C. O processo de insolvência caracteriza-se por ser um processo de execução universal onde o objectivo é a satisfação dos credores através da liquidação do património do devedor insolvente com a posterior repartição do produto obtida por aqueles.
D. Temos então que, à partida todos os bens do devedor podem ser apreendidos [carácter universal] e, tratando-se de um processo em que todos os credores, independentemente da natureza dos seus créditos, são chamados a intervir no processo [carácter concursal], perante a insuficiência da massa insolvente em satisfazer a totalidade dos créditos, estes assumem perdas de modo proporcional.
E. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRE [1ª parte]: “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência (...).” [ nosso].
E. Do mesmo modo, é prescrito no n.º 1 do artigo 180.º do CPPT [1ª parte]: “Proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes (...).”
G. Existe uma clara preocupação em consignar na lei formas que impeçam os credores de atingir os bens afectos à massa insolvente realçando o carácter marcadamente universal deste processo de execução.
H. Por esta ordem de razão, há que sustar as execuções fiscais instauradas em nome da devedora originária quando exista declaração de insolvência em nome desta [com as excepções previstas na parte final do nº 1 e nº6 do artigo 180.ºdo CPPT].
I. Todavia, esta situação [sustação das execuções relativamente ao devedor originário] não obsta a que o órgão de execução fiscal averigue sobre a admissibilidade legal de chamar à execução os responsáveis subsidiários.
J. O responsável subsidiário, caso se verifiquem os pressupostos legais para o seu chamamento, irá responder com o seu património [Pessoal] relativamente a dívidas da devedora originária por insuficiência patrimonial desta, o que por si só em nada afecta os bens da massa insolvente.
K. Para isso nos remete o n.º 7 do artigo 23.º da LGT quando prevê a possibilidade legal da reversão após o conhecimento oficial ou oficioso da insolvência da executada.
L. Consubstanciada a insuficiência patrimonial da devedora originária através da declaração de insolvência, o órgão de execução fiscal deverá apreciar sobre os pressupostos legais da reversão [nº 1 do artigo 24.º da LGT].
M. Efectivada a reversão, o órgão de execução fiscal fica, no entanto, impedido de praticar actos coercivos em relação ao responsável subsidiário em respeito ao princípio da excussão prévia do património da devedora originária nos termos previstos no nº 2 do artigo 23.º da LGT.
N. Perante o exposto, verifica-se que a sustação dos processos executivos quando exista declaração de insolvência do devedor originária só aproveita para este, sendo legalmente admissível que se pratiquem actos conducentes à reversão das dívidas contra os responsáveis subsidiários.
O. Em conclusão de tudo o anteriormente exposto, com a devida vénia entende a Fazenda pública que a douta decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito.»

2 – Não houve contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso concluindo se de revogar a decisão recorrida e ser de determinar que se conheça dos demais fundamentos da oposição.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel fixou a seguinte matéria de facto:
1.º - Pelo serviço de finanças de Paços de Ferreira foi instaurada a execução fiscal n.º 1830201101054775 e apensos, contra a sociedade B………… Lda., NIPC: ………….., por dívidas de IRS (retenções na fonte), IVA e Imposto de Selo (IS), do ano de 2011, no montante total de € 5.735,54.
2.º - Com fundamento na insuficiência de bens da devedora originária face ao pagamento da dívida exequenda, prosseguiu a reversão contra o ora oponente por despacho de 30.08.2012.
3º - O oponente foi citado da reversão em 04.09.2012 - cf. teor da informação do serviço de finanças a fls.28 dos autos.
4.º - No processo de execução fiscal constava, na informação para o projecto de reversão, datada de 23.08.2012, a existência do processo de insolvência da devedora originária - cf. doc. de fls. 17 dos autos.
5.º - A sociedade executada foi declarada insolvente por sentença de 06.02.2012 - cf. doc. de fls.67 dos autos.
6.º - A qual transitou em julgado em 28.03.2012.

6. Do objecto do recurso
Da análise do segmento decisório da sentença e dos fundamentos invocados pela Fazenda Pública para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a oposição deduzida pelo recorrido, no entendimento de que o despacho de reversão contra o mesmo deduzido no âmbito do processo de execução fiscal instaurado contra a sociedade B………… Lda, entretanto declarada insolvente, era ilegal por afrontar o disposto no artº 180º, ns. 1, 4 e 5 do CPPT.
Perante a questão da ilegalidade do despacho de reversão e da nulidade do processo executivo, suscitada pelo Ministério Público, a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel decidiu, no essencial o seguinte:
(…) findo o processo de insolvência, nada obsta à prossecução dos processos de execução fiscal que nele não tenham logrado pagamento integral para reversão contra os responsáveis subsidiários, nos termos do disposto no art.180º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do art.233º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pela Lei n.º39/2003, de 22 de Agosto.
A sustação do processo de execução fiscal só se justifica enquanto estiver pendente o processo de insolvência, em ordem à reclamação neste processo dos créditos em cobrança nas execuções fiscais e tem como finalidade assegurar que nestes processos não sejam tomadas decisões que possam ter interferência no processo de insolvência.
Ou seja, depois de findo o processo de insolvência, ainda podem prosseguir novas execuções ou prosseguirem as instauradas anteriormente contra o insolvente e o responsável subsidiário, nos termos previstos no n.º 5 do art. 180º, do CPPT, desde que, a penhora incida sobre bens entretanto adquiridos e que não foram apreendidos na insolvência.
Mas isso pressupõe que já tenha sido proferido o despacho de reversão da execução, fazendo com que a sustação da execução e a sua apensação ao processo de insolvência implique também o não prosseguimento do processo executivo contra o executado revertido.
Não tendo ficado sustada a execução fiscal, os actos processuais praticados na sua ulterior tramitação consubstanciam violação do disposto nos artigos 1, 4 e 5, do art.180º, do CPPT.
Acresce que, não resulta dos autos qualquer manifestação de que existam novos bens do oponente, distintos dos que foram apreendidos à ordem do processo de insolvência.
Pelo que, estamos, igualmente, perante a violação do disposto no n.º 6 do art.180º, do CPPT, que gera a ilegalidade da reversão ordenada contra o oponente».

Não conformada vem a Fazenda Pública interpor o presente recurso.
A base da sua argumentação assenta nas seguintes proposições:
- há que sustar as execuções fiscais instauradas em nome da devedora originária quando exista declaração de insolvência em nome desta [com as excepções previstas na parte final do nº 1 e nº6 do artigo 180.ºdo CPPT].
- esta situação [sustação das execuções relativamente ao devedor originário] não obsta a que o órgão de execução fiscal averigue sobre a admissibilidade legal de chamar
- sendo que é isso que decorre n.º 7 do artigo 23.º da LGT quando prevê a possibilidade legal da reversão após o conhecimento oficial ou oficioso da insolvência da executada.

7. Apreciando e decidindo
Entendemos que assiste razão à Fazenda Pública.
Este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre questão similar à ora suscitada, tendo concluído que a sustação dos processos de execução fiscal que se verifica na sequência da declaração de falência/insolvência da devedora originária, comporta as excepções previstas nos nºs. 1 e 6 do art. 180º do CPPT, não estando vedada a reversão das dívidas tributárias contra o responsável subsidiário (nº 7 do art. 23º da LGT), caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais, impondo-se, contudo, que a AT respeite os limites da excussão prévia impostos pelo nº2 do art. 23ºda LGT.

Assim se decidiu nos Acórdãos de 02.07.2014 e de 17.12.2014, proferidos nos recursos 1199/13 e 1200/13( In www.dgsi.pt. ), que trataram de casos idênticos ao dos presentes autos, quer nos pressupostos de facto quer, até, no teor das alegações de recurso.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir a respectiva fundamentação.

Como se exarou naquele Acórdão 1200/13 «Dispõe aquele artigo 180º, sob a epígrafe “Efeito do processo de recuperação da empresa e de falência na execução fiscal”:
1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.
2 - O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respectivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.
3 - Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos.
4 - Os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos no prazo de 8 dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de falência.
5 - Se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.
6 - O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção.
Também o CIRE no artigo 88º dispunha que (na redacção aqui aplicável):
«1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do n.º 2 do artigo 85.º, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente».
Ou seja, ambas estas normas visam a protecção do executado falido e em última instância a protecção dos credores que forem ao processo de insolvência reclamar os seus créditos para poderem vir a ser pagos pelo produto da venda dos bens da massa insolvente, nas condições legalmente estabelecidas.
Visa-se, assim, impedir que os credores do falido, reclamantes ou não no processo de insolvência, tentem obter o pagamento dos seus créditos em condições desfavoráveis para os restantes credores que beneficiem de privilégios no tocante à ordem de pagamento, pelo produto da venda dos bens da massa.
E, por esta razão, o legislador determinou que, logo que declarada a insolvência (a hipótese que aqui nos interessa) os processos de execução não prossigam, devendo ser remetidos ao processo de insolvência.
No entanto, à data da prolação da sentença de insolvência e da prolação do despacho de reversão, dispunha o artigo 23º, n.º 7 da LGT que, o dever de reversão previsto no n.º 3 deste artigo (caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei) é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no n.º 2 do artigo 181.º do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal, sem prejuízo da adopção das medidas cautelares aplicáveis.
Pode-se retirar deste preceito legal, bem como do disposto nos nºs. 2 e 3 do mesmo artigo 23º, que o legislador quis, uma vez verificada a insuficiência dos bens do executado e ainda sem que tenham sido penhorados e vendidos todos os bens que lhe restem, que a AT profira obrigatoriamente o despacho de reversão. E tal despacho deve ser proferido mesmo que o quantum da responsabilidade do devedor subsidiário não esteja completamente determinado e que os autos de execução devam aguardar, quanto a si, que ocorra a completa excussão dos bens do executado e devedor principal, verificados que estejam, naturalmente, os restantes requisitos legalmente previstos para que possa ocorrer a reversão.
Daqui se pode concluir, assim, que o despacho de reversão não é ilegal por afrontar o disposto no artigo 180º do CPPT, uma vez que encontra acolhimento no disposto no artigo 23º da LGT. A leitura conjugada de ambos os preceitos legais, permite, portanto, salvaguardar a posição do devedor subsidiário, no sentido de dever ser excutido previamente o património do devedor principal, bem como o direito de crédito da AT, ou o seu remanescente não pago pelo produto da venda dos bens do devedor principal, que será oportunamente exercido sobre o mesmo devedor subsidiário (irrelevando, assim, neste momento, saber se o devedor subsidiário detém ou não bens que possam vir a satisfazer a dívida exequenda)(fim de citação).
No caso em apreço, estando provado que o despacho da reversão foi proferido na sequência do conhecimento de que havia sido declarada a insolvência da devedora originária (pontos 4 a 6 do probatório) não há dúvida que foi proferido ao abrigo do disposto naquele artigo 23º, n.º 7 da LGT, devendo agora aguardar-se pela excussão dos bens da insolvente.

8. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em:

- conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida;
- ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo para que aí sejam conhecidas as restantes questões cuja apreciação foi solicitada pelo oponente.
Sem custas.

Lisboa, 25 de Novembro de 2015. - Pedro Delgado (relator) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.