Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0127/14
Data do Acordão:03/06/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:ANULAÇÃO DA VENDA
LEI DO ORÇAMENTO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - O acto administrativo-tributário deve ter-se por suficientemente fundamentado se permite ao seu destinatário tomar conhecimento dos motivos por que a entidade administrativa decidiu naquele sentido e, consequentemente, optar por se conformar com a decisão ou contra ela reagir.
II - O regime da venda em processo de execução fiscal, quer antes quer depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, permite que a venda que não seja efectuada pelo valor base anunciado, possa vir a ser efectuada por valor inferior, ainda que através de diferente modalidade de venda.
Nº Convencional:JSTA000P17167
Nº do Documento:SA2201403060127
Data de Entrada:02/03/2014
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 407/13.3BELLE

1. RELATÓRIO

1.1 A……………… e B…………. (a seguir Executados, Reclamantes ou Recorrentes), invocando o disposto nos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamaram para o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé da decisão do Director de Finanças de Faro, que lhes indeferiu o pedido de anulação de venda de prédio efectuada no âmbito de um processo de execução fiscal.
Invocaram como fundamentos, em síntese, (i) a falta de fundamentação daquela decisão administrativa, (ii) a inaplicabilidade ao caso da redacção que foi dada ao art. 248.º do CPPT pela Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), sob pena de aplicação retroactiva da lei fiscal, em violação do disposto no art. 12.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT) e nos arts. 2.º e 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e (iii) o enquadramento dos factos articulados pelos Reclamantes na previsão do art. 257.º do CPPT.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou improcedente a reclamação.

1.3 Os Reclamantes recorreram dessa sentença para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o respectivo requerimento a motivação do recurso, que resumiram em conclusões do seguinte teor: «

I - O processo executivo que está na base da reclamação realizada iniciou-se no ano de 2007 sendo que o processo de venda do imóvel se iniciou no ano de 2009.

II - O novo regime de venda decorrente da publicação da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, nomeadamente a nova redacção do artigo 248.º, art. 250.º, art. 255.º e art. 256.º do CPPT, não se aplica ao caso concreto.

II - [ (O n.º II encontra-se repetido, lapso que se repercutiu na numeração das conclusões seguintes.)] A aplicação imediata, ao caso concreto, do regime de venda que resultou da alteração decorrente da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, levou a que a tal procedimento de venda padecesse de um vício formal.

III - Violou-se o artigo 12.º, n.º 3 da LGT.

IV - A aplicação imediata da nova lei ao caso concreto violou o art. 2.º e art. 103.º da Constituição da República Portuguesa.

V - Estão em causa os princípios constitucionais da proibição da retroactividade da lei fiscal e o princípio da protecção da confiança.

VI - A venda realizada enferma de vícios formais.

VII - A aplicação do regime decorrente do art. 126.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, afecta, de forma inadmissível e arbitrária, os direitos e expectativas do contribuinte.

VIII - A nova redacção do art. 248.º do CPPT, decorrente da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterou de forma substancial o processo e as condições de venda dos bens penhorados.

IX - Foram preteridas formalidades essenciais que influenciaram o resultado da venda.

X - A aplicação do novo regime ao caso concreto influenciou a decisão do processo e as ilegalidades cometidas condicionaram o rumo do processo executivo.

XI - É legítima a invocação efectuada (art. 257.º, n.º 1, alínea b) do CPPT).

XII - Tais factos também permitem enquadrar o pedido de anulação da venda no art. 257.º, n.º 1, alínea c) do CPPT e art. 909.º do CPC.

XIII - Tal venda é, também, por isso nula (art. 201.º e art. 909.º, n.º1, al. c) do CPC).

XIV - A decisão proferida pela Direcção de Finanças de Faro, no sentido de indeferir o pedido de anulação da venda por os fundamentos não se enquadrarem no vertido no art. 257.º do CPPT, para além de aplicar deficientemente o direito ao caso concreto, não se encontra fundamentada nos termos previstos no art. 77.º da LGT.

Nestes termos e nos melhores de direito, com o suprimento de V. Exa, deve ao presente recurso ser concedido provimento, revogando-se a decisão aqui recorrida e, em consequência, devem ser anulados todos os actos posteriores ao despacho que ordenou a venda por propostas em carta fechada, relativos ao acto da venda, nos termos do art. 201.º, n.º 1, em conjugação com o art. 909.º, n.º 1, al. c) ambos do CPC, e art. 257.º, n.º 1, al. b) e c) do CPPT, com fundamento na sua ilegalidade por ofensa da norma contida no art. 12.º da LGT, art. 2.º e 63.º da CRP e preterição de formalidade prescrita na lei […]».

1.4 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao presente recurso com a seguinte fundamentação:

«O recurso jurisdicional visa permitir a reapreciação das decisões judiciais por um tribunal de hierarquia superior.
Sendo objecto do recurso uma determinada decisão judicial, a função do tribunal ad quem, salvo no que concerne a questões de conhecimento oficioso, é uma função de controlo que se materializa na reponderação ou reexame de questões que tenham sido enfrentadas na instância recorrida.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, IV vol., 6.ª edição, a pgs. 446 e 447, “(p)ara além de questões de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida, as questões a tratar nas alegações deverão ter sido apreciadas na decisão recorrida.
Os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais (art 676.º, n.º 1, do CPC).
Por isso, têm por fim, para além de questões de conhecimento oficioso, a apreciação da correcção das decisões recorridas e não a produção de decisões, em primeiro grau de jurisdição, sobre matérias não conhecidas por elas”.
No presente recurso, para além da questão da fundamentação do despacho reclamado, o que os recorrentes questionam é a aplicação imediata, ao caso concreto, do regime de venda que resultou da alteração decorrente da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dez.
Ora, na decisão recorrida o que foi apreciado, em conformidade com o peticionado na petição de reclamação, foi a questão da aplicabilidade imediata da Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dez., tendo sido a esse propósito produzidos um conjunto de argumentos que assentaram no cotejo entre a redacção das normas em causa operada por aquela Lei e a redacção anterior, justamente aquela que decorria da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro. Não se pronunciou o tribunal a quo sobre a aplicabilidade imediata do regime de venda decorrente desta última Lei nem sobre as implicações decorrentes das alterações por ela introduzidas face às redacções anteriores dos preceitos em causa.
Assim, salvo melhor entendimento, a questão ora suscitada apresenta-se como um questão nova sobre a qual este Supremo Tribunal não se deverá pronunciar, sob pena de supressão ou preclusão de instância decisória.
No que respeita à questão da fundamentação considero que não assiste razão aos recorrentes.
Com efeito, como se refere na sentença recorrida, a fundamentação do despacho reclamado permite reconstituir o iter cognoscitivo do seu autor.
O vício da falta de fundamentação é de natureza formal e não substancial, enfermando o acto de falta ou insuficiência de fundamentação quando não externa de modo claro, suficiente e congruente, as razões de facto e de direito que o determinaram e o seu sentido decisório.
Como é jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal expressa, designadamente, no douto Acórdão do Pleno da Secção do CA de 24.11.1994 - Rec. n.º 26573, “(a) fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, supostamente na posição do interessado em concreto, atentas as suas habilitações literárias e os seus conhecimentos profissionais, o tipo legal do acto, os seus termos e as circunstâncias que rodearam a sua prolação, não tenha dúvidas acerca das razões que motivaram a decisão”, aferindo-se a suficiência da fundamentação pela possibilidade do contribuinte poder reagir contra o acto em causa, através dos meios administrativos ou contenciosos que lei coloca ao seu dispor.
Ora, mesmo abstraindo das concretas circunstâncias do caso, tem-se por manifesto que o discurso fundamentador em causa cumpre as exigências legais da fundamentação dos actos administrativos, sendo perfeitamente esclarecedor para um normal destinatário da razão de ser do despacho reclamado. Descrevendo-se, com base no art. 257.º do CPPT, quais os fundamentos que no entender do autor do acto podem suportar o pedido de anulação da venda, é esclarecedor dizer, como ocorre no caso vertente, que “o fundamento invocado pelo requerente não consubstancia nenhum dos motivos contidos naquele normativo legal”, o que não invalida discordância quanto ao conteúdo do discurso fundamentador» (Aqui como adiante, porque usaremos o itálico nas transcrições, as partes que no original surgiam em itálico figurarão em tipo normal, a fim de respeitar o destaque que lhes foi concedido pelos autores.).

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos, atenta a natureza urgente do processo.

1.8 As questões que cumpre apreciar e decidir, como procuraremos demonstrar, são as de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento

· quando considerou que a decisão administrativa reclamada não enfermava do vício de falta de fundamentação que os Reclamantes lhe assacaram (cfr. conclusão XIV);

· quando julgou que a imediata aplicação ao processo de execução fiscal da nova redacção dada aos artigos do CPPT que regulam a venda em execução fiscal pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), não violava direitos ou expectativas legítimas dos Executados (cfr. conclusões II a V) e que dessa aplicação não resultou vício formal (cfr. conclusões II, VI e IX).


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 MATÉRIA DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé deu como provados os seguintes factos: «

A) Em 12/10/2007, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 1082200701066900, por dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) no montante de € 373,90 (cfr. fls. 1 do PEF);

B) Em 27/10/2008, foram apensados ao referido processo mais os processos n.ºs 1082200701093118, 1082200801021397, 1082200801027298, 1082200801032607 e 1082200801065955 (cfr. fls. 3 do PEF);

C) Em 27/10/2008, foi pedida através do SIPA - Sistema Informático de Penhoras Automáticas, a penhora do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ........, concelho de Loulé, sob o artigo n.º 3454 (cfr. PEF e informação e fls. 18 do p.a.);

D) Em 03/12/2008, foi registada na Conservatória do Registo Predial de Loulé, a penhora do prédio atrás identificado, pela Ap. 80 de 2008-12-03, para garantia da dívida no valor de € 20.242,79 e acrescido, no prédio descrito sob o no 857/19861007 - ........ (cfr. fls. 6 do PEF);

E) A 22/12/2008, foi o executado citado da penhora do bem (cfr. PEF e informação de fls. 18 do p.a.);

F) A 02/10/2009, foi lavrado pelo Sr. Chefe deste Serviço de Finanças, o despacho para marcação da venda por meio propostas em carta fechada, para o dia 10 de Dezembro de 2009, pelas 11,00 horas, sendo valor base da venda a quantia de € 70.406,00, correspondente a 70% do valor patrimonial do imóvel (cfr. PEF e informação de fls. 18 do p.a.);

G) Em 06/10/2009, foram enviadas as citações ao executado, ao executado na qualidade e depositário, e ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., do despacho da data da marcação da venda e afixados os respectivos editais e publicados os respectivos anúncios (cfr. fls. 24 a 37 do p.a.);

H) Em 11/12/2009, o Reclamante apresentou requerimento a pedir a suspensão, por 60 dias, para a abertura das propostas apresentadas, comprometendo-se a pagar a totalidade da dívida nesse prazo e foi concedido o prazo máximo de 60 dias, contados a partir da data marcada para a venda (cfr. PEF e fls. 18 do p.a.);

I) Em 18/02/2010 veio requerer a suspensão por mais 30 dias para a abertura das propostas apresentadas, comprometendo-se a pagar a totalidade da dívida nesse prazo, e foi concedido o prazo máximo de 30 dias, contados a partir da data marcada para a venda (cfr. PEF e fls. 18 do p.a.);

J) Em 21/03/2010, sem que o executado tenha efectuado qualquer pagamento, procedeu-se à abertura das propostas apresentadas para a venda n.º 1082.2009.143, verificando-se que não houve qualquer proponente (cfr. PEF e fls. 18 do p.a.);

K) Em 29/07/2011, foi marcada nova venda, por meio de “leilão electrónico”, sendo valor base da venda a quantia de € 70.406,00, correspondente a 70% do valor patrimonial do imóvel, para o dia 15 de Setembro de 2011 às 11:00 horas (cfr. PEF e fls. 18 do p.a.);

L) Em 03/08/2011, foram enviadas as citações ao Reclamante e ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., do despacho da data da marcação da venda e afixados os respectivos editais e publicados (cfr. PEF e fls. 18 do p.a.);

M) Na data marcada para a abertura das propostas, procedeu-se à respectiva abertura (venda n.º 1082.2011.70), sem que tenham sido apresentadas quaisquer propostas (cfr. PEF e fls. 18 do p.a.);

N) Em 30/05/2012, foi marcada nova venda por meio de “propostas em carta fechada”, sendo valor base da venda a quantia de € 50.290,00, correspondente a 50% do valor patrimonial do imóvel para o dia 10 de Julho de 2012 às 11:00 horas (cfr. PEF e fls. 18 do p.a.);

O) A 04/06/2012, foram enviadas as citações ao Reclamante e ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., do despacho da data da marcação da venda e afixados os respectivos editais, bem como as publicações na lnternet (cfr. PEF e fls. 18 do p.a.);

P) Na data marcada para a abertura das propostas, procedeu-se à respectiva abertura (venda n.º 1082.2012.222), sem que tenham sem que tenha havido qualquer proponente (cfr. PEF e fls. 18 do p.a.);

Q) Em 09/01/2013, foi marcada nova venda, por meio de “leilão electrónico” sem valor mínimo de licitação, para o dia 21 de Fevereiro de 2013 às 11:00 horas (cfr. PEF e fls. 18 do p.a.);

R) Em 10/01/2013, foram enviadas as citações ao Reclamante e ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., do despacho da data da marcação da venda e afixados os respectivos editais, bem como as publicações na Internet (cfr. PEF e fls. 18 do p.a.);

S) No dia 21/02/2013 procedeu-se à respectiva abertura (venda n.º 1082.2013.1) verificando-se que foram efectuadas 75 licitações, sendo a mais elevada, feita pela C............. Lda., NIPC ............, no montante de € 41.000,00, pelo que lhe foi adjudicado o imóvel objecto da venda (cfr. PEF e fls. 18 do p.a.);

T) Em 22/02/20 13, foi enviada a notificação ao adjudicatário para proceder no prazo de 15 dias a contar da data da assinatura que acompanhou a referida notificação, efectuar pagamento da totalidade do preço oferecido, bem como o IMT e Imposto de Selo - Verba 1.1. (cfr. PEF e fls. 18 do p.a);

U) Na mesma data foi enviada ao Reclamante, a notificação, para proceder à entrega das chaves do imóvel, no prazo de 10 dias a contar da assinatura do aviso de recepção, tendo este sido assinado no dia 25/02/2013 (cfr. PEF e fls. 18 do p.a.);

V) Em 08/03/2013, o Reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Faro, pedido para Anulação da Venda (cfr. fls. 70 dos autos);

W) A Chefe de Finanças proferiu despacho onde refere que

Considerando a informação supra, com a qual concordo, remeta-se o respectivo processo à Direcção de Finanças de Faro, para decisão

(cfr. fls. 18 do p.a.);

X) Em 26/03/2013 o Director de Finanças de Faro proferiu despacho de indeferimento (cfr. fls. 96 e 97 do p.a.);

Y) Em 01/04/2013 foi enviado ao Reclamante ofício n.º 1082/2973/2013 a informá-lo do despacho referido na alínea anterior (cfr. fls. 98 do p.a.);

Z) Em 02/04/2013, o Reclamante assinou o aviso de recepção relativo ao referido ofício (cfr. fls. 103 do p.a.)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal instaurada em 2007 foi vendido em 2013 um prédio penhorado.
O Executado pediu ao órgão da execução fiscal a anulação dessa venda com o fundamento de que a mesma não podia ter sido sujeita, como foi, às regras introduzidas pela nova redacção dada aos arts. 248.º, 250.º, 255.º e 256.º do CPPT (Código do qual serão todas as disposições legais a seguir invocadas sem outra menção.) pela Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dezembro, pois a aplicação imediata ao processo de execução fiscal do regime resultante dessa nova redacção, designadamente na medida em que permite que o valor por que o bem é posto à venda fosse reduzido, num primeiro momento, para 50% do seu VPT e, seguidamente, face à ausência de propostas, pela melhor proposta sem base mínima de licitação, viola de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas do contribuinte, uma vez que, antes da entrada em vigor daquela lei, o Executado tinha um valor de base garantido, de venda do seu imóvel, de 70% do seu valor patrimonial; que essa aplicação imediata é, por isso, violadora dos princípios constitucionais da protecção da confiança e da proibição da retroactividade da lei fiscal, consagrados, respectivamente, nos arts. 2.º e 103.º da CRP, bem como viola também o art. 154.º da Lei 64-B/2011, de 31 de Dezembro, e o art. 12.º da LGT.
Essa pretensão foi indeferida com o fundamento de que a matéria invocada pelo Requerente não integra fundamento algum dos enumerados no art. 257.º.
O Executado reclamou dessa decisão ao abrigo do disposto nos arts. 276.º a 278.º, sustentando que a decisão reclamada enferma de falta de fundamentação, que a sua alegação integra o fundamento de anulação de venda previsto na alínea b) do do n.º 1 do art. 257.º e, ademais, porque «a venda realizada enferma de vícios formais», integra também o fundamento da alínea c) do mesmo preceito legal, mantendo a alegação aduzida na reclamação.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou a reclamação improcedente. Isto, porque considerou que
· a decisão reclamada encontra-se devidamente fundamentada;
· a Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dezembro, não trouxe alteração alguma relativamente às modalidades de venda e ao valor por que os bens penhorados hão-de ser postos à venda, sendo que já antes das alterações por ela operadas «em caso de falta de proponentes para a compra do bem penhorado, em último caso, a venda seria sempre efectuada por leilão electrónico e sem base mínima de licitação, como acontecia e acontece na previsão normativa dos n.ºs 2 a 4 do art. 248.º do CPPT», motivo por que concluiu: «não foram preteridas quaisquer formalidades na venda do bem ora em causa, bem como improcede a invocada violação de direitos e expectativas dos Reclamantes».
Embora a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé o não tenha referido expressamente, parece ter considerado que os Reclamantes tinham razão quanto à alegação de que invocaram fundamento válido para pedir a anulação da venda. Só assim se compreende que tenha passado a apreciar o mérito desse fundamento.
A Executada recorre da sentença para este Supremo Tribunal Administrativo, insistindo na tese anteriormente sustentada nos autos, ou seja, que a decisão do Director de Finanças de Faro não está fundamentada e que está vedada a imediata aplicação das regras que alteraram o regime da venda, sendo no entanto que agora, relativamente à lesão que alega ter sofrido com a aplicação imediata das alterações ao regime da venda, ao invés de reportar essas alterações à Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dezembro, reporta-as à Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.
É certo que o Representante do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo considerou que se tratava de uma questão nova (e, por isso, fora do âmbito legalmente admissível do recurso jurisdicional), uma vez que o Tribunal de 1.ª instância, relativamente ao regime da venda, se limitou a apreciar, em conformidade com o alegado na petição da reclamação judicial, a questão da aplicabilidade imediata da Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dezembro, e já não a da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.
Embora admitamos que se trata de matéria não isenta de dúvidas, não concordamos.
Os Reclamantes suscitaram a questão da imediata aplicação das novas regras respeitantes à venda em processo de execução fiscal, designadamente as que respeitam à fixação do preço da venda. Sustentaram que à data em que se iniciou o processo de execução fiscal o valor base para a venda dos imóveis penhorados era de 70% do seu valor patrimonial e que «[c]om a alteração legislativa decorrente da Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dezembro, o contribuinte viu esse valor base ser reduzido, num primeiro momento, para 50% do seu valor patrimonial e, seguidamente, face à ausência de propostas, viu o seu bem imóvel ser alienado pela melhor proposta, deixando de ter uma base mínima de licitação».
Ou seja, é inequívoco que referiram essas alterações legislativas à Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dezembro, pois consideraram que foi através desta que foi dada a nova redacção às normas legais do CPPT que regulam a venda em execução fiscal e a cuja aplicação imediata se opõem.
Ora, como judiciosamente observou a Juíza do Tribunal a quo, as alterações legislativas em causa ocorreram por força, não da Lei do Orçamento do Estado para 2012, mas da Lei do Orçamento do Estado para 2011, ou seja, a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.
Foi com base na nova redacção dada ao art. 248.º do CPPT por esta Lei (do Orçamento do Estado para 2011) que a venda, até então feita através de propostas em carta fechada, passou a ser «feita preferencialmente por meio de leilão electrónico» (n.º 1), que a venda de bens imóveis penhorados, quando se frustrar a venda por leilão electrónico, passou para a ser efectuada por propostas em carta fechada e pelo valor base correspondente a 50% do determinado nos termos do art. 250.º (n.º 3), e que, na ausência de propostas, a venda passou a ser efectuada de novo em leilão electrónico, pela melhor proposta e sem base mínima de licitação (n.º 4).
A única alteração que a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, introduziu no art. 248.º, como também bem salientou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, foi no n.º 4 daquele artigo e consistiu na redução do prazo do segundo leilão electrónico, de 20 para 15 dias.
Do que vimos de dizer, resulta que, salvo o devido respeito, os Reclamantes escolheram mal a Lei do Orçamento a que imputaram as alterações legais que, a seu ver, não podem ter aplicação imediata.
Mas, uma vez que a execução fiscal foi instaurada em 2009, o erro em que incorreram os Reclamantes, por si só, não posterga a tese que sustentaram. Ou seja, as alterações legais em causa sempre ocorreram após ter sido instaurada a execução fiscal, motivo por que a argumentação aduzida na reclamação judicial, no sentido da impossibilidade da aplicação imediata daquelas alterações, mantém-se incólume ao facto das mesmas resultaram da Lei do Orçamento do Estado para 2011 e não, como consideraram os Reclamantes, da Lei do Orçamento de Estado para 2012.
Assim, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que só numa interpretação estritamente formal da reclamação, que não subscrevemos (Os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr. arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), motivo por que o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante.), poderíamos agora sustentar que a questão suscitada, porque foi agora enquadrada no âmbito da aplicação imediata das alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, quando anteriormente o tinha sido no das alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dezembro, é uma questão nova.
Fazendo apelo ao conceito de questão que nos fornece JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 10 b) ao art. 125.º, págs. 363/364.), diremos que a questão colocada ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé e a este Supremo Tribunal Administrativo é a mesma: saber se as alterações legais em causa, seja qual for a lei que as introduziu (no pressuposto de que essas alterações são ulteriores à data em que foi instaurada a execução fiscal), são imediatamente aplicáveis aos processos em curso, ou se a sua aplicabilidade é apenas para os processos que sejam instaurados após a sua entrada em vigor.
Assim, como deixámos dito em 1.8, as questões que ora cumpre apreciar e decidir são, por esta ordem (Sendo certo que, em regra, o conhecimento dos vícios substanciais deve preceder o dos vícios formais (cfr. art.124.º, n.º 1, do CPPT), o conhecimento prioritário do vício de falta de fundamentação impõe-se quando, como no caso, a fundamentação do acto seja imprescindível para averiguar dos fundamentos do acto impugnado. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 18 b) ao art. 124.º, pág. 341.), as de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que a decisão administrativa reclamada não enfermava do vício de falta de fundamentação que os Reclamantes lhe assacaram e quando julgou que a imediata aplicação ao processo de execução fiscal da nova redacção dada aos artigos do CPPT que regulam a venda em execução fiscal não violava direitos ou expectativas legítimas dos Executados e que dessa aplicação não resultou vício formal.


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2.2.2 DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO RECLAMADA

Os Recorrentes discordam da sentença na medida em que nesta se considerou que a decisão do Director de Finanças de Faro está suficientemente fundamentada, assim julgando improcedente o vício de falta de fundamentação por aqueles invocado na reclamação.
Insistem os Recorrentes na posição que assumiram na reclamação judicial, de que a decisão administrativa está insuficientemente fundamentada, não cumprindo com as exigências do art. 77.º da LGT.
Poderia discutir-se se a fundamentação do acto por que o órgão periférico regional da administração tributária aprecia o pedido de anulação de venda (que, após a alteração art. 257.º pela Lei do Orçamento do Estado para 2012, lhe deve ser apresentado em primeira linha, nos termos do respectivo n.º 4), deve obedecer aos requisitos de fundamentação dos actos administrativos ou das decisões judiciais. Na verdade, aos actos (necessariamente sem carácter jurisdicional) praticados pela AT no âmbito da execução fiscal enquanto mera “auxiliar” na prossecução do escopo judicial da execução – actos que não convocam a sua qualidade de exequente/credora e, por isso, não têm natureza administrativa tributária (tanto mais que a anulação da venda dificilmente poderá ser configurada como um procedimento administrativo-tributário “enxertado” no processo de execução fiscal, cuja natureza judicial ficou legalmente consagrada no art. 103.º da LGT) –, são aplicáveis, não as regras que regulam os actos administrativos tributários, mas antes as regras do CPC, que constitui a lei subsidiária em sede de processo de execução fiscal, como decorre da alínea e) do art. 2.º do CPPT. Seja como for, os requisitos de fundamentação não diferirão substancialmente num e noutro caso.
Tendo a sentença considerado que esse acto tem natureza administrativo-tributária e sendo também essa a tese sustentada pelos Recorrentes, vamos também nós considerá-lo sob essa perspectiva.
Desde já, diremos que pouco mais há a acrescentar à sentença que, a este propósito, deu resposta com a qual concordamos plenamente.
Na verdade, a Juíza do Tribunal a quo, depois de definir o quadro legal aplicável, salientou que no despacho por que o Director de Finanças de Faro apreciou o pedido foi efectuado um resumo da pretensão do Requerente e respectiva alegação – designadamente, que a imediata aplicação das novas regras legais respeitantes à venda violavam princípios constitucionais –, foi referido o artigo legal que enumera os fundamentos da anulação da venda (art. 257.º) e, depois, concluiu-se que a matéria invocada não era subsumível a nenhum daqueles fundamentos. Tudo, para concluir que esse despacho dá a conhecer «o iter cognoscitivo do decisor». Mais salientou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que não deve confundir-se, como parece que o fez o Reclamante, a suficiência da fundamentação formal com a validade dessa fundamentação.
Na verdade, o despacho do Director de Finanças de Faro permite saber por que motivo indeferiu o pedido: considera que o fundamento invocado pelo Requerente não constitui fundamento válido do pedido de anulação da venda. Pode concordar-se ou não com esse entendimento, mas não pode afirmar-se que o mesmo não é perceptível.
Permitimo-nos apenas recordar que, como a jurisprudência tem vindo a dizer, a fundamentação assume-se como um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, sendo que o critério prático para aferir da verificação do vício de falta de fundamentação passa pela indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do acto em causa, fica em condições de saber o motivo por que se decidiu num sentido e não noutro, permitindo-se-lhe assim optar conscientemente entre o conformar-se com o acto, aceitando a sua legalidade, ou contra ele reagir administrativa ou contenciosamente
É manifesto que no caso sub judice o Requerente pôde aperceber-se em face do teor dos fundamentos externados dos motivos por que o seu requerimento foi indeferido.
O recurso não pode, pois, ser provido com este fundamento.


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2.2.3 DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO OE 2011 NO REGIME DA VENDA E SUA APLICAÇÃO AOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO FISCAL PENDENTES

Como deixámos já dito, cumpre apreciar se a imediata aplicação das alterações introduzidas no regime da venda em processo de execução fiscal aos processos pendentes ofende «garantias e interesses legítimos dos contribuintes», em violação do disposto no n.º 3 do art. 12.º da LGT, e se briga ao não com quaisquer princípios constitucionais, designadamente os que são invocados pelos Recorrentes, a saber: o princípio da confiança, ínsito no art. 2.º da CRP, e o princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no art. 103.º da mesma Lei Fundamental.
Isto, porque os Recorrentes sustentam que, enquanto à face da lei em vigor à data em que foi instaurada a execução fiscal e iniciado o procedimento da venda do imóvel que lhes foi penhorado «o contribuinte tinha um valor base garantido, de venda do seu imóvel, de 70% do seu valor patrimonial (70.406,00 Euros), fixado nos termos do CIMI», a imediata aplicação das alterações introduzidas no regime da venda fiscal pela Lei do Orçamento do Estado para 2011 permitiu que a venda viesse a ser efectuada pela melhor proposta, «deixando de ter uma base mínima de licitação». Assim, na tese dos Recorrentes, a imediata aplicação das normas fiscais na sua nova redacção, traduziu-se numa ofensa «inadmissível e arbitrária dos direitos e expectativas do contribuinte dado que este vê o seu património ser delapidado por um valor inferior ao inicialmente previsto, antes da alteração legislativa, sem daí retirar um proveito imediato dado que, ainda assim, não consegue saldar todas as suas dívidas».
É certo que com as alterações introduzidas no art. 248.º pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a venda faz-se preferencialmente por leilão electrónico e só quando não seja possível realizá-lo ou nele não se conseguir efectuar a venda, por falta de propostas com o valor mínimo fixado de 70% do valor determinado nos termos do art. 250.º, a venda passará a efectuar-se através de propostas em carta fechada, com o valor reduzido a 50% daquele valor (n.ºs 1, 2 e 3 do art. 248.º); no caso de não se conseguir realizar a venda por propostas em carta fechada por este valor, será aberto de novo leilão electrónico, para venda pelo valor mais elevado, sem limite mínimo (n.º 4 do art. 248.º).
Mas, desde logo, cumpre ter em conta que a tese dos Recorrentes assenta num pressuposto que não se verifica: o de que, antes das alterações que a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, introduziu no regime legal da venda em execução fiscal o bem imóvel penhorado não podia ser vendido por valor inferior a 70% do seu valor patrimonial.
Já à data em que foi deduzida a execução fiscal a lei permitia, no caso de não serem obtidas propostas ou de as obtidas serem de valor inferior ao valor base anunciado – note-se que a venda era então a efectuar por propostas em carta fechada, nos termos da redacção inicial do n.º 1 do art. 248.º –, e para além da possibilidade também hoje existente de a AT poder adquirir os bens (art. 255.º), que a venda pudesse ser efectuada «por uma das modalidades extrajudiciais previstas no Código de Processo Civil».
Do mesmo modo, à data era possível (como o é ainda hoje), que a modalidade escolhida para a venda fosse ab initio a negociação particular, nos casos de fundada urgência na venda ou de estes serem de reduzido valor (art. 252.º, n.º 2).
O que significa que o preço por que a venda poderia vir a ser efectuada, no caso de se frustrar a venda por propostas em carta fechada ou de não ter sido essa a modalidade escolhida para a venda, podia não ser o determinado nos termos do art. 250.º; podia, inclusive, a venda vir a ser efectuada pelo melhor valor conseguido, sem a fixação de qualquer limite mínimo (No sentido de que a não fixação de preço para a venda «no que resultar da melhor proposta» não constitui nulidade susceptível de determinar a anulação da venda, quando a venda for por negociação particular na sequência da frustração da venda por propostas em carta fechada, vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Março 2005, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Dezembro de 2005
(https://dre.pt/pdfgratisac/2005/32210.pdf), págs. 583 a 587, com sumário também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/ad2a4fd836c6aeaa80256fd60047d14e?OpenDocument.).
Na verdade, mal se compreenderia que, em face da comprovada impossibilidade da venda dos bens pelo valor fixado nos termos do art. 250.º, se desistisse de efectuar a venda e, eventualmente, de conseguir o pagamento da dívida exequenda coercivamente.
Ou seja, contrariamente ao que parecem supor os Recorrentes, ainda antes das alterações introduzidas no regime da venda em processo de execução fiscal pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, nada garantia ao executado que a venda de um prédio que lhe foi penhorado não pudesse ser efectuada por valor inferior a 70% do determinado nos termos do art. 250.º, desde que comprovadamente se mostrasse inviável a venda por este valor.
Dito isto, fácil se torna concluir que a tese dos Recorrentes assenta num pressuposto errado, qual seja o de que antes das referidas alterações tinham a garantia de que o prédio que lhes foi penhorado não seria vendido por valor inferior a 70% do determinado nos termos do art. 250.º.
As alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, no regime da venda em processo de execução fiscal não têm o alcance que os Recorrentes lhes pretendem conferir, o que faz ruir a sua tese de que a imediata aplicação das normas assim alteradas possa constituir, como sustentam os Recorrentes, uma lesão «inadmissível e arbitrária [d]os direitos e interesses e expectativas do contribuinte». Contrariamente ao que sustentam os Recorrentes, não podia o Executado, à data em que se iniciou o processo de execução fiscal e face à lei então vigente ter «sérias expectativas de que o seu património (imóvel penhorado) era suficiente para saldar todas as suas dívidas».
O recurso também não pode ser provido com este fundamento, sendo de manter a sentença recorrida, ainda que nesta parte, com fundamentação não coincidente.
Seja como for, sempre diremos que se nos afigura que a tese sustentada pelos Recorrentes, mesmo no pressuposto (não verificado) de que a referida alteração legislativa tivesse passado a permitir a venda em processo de execução fiscal por valores antes não permitidos, não constitui, contrariamente ao alegado, uma violação intolerável e inadmissível das legítimas expectativas do executado, motivo por que não poderia proceder. Resumidamente:
É inequívoco que estamos perante normas de natureza adjectiva ou processual: não por se situarem num compêndio de natureza processual, como inquestionavelmente o é o CPPT, mas porque visam disciplinar uma fase do processo de execução fiscal.
Nos termos do disposto no art. 12.º, n.º 3, da LGT, «As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes».
Deste n.º 3 do art. 12.º da LGT não resulta obstáculo algum à imediata vigência e aplicação aos processos pendentes da nova redacção do art. 248.º, pois desta não resulta compressão de garantias, direitos ou interesses legítimos, sendo que as referidas regras se limitam a regular o formalismo processual de uma das fases da execução fiscal, em nada contendendo com a relação material, com a obrigação tributária em cobrança coerciva.
Por outro lado, o invocado n.º 3 do art. 103.º da CRP consagrou o princípio geral de proibição de cobrança, pelo Estado, de impostos retroactivos. Explicitou-se, aqui, diz a doutrina, algo que já decorria do princípio da protecção de confiança e da ideia de Estado de direito nos termos do art. 2.º da CRP (Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 1092 e segs.).
Decorre deste preceito constitucional que qualquer norma fiscal desfavorável será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroactiva, sendo a expressão «retroactividade» usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico: proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável.
Como é bom de ver, o âmbito de aplicação desta norma constitucional limita-se às relações jurídico-tributárias de natureza material, já não às relações processuais.


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O acto administrativo-tributário deve ter-se por suficientemente fundamentado se permite ao seu destinatário tomar conhecimento dos motivos por que a entidade administrativa decidiu naquele sentido e, consequentemente, optar por se conformar com a decisão ou contra ela reagir.
II - O regime da venda em processo de execução fiscal, quer antes quer depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, permite que a venda que não seja efectuada pelo valor base anunciado, possa vir a ser efectuada por valor inferior, ainda que através de diferente modalidade de venda.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, se bem com fundamentação não inteiramente coincidente.

Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 6 de Março de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Casimiro Gonçalves - Pedro Delgado.