Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02740/15.0BELRS 0640/18
Data do Acordão:02/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
DEFESA
PROCESSO
NULIDADE INSUPRÍVEL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24185
Nº do Documento:SA22019020602740/15
Data de Entrada:06/27/2018
Recorrente:A..................., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………………, S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, de 19 de Janeiro de 2018, que julgou improcedente o recurso de contraordenação por si interposto da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa – 2, que lhe aplicou coima de €1.355,61, por falta de entrega da prestação tributária (IVA), dentro do prazo, mantendo a decisão sindicada, para o que apresentou as seguintes conclusões:
A) A requerida em sede de audição prévia apresentou defesa nos autos nos termos do art.º 71.º do RGIT a qual foi recebida pela AT em 23/07/2015.
B) A AT não apreciou a defesa apresentada pela recorrente/arguida, ora recorrente, ou, se o fez, ignorou-a por completo não se tendo posicionado sobre a mesma nem sobre ela feito qualquer referência na douta decisão ora recorrida.
C) O direito de participação consagrado no artigo 267.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa pretende garantir a participação do particular “na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito”, garantindo assim a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e uma posição de paridade relativamente à Administração.
D) O referido direito constitucional é de qualificar como um direito fundamental, devendo a decisão administrativa que não observe a audiência dos interessados ser nula segundo o artigo 161.º n.º 2, alínea d) do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo D.L. 4/2015, de 07 de Janeiro, subsidiariamente aplicável no procedimento tributário por via do art. 2.º, al. c) da LGT.
E) O direito de audição e que gozam os contribuintes, consagrado no art. 60.º n.º 1 da LGT, constitui direito constitucional aplicado ao procedimento tributário.
F) Mesmo para aqueles que entendam que o direito de participação dos interessados nos procedimentos administrativos e fiscais, não é um direito constitucional fundamental, a desconsideração do direito de participação no processo decisório sempre implicará a sua anulabilidade, por preterição de uma formalidade essencial segundo o disposto no artigo 163.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL 4/2015, de 07 de Janeiro, aplicável subsidiariamente, levando à anulação do acto tributário.
G) A Administração Tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários, como resulta do disposto no artigo 55.º da LGT.
H) Para tanto deverá o contribuinte ser convocado para dizer o que tiver por conveniente por forma a abastecer a administração tributária com dados, provas e argumentos que deverão ser analisados e ponderados na decisão final, aliás, em consonância com o disposto no artigo 45.º, n.º 1 do CPPT.
I) Direito de participação que só será efectivamente respeitado pela administração se, além de facultar ao contribuinte a faculdade de apresentar a defesa dos seus interesses no procedimento, os argumentos por este aí invocados forem de facto considerados na decisão final, com fundamentação do porquê da não adesão aos mesmos, se esse for o entendimento da AT, sob pena de não se mostrar cumprida a formalidade legal, ou seja, o direito do contribuinte nas decisões administrativas.
J) O direito de defesa em processo contra-ordenacional fiscal, estabelecido no RGIT, também dá vida a este direito de participação do contribuinte, assumindo as vestes de um autêntico direito fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias, constitucionalmente consagrados.
K) A AT, ao não ter apreciado, nem considerado, na decisão ora recorrida, os fundamentos invocados pela recorrente/arguida constantes da defesa desta, acabou por negar à mesma o exercício do direito de defesa.
L) Situação que, na prática, produz os mesmos efeitos que a falta de notificação da arguida do despacho para audição e apresentação de defesa, na medida em que conduz ao mesmo resultado desta, ou seja, à impossibilidade de a arguida exercer o seu direito de defesa e de o fazer valer nos autos, constitucionalmente consagrado na lei.
M) Pelo que, a situação dos autos – a negação do exercício do direito de defesa por parte da arguida por não ter sido esta tomada em consideração -, enquadra-se no espírito do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT, equivalendo à falta de notificação do despacho aí referido.
N) Com efeito, deverá considerar-se verificada a nulidade referida na alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT, o que tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dela dependa absolutamente, como é o caso da decisão de aplicação da coima dos autos.
O) A desconsideração do direito de participação no processo decisório sempre implicaria a sua anulabilidade, por preterição de uma formalidade essencial à formação e tomada da consequente decisão.
P) Pelo que, deverá considerar-se nula a decisão de aplicação de coima dos autos, ora recorrida, ou, se por hipótese, assim não for entendido, deverá tal decisão ser anulada.
Q) A falta do direito de audição prévia não é um vício intrínseco da própria decisão de aplicação da coima, na medida em que o exercício daquele direito, enquanto parte do processo administrativo que culmina naquela, antecede a decisão de aplicação da coima.
R) A falta de consideração dos elementos invocados pela arguida na sua defesa afeta irreversivelmente a decisão de aplicação da coima, tornando esta ilegal e inválida e sem sustentação na aplicação do disposto no artigo 114.º n.º 1 e n.º 5, alínea a) do RGIT.
S) Considerando o conteúdo da alínea D) do ponto II – Fundamentação, da douta sentença ora recorrida, verifica-se também a não observância por parte da AT do requisito da alínea b) do artigo 79.º do RGIT na decisão de aplicação da coima, ou seja, a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas.
T) A descrição dos factos deve ser suficiente de modo a permitir ao arguido saber quais os factos que lhe são imputáveis, os quais serão justificativos da aplicação da coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação – exigindo-se que a decisão contenha fundamentação suficiente para que o arguido possa concretizar o exercício efetivo dos seus direitos e defesa, em ordem ao tipo legal de infração -, não bastando simplesmente a indicação do artigo nem a simples remissão para o auto de notícia (vide neste sentido o Ac. do TCA Sul proferido em 19-10-2005, no processo n.º 00252/04).
U) Da decisão de aplicação da coima dos autos não resultam factos suficientes, nem de forma sumária, que permitam esclarecer e fundamentar, minimamente, a decisão de aplicação da coima, não é enunciado qualquer acontecimento que permita concluir estarmos em presença da contra-ordenação pela qual a arguida é punida, sendo que, o decisor, apenas se limita a invocar normas infringidas e normas punitivas.
V) O processo de contra-ordenação em apreço enferma de nulidade insuprível, prevista no artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT, não podendo a decisão de aplicação da coima manter-se no ordenamento jurídico (n.º 3 do artigo 63.º do RGIT).
X) Nulidade que é do conhecimento oficioso, não obstante o tribunal ora recorrido dela não ter conhecido, e que pode ser arguida, o que aqui e agora se faz, até ao trânsito em julgado da decisão final (artigo 63.º, números 3 e 5 do RGIT).
Z) Não fez pois o Tribunal “a quo” correta interpretação e aplicação da lei aos factos, violando nomeadamente o disposto no artigo 267.º n.º 5 da CRP; no artigo 161.º n.º 2, alínea d) do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 07 de Janeiro (anterior artigo 133 n.º 2 alínea d) do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL 442/91, de 15 de Novembro), subsidiariamente aplicável no procedimento tributário por via do art. 2.º, al. c) da LGT; no artigo 60.º n.º 1 da LGT; artigo 163.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 07 de Janeiro (anterior artigo 135.º do Código de Procedimento administrativo, aprovado pelo DL 442/91, de 15 de Novembro), aplicável subsidiariamente, levando à anulação do ato tributário; nos artigos 54.º e 55.º da LGT; no artigo 45.º, n.º 1 do CPPT; no artigo 63.º do RGIT, n.º 1, alíneas c) e d; e nos artigos 26º números 1 e 4 e 114.º n.º 1 e n.º 5, alínea a), ambos do RGIT.
NESTES TERMOS,
E nos demais de Direito aplicáveis deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se e substituindo-se a douta sentença recorrida por outra que, acolhendo as razões da recorrente, considere verificadas as invocadas nulidades do processo de contraordenação e da decisão de aplicação da coima dos autos, absolvendo-se a arguida da contraordenação que lhe é imputada, e da coima aplicada, ordenando-se o arquivamento dos respetivos autos, com as legais consequências.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA emitiu o douto parecer de fls. 95 a 98 dos autos, no sentido do provimento do recurso no que respeita à alegada nulidade da decisão de aplicação da coima em razão da não consideração pela AT da defesa apresentada pela arguida e, caso assim não se entenda quanto a esta nulidade, pelo não provimento do recurso no que à alegada omissão da descrição sumária dos factos respeita.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação –
4 – Questão a decidir
É a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir não estar ferida de nulidade a decisão de aplicação da coima, por esta não ter apreciado a defesa apresentada pela arguida, bem como a questão de saber se é nula a decisão de aplicação da coima por omissão de “descrição sumária dos factos”.

5 – Na decisão objecto do presente recurso encontram-se fixados os seguintes factos:
A) Foi levantado o Auto de Notícia n.º 20150547664/2015, junta a fls. 2, dos autos, que se dá por inteiramente reproduzida, para todos os efeitos legais;
B) Pelo ofício datado de 25 de Junho de 2015 a recorrente foi notificada para deduzir defesa no prazo de 10 dias (fls. 4, dos autos);
C) Em 23 de Julho de 2015 o recorrente deduziu defesa requerendo a sua absolvição e o consequente arquivamento dos autos de contra-ordenação (fls. 5 a 9, dos autos);
D) Em 29 de Julho de 2015 o Chefe do Serviço de Finanças proferiu decisão de aplicação da contra-ordenação:
Descrição Sumária dos Factos
Ao (À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 4.015,16; 2. Valor da prestação tributária entregue: 22,64; Valor da prestação tributária em falta: 3.992,52; Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2013-06-11; Período a que respeita a infração: 2013/04, os quais se dão como provados. Número de liquidação: L2015.027011806135.
Normas Infringidas e Punitivas:
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).
Normas infringidas
Artigo
Art.º 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1 a) CIVA- Falta de Pagamento do imposto (M)
Normas Punitivas
Art.º 114.º n.º 2, n.º 5 a) e 26 nº 4 do RGIT – Falta entrega prest. tributária dentro prazo (M)
Período Tributação
201304
Data Infracção
2013-06-11
Coima fixada
1.355,61
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art. 7.º do Dec. Lei n.º 433/82, de 27/10, aplicável por força do art. 3.º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo arguido(s) e como autor(es) material (ais) da(s) contra-ordenação (ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação (ões) praticadas. Para tanto importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) quadro(s) (Art. 27.º do RGIT)
Requisitos/Contribuintes
1 A…………………….......…., S.A.
Actos de ocultação Não
Benefício Económico 0,00
Frequência da prática Frequente
Negligência Simples
Obrigação de não
Cometer a infracção Não
Situação Económica e
Financeira Baixa
Tempo decorrido desde
a prática da infracção > 6 meses

DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art. 79.º do RGIT aplico ao arguido a coima de EUR 1.355,61, cominada no(s) Art(s) 114 n.º 2, n.º 5 a) e 26 n.º 4, do RGIT, com respeito pelos limites do art. 26.º do mesmo diploma, sendo ainda de devidas custas (EUR. 76,50) nos termos do N.º 2 do Dec. Lei n.º 29/98 de 11 de Fevereiro.
(…).

E) Em 29-07-2015 a recorrente foi notificada da decisão de aplicação da coima e de custas.


6 – Apreciando.
6.1. Da alegada nulidade da decisão de aplicação da coima em razão da não pronúncia da AT sobre a defesa apresentada pela arguida
A decisão recorrida, a fls. 74 a 79 dos autos, julgou que a omissão de pronúncia da AT sobre a defesa apresentada pela arguida na fase administrativa do processo de contra-ordenação não constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação, pois não está como tal tipificada no n.º 1 do artigo 63.º do RGIT nem constitui requisito da decisão de aplicação da coima elencado no artigo 79.º n.º 1 e 2 do RGIT, pelo que a falta de consideração dos elementos invocados na defesa apenas poderá ter relevância como vício da decisão de aplicação da coima, se essa falta afectar a decisão, o que entendeu o tribunal “a quo” não ser o caso.
Alega em síntese a recorrente que a AT, ao não se pronunciar sobre a defesa apresentada pela arguida no processo administrativo de aplicação da coima, violou o seu direito de defesa, constitucionalmente garantido, devendo, por isso, ter-se por verificada nulidade insuprível do processo de contra-ordenação.
A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA entende que o recurso deve proceder com este fundamento, fundamentando o seu entendimento nos termos seguintes:
«(…), na perspetiva do Ministério Público, contrariamente ao entendimento defendido nas alegações em análise (vide, mormente, a conclusão Z), inserta a fls. 90 verso do p.f.) in casu são inaplicáveis as invocadas normas dos artigos 161.º e 163.º, ambos do Código de Procedimento Administrativo de 2015, 60.º da Lei Geral Tributária e 45.º do CPPT.
Efetivamente, o artigo 3.º, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) prevê qual o direito subsidiário aplicável às contra-ordenações e ao respectivo processamento, remetendo para o ilícito de mera ordenação social, contemplado no Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de outubro (abreviadamente, RGCO).
A ser assim, a resposta à questão decidenda terá de ser encontrada, seja na Constituição da República Portuguesa (CRP), seja nas pertinentes disposições do RGIT, seja por recurso às normas subsidiárias do RGCO.
Na verdade, o artigo 32.º, n.º 10, da CRP, consagra os direitos de audição e defesa dos arguidos, no âmbito do processo contraordenacional.
E, na esteira do proclamado na Lei fundamental, o art. 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, bem como o art. 71.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, contemplam e regulam o exercício desses direitos.
Acresce que a possibilidade de se pronunciar e ser ouvido sobre a contraordenação que lhe é imputada não constitui um direito meramente formal, na titularidade do arguido, que se baste com a notificação do despacho para audição e defesa, prévia à aplicação de uma qualquer coima.
Cura-se aqui de uma faculdade que assiste ao arguido, que a poderá usar ou não, verbalmente ou por escrito, ou seja, conforme entender e da forma que entender.
Todavia, se e quando o arguido lançar mão dessa faculdade, a defesa deduzida deverá, necessariamente, ser sopesada na decisão a proferir, assim se assegurando em plenitude o respetivo exercício.
Sobre esta problemática, em anotação ao artigo 71.º do RGIT, JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS teceram os seguintes comentários: “(…) Deste n.º 2 conclui-se que a defesa do arguido que se tem em vista neste artigo é o direito de audição, que tem como corolário a proibição de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre (art. 50.º do RGCO). // Porém, como se conclui do art. 70.º n.º 1, o direito de defesa não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contraordenação, abrangendo o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências.// Caberá, no entanto, ao dirigente do serviço que dirige a instrução do processo, deferir ou não a realização das diligências requeridas, devendo abster-se de realizar as que se lhe não afigurem de utilidade para a descoberta da verdade.// (…) Ao prestar declarações o arguido tem o direito de confessar ou negar os factos que lhe são imputados ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude e a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a determinação da sua responsabilidade ou da medida da sanção (art. 141, n.º 5 do CPP, aplicável por força do preceituado nos arts. 3.º, alínea b), do RGIT e 41.º n.º 1 do RGCO” (in Regime Geral das Infrações Tributárias Anotado, 4.ª edição, 2010, Áreas Editora, pág. 481).
II. 2. Ora, no caso que nos ocupa, no exercício dos seus direitos constitucionalmente consagrados, a arguida veio, com fundamento na factualidade que elencou, requerer a dispensa de aplicação de qualquer coima, ao abrigo do artigo 32.º do RGIT e, outrossim, indicar duas testemunhas.
Todavia, quer previamente à tomada da decisão final, quer no âmbito da própria “Decisão da Fixação da Coima”, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 não ponderou a necessidade da realização de diligências instrutórias e, do mesmo passo, não emitiu pronúncia sobre a eventual verificação dos pressupostos que legitimariam a requerida dispensa de aplicação de coima.
Nesta conformidade, no caso em presença, o exercício efetivo do direito de defesa da ora Recorrente foi um ato inútil, porquanto, para o órgão decisor, não constitui senão o cumprimento de uma mera formalidade legal, sem substância, sem qualquer virtualidade de conformar o conteúdo da decisão de aplicação da coima.
Efetivamente, pese embora tenha sido facultado à arguida o exercício do seu direito de defesa, que o utilizou, tendo requerido a realização de diligências e a dispensa de coima, esse requerimento foi totalmente desconsiderado, na decisão proferida.
Com efeito, impunha-se ao autor do despacho de fixação da coima que, à luz da factualidade dada como assente e, eventualmente, da demais invocada pela arguida, no âmbito da sua defesa, ajuizasse da ocorrência dos requisitos legais de dispensa da coima previstos no artigo 32.º do RGIT, conforme lhe fora expressamente requerido.
Essa omissão, para além de ter cerceado o direito de defesa da arguida, fulmina com a nulidade a decisão que aplicou a coima, traduzindo-se na nulidade insuprível do processo de contraordenação tributária, subsumível no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), conjugado com o artigo 79.º, n.º 1, alínea c), ambos do mencionado RGIT.
Tal nulidade é de conhecimento oficioso do tribunal, pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final e tem como efeito a anulação dos termos subsequentes do processo, nomeadamente a decisão de aplicação da coima, de harmonia com o disposto no artigo 63.º, n.ºs 3 e 5, do mesmo RGIT.
Nesta conformidade, na ótica do Ministério Público, o presente recurso jurisdicional deverá proceder, quanto a esta parte.»

Vejamos.
Em causa nos autos está a completa desconsideração pela AT da defesa apresentada pela arguida na fase administrativa do processo de contraordenação, sem que a AT tenha explicitado a razão para essa desconsideração completa - pois que sobre ela a AT não emitiu pronúncia -, sequer consignando que a não considerava porque extemporânea, o que se aventa poder ser o caso, atento as datas constantes das alíneas B) e C) do probatório fixado na sentença recorrida.
É inequívoco que, no caso dos autos, a arguida foi notificada para apresentação de defesa no processo de contraordenação, daí que aparentemente não se possa ter por verificada a nulidade do processo de contra-ordenação tributário por falta de notificação do despacho para audição e apresentação de defesa (artigo 63.º, n.º 1, alínea c) do RGIT), pois que a arguida dele foi notificada – cfr. a alínea B) do probatório fixado.
Repugna-nos, porém, que a completa desconsideração pela AT da defesa atempadamente apresentada pelos arguidos em processos de contraordenação tributários não tenha valor negativo idêntico ao que a lei expressamente atribui à omissão da notificação para defesa, sobretudo à luz da garantia constitucional expressamente prevista no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República - de audiência e defesa nos processos de contraordenação-, que, assim o entendemos, não pode legitimamente bastar-se com a possibilidade formal de exercício desses direitos mas que, na prática, pode ser assumida como mera formalidade desprovida de substância, insusceptível de influir no conteúdo da decisão de aplicação da coima, informaticamente precondicionada.
Choca à nossa consciência que a sanção jurídica para tal desconsideração, sem razão que a justifique, não seja a nulidade do acto praticado, com a consequente anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente (cfr. o n.º 3 do artigo 63.º do RGIT), daí que entendamos que não pode subsistir na ordem jurídica o acto que pôs termo ao procedimento administrativo sancionatório – a decisão de aplicação da coima –, sem que a AT explicite a razão pela qual a defesa apresentada pela arguida não foi por ela considerada.

Assim, no provimento do recurso, revoga-se a sentença recorrida e julgando verificada nulidade insanável do processo de contraordenação tributário, determina-se a remessa dos autos ao Serviço de Finanças para eventual suprimento da nulidade.

Prejudicado fica o conhecimento da outra questão suscitada no recurso.



- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e anular a decisão administrativa de aplicação da coima, determinando-se a remessa dos autos ao serviço de Finanças para eventual suprimento da nulidade.

Sem custas (artigo 94.º n.º 4 do RGCO).

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2019. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.