Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01906/15.8BEPRT
Data do Acordão:05/20/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
CAUSA DE PEDIR
Sumário:Enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença judicial que julgou procedente a oposição à execução fiscal com base em causa de pedir não invocada nos autos e que não é do conhecimento oficioso.
Nº Convencional:JSTA000P25908
Nº do Documento:SA22020052001906/15
Data de Entrada:07/03/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...........................
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1906/15.8BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 AT recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou procedente a oposição deduzida pela acima identificada Recorrida a uma execução fiscal que, instaurada pelo Serviço de Finanças de Gondomar – 2 contra uma sociedade, reverteu contra ela.

1.2 A recorrente apresentou alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A. Nos autos em referência, a douta sentença julgou a presente impugnação procedente, argumentando que “competindo ainda à Administração Tributária, na sua actividade como titular do direito de reversão, fundamentando devidamente este acto de reversão, decidir se esta se operaria com base na alínea a) ou b), o que não aconteceu, uma vez que tal norma nem sequer é mencionada.”

B. Entende a Fazenda Pública que a douta sentença, salvo o devido respeito, deverá ser declarada nula, nos termos do art. 125.º n.º 1 do CPPT e art. 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT, porquanto no caso concreto, a Meritíssima Juíza de Direito, conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, havendo-se excedido na sua pronúncia.

C. Constata-se que, em nenhum ponto do seu douto petitório, invoca a Impugnante, como suposta causa da ilegalidade do despacho de reversão, a falta de alusão no mesmo, ao artigo 24.º da LGT.

D. Tal conclusão emerge da leitura dos artigos 36.º a 51.º da petição inicial (p.i).

E. Efectivamente, resulta claro da leitura do artigo 51.º da p.i., o motivo pelo qual a Impugnante alega a ilegalidade do despacho de reversão, uma vez que a mesma conclui assim: “Acontece que a decisão de reversão é, na aludida matéria, totalmente omissa, razão pela qual enferma do vício de fundamentação, sendo, por isso, anulável, nos termos do disposto nos artigos 77.º da LGT e 125.º do Código de Procedimento Administrativo (sublinhado nosso)

F. Logo, a causa de pedir, no que respeita ao argumento da ilegalidade do despacho de reversão, in casu prende-se apenas e só com o facto de a Impugnante considerar que a decisão de reversão enferma do vício de fundamentação por ser totalmente omissa na matéria descrita nos artigos 45.º a 50.º da petição inicial.

G. Assim, com o devido respeito, que é muito, não poderia a Meritíssima Juíza decidir como decidiu, conhecendo de questão que não devia conhecer.

H. Ora, de acordo com o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

I. Resulta, efectivamente dos artigos 660.º do CPC e 125.º do CPPT, que o Tribunal deve à sua apreciação, sejam de natureza processual (art. 608.º do CPC) ou substantiva, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2 do CPC), e deve limitar-se a tais questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (art. 608.º, n.º 2 in fine).

J. Tem sido entendido pela doutrina e é jurisprudência consensual que, questões para este efeito são todas as pretensões formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre elas, não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e motivos em que fundam a respectiva posição na questão.

K. No presente caso, está fora de qualquer dúvida que o Tribunal a quo, ao apreciar e julgar procedente a impugnação com base na alegação de que “a reversão teria que ter sido efectuada ao abrigo do artigo 24.º da Lei Geral Tributária”, conheceu de questão que não lhe foi suscitada.

L. É patente, pois, que a Meritíssima Juíza avançou para o conhecimento de uma questão não suscitada pelas partes, e da qual não poderia oficiosamente conhecer, pelo que,

M. tendo conhecido oficiosamente da questão da ausência de referência da norma do artigo 24.º da LGT no despacho de reversão, sem que tal questão “concreta controvérsia” tenha sido suscitada ou arguida pela Impugnante, o Tribunal a quo excedeu os seus poderes, incorrendo a sentença recorrida na nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 O Tribunal Central Administrativo Norte julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecimento do recurso e declarou competente para o efeito o Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos.

1.5 Neste Supremo Tribunal, dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, devendo anular-se a sentença recorrida por excesso de pronúncia e determinar-se a baixa dos autos à 1.ª instância para apreciação das questões suscitadas e consideradas prejudicadas pela solução dada à causa.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O Tribunal a quo efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1. Em 14.05.2014, o Serviço de Finanças de Gondomar 2 instaurou o Processo de Execução Fiscal 3468201401212907 contra a sociedade B………. Lda., visando a cobrança coerciva de dívidas de Imposto Municipal sobre Imóveis referente ao ano de 2013, no valor global de € 1.835,99 – cf. capa do Processo de Execução Fiscal e certidão de dívida constantes de fls. 31 e 32 dos autos, numeração referente ao processo físico;

2. Ao Processo de Execução Fiscal identificado em 1. foram apensados aqueles com os números: 3468201401326600, 3468201401346482, 3468201401352750, 3468201401352768, 3468201401352776, 3468201401329332, 3468201401337009, 3468201401337017, 3468201401337025, 3468201401337033, 3468201401337041, 3468201401337050, 3468201401337068, 3468201401337076, 3468201401337084, 3468201401337092 e 3468201401337106, estes referentes à cobrança de dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas de 2011 e 2012 e ainda IUC do ano de 2012, passando a execução a assumir o valor global de €8 956. 67 – cf. capas do Processo de Execução Fiscal e certidões de dívida constantes de fls. 36 a 101 dos autos, numeração referente ao processo físico

3. O Serviço de Finanças de Gondomar - 2 elaborou, em 21.10.2014, Informação/Projecto de reversão, onde consta:
De acordo com o sistema informático da A.T. a executada encontra-se registada para efeitos de IVA, desde 1977.08.03, na actividade de CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS (RESD), CAE041200.
(…)
Consultados os elementos ao dispor da A.T., verifica-se:
1. A última declaração de IES/DA entregue refere-se ao ano de 2013 e foi entregue em 2014.07.15, apresentando um resultado ilíquido do período de – 17.704.766,00 €
(…)
2. A última declaração periódica de IVA submetida em que constaram operações activas ou passivas foi submetida e, 2014.08.08 e diz respeito ao período 1406T;
3. De acordo com a informação recolhida no portal do CITIUS constata-se que o executado B……. (…), foi declarado insolvente por sentença datada de 21.03.2014
(…)
4. Constata-se que a executada esteve sujeita a um Plano de Recuperação de Empresas (processo 484.03.5TYVNG).
5. Em nome da executada constam os seguintes bens:
De seguida apresenta uma listagem de prédios urbanos e de veículos automóveis, cuja propriedade se encontra registada a favor da executada, para as quais se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
6. Foi a executada objecto de pedidos de hipotecas legais (…) concretizando o seguinte valor”: (430.721,61 + 128.706,85 + 342.469,30 + 127.090,26) global de € 1.028.988,02;
7. A executada tem uma dívida global que, em 21.10.2014, ascende ao montante de (…) 7.758.192,65.
Consideram-se, assim, reunidos os pressupostos do n.º 2 do art. 153.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, que se consubstanciam nomeadamente em:
§ Inexistência de bens penhoráveis do devedor originário;
§ Fundada insuficiência de bens para a satisfação da dívida e acrescido.
O artigo 23.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária refere que a reversão contra os responsáveis subsidiários depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal.
O artigo 24.º n.º 2 da Lei Geral Tributária refere que os administradores, directores, que exerçam ainda que de facto funções de administração ou gestão em pessoas colectivas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo quando não provem que não lhe foi imputável a falta de pagamento.
(…)
Das provas juntas aos autos verifica-se existir prova do exercício de facto do cargo de administrador/gerente por A………… (…)
A administração/gerência de direito encontra-se demonstrada conforme Ap. 12/19770825 – contrato de sociedade e designação de membro de órgão social, na Certidão Permanente da Conservatória do Registo Comercial”
Ali consta que a Oponente, A……….., desempenha a função de vogal do conselho de administração da sociedade, devedora originária.
Remetendo, ainda para a mesma Informação/Projecto de Reversão, encontramos:

“Estando a administração de facto demonstrada conforme cópia infra, por A……….. (…)”
Encontrando-se aqui cópia de uma declaração de alterações, apresentada junto do Serviço de Finanças do Porto 5, em 18.01.2005, onde, no quadro referente à relação de administradores da empresa consta o nome da Oponente, na qualidade de vogal da mesma.
Diz-se, de seguida:
Assim, face aos elementos obtidos, verifica-se a possível responsabilização tributária para o Sujeito Passivo e para os períodos a seguir indicados:
(…) A…………., início 2013 e fim 2014.
Face ao referido, parece, verificarem-se as condições de facto e de direito para que os autos prossigam os seus termos contra o responsável subsidiário já identificado” – cf. Informação/Projecto de Reversão, constante de fls. 104 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico, para qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

4. Com base na informação supra transcrita, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar - 2 foi lavrado despacho: “(…) verifica-se que nos termos do art. 24º da Lei Geral Tributária são Sujeitos Passivos naqueles identificados, responsáveis em relação à executada originária.
Nestes termos, em face do disposto no art. 23º da Lei Geral Tributária e 153º do Código de Procedimento e Processo Tributário, determino a reversão dos autos contra este responsável.
Previamente notifique-o com cópia do presente projecto, para, no prazo de 15 dias, exercer, querendo, por escrito, o direito de audição previsto no n.º4 do art. 23º da Lei Geral Tributária, e de que, nos termos do n.º2 do art. 101.º do Código de Procedimento Administrativo, o processo pode ser consultado neste Serviço de Finanças durante o horário de expediente” – cf. despacho constante de fls. 103 dos autos, numeração referente ao processo físico;

5. A Oponente foi notificada, por via postal registada (RM 9460 3653 6 PT), do despacho identificado em 4., para, querendo, em 15 dias, exercer, por escrito, o direito de audição prévia à reversão – cf. notificação Audição - Prévia constante de fls. 110 e 111 dos autos, numeração referente ao processo físico;

6. Exercido que foi o direito de audição, em 10.02.2015, no Serviço de Finanças de Gondomar - 2, foi exarada informação onde, dando conta do exercício do direito de audição pela Oponente/Revertida, se fez constar:
2. Em face do preceituado no art. 23.º da Lei Geral Tributária, diploma aplicável ao caso em apreço, atentos os períodos a que respeitam as dívidas tributárias da devedora originária identificada supra, a fundada insuficiência do património (claramente demonstrada nas notificações efectuadas), pertença desta, é condição da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiário.
3. Rezam as als. do art. 24.º do mesmo diploma que são subsidiariamente responsáveis todos aqueles que exerçam funções de administração ou gestão em pessoas colectivas pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do seu cargo, ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste, bem como pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período de exercício do seu cargo.
4. À Administração Fiscal cabe apenas o ónus de averiguar e provar os requisitos constitutivos do direito de reversão, designadamente quanto à inexistência de bens penhoráveis da devedora originária. Esta averiguação e prova foram efectivamente realizadas.
5. O princípio da Audição Prévia serve para o subsumível responsável subsidiário ter a faculdade de usar os meios de defesa que tem ao seu dispor para afastar a sua responsabilidade subsidiária em termos de exigibilidade de imposto. O facto de vir aos autos relatar que não concorda com o procedimento inspectivo é de todo irrelevante, porque não é o meio próprio. Não é em sede de audição prévia que informa que não prescinde do processo de revisão da matéria tributável, porque mesmo que o faça não suspende o processo executivo em causa.
Em face do exposto, sou de parecer que se deve operar a reversão– cf. informação constante de fls. 115, frente e verso, dos autos, numeração referente ao processo físico, para cujo teor integral se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;

7. Sobre a informação identificada em 6., recaiu o despacho: “Tendo em vista a informação supra, com a qual concordo e tendo em conta o disposto no art. 23.º da Lei Geral Tributária e art. 153.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, determino a reversão contra o responsável subsidiário supra identificado. Notifique-se.” – cf. despacho constante de fls. 115 verso, dos autos, numeração referente ao processo físico;

8. Em 18.02.2015, no Serviço de Finanças de Gondomar 2, foi lavrado o despacho: “Face às diligências (…), e estando concretizada a audição dos responsáveis subsidiários, prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra A………… (…) na qualidade de responsável subsidiário (…).
Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação dos executados por reversão, nos termos do art. 160.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, para pagar no prazo de 30 dias (…).
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
§ Insuficiência de bens da devedora originária (art. 23.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e 153.º, n.º 1 e 2 b) do Código de Procedimento e Processo Tributário), decorrente da situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente a Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal;
§ Inexistência de bens do devedor originário (artigos 23.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e 153.º, n.º 1 e 2 a) do Código de Procedimento e Processo Tributário) compulsados os sistemas informáticos da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), verifica-se que em nome do devedor originário não existem quaisquer bens, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, susceptíveis de penhora.
§ Insuficiência de bens do devedor originário (art. 23.º n.º 1 a 3 da Lei Geral Tributária e 153.º, n.º 1, 2 b) do Código de Procedimento e Processo Tributário), decorrente do resultado de penhoras efectuadas por este Órgão de Execução Fiscal, sobre os potenciais bens conhecidos ao devedor originário, nomeadamente a créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, do qual resultou o reconhecimento e entrega de valores insuficientes para pagar integralmente
– cf. despacho de reversão constante de fls. 112 dos autos, numeração referente ao processo físico, para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

9. Pelo ofício n.º 931.3468.30 de 18.02.2015, foi a Oponente citada, em 18.03.2015, para a execução, ali constando os fundamentos da reversão os indicados em 8. – cf. fls. 120 a 124 verso, dos autos, numeração referente ao processo físico».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Recorrente assaca à sentença recorrida nulidade por excesso de pronúncia por, em síntese, ter apreciado e julgado procedente a oposição com base na alegação de que «a reversão teria que ter sido efectuada ao abrigo do artigo 24.º da Lei Geral Tributária», conhecendo de uma questão não suscitada pelas partes e da qual não poderia oficiosamente conhecer; assim, prossegue a Recorrente, tendo conhecido oficiosamente da questão da ausência de referência da norma do art. 24.º da Lei Geral Tributária (LGT) no despacho de reversão, sem que tal questão / “concreta controvérsia” tenha sido suscitada ou arguida pela Opoente, o Tribunal a quo excedeu os seus poderes, incorrendo a sentença recorrida na nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC).
Por despacho de fls. 176 do processo físico, a Juíza do Tribunal a quo sustentou a inexistência da alegada nulidade nos seguintes termos: «(…) da análise da decisão recorrida, consideramos que todos os factos, bem como os seus fundamentos resultam claros e evidentes, permitindo uma percepção rigorosa da decisão, o que decorre do evidente conhecimento de toda a fundamentação do despacho de reversão contra o qual se insurge a Oponente.// Por todo o exposto, nos termos do disposto no art. 617.º n.º 1 do Código de Processo Civil, por considerar que a decisão proferida não enferma de qualquer das nulidades que lhe são assacadas pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, mantenho na íntegra a posição então assumida».
A questão a apreciar e decidir é, pois, a de saber se a sentença recorrida incorreu em excesso de pronúncia.

2.2.2 DO EXCESSO DE PRONÚNCIA

Constitui causa de nulidade da sentença a pronúncia do juiz sobre questões que não deva conhecer (cfr. a parte final do n.º 1 do art. 125.º do CPPT, correspondente à parte final da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC), considerando-se como tais as que não tenham sido suscitadas pelas partes nem sejam de conhecimento oficioso, pois que destas está-lhe vedado ocupar-se (cfr. o n.º 2 do art. 608.º do CPC).
No caso dos autos, a oposição foi julgada procedente em razão de o despacho de reversão ter omitido, no que aos seus fundamentos respeita, qualquer alusão à norma em que se fundamenta a reversão, designadamente ao art. 24.º n.º 1 da LGT, e ainda, mais concretamente, a qual das suas alíneas, o que é essencial, desde logo, na fixação do regime da culpa, na insuficiência do património social na satisfação das dívidas – cfr., sentença recorrida, a fls. 194 dos autos.
No que para aqui importa, a Oponente alegou no seu articulado inicial que a decisão que determinou a reversão «não tem qualquer fundamento factual passível de conceder à mesma a necessária sustentação jurídica», porque a devedora originária tem pelo menos quatro prédios e «o benefício da excussão reconhecido pela lei à executada teria que funcionar na situação em apreço» (cfr. arts. 44.º a 49.º da petição inicial).
No desenvolvimento da sua argumentação, acrescentou que, para que tal não sucedesse, a AT teria que explicar porque é que não beneficiaria de privilégio imobiliário relativamente ao imposto cobrado coercivamente (IMI) e porque é que o valor da venda dos imóveis não seria, por si só suficiente para pagar a dívida (cfr. art. 50.º da petição inicial).
Foi ao concluir esta argumentação que disse que a decisão de reversão é «na aludida matéria, totalmente omissa, razão porque enferma do vício de fundamentação» (cfr. art. 51.º da petição inicial).
Ora, nesta argumentação não descortinamos a alegação de nenhum vício formal, designadamente o da falta de fundamentação. Porque não está aqui em causa a apreensão das razões porque o órgão da execução fiscal decidiu o que decidiu, mas a omissão nessa alegação das razões que a Oponente consideraria suficientes para sustentar tal decisão. O que integra um vício substancial, o erro sobre a suficiência dos pressupostos de facto invocados para sustentar a reversão.
Aliás, a entender-se que há falta de fundamentação nesta parte, teria que concluir-se também que as deficiências de fundamentação de que padecesse o acto de reversão não impediram o acesso pela Oponente ao itinerário cognoscitivo do órgão decisor e que, por conseguinte, a enfermidade formal de que padecesse o segmento do acto respectivo se degradou na preterição de uma formalidade não essencial.
De qualquer modo, e mesmo a entender-se que estamos perante insuficiência de fundamentação, há que constatar também que as deficiências de fundamentação do despacho de reversão não têm a ver, na óptica da Oponente, com a demonstração do exercício efectivo da gerência ou da culpa pelo facto do património da devedora principal se ter tornado insuficiente para a satisfação das dívidas tributárias, mas com a demonstração da insuficiência do património da devedora principal, que é um pressuposto diverso do direito à reversão.
Ora, o tribunal de primeira instância decidiu que o acto padecia de falta de fundamentação, não porque não se perceba porque é que a AT concluiu pela insuficiência do património da devedora principal, mas porque não fazia nenhuma alusão ao art. 24.º, n.º 1, da LGT e, ainda mais concretamente, a alguma das suas alíneas «o que é essencial, desde logo, na fixação do regime da culpa» pelo facto de o património da devedora originária se ter tornado insuficiente.
Poderá contrapor-se que o objecto não é diverso porque diz respeito ainda à fundamentação da decisão de reversão. Deve entender-se, no entanto, que a causa de pedir no processo judicial tributário é integrada pelas concretas causas de invalidade, isto é, pelas razões concretas em que se baseia a pretensão anulatória (() Neste sentido, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 20 de Maio de 2015, proferido no processo com o n.º 116/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/04c4eacd74c5997280257e5300348fcc;
- de 24 de Maio de 2016, proferido no processo com o n.º 36/16, disponível em
http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2e70017a27df6b4180257fc3004d7e72;
- de 11 de Julho de 2019, proferido no processo com o n.º 557/07.5BECBR, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/802b06b302ee312980258446003717fa.), o que, no vício de falta de fundamentação, corresponde às razões concretas pelas quais não se percebe o sentido da decisão.
Nestes termos, impõe-se conceder procedência ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a fim de aí serem conhecidas as questões suscitadas na petição inicial, se a tal nada obstar.

2.2.3 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

Enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença judicial que julgou procedente a oposição à execução fiscal com base em causa de pedir não invocada nos autos e que não é do conhecimento oficioso.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí serem conhecidas as questões suscitadas na petição inicial que ainda não foram decididas, se a tal nada mais obstar.

Custas pela Recorrida, que não paga taxa de justiça neste Supremo Tribunal porque não contra-alegou (cfr. art. 527.º do CPC).


*
Lisboa, 20 de Maio de 2020. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator por vencimento) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (vencida, nos termos do voto em anexo).


Voto de vencida
Como primitiva relatora, elaborei projecto no sentido de negar provimento ao recurso, projecto que não obteve maioria.
Em 1.ª instância, a oposição foi sido julgada procedente em razão de o despacho de reversão ter omitido, no que aos seus fundamentos respeita, qualquer alusão à norma em que se fundamenta a reversão, designadamente ao art. 24.º n.º 1 da Lei Geral Tributária, e ainda, mais concretamente, a qual das suas alíneas, o que é essencial, desde logo, na fixação do regime da culpa, na insuficiência do património social na satisfação das dívidas. – cfr., sentença recorrida, a fls. 194 dos autos, apreciação esta feita na sentença a propósito da questão “Da ilegalidade do despacho de reversão – falta de fundamentação” – cfr. sentença, a fls. 192 e seguintes dos autos – sendo que a recorrente suscitara na sua petição de oposição a questão da ilegalidade do despacho de reversão por falta de fundamentação, embora sem referir especificamente a omissão de referência ao artigo 24.º da LGT – cfr. petição, a fls. 16 a 20 dos autos.
Ora, contrariamente ao alegado e pugnado pelo Ministério Público junto deste STA e à posição que fez vencimento, entendemos que a sentença não enferma de nulidade por excesso de pronúncia, pois que embora tenha considerado argumento não expressamente invocado pela oponente, não extravasou o conhecimento da questão da falta de fundamentação do despacho de reversão que fora por ela suscitada, ou seja, pronunciou-se ainda sobre questão que devia conhecer – a da falta de fundamentação do despacho de reversão – embora alargando o quadro jurídico à luz do qual a questão lhe fora colocada e considerando argumento não invocado pela oponente.
Daí não decorre, a meu ver, que o juiz “a quo” se tenha pronunciado sobre questões que não podia conhecer, porquanto os factos aos quais aplicou o direito não são controvertidos e encontram-se discriminados no probatório fixado.
Em situação com contornos muito próximos da debatida nos presentes autos pronunciou-se já este Supremo Tribunal em Acórdão recente, de 08 de Janeiro último, no proc. n.º 378/10.8BECTB.
Entendo, pois, que improcede a arguida nulidade da sentença, daí que negasse provimento ao recurso.

(Isabel Marques da Silva)