Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0333/18.0BALSB
Data do Acordão:12/11/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRC
ENCARGOS FINANCEIROS
CIRCULAR
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT), não devendo, ainda, o recurso ser admitido se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do art. 25.º do RJAT).
II - Sofre de ilegalidade a correcção feita pela AT para efeitos de apuramento do lucro tributável em acatamento da directriz consagrada no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, se, antes de recorrer ao método indirecto aí previsto, a AT não logrou demonstrar a inviabilidade da determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais [cfr. arts. 85.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT], como lhe competia (cfr. art. 74.º, n.º 3, da LGT).
Nº Convencional:JSTA000P25297
Nº do Documento:SAP201912110333/18
Data de Entrada:04/04/2018
Recorrente:A....., SGPS, S.A
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – Relatório

A…….SGPS, S.A., melhor identificada nos autos, dirigiu ao Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto nos artigos 25º, nºs 2 e 3 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e do artigo 152º do CPTA, recurso da decisão proferida no âmbito de pedido de pronúncia arbitral que formulara no processo nº 365/2017-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que julgou improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRC, relativo ao exercício de 2012.

Invoca, para o efeito, a oposição da decisão arbitral com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no processo nº 0946/09.0BEPRT, datado de 15/01/2015.

Rematou as alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo:

“A. Vem o presente recurso interposto do Acórdão arbitral proferido em 19 de fevereiro último no âmbito do processo n° 365/2017-T, que correu termos junto do CAAD, pelo facto de este implicar uma manifesta contradição como Acórdão do TCAN, proferido em 15 de janeiro de 2015, no processo 00946/09.0BEPRT, disponível em www.dgsi.pt. e já transitado em julgado.
B. A questão fundamental de Direito que se encontra opostamente decidida nos dois arestos radica na admissibilidade ou inadmissibilidade legal da aplicação, imediata e sem mais, pela AT da interpretação do n° 2 do artigo 32° do EBF sancionada na Circular 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, na determinação da matéria tributável do sujeito passivo.
C. Ambos os Acórdãos versam sobre uma situação de apuramento da matéria tributável de uma SGPS, no que diz respeito à determinação do montante de encargos financeiros fiscalmente dedutíveis nos termos do n° 2 do artigo 32° do EBF, através da aplicação direta pela AT da fórmula indiciária prevista no n° 7 da Circular 7/2004, de 30 de março, da DSIRC.
D. Ambos os Acórdãos são proferidos ao abrigo de regulamentação legal essencialmente idêntica, sendo que um conclui pela admissibilidade legal da atuação e interpretação do n° 2 do artigo 32° do EBF realizada pela AT ao aplicar, de forma imediata e sem mais, aquela fórmula indiciária prevista no n° 7 da Circular 7/2004, de 30 de março, para a determinação da matéria tributável do sujeito passivo, e o outro conclui pela respetiva não admissibilidade legal.
E. A solução jurídica consagrada no Acórdão Recorrido contraria frontalmente a jurisprudência do TCAN espelhada no Acórdão-Fundamento, que foi já, ulterior e recentemente, consolidada pelo STA — cf. Acórdãos do STA de 8.03.2017, proc. 0227/16 (relator: Aragão Seia), de 31.05.2017, proc. 01229/15 (relatora: Isabel Marques da Silva), de 24.01.2018, proc. 0745/15 (relatora: Dulce Neto) ou de 29.11.017, proc. 01292/16 (relator: Casimiro Gonçalves).
F. Pelo que se encontra justificada a intervenção uniformizadora deste Tribunal.
G. A AT tem o ónus de demonstrar os requisitos factuais que, uma vez subsumidos à respetiva previsão legal, lhe permitem concluir pela violação de uma norma fiscal e empreender, no estrito cumprimento dos seus poderes vinculados e princípio da legalidade que enforma a sua atuação, à correção daí decorrente.
H. No caso concreto, arrogando-se a AT de um direito à tributação decorrente do afastamento de determinados elementos constantes da contabilidade e declarações fiscais do sujeito passivo, tem a AT o dever de demonstrar os pressupostos desse afastamento e tributação, ainda para mais quando os elementos que afasta gozam, nos termos legais, de presunção de veracidade.
I. Ao aplicar cega e simplesmente a fórmula genérica e indiciária prevista no n° 7 da Circular 7/2004, de 30 de março, a AT não invoca, nem demonstra os pressupostos factuais da alegada violação do disposto no n° 2 do artigo 32° do EBF no caso concreto.
J. A “extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta” apontada genericamente no n° 7 da referida Circular não exime a AT desse ónus probatório, uma vez que, para além do artigo 32°, n° 2, do EBF não prever nenhuma inversão do ónus da prova ou nenhuma presunção a este respeito, sempre essa “extrema dificuldade” teria, em todo o caso, de resultar demonstrada no caso concreto.
K. A avaliação indireta tem uma natureza excecional e subsidiária face à avaliação direta da matéria tributável, pelo que o recurso a um método indireto na determinação da matéria tributável dos sujeitos passivos tem de resultar concretamente justificado.
L. A AT, ao aplicar, sem mais e de imediato, a fórmula prevista no n° 7 da referida Circular, sem apontar impossibilidade alguma de, no caso concreto, aplicar um método de afetação direto dos encargos financeiros, ostensivamente incumpre também esse seu ónus.
M. Sancionando e aplicando o método previsto na Circular 7/2004, a AT vai muito para além da mera tarefa interpretativa, não tendo semelhante método, nem o respetivo resultado, respaldo algum na norma alegadamente interpretada.
N. Mais do que uma mera interpretação da lei, estamos perante a criação de uma verdadeira norma de incidência com caráter inovatório por parte da AT que, ao ser por esta aplicada, viola frontalmente o disposto no n° 2 do artigo 32° do EBF, derrogando-o no caso concreto e invadindo o campo de ação do legislador.
O. A solução jurídica consagrada no Acórdão Recorrido viola os princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real, da igualdade em matéria tributária e capacidade contributiva, da legalidade tributária e de reserva de lei, bem como a natureza subsidiária legalmente reconhecida à avaliação indireta e o encargo probatório que legalmente recai sobre a AT no que respeita aos pressupostos do seu direito à tributação e à verificação dos pressupostos para aplicação de métodos indiretos, consagrados, nos artigos 13°, 104°, n°2, 165°, n°1, alínea i), 266°, 2, da CRP e 4°, 74°, 81°, n° 1, 83°, 84°, n° 1, 85°, n° 1, e 87°, n° 1, da LGT.
NESTES TERMOS e nos demais de Direito, deve o presente recurso proceder, revogando-se a decisão arbitral recorrida, assim se contribuindo para uma melhor e mais uniforme aplicação do Direito.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, recorrida nos autos, apresentou contra-alegações que finalizou com as seguintes conclusões:

I. A Recorrente alega que o Acórdão arbitral recorrido entra em contradição com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15-01-2015, proferido no processo n.° 00946/09.
II. Constitui entendimento reiterado pela jurisprudência desse douto STA que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos é necessário que (i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas, (H) haja identidade na questão fundamental de direito, (iii) se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e (iv) que a oposição decorra de decisões expressas e não implícitas, requisitos que, manifestamente, não se encontram reunidos no caso vertente.
III. No Acórdão fundamento, o Tribunal apreciou a utilização pela Inspecção Tributária da fórmula constante da Circular n.° 7/2004 para determinar o valor dos encargos financeiros suportados pela ……..SGPS, SA, com a aquisição de partes de capital, que teve por base a «informação dada pelo sujeito passivo».
IV. No Acórdão recorrido entendeu o Tribunal arbitral que «a Requerente alega que não é mostrado que os encargos financeiros se destinaram à aquisição de participações sociais, pelo que deveriam ficar de fora do âmbito de aplicação do art.° 32.º, n° 2, do EBF. Todavia, a Requerente não faz prova cabal do destino efectivo dos encargos financeiros suportados no exercido de 2012, mesmo nos diversos momentos em que foi instada a fazê-lo.».
V. Pelo que, de acordo com a matéria dada como assente no Acórdão arbitral recorrido, estamos perante factos distintos dos que foram apreciados no Acórdão fundamento.
VI. No Acórdão fundamento estava em causa a desconsideração como custos de parte dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, tendo a AT utilizado a metodologia prevista na Circular n.°7/2004, de 30 de Março da Direcção de Serviços do IRC para determinar o valor a acrescer à matéria tributável, ao abrigo do artigo, à data vigente, 31.° n.° 2 do EBF.
VII. Na Decisão Arbitral recorrida, o Tribunal consignou que «os documentos juntos não evidenciam de forma especificada a associação entre os investimentos (incluindo os relativos à aquisição de partes de capital) e a forma como estes foram financiados, seja por capital próprio seja por capital alheio, pelo que, não evidenciam assim a associação entre os encargos financeiros (que representam a remuneração de financiamentos por capital alheio) e os investimentos»;
VIII. Concluindo o Tribunal arbitral que a Requerente não fez prova «de que os gastos apresentados não se destinaram à aquisição de partes de capital, caindo fora do âmbito de aplicação do art° 32.º, n.° 2, do EBF (independentemente da intermediação interpretativa da Circular 7/2004, que é aqui irrelevante) não permitindo a caracterização adequada dos referidos encargos.» (negrito nosso).
IX. No Acórdão recorrido, apesar de este se ter debruçado sobre a análise da interpretação da Circular 7/2004, a sua aplicação foi irrelevante para a decisão a proferir.
X. No Acórdão fundamento expressamente se refere que o «relatório não se sustenta na falta de documentos bastantes para comprovar a alocação dos empréstimos contraídos aos fins a que se destinam» e que a questão a apreciar «versa sobre a quantificação do facto tributário e não sobre a sua qualificação que nunca foi colocada em causa»,
XI. Assim, não sendo as situações de facto idênticas, não poderão as mesmas ser analisadas à luz do recurso para uniformização de jurisprudência.
XII. No Acórdão fundamento consignou-se que a «ATA enveredou pela correcção e tributação lançando mão de três (pelo menos) presunções», mas na Decisão Arbitral recorrida não se colocou, nem se apreciou esta questão, apenas não foi possível fazer a caracterização e qualificação adequada dos encargos pois a Requerente não logrou fazer prova de que os gastos apresentados caíam fora do âmbito de aplicação do art.° 32.º, n.° 2, do EBF.
XIII. Não existe, pois, oposição quanto à interpretação das regras legais sobre a repartição do ónus da prova, perfilhando os dois Acórdãos o entendimento de que, nos termos do artigo 74.º, n.° 1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
XIV. Resulta, assim, demonstrado que não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 152.° do CPTA, porquanto o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento não adoptaram, sobre a mesma questão de direito, soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.
XV. Acresce que, o âmbito do recurso jurisdicional circunscreve-se, apenas e tão só à reapreciação pelo Tribunal superior da fundamentação de facto e ou de direito da decisão judicial de que se recorre, do julgamento efectuado pelo tribunal a quo e, caso seja invocada omissão de pronúncia, das alegações das partes produzidas em juízo que não foram apreciadas e que, alegadamente, o deveriam ter sido.
XVI. Não constituindo o recurso, reconhecida e inelutavelmente, uma nova apreciação da mesma causa mas sim o sindicar de uma decisão judicial, todas as alegações que não se contenham nos limites referidos não constituem fundamentos susceptíveis de pôr em crise a decisão de que se recorre e, como tal, não têm qualquer relevância, não devendo ser apreciados pelo tribunal ad quem (cfr. Lições de Procedimento e Processo Tributário, Joaquim Freitas da Rocha, pp. 376).
XVII. Neste sentido, e apelando à jurisprudência uniforme do STA (cfr. Ac. de 05-11-2014, proc. n.° 01508/12, de 01-10-2014, proc. n.° 0666/14, de 13-11-2013, proc. n.° 01460/13, de 22-11-2012, entre outros), se pronunciam Cristina Flora, Margarida Reis in Recursos no Contencioso Tributário, pp. 16 a 17, onde se pode ler: «Uma vez que o que se pretende é o reexame das decisões proferidas pelos tribunais, e que o recurso jurisdicional é o meio próprio para o efeito, não é adequado para proferir decisões sobre “questão nova”; ou seja, matéria não previamente submetida ao exame do tribunal de que se recorre, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com transito em julgado que podem ser conhecidas no recurso.
O reexame da decisão pressupõe, em regra, que o tribunal recorrido já tenha apreciado as questões objecto de recurso.»
XVIII. É, inequivocamente, o caso dos argumentos invocados nas páginas 12 a 14 das alegações de recurso, bem como nos pontos K. e O. que não foram invocados na petição inicial e, como tal, não foram objecto de pronúncia pelo Tribunal arbitral.
XIX. Donde se retira a conclusão óbvia de que a Recorrente pretende, no fundo, imputar à decisão recorrida um alegado erro de julgamento, o qual, de acordo com o regime de recursos previsto no RJAT, não é sindicável.
XX. Com efeito, a reapreciação de um alegado erro de julgamento não foi consagrada pelo legislador para a jurisdição arbitral, na qual impera a regra geral da irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais.
XXI. No entanto, por mera hipótese e sem conceder, caso entenda esse douto STA conhecer do mérito da decisão, cumpre salientar que a AT mantém o entendimento propugnado na Resposta ao pedido de pronúncia arbitral no sentido da improcedência do pedido de anulação dos actos de autoliquidação, nos termos melhor explicitados na decisão arbitral ora impugnada, a cujo teor se adere na totalidade, a qual deve manter-se na ordem jurídica.
Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso ser rejeitado ou ser julgado improcedente, mantendo-se a Decisão Arbitral na ordem jurídica, assim se fazendo Justiça.

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser dado provimento ao recurso, anulando-se a decisão recorrida, por, em síntese e sem prejuízo do que no discurso jurídico se excerta, verifica-se entre os dois arestos contradição entre a mesma questão fundamental de direito consubstanciada na admissibilidade/inadmissibilidade legal da aplicação, imediata e sem mais, pela AT da interpretação do artigo 32.°/2 do EBF sancionada pelo Circular 7/2004, de 30/03, da DISIRC, na determinação da matéria tributável do sujeito passivo e, quanto ao mérito do recurso, que a decisão arbitral recorrida merece censura, devendo ser provido ao recurso e anular-se a decisão recorrida, e, em substituição, determinar-se a anulação da liquidação sindicada.
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão arbitral recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

a. A A… é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (“SGPS”) que se dedica à atividade de gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas, sendo a sociedade dominante do designado Grupo B… .
b. O referido Grupo B… é tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), previsto nos artigos 69º e seguintes do Código do IRC.
c. No exercício de 2012, a A… agregava os seus resultados fiscais com as sociedades identificadas no RI, optando, em sede de IRC, pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) previsto nos Artigos 69.º, 70.º e 71.º, todos do Código do IRC.
d. No âmbito de uma ação inspetiva, os SIT realizaram correções à matéria tributável do Grupo no montante global de EUR 1.608.632,51, as quais resultaram de correções às seguintes empresas: A… SGPS, S.A. (individualmente considerada), no montante de EUR 850.654,13; C…, S.A., no montante de EUR 12.642,04; D…, S.A., no montante de EUR 554.293,55; E…, S.A., no montante de EUR 191.042,79.
e. A impugnação arbitral teve, apenas, como objecto, a anulação do ato tributário na parte influenciada pelas correções à matéria coletável da A… SGPS, SA, enquanto sociedade individual.
f. No âmbito da referida acção inspectiva foi efectuada uma correcção à A… SGPS, SA, no montante de €850.654,13, relativa a encargos financeiros suportados e imputáveis à aquisição de participações financeiras, com fundamento no n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), tendo havido lugar ao ato tributário de liquidação acima identificado.
g. Os documentos juntos aos autos não evidenciam de forma especificada a associação entre os investimentos (incluindo os relativos à aquisição de partes de capital) e a forma como estes foram financiados, seja por capital próprio seja por capital alheio, pelo que, não evidenciam assim a associação entre os encargos financeiros (que representam a remuneração de financiamentos por capital alheio) e os investimentos.
h. No âmbito da referida Inspeção os SIT quanto ao cálculo dos encargos financeiros suportados e imputáveis à aquisição das participações financeiras (partes de capital) seguiram a seguinte fórmula: i) Imputação dos passivos remunerados aos empréstimos concedidos remunerados e aos outros investimentos geradores de rendimentos financeiros, sendo que, no caso em análise, esta imputação é nula, por inexistência de ativos remunerados com aquela natureza; ii) Imputação do remanescente dos passivos remunerados aos restantes ativos; iii) Apuramento proporcional do valor daqueles passivos remunerados à aquisição das participações financeiras (partes de capital) (cfr. fls. 10/12 ss. do PA junto aos autos que se dá por reproduzido).
i. A Requerente prestou garantia idónea e requereu a suspensão do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva do ato tributário impugnado nos presentes autos.

Factos não provados
Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, (à luz do artigo 110.º/7 do CPPT) e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, todos os factos acima elencados, não havendo matéria factual dada como não provada.

No acórdão fundamento consta como provada a seguinte matéria de facto:

1. Os Serviços de Inspeção Tributária efetuaram uma análise interna à Impugnante, - modelo 22 do IRC- tendo sido concluída em 26.03.2008, a coberto da ordem de serviço n.º 01200605735 (fls.96 a 53 a 60 do P.A.);
2. Os Serviços de Inspeção Tributária efetuaram uma análise interna à ……. Management SGPS. S.A.,- modelo 22 do IRC-, tendo sido concluída em 25.03.2008, a coberto da ordem de serviço n.º 01200605737 (fls. 120 a 125 do P.A.);
3. Em 31.03.2008, foi elaborado relatório, nos termos dos artigos 60° e 62° do RCPIT) da sociedade ..... SGPS, SA e relativo ao IRC de 2004 (fls. 107 a 113 do PA apenso).
4. Em 23.11.2007 foi ordenado o procedimento de inspecção interna, à sociedade ….... SGPS, SA relativo ao IRC de 2004, através da ordem Interna n.º 0120070410, (fls. 126 do PA apenso);
5. Em 27.11.2006 foi ordenado o procedimento de inspecção interna, à sociedade ……. Management SGPS, SA relativo ao IRC de 2004, através da ordem Interna n.º 01200605737, (fls. 128 do PA apenso);
6. Em 23.11.2007 foi ordenado o procedimento de inspecção interna, à sociedade …... SGPS, SA relativo ao IRC de 2004, através da ordem Interna n.º 01200605735, (fls. 127 do PA apenso);
7. Em 21.11.2008, através do ofício nº 83029/0510, foi a impugnante notificada da Relatório/Conclusões (fls. 179 a 187 dos autos);
8. Com relevância, para a decisão consta do relatório da ação inspetiva, o …….. SGPS,SA, o seguinte:
(…)
ASSUNTO: Análise da Modelo 22 do ano de 2004
1.Introdução
Em cumprimento da 01200605735, procedeu-se à análise interna da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC e declaração anual do ano de 2004, apresentada pelo contribuinte supracitado, da qual resultou a seguinte correcção:

2 – Correcção proposta
Correcções à matéria tributável de IRC
Da análise à declaração de rendimentos de IRC verificamos que o sujeito passivo apuramento do Lucro Tributável não procedeu a qualquer acréscimo referente a encargos financeiros suportados com as aquisições de partes de capital, conforme determina o n.º 2 do art.º 31.º EBF.

De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31° do EBF, “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título, por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”. Redacção dada pela Lei n.º 32-8/2002, de 30 de Dezembro (Lei do OE para 2003).

No que concerne ao regime fiscal aplicável aos encargos financeiros previsto no artigo acima, citado, a Circular 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços de IRC, vem sancionar o seguinte entendimento.

Âmbito de aplicação temporal (ponto 5)
(…)

Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros (ponto 6)
(…)’

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais (ponto 7): “(…)

1.º Imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros;
2.º Afectar o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

Utilizando a referida fórmula elaborámos os cálculos a seguir enunciados sentido de calcular o valor de encargos financeiros suportados pela .... SGPS, SA, com a aquisição de partes de capital.

ActivosValorNotas Explicativas
Total do Activo liquido1.052.928.455(1 )
Activos remunerados134.792.672(2)
Partes de capital (Custo de aquisição)717.845.713(3)
Equivalência Patrimonial/Ajustamentos p. capital- 3.173.780(4)
Juros activos203.463.850(5 =(1 )-(2)-(3)-(4)
Activos não remunerados921.309563(6) == (3)+(5)

(1) Informação extraída do Balanço constante do Anexo A da Declaração Anual de Informação Contabilístico Fiscal entregue pelo sujeito passivo.
(2)Informação dada pelo sujeito passivo.
(3) Informação dada pelo sujeito passivo
(4) Partes de capital (valor líquido – custo de aquisição)
(5) Outros Activos = Total do Activo – Activos remunerados - Custo de aquisição das partes capital – Equivalência Patrimonial
6) Activos não Remunerados:= Outros Activos + Custo de aquisição das partes de capital
PassivosValorNotas Explicativas
Empréstimos obtidos remunerados (Passivos Remunerados)267.461.999(7)
Passivos remunerados imputáveis aos empréstimos concedidos remunerados134.792.672(8)=(2)
Passivos remunerados imputáveis aos restantes activos132.669.327(9)=(7)-(8)
Passivos remunerados imputáveis às partes de capital103.370.367(10)=((3)/(6))*(9)

(…)

(…)

Face ao exposto, o contribuinte suportou no exercício a título de encargos financeiros com a aquisição de participações € 3.237.838,62. De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31° de EBF os mesmos não concorrem para a formação do lucro tributável, pelo que deverão se desconsiderados como custo.

(…)
5. – Direito de Audição
Apesar de notificado nos termos e para os efeitos do artigos 60.º da LGT e do RCPITT, através do ofício n.º 605810510 de 28/02/08, o sujeito passivo não exerceu o direito de audição. (...) conforme documento de fls. 96 a 102 que aqui se dá por integralmente reproduzido.

9. Com relevância, para a decisão consta do relatório da ação inspetiva, o …….
Management SGPS, SA seguinte:
(…)
ASSUNTO: Análise da Modelo 22 do ano de 2004

2.Introdução
Em cumprimento da 01200605737, procedeu-se à análise interna da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC e declaração anual do ano de 2004, apresentada pelo contribuinte supracitado, da qual resultou a seguinte correcção:

2 – Correcção proposta
Correcções à matéria tributável de IRC
Da análise à declaração de rendimentos de IRC verificamos que o sujeito passivo no apuramento do Lucro Tributável não procedeu a qualquer acréscimo referente a encargos financeiros suportados com as aquisições de partes de capital, conforme determina o n.º 2 do art.º 31.º EBF.

De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31° do EBF, “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título, por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”. Redacção dada pela Lei n.º 32-8/2002, de 30 de Dezembro (Lei do OE para 2003).

No que concerne ao regime fiscal aplicável aos encargos financeiros previsto no artigo acima, citado, a Circular 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços de IRC, vem sancionar o seguinte entendimento.

Âmbito de aplicação temporal (ponto 5)
(…)
Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros (ponto 6)
(…)’
Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais (ponto 7): “(…)

1.º Imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros;
2.º Afectar o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

Utilizando a referida fórmula elaborámos os cálculos a seguir enunciados sentido de calcular o valor de encargos financeiros suportados pela …... SGPS, SA, com a aquisição de partes de capital.
ActivosValorNotas Explicativas
Total do Activo liquido14.000.150,82(1 )
Activos remunerados7.288.133,89(2)
Partes de capital (Custo de aquisição)6.638.331,12(3)
Equivalência Patrimonial0,00(4)
Juros activos73.685,81(5 =(1 )-(2)-(3)-(4)
Activos não remunerados6.712.016,93(6) == (3)+(5)

(1) Informação extraída do Balanço constante do Anexo A da Declaração Anual de Informação Contabilístico Fiscal entregue pelo sujeito passivo.
(2) Informação dada pelo sujeito passivo.
(3) Informação dada pelo sujeito passivo.
(4) Partes de capital (valor líquido – custo de aquisição)
(5) Outros Activos = Total do Activo – Activos remunerados - Custo de aquisição das partes capital – Equivalência Patrimonial
6) Activos não Remunerados := Outros Activos + Custo de aquisição das partes de capital
PassivosValorNotas Explicativas
Empréstimos obtidos remunerados (Passivos Remunerados)8.845.000,00(7)
Passivos remunerados imputáveis aos empréstimos concedidos remunerados7.288133.89(8)=(2)
Passivos remunerados imputáveis aos restantes activos1.556.866,11(9)=(7)-(8)
Passivos remunerados imputáveis às partes de capital1.539.774,54(10)=((3)/(6))*(9)

(…)

(…)

Face ao exposto, o contribuinte suportou no exercício suportou a título de encargos financeiros com a aquisição de participações € 56.0081,74. De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31° de EBF os mesmos não concorrem para a formação do lucro tributável, pelo que deverão se desconsiderados como custo.

(…)
5. - Direito de audição
Apesar de notificado nos termos e para os efeitos do artigos 60.º da LGT e do RCPITT, através do ofício n.º 16528/0510 de 29/02/08, o sujeito passivo não exerceu o direito de audição. (..) conforme documento de fls. 119 a 125 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. Com relevância, para a decisão consta do relatório da ação inspetiva, interna à ….. SGPS, SA, datado de 31.10.2008, o seguinte:

RELATÓRIO
(elaborado nos termos e para os efeitos dos artigos 60° e 62° do RCPIT)

1.Introdução
O sujeito é tributado pelo Regime Especial de de Tributação dos Grupos de Sociedades previsto no artigo 63.º do Código do IRC, sendo o grupo constituído pelo contribuinte em análise, como sociedade dominante, e por catorze sociedades dominadas como abaixo se indica:(…)
.... SGPS, SA……….Dominante
…….. Investimentos SGPS, SA(…)Dominada
…….. shopping –Gestão Centros Com. S.A.Dominada
………….- Gestão Gal. Com. S.ADominada
…..…- Gestão de Galerias Com. SASDominada.
……....Management SGPS, SADominada
………Development SGPS.,SADominada
…… Portugal VIIIC. Com, SADominada
……. Portugal VIIC. Com, SADominada
……. Portugal VI C. Com, SA
……. Asset Management-Gestão Act. SADominada
……. Management Portugal –C. Com, SADominada
………… – Gestão de C. Comercial, SADominada
…..... Corp. Services- Apoio Gestão, SADominada
…….. Development Ibéria 1- P.I., SADominada

Em resultado de acções inspectivas na esfera individual, foram apuradas correcções nos seus lucros tributáveis como passamos a indicar no ponto seguinte, tendo como consequência a correcção do lucro tributável do grupo, calculado na sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados na esfera individual.

1. Correcções na esfera individual das empresas do Grupo
2.1 - Dominante
- ……. SGPS, SA

Em consequência do procedimento interno de inspecção efectuado do âmbito da credencial O1200605735, foram efectuadas correcções no montante de 3.237.838,62 € relativas a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e que foram indevidamente considerados como custo fiscal, dado que, de acordo com estabelecido no n..º 2 do art.º 31° do EBF, “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedade Redacção dada pela Lei 32-B/02, de 30 de Dezembro (LOE para 2003).

1.2.
Sociedades Dominadas
1.3. 2.2.1 – …..… Management SGPS, SA

Em consequência do procedimento interno de Inspecção âmbito da credencial O1200605737, foram efectuadas correcções no montante de 56.081,74 €, relativas a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e que indevidamente considerados como custo fiscal, dado que, de acordo com estabelecido n..º 2 do art.º 31° do EBF, “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedade Redacção dada pela Lei 32-B/02, de 30 de Dezembro (LOE para 2003)..

2. Correcções na declaração de grupo
Face ao exposto no ponto anterior, as correcções ao lucro tributável do grupo ascendem a 3 293.920.36 € pelos que os resultados fiscais constantes da declaração modelo 22 do grupo carecem de correcção, passando de 14.017.394,34€ declarada para 17.311.314,70 € corrigido.(…)”conforme relatório de inspeção constante de fls. 107 a 113 do P.A., que aqui se dá por integralmente por reproduzido.

11. A Administração Fiscal desconsiderou custo de € 3.237.838,62 e de € 56.081,74 título de encargos financeiros com a aquisição de participações sociais, respectivamente na ..... SGPS, SA e na …. Management SGPS, SA;
12. A Administração Fiscal após as correcções na esfera individual das empresas do grupo procedeu a correcções do lucro tributável do grupo, calculado na sociedade dominante, passando de 14.017.394,34 € declarado para 17.311.314,70 € corrigido;
13. A Administração Fiscal procedeu à liquidação adicional do IRC2008 8510038763 relativa ao período de 2004, no valor de 842 884,11 € e respectiva demostração de acerto de contas no valor de 1 015 995,87 €, tendo por data limite de pagamento 08.01.2009 (fls. 169 e 171 dos autos)
14. A Administração Fiscal, face ao não pagamento, instaurou processo executivo n.º 1805 200901010964, o qual veio a ser suspenso em consequência de prestação de garantia (fls.177 e 242 dos autos);
15. Em 15.04.2009 a impugnante prestou garantia bancária, através do Millenum BCP, no valor de 1 295 522,80 € a favor da 1ª repartição de Finanças do Maia (fls. 242 dos autos);
16. A impugnante deduziu a presente impugnação judicial em 08.04.2009, (fls. 1 dos presentes autos)

Quanto aos factos não provados, a sentença registou que


Não resultam provados ou não provados outros factos com interesse para decisão.

A motivação da decisão de facto foi enunciada assim:
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados e não provados na prova documental.
A prova documental teve por base Processo Administrativo (PA) constante do Relatório da Inspeção Tributária e respetivos anexos e documentos juntos aos autos pelo impugnante, documentos que se encontram devidamente referenciados em cada facto.

*


2.2.- Motivação de Direito

Em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se entre o Acórdão arbitral proferido no processo nº.365/2017-T e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15 de Janeiro de 2015, proferido no âmbito do processo nº.0946/09.0BEPRT existe uma divergência de modo a permitir a o recurso para uniformização de jurisprudência, consubstanciado no artigo 152.º do CPTA.

Vejamos.

2.2.1. Da admissibilidade do recurso de uniformização

O presente recurso vem interposto, ao abrigo do art.º 25.º, nº2, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (regime da arbitragem Tributária), da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo nº nº.356/2017-T, a qual julgou totalmente improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRC e de juros moratórios e compensatórios, relativos ao exercício de 2012 deduzido pela recorrente A……..,SGPS,SA.
Invoca a recorrente que tal decisão arbitral está em alegada oposição com a doutrina do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de o proferido em 15/01/2015, no âmbito do processo nº.0946/09.0BEPRT.
Neste Supremo Tribunal o Ministério Público sustenta que se verifica um dos requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 152º do CPTA: entre os dois arestos contradição entre a mesma questão fundamental de direito consubstanciada na admissibilidade/inadmissibilidade legal da aplicação, imediata e sem mais, pela AT da interpretação do artigo 32.°/2 do EBF sancionada pelo Circular 7/2004, de 30/03, da DISIRC, na determinação da matéria tributável do sujeito passivo.
Importa, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 25º, nº 2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, DL nº 10/2011, de 20/1).
Consoante o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral (cfr. o nº 3 do mesmo art. 25º).
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152º do CPTA) é a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados.
Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, pags. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, todos in www.dgsi.pt.
Não obstante, determina o n.° 3 do artigo 152.° que, "o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.”
Em suma e tal como também assinala o EPGA evocando Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsi.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv)- ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Acresce que, quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que terá deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido.
*

2.2.2.- Da análise do caso concreto:

No caso posto, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na decisão arbitral, a qual julgou improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRC de 2012, padece de contradição com o Acórdão do TCAN, proferido em 15/01/2015, no processo nº. 0946/09.0BEPRT.
Seguindo a sinopse empreendida pelo EPGA no seu douto Parecer e concordando inteiramente com a solução ali propugnada, a situação que importa considerar é a seguinte:

2.2.2.1.-Acórdão Fundamento:

O mesmo versa sobre um procedimento interno de inspecção atinente ao IRC de 2004, no âmbito do qual a AT realizou correcções à matéria tributável que se traduziram num acréscimo à mesma, o qual adveio da não consideração como custos do exercício de parte dos encargos financeiros suportados pela sociedade impugnante (dominante de um grupo de sociedades), sujeita ao RETGS, e de parte dos encargos financeiros suportados por uma sociedade dominada pela primeira. As ajuizadas correcções foram efectuadas a coberto da Circular 7/2004, de 30/03 da DSIRC e artigo 31.°/2 do EBF, na redacção da Lei 32-B/2002.
Na 1.ª instância concluiu-se que havendo dúvidas fundadas quanto à quantificação do imposto se impunha a anulação do ato de liquidação, sendo tal decisão objecto de recurso interposto pela AT no âmbito do qual foi proferido o acórdão fundamento do TCAN que lhe negou provimento, destacando na sua fundamentação que o RIT não se baseou na falta de documentos bastantes para comprovar a alocação dos empréstimos contraídos aos fins a que se destinam nem põe em causa a indispensabilidade dos custos para a obtenção dos proveitos, pelo que a correcção efectuada pela AT não teve por base o incumprimento do estatuído no artigo 35.° do CIRC.
Acresce que a AT havia justificado a sua acção correctiva no facto de a impugnante não ter provado, factos negativos, que a seguir se enunciam, por isso se impondo a correcção do lucro tributável, porquanto este reflecte encargos financeiros que não são elegíveis como custos.
Assim, o acórdão fundamento respondeu à questão suscitada pela recorrente, FP, consistente na asserção de que cabia à impugnante o ónus da prova de que não realizou transmissões onerosas de capital detidas por período não inferior a um ano nem contabilizou os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, afirmando o contrário, ou seja, que a correcção presuntiva não é de admitir, ainda que tenha como metodologia usado os critérios da Circular 7/2004, de 30/03, em especial os constantes dos pontos 7 e 8, o que não basta para salvar a legalidade da sua operação presuntiva, pois os critérios utilizados ultrapassam, manifestamente, o conteúdo do normativo do artigo 31.°/2 do EBF. E acrescentou que este preceito estatui que só os encargos apurados, específica e directamente, são excluídos de tributação.
Enfim, no acórdão fundamento avaliou-se a quem cabia o ónus da prova de que não tinham sido realizadas pelo sujeito passivo as operações previstas no artigo 31.°/2 do EBF, asseverando ser ónus da AT, para excluir a sua actividade presumida e, bem, assim, o facto de a AT ter utilizado os critérios da circular 7/2004, o que não é suficiente para salvar a legalidade da sua operação uma vez que tais critérios ultrapassam o conteúdo do artigo 31.°/2 do EBF.

*


2.2.2.2.-Acórdão Recorrido:

Estamos em presença de um procedimento interno de inspecção concernente ao IRC de 2012, pelo qual a AT realizou a correcção à matéria tributável fixando um acréscimo à mesma o qual derivou da não consideração como custos do exercício de parte dos encargos financeiros suportados pela sociedade impugnante (dominante de um grupo de sociedades), sujeita ao RETGS.
Também aqui as correcções que originaram o acréscimo levaram em consideração a Circular 7/2004, de 30/03 e artigo 32.º/2 do EBF.
E a decisão arbitral recorrida confirmou a correcção efectuada pela AT perfilhando o tribunal arbitral o entendimento de que a Circular 7/2004 não viola o normativo do artigo 32.°/2 do EBF.
Seguidamente, examinando o caso concreto, expendeu que, apesar de a impugnante alegar que não é demonstrado que os encargos financeiros se destinam à aquisição de parte sociais, por isso não estando abrangidos pelo artigo 32.°/2 do EBF, a verdade é que a impugnante não faz prova cabal do destino efectivo dos encargos financeiros suportados no exercício de 2012, mesmo nos diversos momentos em que foi instada a fazê-lo.
Ainda se refere no aresto em apreciação que cabia à recorrente/impugnante fazer a prova de que os gastos apresentados não se destinavam à aquisição de partes de capital, caindo fora do âmbito de aplicação do artigo 32.°/2 do EBF, independentemente da intermediação interpretativa da Circular 7/2004, que, segundo refere o tribunal arbitral, é aqui irrelevante. Não o fez não permitindo a caracterização adequada dos referidos encargos.
Refere-se, por fim, no acórdão recorrido que a recorrente/impugnante se limita a alegar, em abstracto, a ilegalidade da fórmula genérica e indiciária que resulta da aplicação da Circular 7/2004 e a invocar, em seu abono, jurisprudência e doutrina, nada invocando ou provando quanto ao método de afectação específica dos encargos financeiros suportados.

*
2.2.2.3.-Da contradição entre os dois arestos

Entendemos ser manifesta a contradição entre os dois arestos no que tange à mesma questão fundamental de direito consubstanciada na admissibilidade/inadmissibilidade legal da aplicação, imediata e sem mais, pela AT da interpretação do artigo 32.°/2 do EBF sancionada pelo Circular 7/2004, de 30/03, da DISIRC, na determinação da matéria tributável do sujeito passivo.
Materializando, flui do antes sintetizado exposto que o acórdão fundamento sustenta que os critérios utilizados na Circular 7/2004 ultrapassam, manifestamente, o conteúdo do artigo 32.°/2 do EBF, o acórdão arbitral recorrido, professa a posição contrária, sendo certo que, em ambos os casos a AT aplicou, de imediato e sem mais, os critérios da Circular 7/2004.
Destarte, afigura-se-nos que a questão do ónus da impossibilidade de utilização do método directo, a autorizar o recurso ao método indirecto tal como previsto na Circular n.º 7/2004, foi decidida em sentido divergente, o que permite dar como verificada a divergência das decisões que justifica a prossecução do recurso por oposição de julgados.

*

2.2.3.-Do mérito do recurso


No nosso entender, que é, de resto, a posição do EPGA, é de adoptar a posição do acórdão recorrido, de harmonia com a recente jurisprudência do STA sobre a matéria (acórdãos do STA. de 08/03/2017-P. 2 0227/16; de 31/05/2017-P. 01229/15, de 29/11/207-P. 01292/16; de 24/02/2018-P. 0745/15; de 24/01/2018-P. 01157/17 e de 26/09/2018, P.0406/18.9BALSB, acessíveis em www.dgsi.pt).
Na esteira dessa jurisprudência, no que respeita ao ónus da prova, por força do disposto no artigo 74.° da LGT, incumbe à AT o ónus da prova da sua actuação quando procede à correcção da matéria tributável do sujeito passivo, mediante correcções técnicas, meramente aritméticas, sendo certo que em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, lhe compete, também, o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação.
Como se dá nota no Acórdão deste STA de 26/09/2018, P.0406/18.9BALSB, “Não é a primeira vez que a questão é colocada ao Supremo Tribunal Administrativo.
Não existe motivo para nos afastarmos da posição assumida no acórdão fundamento e que vem vindo a ser seguida neste Supremo Tribunal (Cfr., para além do que serve de fundamento ao presente recurso, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 31 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 1229/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/38bdd8c5a148a1bf80258133003a1f82;
- de 29 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 1292/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b1a48db3355f6c02802581ef003a6d28;
- de 24 de Janeiro de 2018, proferido no processo n.º 745/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/610be0f05091c8be8025822d00379e28;
- de 31 de Janeiro de 2018, proferido no processo n.º 1157/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dc7e2ba6018826b88025822d00449a31.).
Vamos socorrer-nos, essencialmente, da fundamentação expendida no acórdão de 29 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 1292/16, que seguiremos de perto, quando não transcrevemos, dispensando o usa das aspas apenas para agilizar o discurso, em face das alterações demandadas pelo caso.
Do n.º 2 do art. 32.º do EBF resulta que a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pelas SGPS apenas abrange aqueles directamente conexionados com a aquisição de participações sociais.
O que significa, desde logo, que não ficou afastada a regra da dedutibilidade dos encargos financeiros que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais, nos termos e condições previstas na alínea c) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC.
Por outro lado, sendo certo que o princípio da legalidade em matéria tributária exige que a incidência dos impostos, respectivas taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes sejam determinados apenas por actos de natureza legislativa (não regulamentar) – cfr. o n.º 2 do art. 103.º da CRP e o n.º 1 do art. 8.º da LGT –, então não poderá relevar, na parte em que contende com este princípio, a orientação a este propósito constante da Circular n.º 7/2004. Na verdade, as circulares veiculam orientações genéricas que devem ser publicitadas [alínea b) do n.º 3 do art. 59.º da LGT] e sendo, embora, vinculativas apenas para a AT, uniformizam a actuação desta na interpretação e aplicação das normas tributárias, permitindo aos contribuintes o conhecimento antecipado do entendimento adoptado pelos Serviços Tributários (cfr. o art. 68.º-A da LGT).
Ora, apesar de as instruções administrativas constantes da referida Circular terem sido emitidas, precisamente, «face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes», a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei. Essa proibição resulta do disposto nos arts. 104.º, nº 2 da CRP, 81.º, n.º 1 e 85.º da LGT, sendo que as ditas instruções administrativas não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, atento o disposto no n.º 5 do art. 112.º, n.º 5, da CRP.
O que significa que o método indirecto propugnado na Circular para cálculo do montante dos encargos financeiros destinados à aquisição de participações sociais só poderia ser aplicado subsidiariamente e depois de se demonstrar a inviabilidade da quantificação directa.
Enquanto método indirecto de determinação do lucro tributável, o mesmo só seria admissível, nos termos gerais [cfr. n.º 1 do art. 85.º e alínea b) do n.º 1 do art. 87.º, da LGT] nos casos em que se verifique inviabilidade de determinação directa dos encargos resultantes de financiamentos directamente associados à aquisição de participações sociais, competindo à AT o ónus da prova da verificação desses pressupostos, nos termos do n.º 3 do art. 74.º da LGT, como bem ficou dito no acórdão fundamento.
Ora, no caso sub judice, no que às sindicadas correcções respeita, a AT não questionou que não se verificassem os pressupostos mencionados no art. 23.º do CIRC quanto à dedutibilidade dos custos, antes se limitando a utilizar a fórmula constante da Circular n.º 7/2004 e procedendo, dessa forma, a uma verdadeira utilização de métodos indirectos para determinar o valor dos encargos financeiros que supostamente terão sido suportados com a aquisição de partes do capital, sendo que também não identificou qualquer participação social que haja sido adquirida com recurso a financiamento, nem qualquer financiamento que tenha originado os encargos financeiros que entendeu corrigir. Ora, para que a AT pudesse recorrer ao método previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, impunha-se-lhe que demonstrasse que não podia fazer uma imputação directa, o que não fez, antes se limitando, sem mais, a aplicar aquele método.
Em conclusão, é à AT que compete o ónus da prova para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, não permitindo o n.º 3 do art. 74.º da LGT que se faça recair esse ónus sobre o contribuinte.
Em todo o caso, afigura-se-nos que nunca poderia o tribunal arbitral avançar uma fundamentação diversa da que foi externada pela AT como tentativa de legitimar o recurso ao método proposto na Circular e, assim, afirmar a legalidade da correcção que deu origem à liquidação impugnada.”
À luz de jurisprudência constante condensada no aresto que acabamos de excertar, cabia, pois, à AT, proceder à quantificação dos encargos financeiros do exercício em causa com a aquisição de participações sociais em empresas associadas, e que se verificam os pressupostos enunciados no então artigo 32.°/2 do EBF. Concretamente, cabia à AT demonstrar que a recorrente em 2012, incorreu nos montantes de € 850.654,13 de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais; que essas participações permaneceram na titularidade da sociedade por período não inferior a um ano e que essas participações foram transmitidas onerosamente no exercício de 2012, com o consequente apuramento de mais ou menos valias nesse exercício.
Patenteiam os autos que a AT não conseguiu cumprir o ónus da prova que lhe competia.
E, nos termos do disposto no artigo 32.°/2 do EBF os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, por parte da SGPS, não concorrem para formação do lucro tributável.
Mas, decorre da letra e espírito do citado normativo que apenas não concorrem para a formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, sendo que o critério a seguir para a determinação dos encargos financeiros deverá ser o da afectação/imputação directa ou real e não o critério indirecto aprovado pela Circular 7/2004.
Por assim ser, uma alvitrada impossibilidade prática em distinguir os encargos financeiros, efectivamente suportados com a aquisição de partes de capital, dos restantes encargos, não pode servir de fundamento para a utilização de um critério que aparenta não ter qualquer apoio legal. Isso sem embargo de o método previsto no n.° 7 da Circular 7/2004, de 30/03, poder ser aplicável subsidiariamente, como método indirecto, no caso de inviabilidade de determinação directa dos encargos resultantes de financiamentos directamente associados à aquisição de participações sociais, nos termos do estatuído nos artigos 85.°/1 e 87.°/1/ b) da LGT.
Ora, no caso sub judice a fundamentação da liquidação impugnada inserta do RIT, mormente a matéria vertida na alínea h) do probatório, não contém qualquer referência à aplicação subsidiária do método de cálculo do montante dos encargos financeiros destinados à aquisição de participações sociais, fazendo uma aplicação imediata do mesmo sem invocação da inviabilidade da quantificação directa, em correspondência com a Circular 7/2004, que não prevê qualquer aplicação subsidiária do método de cálculo que enuncia.
Deste modo, a hermenêutica do artigo 32.°/2 do EBF, na redacção introduzida pela Lei 64-B/2011, de 30/12, efectuada pela Circular 7/2004, de 30/03, da DSIRC, viola o princípio da legalidade tributária estatuído nos artigos 103.°/2 da CRP e 8.°/1 da LGT.
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Há que ponderar a concessão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do RCP, norma que dispõe: «nas causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Constitui Jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo que a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso sub judice, o acórdão ocupou-se apenas da questão de saber se o acórdão arbitral recorrido estava em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo invocado como fundamento do recurso e, tendo concluído positivamente – que se verificava a existência de decisões antagónicas quanto à mesma questão fundamental de direito, verificando-se, pois, os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no art. 25.º, n.º 2 do RJAT e no art. 152.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) –, decidiu no sentido de adoptar a solução contida no acórdão é de adoptar a posição do acórdão recorrido, de harmonia com a recente jurisprudência do STA sobre a matéria.
Entendemos, pois, que se justifica a menor complexidade susceptível de autorizar a dispensa do pagamento da taxa de justiça.


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3. DECISÃO


Em face ao exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em julgar verificada a oposição, conceder provimento ao recurso, anular a decisão arbitral recorrida e, julgando procedente o pedido de anulação da liquidação de IRC, anular esta liquidação na parte em que teve origem na correcção sindicada.

Custas pela Recorrida com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância.




Comunique-se ao CAAD.


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Lisboa, 11 de Dezembro de 2019. - José Gomes Correia (relator) - José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Manuel de Carvalho Neves Leitão - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (com declaração em anexo) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes vencido (falta de requisitos para a oposição) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva.

Processo n.º 333/18.0BALSB

Declaração de voto

Vencida por considerar que entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento não existe uma verdadeira oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, mas antes uma diferente valoração e subsunção da factualidade ao direito. Com efeito, no acórdão recorrido julga-se improcedente a impugnação da liquidação por o impugnante «não invocar nem fazer prova de qual deveria ser o método de afectação específica dos encargos financeiros suportados, limitando-se a alegar em abstrato a ilegalidade da "fórmula genérica e indiciária de alocação de encargos financeiros", que resulta da aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março»; ao passo que, no acórdão fundamento, se nega provimento ao recurso da AT por considerar que a mesma «falh[ou] o seu encargo probatório [de saber qual o fim para que foram obtidos os financiamentos] (…) [e] por ter ido além do que o art. 31.°/2 do EBF [numeração do artigo 32.°, n.º 2 do EBF antes da republicação do diploma pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho] exigia».

Ainda que assim não se entendesse, e se considerasse existir uma oposição entre os arestos quanto à interpretação do n.º 2 do artigo 32.° do EBF - por no acórdão recorrido se fazer impender sobre o sujeito passivo o ónus de provar que o método directo de imputação dos encargos financeiros é passível de utilização no âmbito da concreta quantificação da matéria colectável, ao passo que no acórdão fundamento se impor à AT o uso do referido método para corrigir os dados apresentados pelo sujeito passivo, considerando que o contrário redundaria numa inversão do ónus da prova sem base legal -, harmonizaria os julgados adoptando a interpretação sufragada na decisão recorrida, no sentido de que: i) a norma do n.º 2 do artigo 32.º do EBF é de conteúdo indeterminado e admite diversas interpretações; ii) nessa medida, a fórmula constante da Circular 7/2004 é apenas uma das fórmulas possíveis de interpretação da norma legal, sendo aquela que a AT adoptou como regra interpretativa dos seus serviços, sem intuito derrogatório ou integrativo do conteúdo da norma legislativa (o "método indirecto de afectação [aí contemplado] era, portanto, tão legítimo e tão compatível com a ratio legis da norma como qualquer outro método"); iii) a interpretação sufragada na Circular pode e deve ser afastada sempre que o sujeito passivo mostre que é outro o método adequado para a aplicação da norma do n.º 2 do artigo 32.º do EBF. E concordamos também com a decisão recorrida quando aí se afirma que «[F]oi sobre estas premissas que o Acórdão nº 42/2014 do Tribunal Constitucional assentou a sua decisão de «"não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 31.°, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação conferida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, na parte em que impõe a indedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital logo que estes sejam incorridos, independentemente da realização de mais valias isentas de tributação com a alienação de tais partes de capital"».
A não se entender assim - ou seja, a entender-se que a norma do n.º 2 do artigo 32.º do EBF é indeterminada e ambígua e que essa indeterminação e ambiguidade não são passíveis de ser minoradas pelo aplicador da norma mediante o recurso a um expediente interpretativo, daí resultando uma situação em que a AT fique, na prática, "obrigada" (por impossibilidade de exercer um controlo efectivo) a aceitar a dedutibilidade fiscal de todos os encargos financeiros que os sujeitos passivos entendam declarar - deveria então desaplicar-se a própria norma do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, com fundamento em inconstitucionalidade por violação do princípio fundamental da clareza e determinabilidade das normas jurídicas, ínsito no princípio do Estado de Direito (artigo 2.° da CRP), seguindo o que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem afirmado a este propósito: “as decisões estaduais que tiverem um conteúdo de tal ordem obscuro, impreciso ou contraditório que chegue a ser indeterminável para os seus destinatários não podem ser conformes à exigência de segurança que vai incluída na dimensão material do princípio do Estado de direito" (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 387/12).
Lisboa, 11 de Dezembro de 2019.
Suzana Tavares da Silva