Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0446/21.0BELSB
Data do Acordão:04/21/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
ASSINATURA
DOCUMENTOS
Sumário:Pelas dúvidas que suscita no caso concreto e pela relevância jurídica e social que tem, é de admitir a revista sobre questão acerca da exclusão de proposta baseada na falta de assinatura qualificada de um dos seus documentos.
Nº Convencional:JSTA000P29298
Nº do Documento:SA1202204210446/21
Data de Entrada:03/28/2022
Recorrente:A..........
Recorrido 1:JUNTA DE FREGUESIA DE ARROIOS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. A………… - autor da presente «acção de contencioso pré-contratual» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, peticionar a admissão deste «recurso de revista» do acórdão do TCAS, de 03.02.2022, que concedendo provimento ao recurso de apelação interposto pela FREGUESIA DE ARROIOS - entidade demandada na acção - e parcial provimento à apelação interposto por B……….., LDA. - «contra-interessada» também demandada na acção - revogou a sentença proferida pelo TAC de Lisboa em 08.06.2021 - pela qual «a acção foi julgada procedente, e, consequentemente, anulado o acto de adjudicação e o contrato», e «condenada a entidade demandada a admitir a proposta do autor, a ordená-la em primeiro lugar e adjudicar-lhe o respectivo contrato» - e, em substituição, julgou totalmente improcedente a acção e absolveu a demandada do pedido.
Defende que a «revista» interposta - e que pretende ver admitida - é necessária porque o acórdão recorrido «não faz uma correcta interpretação da legislação aplicável», e ainda porque a questão em litígio «é da maior relevância jurídica e social».

A entidade demandada - FREGUESIA DE ARROIOS - e a contra-interessada – B……….., LDA. - apresentaram contra-alegações, independentes, nas quais militam, além do mais, pela não admissão do recurso de revista, por entenderem que não estão preenchidos os pressupostos legais para o efeito - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Está em causa o concurso público - lançado pela FREGUESIA DE ARROIOS - para concessão de uso privado para a exploração de um estabelecimento de restauração com esplanada, localizado no ……….., e, mais propriamente, os actos que «excluíram a proposta do autor» e «adjudicaram a celebração do respectivo contrato à aqui contra-interessada B……….., LDA.».

O autor viu a sua proposta excluída ao abrigo dos artigos 146º, nº2, alínea l), e 62º, nº4, do CCP, e 54º, nº1, e 68º, nº4, da Lei nº96/2015, de 17.08, ou seja, com base na falta de assinatura digital do documento designado Estudo de projecto de qualificação de estabelecimento que fazia parte integrante da mesma.

Como vimos, os tribunais de instância proferiram decisões diametralmente opostas: - o tribunal de 1ª instância - TAC de Lisboa - julgou procedentes os pedidos formulados pelo autor, fazendo-o, e em síntese, com o seguinte fundamento: a aposição de assinatura electrónica qualificada devia ser feita em cada um dos documentos da proposta antes do respectivo carregamento na plataforma electrónica - localmente, nos próprios computadores dos concorrentes; o que não se verificou relativamente ao documento Estudo de projecto de qualificação de estabelecimento que foi assinado pelo autor - com recurso a assinatura electrónica digital qualificada - apenas depois do respectivo carregamento na plataforma electrónica, aquando da sua submissão; porém, a omissão da formalidade - resultante de os ficheiros não terem sido assinados no momento determinado pela lei, mas só em momento posterior - pode ser degradada em «formalidade não essencial»; assim, e a esta luz, não podia ter sido excluída a proposta do autor, pelo que também o acto de adjudicação não poderá manter-se na ordem jurídica. Por sua vez, o tribunal de 2ª instância, conhecendo das apelações da FREGUESIA DE ARROIOS - entidade demandada - e da B………., LDA. - contra-interessada adjudicatária - revogou a sentença, e julgou totalmente improcedente a acção, fazendo-o no seguimento da doutrina emanada do acórdão de uniformização de jurisprudência proferido, entretanto - ou seja, entre a prolação da sentença e do acórdão ora recorrido -, pelo Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal - AC STA de 25.11.2021, processo nº0210/18.4BELLE. E daí ter concluído no seu acórdão que, em face do aludido acórdão de uniformização de jurisprudência, numa situação, como a dos autos, em que a proposta apresentada não observou a formalidade [essencial] de assinatura prévia [e individualizada] do documento [isto é, antes do carregamento do documento na plataforma] - documento que constitui um atributo da proposta, nos termos do artigo 57º, nº1, alínea b) do CCP, e artigo 10º, nº1, alínea c) ii) do Programa de Procedimento -, tal incumprimento deve considerar-se invalidante da proposta apresentada por violação de desígnio legal, não podendo reconduzir-se ao desvalor de uma irregularidade não invalidante. O mesmo é dizer, não tem aqui aplicação o disposto no artigo 163º, nº5, alínea b) do CPA.

O autor da acção discorda, e pede «revista» do assim decidido, alegando que deveria ter sido aplicada, no caso, a teoria da degradação das formalidades essenciais em formalidades não essenciais [artigo 163º, nº5, alínea b), do CPA] e, por via disso, afastada a decisão de exclusão da sua proposta do procedimento de concurso por terem sido alcançados os objectivos subjacentes à exigência ínsita no artigo 68º, nº4 da Lei nº96/2015, de 17.08. Invoca, pois, e apenas, «erro de julgamento de direito» do acórdão recorrido.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

E, começando por este último, importa salientar que o dissenso nas decisões das duas instâncias encontra explicação na circunstância de as mesmas terem sido «intercaladas pelo acórdão de uniformização de jurisprudência» em cuja doutrina se louvou o aresto ora recorrido. Mas, a verdade é que a matéria de facto destes acórdãos - o ora recorrido e o uniformizador - não são exactamente iguais, e esta desigualdade é suficiente para «gerar a dúvida», legítima, sobre a aplicabilidade da argumentação jurídica, que fez vencimento no acórdão uniformizador, ao caso dos presentes autos.

A esta dúvida acresce a necessidade do máximo esclarecimento deste tipo de questões, que não só vêm dividindo a jurisprudência de tribunais superiores como vêm impondo a consagração de directrizes de comportamento às entidades envolvidas no universo amplo da contratação pública. E não sendo evidente a aplicabilidade, ao presente caso, da doutrina uniformizada, justifica-se também a admissão da revista em nome da clara relevância jurídica e social da questão ainda em litígio.

Assim, importa, neste caso, quebrar a regra da excepcionalidade do recurso de revista, e admitir o agora interposto por A………..

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 21 de Abril de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.