Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0229/17.2BELSB 0649/18
Data do Acordão:12/20/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:NULIDADE
DECISÃO
Sumário:I - Por força do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2, 666.º e 685.º do CPC/2013 ex vi dos arts. 01.º e 140.º do CPTA os acórdãos são suscetíveis, para além de retificação de erros materiais e de suprimento de nulidades, também de reforma nos termos e com os limites definidos no mesmo quadro normativo.
II - O regime vertido no n.º 2 do art. 616.º do CPC/2013 visa apenas os lapsos manifestos e não se destina a emendar erros de julgamento caso em que se contrariaria o regime decorrente do art. 613.º do mesmo Código.
III - Apenas ocorrerá a nulidade prevista na al. d), do n.º 1, do art. 615º do CPC/2013, quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, ou quando o tribunal na decisão, contrariando o disposto na segunda parte do art. 608.º, n.º 2, do mesmo Código, conheça de questão que, não sendo de conhecimento oficioso, não haja sido suscitada pelas partes.
Nº Convencional:JSTA000P24025
Nº do Documento:SA1201812200229/17
Data de Entrada:08/23/2018
Recorrente:A..................
Recorrido 1:MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. “MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS” [abreviada e doravante «MNE»], devidamente identificado nos autos e uma vez notificado do acórdão deste Supremo, datado de 15.11.2018, proferido no âmbito de providência cautelar contra o mesmo deduzido por A………………, e em que foi deferida a pretensão de suspensão de eficácia do despacho do Ministro dos Negócios Estrangeiros, datado de 06.01.2017, que aplicou ao aqui reclamado a sanção disciplinar de despedimento, veio, ao abrigo dos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, n.º 1, al. d), e 616.º, n.º 2, do CPC/2013 [na redação dada pela Lei n.º 41/2013 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário] ex vi dos arts. 666.º, n.ºs 1 e 2 e 685.º do CPC, 01.º e 140.º do CPTA, apresentar a presente arguição de nulidade e pedido de reforma daquele acórdão [cfr. fls. 813 e segs. - paginação do «SITAF» tal como as ulteriores referências a paginação].

2. Devidamente notificado o requerente cautelar, aqui ora reclamado, não foi produzida qualquer pronúncia [cfr. fls. 813 e segs.].

3. Sem vistos cumpre apreciar e decidir em Conferência.




ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DAS NULIDADES E PEDIDO DE REFORMA

4. Constitui objeto de apreciação nesta sede a arguição de nulidade assacada à decisão judicial recorrida fundada em alegado excesso de pronúncia [art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC] ao, em sede de apreciação do requisito do fumus boni iuris, haver alegadamente procedido a reapreciação da matéria de facto em infração do art. 150.º, n.º 4, do CPTA.

5. E, por outro lado, caso assim se não entenda, a reforma do acórdão no sentido de não proceder à reapreciação da prova no caso dos autos e, consequentemente, considerar não verificado o fumus boni iuris [art. 616.º, n.º 2, do CPC].

6. Por força do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2, 617.º, 666.º e 685.º do CPC ex vi dos arts. 01.º e 140.º do CPTA os acórdãos são suscetíveis, para além de retificação de erros materiais e de reforma nos termos e com os limites definidos no mesmo quadro normativo, também do suprimento de nulidades.

7. E começando pela apreciação das arguidas nulidades estipula-se no art. 615.º do CPC, sob a epígrafe de “causas de nulidade da sentença” e na parte que ora releva, que é «nula a sentença quando: … d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» [n.º 1], derivando ainda do mesmo preceito que as «nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades» [n.º 4].

8. As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem estar viciadas de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: - por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação; - por outro, como atos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretados e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do referido art. 615.º do CPC.

9. Caraterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC temos que a mesma ocorre quando o tribunal na decisão, contrariando o disposto na segunda parte do art. 608.º, n.º 2, do CPC, conheça de questão que, não sendo de conhecimento oficioso, não haja sido suscitada pelas partes.

10. Ora manifestamente não procede a arguida nulidade, não se descortinando que a pronúncia em crise enferme de qualquer excesso e que, como tal, infrinja o disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.

11. É que independentemente do acerto ou não do decidido, que não se mostra abarcado pela nulidade de decisão arguida, temos que a pronúncia firmada não envolve um qualquer excesso de pronúncia já que, analisados os termos do recurso de revista e aquilo que constituem os seus fundamentos, consta, entre os mesmos, o erro de julgamento de direito assacado à decisão do «TCA/S» quanto ao desacerto no juízo de improcedência relativamente ao preenchimento do requisito do fumus boni iuris.

12. Assim, ao analisar e julgar da procedência ou não daquele fundamento recursivo o acórdão reclamado fê-lo, pois, no quadro e no âmbito ou limites daquilo que eram os seus deveres e poderes de pronúncia do tribunal insertos nos n.ºs 2 e 3 do art. 150.º do CPTA, sem envolver qualquer nulidade, na certeza de que tal pronúncia nos estritos termos em que se mostra proferida em nada se enquadra na previsão do n.º 4 do art. 150.º do CPTA, que desta feita não se mostra infringida

13. A concreta discordância ou divergência por parte do R./Reclamante quanto ao juízo firmado no acórdão quando neste, revogando aquilo que são e foram os termos e fundamentos do juízo do «TCA/S», se considerou como preenchido o requisito do fumus boni iuris, no concreto contexto e circunstâncias apuradas no processo, será suscetível de gerar não a nulidade da decisão, mas, quanto muito, o erro de julgamento.

14. Passando à apreciação do pedido de reforma temos que, nos termos do n.º 2 do art. 616.º do CPC, a reforma dum acórdão será lícita quando, não cabendo recurso e por manifesto lapso, «a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida».

15. É, assim, que na referida al. a) aparece previsto o erro manifesto de julgamento de questões de direito e na al. b) as situações de erro manifesto na apreciação das provas, pressupondo-se, obviamente, para além do seu caráter evidente, patente, indiscutível e incontornável, que o julgador se haja expressamente pronunciado sobre as questões a dirimir, analisando e fundamentando a errónea solução jurídica e de facto que acabou por adotar.

16. Com efeito, o regime vertido no n.º 2 do art. 616.º do CPC visa apenas os lapsos manifestos e não se destina a emendar erros de julgamento caso em que se contrariaria o regime decorrente do art. 613.º do mesmo código.

17. Fazendo aplicação ao caso vertente do enquadramento acabado de explicitar e presente o pedido de reforma que se mostra deduzido temos que, da análise ou leitura dos termos da decisão judicial reclamada e do seu segmento decisório, não se descortina como minimamente procedente tal pedido.

18. Na verdade, não se descortina que no caso vertente estejamos perante situação de erro manifesto de julgamento de questões de direito, não sendo evidente, patente, indiscutível e incontornável uma situação de lapso manifesto que legitime a aplicação do regime previsto no n.º 2 do art. 616.º do CPC, já que, ao invés, a motivação/pretensão invocada como fundamento de reforma se enquadrará num eventual erro de julgamento e, nesse âmbito, não pode ser suprida/corrigida por esta via.

19. Nessa medida, não enferma o acórdão em crise de vício que acarrete a sua nulidade e/ou que importe a sua reforma, soçobrando in totum a reclamação sub specie.





DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em indeferir in totum a arguição de nulidade e, bem assim, o pedido de reforma do acórdão reclamado.
Custas do incidente a cargo do reclamante.
D.N..


Lisboa, 20 de dezembro de 2018. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.