Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01273/13
Data do Acordão:12/03/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
INDEFERIMENTO TÁCITO
TAXA
PARQUE EÓLICO
RESERVA DE LEI
REGULAMENTO MUNICIPAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00069016
Nº do Documento:SA22014120301273
Data de Entrada:07/17/2013
Recorrente:PARQUE EÓLICO DE ........, LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DA LOUSÃ
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - TAXA.
Legislação Nacional:CONST97 ART66 ART103 ART165.
LGT98 ART3 N2 ART4.
L 53-E/06 DE 2006/12/29.
L 117/09 DE 2009/12/29.
L 312/01 DE 2001/12/10.
DL 189/88 DE 1988/05/27.
DL 339-C/01 DE 2001/10/02.
DL 225/07 DE 2007/05/31.
DL 9/07 DE 2007/01/17.
L 11/87 DE 1987/04/11.
DL 251/87 DE 1987/06/24.
DL 292/00 DE 2000/11/14.

Legislação Comunitária:DIR CONS DO PARLAMENTO 2002/49/CE DE 2002/06/25
Jurisprudência Nacional:AC TC PROC177/10 DE 2010/05/05.; AC STA PROC0221/12 DE 2014/10/08.; AC STA PROC0862/14 DE 2014/10/26.
Referência a Doutrina:SÁ GOMES - MANUAL DO DIREITO FISCAL VOLI 11ED PAG778-779.
ALBERTO XAVIER - MANUAL DE DIREITO FISCAL 1974 PAG50-51.
CASALTA NABAIS - O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS COIMBRA 1998 PAG262-263.
TEIXEIRA RIBEIRO - IN RLJ N117 PAG294.
CORTEZ DOMINGUEZ - CIT IN JUAN MARTIN QUERALT - CURSO DE DERECHO FINANCEIRO Y TRIBUTÁRIO PAG106.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

RELATÓRIO:

Inconformado com a sentença do TAF de Coimbra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelo Parque Eólico de ……… contra a liquidação das taxas relativas à existência de geradores efectuada pela Câmara Municipal da Lousã no valor de € 10.000,00 e € 36000,00 respectivamente veio a impugnante dela interpor recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo formulando as seguintes conclusões:
1º São nulos os actos de liquidação das taxas supra referenciadas por inconstitucionalidade do regulamento no qual se baseiam (Tabela de Taxas do Município da Lousã) uma vez que consubstancia a criação de um imposto violando a reserva de competência da Assembleia da República.
2º Trata-se de um imposto um vez que a “taxa” só poderia ser cobrada pela remoção de um limite jurídico à actividade e esse limite teria de ser criado por lei e não artificialmente por um regulamento para efeitos fiscais.
3º É esse cenário que o Tribunal Constitucional no aresto no qual se louvou a sentença recorrida sufragou, totalmente diverso, portanto, do cenário que se verifica na presente acção na qual nenhuma lei prevê um condicionamento à actividade (e os que havia foram já objecto de licenciamento e taxação, licenciamento urbanístico, que inclusivamente ponderou os aspectos relativos ao meio natural – ruídos e solos – que agora se pretende realizar);
4º Por outro lado devem ainda ser anulados os actos de liquidação por violação do nº 33 ao anexo II do DL nº 339/88 de 27 de Maio com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº 339-C/2001 de 29 de Dezembro implicando assim do ponto de vista objectivo uma duplicação de colecta uma vez que se verifica duplicação de colecta tendo o recorrente celebrado um contrato com o recorrido onde foram definidas as contrapartidas devidas “a título de compensação pela respectiva exploração” onde naturalmente se incluirá o ruído e a afectação ao solo alegados que decorrem da exploração e não, como pretende a recorrida da mera implantação.
5º A anulação das taxas decorre ainda da violação das normas do DL 339-C/2001 de 29 Dezembro (e mantida em vigor pelo artigo 15 do DL nº 215-B/2012) uma vez que a actividade de produção de energia eléctrica em centrais renováveis está unicamente sujeita a pagamento das taxas relativas à emissão da licença de exploração e das taxas relativas a pedidos de atribuição dos pontos de recepção (artigo 21 do DL nº 312/2001 de 10 Dezembro) sendo titular activo das mesmas a DGEG.

Deve dar-se provimento ao recurso e procedente a impugnação.

Contra alegou o Município da Lousã assim concluindo:

1º Deverá ser atribuído efeito devolutivo ao presente recurso porquanto não se encontram preenchidos os requisitos necessários à atribuição de efeito suspensivo, nos termos do nº 2 do artigo 286 do CPPT.
2º A Tabela das Taxas do Município da Lousã e o relatório de fundamentação económico-financeira da matriz da Tabela de Taxas do Município da Lousã explicitam quais as concretas contrapartidas subjacentes ao tributo em questão bem como a sua justificação económico-financeira.
3º O tributo impugnado surge como contrapartida específica pelos impactos negativos ao interesse público gerados pela implantação de aerogeradores, não só ao nível do enquadramento paisagístico, como ao nível da impermeabilização dos solos que têm de ser mantidas (subestações, estradas, atravessamento de linhas, etc.…) como também ao elevado nível de ruído que advém do funcionamento dos aerogeradores.
4º Tais impactos negativos têm especial relevância porquanto promovem a descaracterização da identidade ambiental, cultural e paisagística da região da Lousã e dos seus habitantes razão pela qual o Tribunal “a quo” mobilizou adequadamente o artigo 66 da CRP bem como o entendimento do Tribunal Constitucional sobre a matéria das contrapartidas devidas pela restrição a direitos, liberdades e garantias.
5º O recorrente confunde a actividade de produção de energia eólica com os impactos para o interesses público decorrentes da instalação dos aerogeradores.
6º Na verdade a taxa impugnada não está relacionada com a exploração da energia eólica mas sim com a edificação e impacto ambiental provocado pelas torres que se encontram erigidas na serra da Lousã.
7º Razão pela qual não existe qualquer duplicação da colecta nos termos previstos no artigo 205 do CPPT uma vez que não se trata de tributos de natureza idêntica, nem sequer do mesmo facto tributário.
8º Não faz sentido invocar a violação do D L nº 189/88 nem do DL 312/2001 de 10 de Setembro porquanto o primeiro diploma estabelece as normas relativas à actividade de produção de energia eléctrica por pessoas singulares ou por pessoas colectivas de direito público ou privado e o segundo define o regime de gestão da capacidade de recepção de energia eléctrica nas redes do Sistema Eléctrico do Serviço Público proveniente de centros electroprodutores do Sistema Eléctrico Independente.
9º O tributo impugnado em nada se relaciona com as matérias reguladas pelos citados diplomas: a potencial mais valia económica resultante da exploração de energia; e o necessário licenciamento junto das entidades competentes, atribuição de potência ou de pontos de ligação à rede.
10º Destarte o nº 7 do artigo 54 da Tabela de Taxas e Licenças do Município da Lousã é legal e não padece de nenhum dos vícios que lhe são imputados pelo que o Tribunal “a quo” bem andou ao julgar improcedente a impugnação deduzida, devendo tal decisão ser mantida improcedendo o presente recurso.

O Mº Pº neste Supremo Tribunal pronuncia-se pela procedência do recurso conforme parecer que se transcreve:
“A recorrente vem sindicar a sentença do TAF de Coimbra exarada a folhas 121/130 em 19 de Março de 2013.
A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial interposta contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa por sua vez deduzida da liquidação de taxas devidas pela implantação de aerogeradores do ano de 2011 no entendimento de que os tributos em causa são verdadeiras taxas porque bilaterais não se verificando duplicação de colecta nem violação do DL 189/88.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de folhas 194/196 que como é sabido delimitam o objecto do recurso nos termos do estatatuído nos artigos 684/3 685/A1 do CPC que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
O recorrido contra alegou nos termos de folhas 224/226 que aqui se dão inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais.
Vejamos a alegada inconstitucionalidade orgânica do normativo que prevê o tributo sindicado a saber o artigo 54/7 da Tabela de Taxas do Município da Lousã por violação do estatuído nos artigos 103/2 e 165 /1 ali) DC CRP.
Nos termos do artigo 4º da LGT (e 3º do RGTAL) enquanto que os impostos assentam essencialmente na capacidade produtiva revelada nos termos da lei através do rendimento ou da sua utilização e do património, as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
Na primeira modalidade as taxas denominadas taxas administrativas a prestação pública traduz-se na utilização pelo particular de um serviço público individualizável.
Será o caso da taxa exigida pela recolha do lixo.
Na segunda modalidade referida as taxas de utilização, a prestação pública traduz-se na utilização de um bem do domínio público. Para o enquadramento nesta categoria releva se a utilização se traduz num serviço público ou num uso comum ou indiferenciado cfr Alberto Xavier Manual de Direito Fiscal 1974 pp50/51.
Na terceira modalidade as chamadas taxas de licenciamento. a prestação traduz-se na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
Todavia apenas são de qualificar como taxas aquelas cujo pagamento dá lugar a remoção de obstáculo real ou substantivo e já não aquelas em que está em causa um obstáculo artificialmente criado com intuito de exigir do particular um pagamento pela remoção - Cfr Casalta Nabais in "O dever fundamental de pagar impostos Coimbra 1998 pp262/263.
Como é sabido ao conceito de sinalagma não importa a equivalência economia mas a equivalência jurídica Teixeira Ribeiro Revista da Legislação e Jurisprudência ano 117 pp 294.
Todavia a taxa pressupõe uma ideia de proporcionalidade entre o montante cobrado e a prestação pública disponibilizada.
Efectivamente o valor da taxa terá de aferir-se em razão do custo de serviços ou actos da administração e não como acontece nos impostos em função da capacidade contributiva.
O Tributo em causa nos presentes autos uma vez que as torres não estão implantadas no domínio público em teoria apenas poderia consubstanciar taxas de licenciamento.
Todavia para isso impõe-se que esteja em causa uma actividade relativamente proibida e o Município v proceda à remoção de um obstáculo jurídico o que seja sua atribuição nos termo da lei.
Ora não se conhece lei que atribua ao Municio recorrido tal competência nem este a invoca.
De facto o município recorrido fundamenta a taxa como uma contrapartida pelo especial impacto negativo dos projectos a nível paisagístico e ambiental impermeabilização do solos, ruído.
A ser assim sendo o fundamento económico financeiro do tributo um maior encargo publico decorrente da actividade do recorrente estaremos não perante uma taxa mas sim perante uma contribuição especial sujeita ao regime jurídico dos impostos cf. Nuno Sá Gomes In Manual do Direito Fiscal Vol I 11ª edição pp778/79.
Portanto parece que o tributo em causa não tendo como contrapartida a utilização de serviço público, a utilização de um bem público ou a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento da recorrente não é uma taxa mas sim um imposto.
Assim sendo o Regulamento no qual o tributo em questão se baseia é organicamente inconstitucional uma vez que consubstancia a criação de um imposto violando a reserva de competência legislativa da Assembleia da República.
Note-se que a actividade em causa está sujeita às taxas de exploração previstas no artigo 6º do anexo I ao DL 189/88 de 27 Maio na redacção do DL 168/89 de 18 de Maio e de prestação de informação prévia e de análise de pedido de atribuição dos pontos de recepção nos termos do estatuído no artigo 21 do DL 312/2001.
O Tributo sindicado sofre do vício de violação de lei dado que se trata de um verdadeiro imposto criado por um regulamento inconstitucional sendo pois anulável.
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso revogar-se a sentença recorrida e julgar-se procedente a impugnação com a consequente anulação do acto tributário sindicado”.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO :

De facto:

Foi a seguinte matéria de facto que o Tribunal “ a quo” deu como provada e as partes não questionam.

A- Dá-se por integralmente reproduzido o documento intitulado “Relatório de Fundamentação Económico-Financeira da Matriz da Tabela de Taxas do Município da Lousã ínsito a folhas 28 e segs do PA.
B- Dá-se por integralmente reproduzido p documento intitulado 2Tabela das taxas e Licenças e Prestação de Serviços pela Câmara Municipal da Lousã ínsito a folhas 129 e segs do PA.
C- em 24 05 1999 a Câmara Municipal da Lousã e a A……….. S.A. firmaram o documento intitulado por “Acordo” ínsito a folhas 49 a 51 do s autos cujo teor s dá aqui por reproduzido.
D Em 29 06 2005 a A………. S.A. sociedade Gestora de Participações e a impugnada assinaram um acordo que designaram por “ Cessão de Posição Contratual” ínsito a folhas 52 a53 dos autos cujo teor se dá aqui por reproduzido.
E- A impugnada remeteu à impugnante o ofício n.º 07542 datado de 23 11 2011 do qual se retira que …”serve o presente ofício para informar v Ex.ª de que se encontra em débito a taxa referida no nº 7 do artigo 54 da Tabela de Taxas deste município em vigor para o ano de 2011 no montante de €10.000,00 referente a 5 torres com aerogerador sitas no ……… – Lousã tituladas pelo alvará nº 66/2008 – Parque Eólico da Lousã documento de folhas 121 e segs do PA.
F- A impugnada remeteu à impugnante o ofício nº 07543 datado de 23 11 2011 do qual se retira que” serve o presente ofício para informar v Ex.ª de que se encontra em débito a taxa referida no nº 7 do artigo 54 da Tabela de Taxas deste município em vigor para o ano de 2011 no montante de € 36.000,00 referente a 18 torres com aerogerador sitas no ……….– Lousã tituladas pelo alvará nº 14/2006–Parque Eólico da Lousã documento de folhas 124 e segs do PA.
G- A impugnante apresentou uma exposição escrita junto dos serviços da impugnada que designou por “Reclamação “ em 21 12 2011 não tendo aquela recebido qualquer decisão da impugnada sobre a referida explanação à data da propositura da presente impugnação (documento de folhas 135 do PA).
H- A petição inicial desta impugnação foi remetida por correio para o TAF de Coimbra por correio registado expedido em 23 06 2012 folhas 1 a 21 dos autos.

Face aos factos dados como provados o mº juiz considerou que contrariamente ao alegado pela impugnante as normas donde derivava a aplicação das taxas em crise não sofriam do vício da inconstitucionalidade pois tais tributos não deviam ser considerados impostos já que como tinha decidido o Tribunal Constitucional nº 177/2010 de 05 05 2010 as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem de domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos titulares entendimento que decorre do artigo 4º da LGT e que as Lei 53-E/2006 de 29 de Dezembro alterada pela Lei 117/2009 de 29 de Dezembro consagra quando aprovam o regime geral das taxas das autarquias locais no artigo 3º da referida lei.
No caso dos autos o mº juiz considerou que os dois conjuntos de geradores se impunham na paisagem com indiscutível repercussão nos solos e com consequências ao nível do ruído.
Donde concluiu pela existência de um sinalagma entre a taxa cobrada e o direito à qualidade ambiental das povoações e da vida urbana direitos consagrados no artigo 66 da CRP
E por tal facto considerou não ser inconstitucional a Tabela das Taxas na parte em que prevê uma taxa para os sistemas de produção de energia de fonte eólica por tal taxa visar a protecção dos solos e do ruído.
Analisando seguidamente o alegado vício de violação de lei por infracção ao disposto no nº 33 ao anexo II do DL 189/88 de 27 de Maio considerou que o referido nº 33 atribui aos municípios o pagamento de um montante que incide sobre a renda que a entidade receptora da energia paga à entidade produtora e que esse pagamento mesmo que considerado um taxa tinha como fundamento de facto diferente do que fundamenta a cobrança das taxas em crise que é a protecção dos solos e do ruído.
Donde concluiu que a invocada duplicação da colecta com base nesse pagamento não tem lugar por serem tributos de incidência diferentes.
Depois e quanto ao também invocado vício de violação de lei por infracção ao artigo 1º do DL nº 189/88 e DL 312/2001 considerou que estes normativos visam regular a actividade de produção da energia eléctrica no que concerne à potência produzida e o tipo de produção relacionado com essa potência.
E concluiu que as taxas previstas nestes diplomas legais são relativas aos pedidos de fiscalização prévia para licenciamento do exercício daquelas actividades.
O que é confirmado com a leitura do nº 1 do artigo 21 da lei 312/2001 de 19 de Dezembro que tem por epigrafe “Taxas”.
E consequentemente julgou improcedente a impugnação.

É contra esta decisão que se insurge o recorrente que como se vê das conclusões de recurso considera que as taxas em causa são um verdadeiro imposto, sendo que a doutrina do Tribunal Constitucional em que se baseou a sentença recorrida não consente o entendimento que sufragou.
Insiste ainda na verificação da duplicação de colecta já que as contrapartidas devidas a título de compensação pela actividade da recorrente foram objecto de acordo e as taxas já pagas à conta dessa aceitação.
E o mesmo se diga da violação do DL 188/88 e DL 339-C/ 2001.

A ora recorrida mantém que a aplicação das taxas em causa não enferma de ilegalidade pelo que a sentença deve ser confirmada.

Quid júris

As taxas em análise derivam da aplicação das normas do artigo 54 da Tabela de Taxas e Licenças do Município da Lousã que tendo por título “Taxas e licenças não especificadas noutros artigos”, assim dispõe:

7 Torres com aerogerador e infra estruturas de radiocomunicações com respectivos acessórios.
7.1 Por cada uma por ano subsequente ao ano de licenciamento

A liquidação e cobrança de cada uma das taxas em causa refere a Impugnada é efectuada tendo em atenção o facto de neste caso, apesar dos benefícios da obtenção de uma energia limpa se gerarem impactos ambientais negativos quer ao nível paisagístico quer ao nível de impermeabilização dos solos provocados pela própria estrutura e pelas infra estruturas que por sua causa foram criadas (subestações, estradas , etc.…) e ainda de ruído.

Para melhor decisão do recurso importa termos uma correcta definição do conceito de taxa, distinguindo a taxa das restantes categorias tributárias, que no que ao caso interessa são o imposto e as contribuições especiais.
A taxa é considerada um tributo nos termos do artigo 3º nº 2 da LGT.
O nº 3 deste mesmo preceito consagra o regime de reserva de lei no que concerne ao regime geral das taxas
Por sua vez o nº 2 do artigo 4º da LGT preceitua que:
“As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”.
E o artigo 2º da Lei 53-E /2006 de 29 de Dezembro, diploma que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais prescreve em sintonia com o artigo 4º da LGT que:
“As taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares quando tal seja atribuição das autarquias locais nos termos da lei”.

Decorre destas normas que no conceito de taxa aprece sempre como facto gerador a contraprestação ou dizendo de outra forma o seu pressuposto assenta sempre na realização de uma actividade da entidade pública administrativa.

Sobre a natureza das taxas e da exigência da bilateralidade ou reciprocidade de prestações se tem pronunciado a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo em inúmeros arestos, designadamente nos acórdãos mais recentes de 08 10 2014 no processo 221/12 e de 26 20 2014 no processo 862/14 este último referindo até a doutrina do acórdão do Tribunal Constitucional a que se faz alusão nestes autos.
A doutrina nacional perfilha toda ela uma noção de taxa que a LGT veio consagrar no artigo 4º e bem assim o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais.
Efectivamente autores desde Pedro Soares Martinez, Alberto Xavier e Braz Teixeira a Manuel Freitas Pereira ou Saldanha Sanches, Casalta Nabais e Glória Teixeira e também, Freitas da Rocha todos são unânimes em referir que o que diferencia especificamente a taxa das outras categorias tributárias é a contraprestação concreta, individualizada que a entidade ou serviço público presta ao sujeito passivo traduzida numa vantagem específica para o sujeito passivo.
E o acórdão do Tribunal Constitucional nº 177/2010 de 05 05 2010 não toma posição diferente já que o pressuposto legal de remoção de um obstáculo jurídico é ele próprio e de per si a contraprestação do pagamento da taxa devida por tal remoção, o que aqui se não questiona
E a doutrina estrangeira no que à noção da taxa concerne tem igual entendimento.

Como diz Cortez Dominguez citado in Curso de Derecho Finaciero y Tributário de Juan Martin Queralt pp 106 “a taxa está estruturada de tal modo que o facto tributário não surge sem a colaboração da Administração de tal forma que a realização do facto pelo administrado sem a colaboração da Administração converte a conduta do administrado numa conduta antijurídica e atípica.”

O imposto como refere o artigo 4º nº 1 da LGT assenta essencialmente na capacidade contributiva revelada nos termos da lei através do rendimento ou da sua utilização ou do património.

Donde ressalta que o imposto tem a ver apenas com a capacidade contributiva que uma situação de facto demonstra em relação ao seu titular ou sujeito passivo sem relação alguma com a actividade da entidade que o impõe.
Como assinala Mafezzoni in “Profili di una teoria giuridica dell’imposta” no pressuposto de facto do imposto não aparece nenhuma petição de prestação de serviço dirigida ao ente público
Aquilo que efectivamente diferencia o imposto das outras categorias tributárias é que no facto tributário não aparece contemplada nenhuma actividade administrativa individualizada.

Relativamente às contribuições especiais há que assinalar o que a LGT prescreve sobre o seu pressuposto no nº 3 do artigo 4:
“As contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seu bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste dos bens públicos ocasionado pelo exercício de uma actividade são considerados impostos.”

Resulta deste preceito que aquilo que distingue esta categoria do imposto é que na contribuição especial ou há uma actividade administrativa que traz benefícios generalizados ou ocorre um gasto ou enfraquecimento do bem público utilizado por força do exercício normal da actividade autorizada.
O que efectivamente diferencia a contribuição especial da taxa é em primeiro lugar o facto de a actividade administrativa não traduzir a satisfação de um interesse individual apenas mas antes a satisfação de um interesse geral e também porque essa contribuição não é a contrapartida da utilização de um bem do domínio público mas antes uma compensação ou amortização pelo desgaste que o exercício de uma determinada actividade ocasiona.

O pagamento de uma taxa implica uma contraprestação administrativa a tal ponto que se essa contraprestação não ocorre há lugar à restituição do montante pago.

Atentos estes princípios importa então analisar o recurso.



As taxas objecto desta impugnação foram impostas ao abrigo do artigo 54 do Regulamento de Taxas e Licenças do Município da Lousã que como se deixou anteriormente referido assim prevê no artigo 54:

Artigo 54:
…..

7 Torres com aerogerador e infra estruturas de radiocomunicações com respectivos acessórios
7.1 Por cada uma por ano subsequente ao ano de licenciamento


Na fundamentação da liquidação destes tributos foi exarado que “no que respeita às torres com aerogerador a taxa é cobrada tendo em atenção o facto de, apesar dos benefícios da obtenção de uma energia limpa se gerarem impactos ambientais negativos quer ao nível paisagístico quer ao nível da impermeabilização do solos provocado pela própria estrutura e pelas infra estruturas que por sua causa foram criadas (subestações, estradas etc.) e ainda ruído.

Ora estando provado que as torres em causa não estão implantadas em domínio público a aplicação das taxas em causa apenas poderia ter como suporte legal a remoção de qualquer obstáculo jurídico que obstasse à implantação e funcionamento dos aerogeradores.
E mesmo assim se tal fosse da competência da autarquia da Lousã.

Sucede que à recorrente pelo licenciamento da instalação dos aerogeradores em terrenos da autarquia foram liquidadas as respectivas taxas contrapartida pela remoção do obstáculo jurídico que impedia a realização desse facto sem autorização pelo que se os montantes em cobrança fossem a contrapartida desse facto se poderia falar em dupla tributação e duplicação de colecta.
E o exercício da actividade dessas torres, cuja finalidade é a produção de energia eléctrica é ainda onerada como pagamento de uma renda de 2,5% sobre o pagamento mensal feito pela entidade receptora da energia produzida em cada instalação como consta aliás do nº 33 do Anexo II do DL 189/88 de 27 de Maio.
Ora esta dita renda, concretizada no acordo entre o recorrido e a recorrente que como cessionário da ........ ocupa agora o seu lugar, relativamente ao município, não pode deixar de ser considerada como contrapartida de todos os factores negativos que a implantação e actividade desses augurados origina pois de outra forma não se vê qual o fundamento legal de tal imposição a não ser o taxar a sua capacidade contributiva.
Não podemos por isso deixar de concordar com o recorrente quando afirma que a pretensa distinção entre tributação pelo funcionamento/ exploração e tributação pelos impactos negativos já mencionados não faz sentido pois a imposição de tal renda só se compreende como contrapartida da actividade desses aerogeradores.
No caso dos autos se atentarmos na fundamentação económico-financeira que subjaz à a liquidação destas taxas constatamos que é o impacto negativo paisagístico resultante da implantação das torres na serra e o a afectação da permeabilidade do solo resultante das construções das torres dos aerogeradores.
Mas estes factos seriam elementos não constitutivos da figura da taxa mas antes da contribuições especiais como se pode depreender de uma leitura simples do nº 3 do artigo 4º da LGT, caso estivesse em causa o desgaste de bens públicos.
No caso dos autos as taxas aplicadas são verdadeiras impostas pois não são a contrapartida da utilização de bens do domínio público ou privado da autarquia ou da remoção de um obstáculo jurídico à actividade da recorrente.

Mas sendo assim a sua criação estaria sujeita a reserva de lei como impõe o artigo 103 da CRP.
Efectivamente a criação ou estabelecimento de impostos está submetida ao princípio formal de reserva de lei.
É o artigo 103 da CRP que estipula no nº 2:

“Os impostos são criados por lei que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

Ora esta exigência de lei implica que seja a Assembleia da República que determine os elementos essenciais dos impostos como decorre aliás do citado nº 2 do artigo 103 da CRP.
E o artigo 165 da CRP sob a epigrafe reserva relativa de competência legislativa prescreve ser tal poder da exclusiva competência da Assembleia da República salvo autorização ao Governo.
Por outro lado a produção de energia eléctrica e, designadamente a produção de electricidade por energia eólica está sujeita a legislação específica que no que concerne à utilização de bens do domínio público está dependente de licença e sujeita ao pagamento de outras contrapartidas.

Prescreve o artigo 6º do DL 189/88 de 27 de Maio:
“1 A Administração central ou as autarquias locais podem consentir na utilização de bens de domínio público para a produção de energia eléctrica, sem necessidade de recorrer à concessão, titulando esse consentimento através de licença.
2 Pela utilização dos bens é devida uma renda fixada no momento da outorga da licença de utilização
3 A licença de utilização deve conter o prazo admitido para a utilização dos bens, cujo encurtamento pela entidade pública confere direito a indemnização”.

Fora desta obrigação as taxas devidas são como bem salienta o Mº Pº apenas aquelas referidas no artigo 21 do DL 312/2001 sendo competente para sua liquidação e cobrança a DGE revertendo os seus montantes para a DGE.
Por outro lado o Decreto Lei 225/2007 referindo-se concretamente à produção de energia eólica refere no seu preâmbulo “ser intenção do legislador viabilizá-la permitindo minimizar os impactos ambientais e os tempos de licenciamento, articulando o licenciamento das centrais renováveis com a legislação ambiental directamente conexa, visando integrar procedimentos e acelerar o acesso à produção de energia, sempre sem prejuízo do respeito pelos valores da protecção ambiental”.
E na prossecução desta intenção determina a obrigatoriedade de elaboração de estudos de incidências ambientais previamente aos licenciamentos dos projectos de centros electroprodutores que utilizem energias renováveis.
E consequentemente os artigo 5º a 8º deste diploma legal prescrevem sobre a avaliação desse impacto ambiental e seu procedimento e o artigo 9º sobre as taxas devidas pelos encargos inerentes a tal estudo sendo que quem decide da conformidade dessas incidências ambientais com é a CCDR territorialmente competente cfr artigo 5º e 6º nº 2 do decreto lei citado.
Também e relativamente ao ruído há que ter em conta o Decreto Lei nº 9/2007, diploma que veio compatibilizar o regime legal sobre o ruído constante da Lei nº 11/87 de 11 de Abril e o DL 251/87 de 24 de Junho revogado pelo DL nº 292/200 de 14 de Novembro que aprovou o regime legal da poluição sonora com a Directiva nº 2002/49 CE do Parlamento e do Conselho de 25 de Junho.
Como consta do preâmbulo do Dec Lei 9/2007 citado a prevenção e o controlo da poluição sonora visa a salvaguarda da saúde humana e o bem estar das populações, o que constitui tarefa fundamental do Estado.
Nesse sentido o artigo 2º deste diploma legal contempla a prevenção da actividade ruidosa provocada por equipamentos e laboração de estabelecimentos industriais.
E o artigo 3º distingue as várias formas de actividade ruidosa bem como os indicadores de ruído e fórmulas de o calcular, estando as fontes e ruído por elas provocado sujeitas ao cumprimento de valores também aí fixados.
E muito embora o artigo 6º deste Decreto Lei preveja que o planeamento municipal tenha em consideração as fontes de ruído existentes na sua área elaborando em consequência um mapa de ruído, apenas faz depender de autorização e licença da Câmara o exercício de actividades ruidosas temporárias nos termos do disposto no artigo 11 do mesmo diploma legal.

No caso dos aerogeradores o incómodo causado pelo ruído por eles provocado, por ser permanente, está sujeito nos termos do artigo 21 do Decreto Lei 9/2007 de 17 Janeiro aos valores fixados no artigo 11º e al. b) do nº 1 e nº 5 do artigo 13 preceito este que especificamente contempla e regula as actividades ruidosa através de procedimento de avaliação de impacto ambiental cfr nº 7 do citado artigo 13.
Donde se verifica que no que ao ruído concerne a imposição das taxas em crise caso fossem consideradas tributos dessa natureza e devidos, o que no caso “sub judice não sucede – não poderiam como tal ser qualificadas por a norma de incidência dessas taxas não estar concretamente determinada.

Por todas as razões expendidas e porque se está em presença da imposição de verdadeiros impostos através de regulamento, face à ausência de contraprestação concreta pela utilização de bens do domínio público ou privado da autarquia da Lousã ou da remoção de qualquer obstáculo jurídico à actividade do recorrente sendo estas taxas como se deixou dito verdadeiros impostos que não foram criados pela Assembleia da República ou pelo Governo com autorização desta, temos de convir que as normas deste Regulamento na sua aplicação às situações que concretizam enfermam de inconstitucionalidade orgânica por contrariarem os artigos 103/2 e 165 al. i) da CRP e bem assim o artigo 4º da LGT.

DECISÃO:
Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso revogar a sentença recorrida e julgando procedente a impugnação anular as liquidações ora impugnadas.

Custas pela recorrida em ambas as instâncias.

Lisboa 3 Dezembro de 2014. – Fonseca Carvalho (relator) – Ascensão Lopes – Dulce Neto.