Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0544/10
Data do Acordão:12/14/2011
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:FERNANDA XAVIER
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROCESSO DISCIPLINAR
PENA DE DEMISSÃO
COMPETÊNCIA EXCLUSIVA
DELEGAÇÃO DE PODERES
Sumário:I – A competência exclusiva, como o próprio nome indica, é a competência conferida pela lei a um órgão, com exclusão dos demais, dentro de uma determinada hierarquia.
II – O artº116, nº3 do ECD conferiu expressamente ao Ministro da Educação, órgão mais elevado da hierarquia, a competência para aplicar penas expulsivas, o que significa que ele tem competência própria e também exclusiva nessa matéria.
III – A Ministra da Educação podia delegar, ao abrigo do artº9º da Lei 79/2005 e do artº35º, nº1 do CPA, no Secretário de Estado Ajunto e da Educação, a competência que lhe era conferida pelo referido artº116º, nº3 do ECD.
Nº Convencional:JSTA00067306
Nº do Documento:SA1201112140544
Data de Entrada:09/21/2010
Recorrente:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCA NORTE
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL/DISCIPLINAR
Legislação Nacional:ECD90 ART116 N3
L 79/2005 DE 2005/04/15 ART1 ART4 ART9
CPA91 ART37 N1 ART29 N1 ART35 ART36
CONST76 ART111 N3
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC31/04 DE 2007/09/18
Referência a Doutrina:FREITAS DO AMARAL CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VI PAG604 PAG684 PAG785 PAG670-671
FREITAS DO AMARAL CONCEITO E NATUREZA DO RECURSO HIERÁRQUICO VI PAG61-62
SÉRVULO CORREIA NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO PAG315
REBELO DE SOUSA LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO PAG189
PAULO OTERO O PODER DE SUBSTITUIÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO VII PAG423
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I - RELATÓRIO
O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO veio interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do artº150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Administrativo Norte, proferido nos autos a fls. 233 e segs., que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Autor A………., da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida a fls. 164 e segs., que julgara improcedente a presente acção administrativa especial e, revogando-a, julgou a acção procedente e anulou o acto impugnado (que aplicara ao Autor uma pena disciplinar de demissão, por falta de assiduidade), com fundamento na incompetência do autor do acto.
Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Educação que aplicou a pena de demissão ao Autor, A……….., não está ferido de vício de incompetência, pois foi praticado no uso de poderes formalmente delegados pela Ministra da Educação, ao abrigo do artigo 9º do Decreto-Lei nº79/2005, de 15 de Abril e dos artº35º e 36º do CPA, para decidir acerca dos Assuntos relativos aos serviços e organismos da Inspecção-Geral da Educação.
2. A delegação de poderes nos Secretários de Estado pelo ministro da tutela está devidamente salvaguardado no citado Decreto-Lei nº 79/2005, de 15 de Abril, conforme é referido no início do despacho de delegação de competências da Ministra da Educação no Secretário de Estado Adjunto e da Educação (cf. Despacho nº11 530/2005, publicado no DR nº99, de 23 de Maio).
3. O Estatuto da Carreira Docente ao estabelecer no seu artº 116º, nº3 que a aplicação das penas expulsivas é da competência do Ministro da Educação, não vem consagrar a exclusividade na aplicação de tais penas disciplinares por aquele membro do Governo, pois nada o impede de poder delegar essa competência num dos Secretários de Estado que o coadjuvam, como veio a acontecer.
4. O Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Dec. Lei nº24/84, de 16.01, que tem aplicação supletiva, por força do artº112º do ECD, apenas impõe que as penas expulsivas sejam aplicadas pelos membros do Governo.
5. Os Secretários de Estado não são detentores de competências próprias, excepto no que diz respeito aos assuntos dos seus gabinetes, exercendo, em cada caso, as competências que neles seja delegada.
6. Constituindo a instrução dos procedimentos disciplinares uma das actividades da IGE, nesse âmbito compete-lhe propor a aplicação de sanções disciplinares, no caso de apuramento de cometimento de infracção disciplinar pelo arguido, pelo que, a aplicação de sanção disciplinar, assim como o arquivamento dos autos, se for esse o caso, não pode deixar de ser considerado como um assunto que à IGE diz respeito.
7. O acto impugnado não se encontra ferido do vício de incompetência que lhe foi assacado pelo Autor.
8. O presente recurso, que é excepcional, deve ser admitido pelo STA, por reunir os requisitos exigidos pelo artº150º do CPTA.
9. A questão em apreciação reveste relevância jurídica, por se tratar de matéria que tem suscitado em diversos litígios processuais, não tendo merecido o entendimento jurídico do Acórdão ora impugnado.
10. Prevendo-se a possibilidade de repetição em casos futuros, pois vários são os casos em que o Secretário de Estado Adjunto e da Educação aplicou penas disciplinares, ao abrigo da mesma delegação de competências.
11. Tratando-se de aplicação de penas expulsivas, na maioria dos casos, pois outras podem igualmente ser aplicadas pelo membro de Governo, tais sanções têm repercussões, não só na esfera pessoal e social do arguido, mas igualmente repercussões de nível sócio profissional.
12. Sem prescindir de tudo quanto anteriormente foi alegado e ainda pelo facto de o caso em apreciação revestir natureza fundamental, deve o presente recurso ser admitido com vista a uma maior segurança jurídica e melhor aplicação do direito em casos futuros, pois não está confinado a este caso concreto.
13. Assim, resultará numa melhor aplicação do direito se houver lugar à uniformização de jurisprudência, fazendo-se, deste modo, melhor Justiça.
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Não houve contra-alegações.
Por acórdão deste STA, proferido ao abrigo do artº150º, nº5 do CPTA, foi a revista admitida.
Notificado nos termos do artº146º, nº1 do CPTA, o MP veio dizer que, «…pelos fundamentos que se encontram aduzidos na Alegação da ora Recorrente, Ministério da Educação e tendo em consideração o entendimento da jurisprudência deste STA, citada no artigo 8º da Alegação, é de parecer que o recurso deverá merecer provimento
Dada vista aos Exmos. Adjuntos, vêm agora os autos à conferência, para decisão.
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II - OS FACTOS
O acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto:
1. O Autor é Professor profissionalizado do 1º Ciclo do Ensino Básico, pertencente ao quadro da Escola do 1º Ciclo do Ensino Básico de ………. nº1 (por acordo).
2. Por despacho de 4 de Outubro de 2005 foi instaurado ao Autor procedimento disciplinar (fls.3 e 3v do PA).
3. O Autor prestou declarações no decorrer do procedimento disciplinar (fls.67-69 do PA e que aqui se dão como inteiramente reproduzidas).
4. Foi deduzida Acusação no âmbito do Processo Disciplinar, com data de 15 de Dezembro de 2005 (fls.118-119 do PA que aqui se dão como inteiramente reproduzidas).
5. O Autor foi notificado da Acusação, tendo-lhe sido dado vinte dias para apresentar, querendo, a sua defesa (fls.120 do PA).
6. Foi elaborado relatório final de fls.141-149, tendo sido proposta a aplicação da pena de demissão.
7. O Autor foi notificado de que “1. Comunico a V. Exa. Que, por despacho de 29NOV.2006 (2ª Série), de 29.ABR.2005, de Sua Excelência, a Ministra da Educação, publicado no Diário da República nº99, II Série, de 23MAI2005, foi aplicada ao professor A……….., a pena prevista na alínea f) do nº1 do artº11º do “Estatuto Disciplinar” – DEMISSÃO. 2. Em anexo remeto a V. Exa. Fotocópias de parte do relatório final do processo disciplinar, bem como das Informações nºs I/01241/RC/06 e I/01623/SC/06, as quais contêm os fundamentos desta decisão. 3. Solicito A v. Exa. Que notifique o professor, nos termos da circular nºI/IGE/06, de 4. Deverá ainda remeter a esta Inspecção-Geral o original da certidão de notificação, bem como mandar anotar no registo biográfico do arguido a pena aplicada, a qual, de acordo com o artº 70º do mesmo Estatuto, começa a produzir os seus efeitos legais no dia seguinte ao da notificação (fls.68).
8. Anexo à notificação referida anteriormente foram remetidas as informações nºs. I/01241/RC/06 e I/01623/SC/06, que aqui se dão como reproduzidas (fls.69-77). Sobre esta última informação recaiu o seguinte despacho “Não concordo. Na verdade, o facto do docente ter solicitado uma requisição não é de molde a permitir-lhe abandonar o seu local de trabalho sem que seja comunicado o despacho que recaiu sobre tal pedido. E mesmo que tivesse a expectativa de a mesma ser concedida, tal situação não lhe confere a tutela do direito pelo que não poderia ausentar-se do serviço sem justificar as faltas. Deste modo concordo com as conclusões e a proposta da Sra. Instrutora, bem como com a análise da delegação do centro do IGE e aplico ao arguido, A………., a pena de demissão nos termos propostos” 29.11.2006. O Secretário de Estado Adjunto e da Educação – ………..”
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III - O DIREITO
1. A questão objecto da presente revista prende-se com saber se a Ministra da Educação podia delegar no Secretário de Estado Adjunto e da Educação (SEAE), autor do acto aqui impugnado, a competência que lhe confere o artº 116º, nº3 do Estatuto da Carreira Docente (ECD), aprovado pelo DL 139-A/90, de 28.04, aqui aplicável, e podendo, se o fez validamente.
Dispõe o citado preceito legal que «A aplicação de penas expulsivas é da competência do Ministro da Educação».
Está assente nas instâncias que o acto aqui impugnado, que aplicou ao Autor, professor do ensino básico (1º Ciclo), a pena disciplinar de demissão, foi praticado, em 26.11.2006, pelo Secretário de Estado Adjunto e da Educação (SEAE), no uso de competência delegada pela Ministra da Educação, pelo seu Despacho nº 11.530/2005 (2 Série), de 29.04.2005, publicado no DR nº99, II Série, de 23.05.2005.
O referido despacho de delegação é do seguinte teor:
«Ao abrigo do artigo 9º do Decreto-Lei nº79/2005, de 15 de Abril e dos artigos 35º e 36º do Código de Procedimento Administrativo, delego no Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Prof., com a faculdade de delegação:
1.1. A competência para decidir acerca dos assuntos relativos aos serviços e organismos:
a) (…)
b) Inspecção-Geral da Educação.
(…)»
2. O autor imputou ao acto impugnado, entre outros, o vício de incompetência do seu autor, por considerar, em síntese:
- por um lado, que a Ministra da Educação não podia delegar a competência para aplicar penas expulsivas, prevista no artº116º, nº3 do ECD, por ser uma competência exclusiva e, muito menos, a podia delegar no Secretário de Estado Adjunto e da Educação, pois este não é membro do Governo, porquanto não é Secretário de Estado, nem subsecretário de Estado e nem sequer dispõe de competências próprias (artº1º, 4º e 9º do DL 79/2005, de 15.04) – cf. artº 27º a 37º da petição;
- por outro lado, o despacho de delegação, ao abrigo qual o acto impugnado foi praticado, não cumpre os requisitos do artº37º, nº1 do CPA, porque a formulação usada, nem sequer consegue ser genérica quanto mais específica, pelo que também por isso a referida delegação de competência é ilegal – cf. artº 38º a 42º da petição.
A sentença da primeira instância, proferida a fls. 164 a 178 dos autos, considerou que não se verificavam os vícios imputados ao acto, designadamente o vício de incompetência do seu autor e julgou a acção improcedente.
Dessa sentença, o autor interpôs recurso para o TCA Norte que, por acórdão de fls. 233/247, aqui recorrido, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e anulou o acto impugnado com fundamento no vício de incompetência do seu autor, considerando prejudicados os demais vícios imputados à decisão recorrida.
No essencial, o acórdão recorrido fundamentou a sua decisão no facto da competência conferida pelo artº116º, nº3 do ECD ser uma competência exclusiva da Ministra da Educação e no facto de o Secretário de Estado Adjunto não ter competência própria, nem a lei habilitante invocada lhe conferir competência para aplicar a pena em causa, pois e passamos a citar, «Os serviços de Inspecção-Geral da Educação, têm como atribuições “desenvolver a acção disciplinar em serviços e organismos do Ministério da Educação”, não constando das suas atribuições a aplicação de penas disciplinares.
Assim, não sendo da atribuição da Inspecção-Geral da Educação a aplicação de penas disciplinares, temos de concluir que a pena de demissão aplicada ao recorrente não cabe no âmbito da lei habilitante invocada, isto é, a pena disciplinar foi aplicada por órgão incompetente.»
A entidade recorrente discorda do decidido pelas razões que sintetizou nas conclusões das alegações de recurso, transcritas em I.
Passemos, então, a apreciar.
3. A competência conferida pelo citado artº116, nº3 do ECD, ao Ministro da Educação, para a aplicação de penas expulsivas não foi ali qualificada pelo legislador como exclusiva (como acontece com idêntica competência prevista no artº 17º, nº4 do ED/84, aí conferida aos membros do Governo, em geral), mas pode, efectivamente, considerar-se como tal, na acepção que, tradicionalmente, foi dada pela doutrina e pela jurisprudência aquele conceito.
A competência exclusiva, como o próprio nome indica é a competência conferida pela lei a um órgão, com exclusão dos demais, dentro de uma determinada hierarquia.
Trata-se de uma modalidade, dentro da competência própria, que, além de exclusiva, pode ser separada e reservada. (Cf. a propósito desta distinção, Prof. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, p. 604 e Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, I, p. 62.)
Como é sabido, a competência exclusiva foi tratada, na doutrina e na jurisprudência, a propósito da impugnabilidade contenciosa directa dos actos praticados ao seu abrigo por subalternos. Embora estando, em regra, reservada para os actos praticados ao mais alto escalão da hierarquia da pessoa colectiva, ao subalterno pode também ser conferida, por lei, competência exclusiva, para a prática de certos actos, que seriam então verticalmente definitivos (Cf. por todos, o ac. Pleno do STA de 18.09.2007, rec. 31/04 e a jurisprudência do Pleno do STA nele citada e ainda Pof. Freitas do Amaral, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, p.61 e 62 e Prof. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, p.315). Nesse caso, estaríamos perante uma excepção à regra de que a competência dos superiores envolve sempre a dos seus inferiores hierárquicos, já que a competência do subordinado não se incluiria então na competência do superior hierárquico.(Cf. Prof. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, p. 785, João Caupers, Direito Administrativo, p.72 e Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, p.189)
No presente caso, o referido artº116, nº3 do ECD conferiu expressamente ao Ministro da Educação, órgão mais elevado da hierarquia, a competência para aplicar penas expulsivas, o que significa que ele tem competência própria e exclusiva nessa matéria, nos termos atrás apontados.
4. Mas competência exclusiva não significa competência indelegável, até porque através da delegação não se transfere a titularidade da competência, mas o seu exercício (Cf. Prof. Freitas do Amaral, Curso…, p. 684). Assim, embora a competência seja inalienável e irrenunciável, pode existir delegação de poderes nos casos e termos expressamente previstos na Constituição e na lei (cf. artº111º, 3 da CRP e artº29º, nº1 e 35º do CPA)
Ora, nos termos do citado artº35º, nº1 do CPA, «Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinadas matérias podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria.»
No presente caso, o acto impugnado foi praticado, como dele consta, ao abrigo de uma delegação de poderes conferida, por sua vez, ao abrigo do citados artº35º, nº1 e do artº9º, nº1 da Lei nº 79/2005, de 15.04 (Lei orgânica do XVII Governo Constitucional), que dispunha que «Os secretários de Estado não dispõem de competência própria, excepto no que se refere aos respectivos gabinetes e, exercem, caso a caso, a competência que neles seja delegada pelo Primeiro Ministro ou pelo ministro respectivo, com a possibilidade de conferir poderes de subdelegação». (negrito nosso)
Como refere o Prof. Paulo Otero, «ante uma habilitação genérica de delegação ou de substituição em relação a quaisquer matérias de todos os órgãos os órgãos administrativos, a exclusividade de uma competência já não se situa na titularidade singular dos poderes, antes se deve analisar na existência de um exercício primário ou normal que, note-se, só continuará a ser exclusivo de tal órgão se não existir delegação, nem for objecto de intervenção substitutiva.» ( Neste sentido, Prof. Paulo Otero, O Poder de Substituição em Direito Administrativo, II, p. 423)
Portanto, a Ministra da Educação podia delegar, ao abrigo do citado artº9º da Lei 79/2005 e do artº35º, nº1 do CPA, nos secretários de Estado, incluindo no Secretário de Estado Adjunto e da Educação, que é também um secretário de Estado, a competência que lhe era conferida pelo artº116º, nº3 do ECD.
5. O acórdão recorrido considerou ainda que a delegação efectuada, sendo genéricaassuntos relativos à Inspecção Geral da Educação (IGE) – era insuficiente, pois «… não sendo da atribuição da Inspecção Geral de Educação a aplicação das penas disciplinares, temos de concluir que a pena de demissão aplicada ao recorrente não cabe no âmbito da Lei habilitante invocada, isto é, a pena disciplinar foi aplicada por órgão incompetente».
Só que a lei habilitante invocada não é, como parece entender o acórdão recorrido, a lei orgânica da IGE (onde efectivamente não consta como atribuições desta a aplicação de penas disciplinares), mas sim o citado artº 9º, nº1 da Lei Orgânica do VIII Governo Constitucional (Lei nº 79/2005) e ainda os artº 35º, nº1 e 36º do CPA, como expressamente se fez constar do acto de delegação.
Evidentemente que a Ministra da Educação não delegou, nem podia delegar, competências da IGE, mas apenas competências suas, embora para decidir assuntos relativos a serviços e organismos na sua dependência, como era, entre outros, a IGE.
Ora, um dos assuntos que cabe nas atribuições da IGE é «desenvolver a acção disciplinar em serviços e organismos do Ministério da Educação», não lhe cabendo, naturalmente, como órgão instrutor desses procedimentos disciplinares, decidi-los e, portanto, aplicar penas disciplinares.
A Ministra da Educação delegou, assim, no SEAE, a competência que a lei lhe conferia, a ela, Ministra da Educação, para decidir os assuntos do âmbito das atribuições da IGE e, portanto, também a decisão dos processos disciplinares instruídos por aquela, a que fosse aplicável pena de demissão.
O facto de o ter feito de um modo genérico, delegando a sua competência para decidir os assuntos relativos à IGE e a outros organismos, ali identificados, não afecta a validade da delegação, já que a delegação de poderes pode ser ampla ou restrita, conforme o delegante resolva delegar uma grande parte ou uma pequena parte de poderes e pode ser específica ou genérica, consoante abranja apenas um acto isolado, ou permita a prática de uma pluralidade de actos.
No caso, estamos manifestamente perante uma delegação ampla e genérica, sendo que a indicação do conteúdo da competência delegada foi feita positivamente, isto é através da enumeração explícita dos poderes delegados e não negativamente através de uma “reserva genérica de competência” a favor do delegante (Cf. a este propósito, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, p. 670/671.).
Face ao exposto, não se verifica o apontado vício de incompetência do autor do acto impugnado, pelo que o acórdão recorrido não se pode manter.
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IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo, para que conheça dos restantes vícios imputados à sentença recorrida, que considerou prejudicados pela decisão ora revogada.
Sem custas por o recorrido não ter contra-alegado.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2011. – Fernanda Martins Xavier e Nunes (relatora) – Américo Joaquim Pires Esteves – Alberto Augusto Andrade de Oliveira.