Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0795/19.8BELLE
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:BENS
SUSPENSÃO
Sumário:I - Os efeitos da reclamação a que aludem os artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário resultam diretamente da lei processual e dos princípios que a informam, não dependendo da formulação de nenhum juízo administrativo sobre os fundamentos dessa reclamação e a probabilidade de êxito na respetiva decisão;
II - Deve, por isso, ser anulada a decisão administrativa que enquadra nos pressupostos da suspensão de uma diligência da entrega do bem vendido, ordenada por decisão pendente de reclamação, a necessidade de definir os limites ou a área do prédio a entregar;
III - O pedido de prosseguimento do procedimento de entrega na pendência da reclamação deve ser formulado no processo de reclamação respetivo e decidido pelo juiz desse processo;
IV - É, por isso, ilegal a decisão, tomada noutro processo, de que resulte o deferimento desse pedido.
Nº Convencional:JSTA000P26583
Nº do Documento:SA2202010280795/18
Data de Entrada:09/08/2020
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:B.......... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A…………, com o número de identificação fiscal ………. e melhor identificado nos autos, recorreu da sentença da Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a reclamação intentada por B…………., contribuinte fiscal n.º……….., com domicílio indicado na ……….., Lote .., ………, ……….., 8700-… ………, a qual teve por objeto o despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Faro de 26 de novembro de 2019, lavrado no processo de execução fiscal n° 1058200401013700, que determinou a suspensão das diligências de desocupação e entrega de imóvel adquirido pelo Reclamante na mesma execução.

Com a apresentação do recurso juntou alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

A) A douta decisão ora recorrida não deveria ter sido proferida.

B) Ao ter decidido deveria o dito tribunal ad quo ter decidido que o despacho de suspensão da diligência de arrombamento e concretização efetiva e desocupação do imóvel, não violava o artigo 256 nº 2 do CPPT.

C) Não deveria o douto tribunal ad quo ter-se pronunciado sobre a legalidade ou não do dito despacho por estar a correr, no mesmo tribunal e na mesma unidade orgânica, o Processo nº 747/19.8BELLE, que teve origem no despacho da Chefe da AT de Faro, que ordenava a entrega do bem. Assim como,

D) Não deveria, o douto tribunal recorrido, ter laborado a fundamentação que explanou na sua decisão, ora posta em crise.

E) Não deveria, o douto tribunal ad quo, neste processo, ter-se pronunciado (bem ou mal) sobre o mérito da reclamação que o executado (ora contra-interessado) interpôs, junto da AT, opondo-se ao despacho de entrega do bem, com os fundamentos aduzidos na dita reclamação.

F) Reclamação, que originou o despacho de suspensão objeto dos autos e a subida do processo para o tribunal a fim de que este órgão de soberania decidisse de mérito sobre a reclamação.

G) Que originou o processo n° 747/19.8BELLE que corre termos no tribunal recorrido na unidade orgânica 2 do mesmo tribunal. Sendo que

H) É nesse processo que tem que ser julgado o mérito da causa. Isto é,

I) Se o prédio misto objeto da entrega tem área, confrontações e composição constantes do registo predial do mesmo.

J) Se o declarado no registo predial coincide ou tem correspondência, total, com a realidade. E,

K) Se o registo no nosso ordenamento jurídico, não tem carácter constitutivo de direitos, ao invés do que acontece noutros ordenamentos.

L) Os factos registados, em face do estipulado no Código do Registo Predial, mormente o artigo 7°, fazem presumir que os direitos registados pertencem ao titular do registo. Mas,

M) Tal presunção é ilidível por qualquer meio de prova admissível em direito.

N) Na sua reclamação sobre o despacho da Chefe de Finanças de Faro, de 11 de Novembro de 2019, para entrega do bem em 27 de Novembro de 2019, o ora recorrente/executado e contra-interessado, alegou factos e juntou meios de prova, com vista a provar a desconformidade do registo com a realidade física e jurídica do prédio adjudicado ao adquirente.

O) Que no prédio adjudicado estão registados 400m2 que não fazem parte do mesmo, estando plantado nesses 400m2 um limoeiro, laranjeiras, tangerineiras, etc. E,

P) Foram lá construídos galinheiros e uma pocilga, um armazém com cerca de 60m2 e alpendres.

Q) As construções e plantas referidas nos dois artigos imediatamente anteriores não fazem nem nunca fizeram parte da descrição registral do prédio adjudicado na venda executiva, nem das cadernetas prediais relativas ao mesmo.

R) Os ditos 400m2 estão fisicamente delimitados do prédio adquirido pelo exequente. Delimitação essa,

S) Que foi efetuada pelo executado, ora recorrente e contra interessado, aquando da desocupação do prédio vendido.

T) As faladas construções, algumas, existem há mais de 35 anos.

U) A parcela urbana do prédio adjudicado não contém as edificações construídas- a parcela em causa (400m2).Estas,

V) Distam cerca de 15m do edifício urbano do prédio misto adjudicado. E,

W) Situam-se a sul do urbano adjudicado.

X) O prédio misto em causa (adjudicado) tem área registral total de 4867 m2 (documento n° 7 junto à reclamação que originou o dito processo 795).

Y) O reclamante/adquirente juntou na Repartição de Finanças de Faro, um levantamento topográfico onde figura a área total do prédio de 517m2.

Z) No anúncio de venda não foram descritos (e bem) nem os telheiros nem o dito armazém, nem a pocilga nem os galinheiros).

AA) Assim, a factualidade vertida de 17 a 29 supra é a que está controvertida no dito processo 747/19.8BELLE, sendo neste processo que a mesma tem que ser decidida.

BB) O ora recorrente, contrainteressado, enquanto executado e reclamante naquele processo, alegou os mencionados factos (17 a 29) e juntou meios de prova para provar.

CC) A douta sentença ora posta em crise fundamenta a sua decisão em factos e direito que não deveria ter feito. Na verdade,

DD) Tal fundamentação terá que ser dada no dito processo 747/19.8BELLE e só após a produção de prova requerida lá (no referido processo) pelo reclamante, ora recorrente.

EE) Na ação, cuja douta sentença é ora posta em causa, discute-se apenas e tão só a legalidade do despacho que ordena a suspensão da entrega efetiva da parte (400m2) do bem em causa. E,

FF) Tal despacho, em nossa modesta opinião, com o devido e merecido respeito, não padece de ilegalidade.

GG) Pois como bem fundamenta o despacho da Chefe de Finanças de Faro, a entrega do bem adjudicado é considerado um prolongamento do ação executiva.

HH) O executado/contra-interessado, em 21 de Outubro de 2019, entregou cópia das chaves do imóvel, na Repartição de Finanças de Faro, o que fez presumir que o prédio misto em causa foi totalmente desocupado.

II) O adquirente B…………. entende que o mesmo não está integralmente desocupado. Pelo que,

JJ) Requereu à AT que notificasse o executado para proceder à desocupação integral do prédio em apreço, promovendo-se uma nova diligência de despejo.

KK) Foi então marcada para o dia 27 de Novembro de 2019, a desocupação dos bens e animais e entrega da parte de 400m2 do prédio que o adquirente diz fazerem parte do bem em causa.

LL) Deste despacho reclamou o ora recorrente/contra-interessado, alegando que a dita área de 400m2 lhe pertence pelas razões e motivos explanados na sua reclamação.

MM) Em face desta reclamação a Chefe de Finanças de Faro, no uso da sua competência, com motivação constante do seu despacho, objeto da douta sentença recorrida, ordenou a suspensão da entrega e mandou subir para esse douto tribunal a falada reclamação do ora recorrente. A qual, originou o processo 747/19.8BELLE, que se encontra a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé.

NN) A chefe das Finanças, ao suspender a diligência em causa fê-lo com observância das suas competências e dos seus poderes/deveres legais plasmados nomeadamente nos artigos 10º e 256º do CPPT e 10º, 56º e 177 da LGT.

OO) Na verdade, a administração (in casu a Chefe de Finanças) está obrigada a pronunciar-se sobre todos os factos ou assuntos da sua competência em obediência ao princípio da boa decisão.

PP) Foi o que a administração fez em face da reclamação apresentada, pelo ora recorrente, objeto do falado processo 747.

QQ) Tendo, fazendo jus ao princípio da fundamentação da sua pronúncia/decisão, fundamentado a mesma, tal como estipula o artigo 77º da LGT. E,

RR) Fazendo uso da sua competência plasmada, no artigo 10.º, máxime alínea c) do CPPT.

SS) Ao invés do decidido pelo douto tribunal recorrido, o despacho/decisão do órgão de execução fiscal de suspender a entrega do bem (alegada parte e em acusa) não violou o disposto do nº 2 do artigo 265º do CPPT.

TT) Em face das razões supra expostas a administração fiscal - Chefe de Finanças de Faro - tendo em conta os factos alegados e a prova apresentada pelo ora então reclamante e ora recorrente na sua reclamação decidiu, no uso da sua competência, suspender a entrega até que haja decisão jurisdicional da matéria controvertida trazida à causa pela reclamação do ora recorrente/contrainteressado.

UU) Nada de ilegal foi decidido pela chefe de finanças.

VV) O seu juízo de oportunidade e na procura de alcançar a justiça material, o órgão da execução fiscal como lhe compete, apreciou as razões de facto e de direito consubstanciadas na WW) reclamação do executado e decidiu pela suspensão fundamentando tal decisão/pronúncia.

WW) Sendo que, ao decidir como decidiu a Chefe de Finanças de Faro, não violou o disposto no artigo 256 n° 2 do CPPT, devendo pois ao contrário do que o Tribunal ad quo decidiu, o despacho ora reclamado de 26 de Novembro de 2019, não deverá ser anulado e ser mantido, até à decisão da reclamação do processo 747/19.8BELLE.

Terminou pedindo a revogação da douta decisão recorrida e a sua substituição por acórdão que reconheça a legalidade da decisão de suspensão da entrega do referido bem, em virtude de o despacho reclamado não violar o disposto no artigo 256.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

O recorrido contra-alegou, mas não formulou conclusões. Ainda assim, constitui, notoriamente, uma conclusão o último parágrafo das suas alegações, que tem o seguinte teor: «[n]ão padece a sentença recorrida dos vícios que lhe são imputados pelo recorrente, com o que se deve manter a douta sentença e ser ordenada a prossecução do procedimento de entrega do imóvel. A douta sentença em crise não merece, pois, censura».

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos legais, por se tratar de processo urgente, cumpre decidir.

2. Dos fundamentos de facto

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:

A) Em 2 de Maio de 2004 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Faro contra A…….. o processo de execução fiscal n.º 105820041013700 por dívida de IVA no valor de €1.382,84 - cf. documento n.º 004564570, de 21.04.2020;

B) Ao processo de execução fiscal n.º 105820041013700 encontram-se apensos os processos com os n.ºs 1058200401042009, 1058200501051008, 1058200701013750, 1058200701065963, 1058200701071408, 105820071077902, 1058200701101005, 1058200801031635, 1058200801041592, 105820081132342, 1058200901110489, 1058201001008560, 1058201001096494, 1058201001105540, 1058201101120638, 1058201101127098 e 1058201101132172, cujas dívidas exequendas são de IVA, IMI, IRS e coimas. Nestes são executados A……….. e sua mulher C………. - cf. cópias dos processos de execução fiscal constante do documento n.º 004564570, de 21.04.2020;

C) Por escritura pública de partilha celebrada em 26 de Setembro de 2006, A…….. adquiriu metade do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o número 35300, inscrito sob o artigo matricial 2807, sito em ……., freguesia de ….., Concelho de Faro - cf. cópia da escritura de partilha junta aos autos pelo documento n.º 004546895, de 27.12.2019, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

D) Em requerimento datado de 3 de Março de 2011 dirigido ao Chefe Serviço de Finanças de Faro, o qual deu origem ao processo de reclamação cadastral n.° 19/2011, apresentado por C……………., consta o seguinte:

"C……………, contribuinte número ………., esposa de A……….. contribuinte número …………, proprietários do prédio rústico número 165 - secção AP da freguesia de …… vem solicitar a rectificação da área da parcela urbana do referido prédio em virtude de na mesma se encontrarem instalados prédios urbanos que não são propriedade sua, mas sim dos herdeiros de ………… conforme cópias juntas."

- cf. documento n.º 004546895, de 27.12.2019, junto com a petição inicial, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

E) Em 14 de Março de 2008 C………… apresentou no Serviço de Finanças de Faro em nome e representação de seu marido, A………, uma declaração Modelo I do IMI, referente ao prédio com artigo 3536, sito no ………, C.P. 188 - R, da freguesia de ……, concelho de Faro, da qual consta o seguinte:

(...)

- cf. documento n.º 004546894, junto com a petição inicial, de 27.12.2019, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

F) Em 14 de Março de 2011 A………… apresentou no Serviço de Finanças de Faro um requerimento, pelo qual pediu a alteração do limite do prédio rústico com o artigo matricial 165 da secção AP do qual consta o seguinte: "

- cf. documento n.º 004546895, de 27.12.2019;

G) Em 18 de Maio de 2011 o Instituto Geográfico Português emitiu o parecer referente ao requerimento de C………………., ao qual foi dado o n.º 19/11, identificado na alínea D), do qual consta o seguinte: "

- cf. documento n.º 004546895, de 27.12.2019 (doc. 5 junto com a petição inicial), cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

H) Por despacho de 24 de Maio de 2011, a Chefe de Divisão, em regime de substituição da Direcção de Finanças de Faro, deferiu a reclamação cadastral n.º 19/2011, da qual consta o seguinte:

"Devidamente informado pelos Serviços do Instituto Geográfico Português, envio a V. Ex a o(s) processo(s) de reclamação supra referenciado(s), que acompanhou(aram) o(s) ofício(s) n.º 1397 de 14/03/2011, desse serviço de Finanças.

Com o(s) processo(s) segue(m) a(s) nova(s) folha(s) de matriz correspondente(s) ao(s) artigo(s) n.º 167, secção AP, da freguesia de ……….., em virtude de reclamação, e ainda a(s) folha(s) de matriz do(s) artigo(s) nº 165, da secção AP, alterado(s)/suprimido(s)."

- cf. documento n.º 004546895, de 27.12.2019, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

I) Em 14 de Julho de 2011 o Chefe do Serviço de Finanças de Faro proferiu o seguinte despacho:

"Em face do parecer técnico emitido pelo Instituto geográfico Português, procedam-se às correcções necessárias na matriz, notifique-se."

- cf. documento n.º 004546895, de 27.12.2019;

J) Em 28 de Fevereiro de 2012, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 105820041013700 e apensos, instaurado contra A……………, foi penhorado o prédio misto, propriedade do executado, sito em ………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro, freguesia de …… sob o n.º 5413/20080326, composto pelo prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 3536 e prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 167, secção AP, ambos da freguesia de ….., concelho de Faro - cf. auto de penhora constante do documento n.º 004564570, de 21.04.2020, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

K) Em 5 de Julho de 2013, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 105820041013700 e apensos (identificados na alínea B)), foi vendido o prédio misto descrito na Conservatória do Registo predial de Faro sob o n.º 5413, sito em ………, freguesia de ……., composto por prédio rústico, inscrito na matriz cadastral rustica sob o artigo 167 AP com a área de tem a área de 0,486700 ha e pelo prédio urbano constituído em propriedade total, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3536, da freguesia de ……. ambos no Concelho de Faro o qual tem a área total de 850,0000m2 - cf. auto de adjudicação constante do documento n.º 004564570, de 21.04.2020, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

L) O prédio misto identificado na alínea K) foi adjudicado a B………….., aqui Reclamante - cf. auto de adjudicação constante do documento n.º 004564570, de 21.04.2020, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

M) O artigo matricial rustico do prédio identificado na alínea anterior (artigo 167 AP) tem a área de 0,486700 ha - cf. caderneta predial junta com a petição inicial, documento n.º 004546891, de 27.12.2019, cujo teor se dá integralmente por reproduzido e certidão permanente constante do documento n.º 004564570, de 21.04.2020 (Processo Administrativo Instrutor);

N) O prédio urbano com o artigo matricial 3536, que deu origem ao artigo matricial 4469, o qual compõe o prédio misto identificado na alínea K), tem a área total de 850,0000m2 - cf. caderneta predial junta com a petição inicial, documento n.° 004546892, de 27.12.2019, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

O) Em 26 de Novembro de 2013 o Contra-interessado apresentou impugnação judicial neste Tribunal, na qual requereu que fosse declarada nula a venda do imóvel identificado em K) supra, a qual correu termos sob o processo n.º 921/13.0BELLE - cf. cópia da sentença proferida 30 de Março de 2019 no processo que correu termos neste Tribunal, sob o n.º 48/19.1BELLE, constante do documento n.º 004564572 de fls. 21.04.2020;

P) Em 17 de Dezembro de 2014 foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo no Recurso n.º 362/14-30, a negar provimento ao recurso e a confirmar a decisão proferida no processo de impugnação judicial n.º 921/13.0BELLE, identificado na alínea O) supra - cfr. documento n.º 004564569 de 21.04.2020;

Q) Em 30 de Março de 2019 foi proferida sentença no processo que correu termos neste Tribunal, sob o n.º 48/19.1BELLE, no qual foi pedida a autorização para o auxílio de força policial na entrega efectiva do prédio identificado na alínea K), constando da mesma, nomeadamente, o seguinte:

"Nestes termos, e ao abrigo dos artigos 757.º, n.º 3 e 4 do CPC e artigo 34.º, n.º 2 da CRP, autorizo o auxílio das autoridades policiais para a entrega efectiva do seguinte bem imóvel:

"Prédio misto, sito em ………., descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.º 5413/20080326, composto por prédio urbano destinado a habitação, inscrito na matriz predial sob o artigo 3536 e prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 167, secção AP, ambos da freguesia de ……, concelho de Faro".

- cf. sentença apensa aos presentes autos constante do documento n.º 004564572, de 21.04.2020;

R) Em 21 de Outubro de 2019 o Contra-interessado entregou as chaves do imóvel identificado na alínea K) - cf. informação do Serviço de Finanças constante do documento n.º 004546906, de 21.12.2019, cujo teor se dá se integralmente por reproduzido;

S) Em 8 de Novembro de 2019, no âmbito do incidente de entrega efectiva do prédio misto melhor identificado na alínea K) ao Reclamante, foi elaborado pelo Serviço de Finanças de Faro o auto de declarações prestadas por A…….., executado no processo de execução fiscal n.º 105820041013700 e apensos, do qual consta o seguinte:

"Aos oito dias do mês de novembro de 2019 e na sequência da averiguação feita no dia 23 de outubro do ano em curso, junta aos autos compareceu neste Serviço de Finanças o Sr. A……….., acompanhado dos mandatários Dra. ……….. e Dr. ………. pretendendo esclarecer a sua posição quanto aos limites do prédio misto (artigo rústico 167 AP) e do prédio urbano (artigo 4469).

A 21 de outubro de 2019, foi efetuada, pelo executado, a entrega da cópia das chaves neste Serviço de Finanças, que tinham ficado à sua guarda no dia 11 de julho do ano corrente, quando procedeu á entrega voluntária do prédio misto, transmitido na citada venda no dia 05 de julho de 2013.

O Dr. ……… questionou o conteúdo do auto de verificação atrás mencionado, em virtude de não reconhecer que as alterações efetuadas sejam construções precárias. Relativamente a esta questão o Sr A………. referiu ter fechado com um portão uma determinada a área para usar como armazém dos bens retirados do prédio objeto da venda.

Seguidamente foi discutido pelos presentes o levantamento topográfico efetuado pelo adquirente.

O Sr. A………. declarou o seguinte:

· A sua mãe, por volta do ano de 1978/79, comprou, ao Sr…….., 242 m2 (metros quadrados) de terra onde vieram a edificar a sua moradia (artigo antigo n.º 2120, da freguesia de ……, concelho de Faro):

· Antes do ano de 1980. os seus pais compraram mais uma parcela ao Sr. ………. onda mais tarde por volta de 1994/95, vieram a ampliar o prédio n.º 2120, o qual deu origem ao artigo n.º 2807 da Freguesia de ……. concelho de Faro. Actualmente o mesmo está inscrito sob o artigo n.º 3984 da União das Freguesias .. de ……. e ……;

· Em data anterior a 1983, que julga ter sido no ano de 1980, os mencionados pais do mesmo adquiriram "por boca” ao Sr. …….. a parcela que ora se encontra em discussão. Nessa parcela é onde foi construída uma edificação que servia de armazém (com cerca de 60m;) sendo que a restante parcela servia para cultivo (uma laranjeira, uma tangerineira, um limoeiro e alegretos onde eram plantadas salsa couves e balatas). Acrescentou ainda a existência nessa parte de uma pocilga e de galinheiros;

· O dito armazém foi aliás construído juntamente à "casa do forno", casa esta que fica dentro do perímetro do prédio urbano (à data artigo n.º 2807) existindo uma porta de comunicação interior construída ainda pelos seus pais;

· Que no mesmo armazém, chegou a laborar cerca de três anos até à construção do seu armazém, onde veio instalar a sua oficina;

· Por seu lado, por volta do ano de 1980 adquiriu ao Sr …….. uma área com cerca de 90 m3 (metros quadrados), onde veio a instalar por volta de 1903 a sua oficina, que transferiu do armazém atrás mencionado;

· No ano de 1990, o mesmo adquiriu ao Sr. ……., o artigo rústico n.º 148 secção AP (à data e atual n.º 187 AP), sabendo de antemão que nessa parcela existia uma parte que já era pertença dos seus pais, ou seja, a parcela em discussão;

· Nessa altura, os seus pais, dado os laços de sangue, deram-lhe a possibilidade de uso da parcela em discussão;

· Quando mais tarde veio a regularizar a compra do prédio misto objeto da venda, não acautelou a realidade e registou, como consta do cadastro, toda a área que constitui o prédio misto constituído peio artigo rústico n.º 107 - AP e peio prédio urbano n.° 4469 (de acordo com a planta cadastral que faz parte do processo);

· Na verdade, deveria ter retificado a parte rústica para menos (descontando a parcela objeto de litígio), ou seja, a dita parte que seus pais adquiriram verbalmente ao Sr. …….. Essa parte deveria ter sido anexada ao prédio urbano n.º 3984, que proveio do artigo n.º 2807), que veio a pertencer ao próprio Sr. A……. e seu irmão, na proporção de 1/2 cada um, através de escritura de partilha datada de 26/09/2006;

· Aquando da entrega da cópia das chaves, considerou que procedeu à desocupação integral do prédio misto objeto da venda.

· Foi entregue cópia do auto de verificação datado de 23/10/2019, bem como do presente auto.

Por ser verdade e para constar vão assinar comigo, ……….., escrivã do processo. …………….., Chefe do Serviço de Finanças de Faro; …….., Adjunta da Secção da Justiça do Serviço de Finanças de Faro; os mandatários Dr. ……. e Dra. ……..e o executado A………..."

- cf. cópia do auto de declarações assinado, constante do documento n.º 004552283 de 27.01.2020;

T) Em 26 de Novembro de 2019 a Chefe do Serviço de Finanças de Faro, em regime de substituição, no âmbito do procedimento de entrega efectiva do prédio identificado em K) ao Reclamante, proferiu o seguinte despacho:

"A entrega do bem adjudicado, considera-se como que um prolongamento da ação executiva, ou seja, será um acto de mera execução de uma entrega decorrente do facto de ter sido ordenada a adjudicação do bem ao respetivo adquirente.

Com a entrega, no dia 21 de outubro, da cópia das chaves que ficaram à guarda do executado para desocupação do bem, presumiu-se que o prédio misto teria sido deixado integralmente desocupado de pessoas e bens, o que não resultou da verificação efetuada ao local no dia 23 do referido mês.

O adquirente do bem, B………, titular do prédio desde 2013, e representado na verificação ao local pelo seu mandatário, entende que o mesmo não está integralmente desocupado e que a manutenção da ocupação do prédio com animais e bens móveis é ilícita porque violadora do seu direito de propriedade (...) termos em que requereu, em 2019-11-07 à AT - Autoridade Tributária, a notificação do executado para proceder à desocupação integral do prédio em apreço, livre de pessoas, bens e animais, promovendo-se nova diligência de despejo.

A marcação da diligência do próximo dia 27, teve como pressuposto que o bem vendido (prédio misto constituído pelo artigo rústico 167-AP e artigo urbano 4469, da União de Freguesias de ……. e ……) coincidia integralmente com o bem registado e constante dos mapas cadastrais.

Do peticionado pela mandatária do executado, resulta que o mesmo se considera titular da parcela de terreno e construções ora objeto de litígio, que solicita a desanexação/retirada da parcela, invocando mesmo usucapião.

Mais indica como testemunhas, …………, ………….. e …………..

As descrições dos prédios objeto de registo na Conservatória do Registo Predial, embora sejam presunção da titularidade dos prédios podem não refletir a sua realidade.

Veja-se a propósito da problemática da área de um prédio o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2004-05-04, Processo 04A570, Revista n.º 3451/03: "O registo predial, que se destina essencialmente a publicitar a situação jurídica dos prédios em benefício da segurança do comércio jurídico, assegura a quem adquire direitos de alguém sobre um prédio que a ter existido esse direito, ele ainda se conserva.

O registo não dá assim direitos, apenas os conserva.

O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular Inscrito, nos termos em que o registo o define (artigo 7° do C. Registo Predial).

Embora o prédio tenha que ser identificado com elementos que o distingam e caracterizem, a verdade, porém, é que essa identificação mínima não abrange uma descrição física rigorosa e pormenorizada do imóvel. O registo predial não tem como finalidade garantir os elementos de identificação do prédio. É jurisprudência firme deste Tribunal que a presunção resultante da inscrição da aquisição do direito não abrange a área, limites, confrontações dos prédios descritos. Saber se um prédio tem certa área é uma questão de facto, que diz respeito à identidade física do prédio, e não uma questão que respeite à sua situação jurídica. - Por todos o Ac. STJ de 08.06.2000, Revista n°399/00, 7a Secção, "Sumários" 2000, pág. 217; Ac. STJ de 10.01.2002, Revista n° 3949/01, 7° Secção, "Sumários" 2002, pág. 28; Ac. STJ de 24.01.2002, Revista n° 2672/01, 2a Secção, "Sumários" 2002, pág. 40; Ac. STJ de 04.07.2002, Agravo n° 2014/02, 7a Secção, "Sumários" 2002, pág. 249.

A inscrição na matriz, por sua vez, vale apenas para efeitos fiscais não constituindo uma presunção com significado civil.

As presunções resultantes do registo são ilidíveis mediante prova em contrário, como resulta, aliás, do princípio geral contido no artigo 350º nº 2 do C. Civil.

Face aos princípios sinteticamente enunciados, facilmente se conclui que a área do prédio pode ser demonstrada por qualquer um dos meios probatórios admitidos pelo nosso ordenamento jurídico-civil. Escreveu o Prof. Oliveira Ascensão - "Direito Civil - Reais", 5.a ed., Reimpressão 2000, pág. 352: "Não adianta o que se disser sobre as confrontações porque com as suas afirmações um titular não pode dispor do direito do vizinho. Também não adianta o que o registo proclama se for diferente da realidade, porque a realidade prevalece". Podendo estar em causa definir os limites/área do prédio misto constituído pelo artigo rústico 167-AP e artigo urbano 4469, da União de Freguesias de …… e ...... e bem assim do prédio urbano inscrito sob o artigo 3984, da mesma freguesia, considero que se deve suspender a diligência objeto do despacho ora reclamado. Cumpra-se o disposto no art.º 276.º do CPPT, devendo a presente reclamação subir ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé."

- cf. documento n.º 004546906, de 27.12.2019, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.

3. Dos fundamentos de direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que jugou ilegal a decisão de suspender a entrega do bem vendido na execução fiscal e, em consequência, anulou o despacho que incorporou essa decisão.

Com o assim decidido não se conforma o Recorrente por duas razões essenciais: porque a decisão recorrida não devia ter sido proferida nos presentes autos [conclusões “A)” a “DD)”]; porque, a ter sido proferida, deferia ter sido no sentido de que o despacho recorrido não padece de ilegalidade [conclusões “EE)” a “WW)”].

As duas questões sobre as quais o tribunal de recurso é chamado a apreciar são, assim, as seguintes: [1.ª] saber se a legalidade do despacho que ordena a suspensão da diligência de arrombamento e entrega efetiva do imóvel vendido em execução fiscal deve ser apreciada no mesmo processo em que é apreciada a legalidade do despacho que ordenou essa diligência; [2.ª] saber se, em caso negativo, a legalidade do despacho que suspendeu aquela diligência deve ser confirmada.

Embora o Recorrente não o diga claramente, a primeira questão está relacionada com a legalidade da decisão proferida no ponto 2 da sentença recorrida («saneamento»). Ou seja, o Recorrente impugna a decisão recorrida – por aqui – na parte em que concluiu que não existem obstáculos ao conhecimento do mérito da reclamação. Porque, no seu entendimento, a reclamação não deveria ter sido apreciada nestes autos, mas no processo n.º 747/19.8BELLE.

Por isso, a primeira questão é uma questão de forma. Traduz-se em saber em que processo deve ser apreciada a reclamação da decisão de suspensão da diligência de entrega.

Já a segunda questão está relacionada com o julgamento do mérito da própria reclamação pelo tribunal de primeira instância.

Tem, assim, precedência lógica o conhecimento da primeira questão, uma vez que, se a reclamação não poderia ter sido decidida, a decisão não pode manter-se logo por ali.

Dela se tomará conhecimento no ponto seguinte.

3.2. A resposta à primeira questão depende, por um lado, da caracterização da própria reclamação como meio processual. E, por outro lado, da caracterização do ato reclamado.

Vejamos porquê, começando pela caracterização do meio processual.

Se for de entender que a reclamação das decisões do órgão de execução fiscal é uma ação, o processo tem total autonomia face a quaisquer outros que sejam intentados, ainda que emergentes da mesma execução. Porque a ação de impugnação judicial tributária é ainda, em larga medida, «um processo feito a um ato».

Se for de entender que a reclamação das decisões do órgão de execução fiscal é um recurso de uma decisão interlocutória tomada num processo de decisão, o caso muda de figura, porque os recursos interlocutórios que devam subir imediatamente e em determinada fase processual devem, em princípio, ser apreciados conjuntamente e pelo mesmo juiz. Trata-se de um princípio geral no funcionamento destes recursos que podemos extrair do artigo 645.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável aos processos executivos por força do seu artigo 852.º.

O artigo 49.º, n.º 1, alínea a), ponto iii), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ao atribuir aos tribunais tributários competência para apreciar a legalidade dos «atos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal», caracteriza as reclamações respetivas como «ações de impugnação».

Já o artigo 97.º, n.º 1, alínea n), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ao identificar as formas de processo tributário, caracteriza o meio adequado para reagir contra os «atos praticados na execução fiscal» como um «recurso».

Mais eclética é a redação do artigo 95.º da Lei Geral Tributária que, depois de enquadrar os atos praticados na execução fiscal como atos potencialmente lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, atribui ao interessado, genericamente, o direito de os «impugnar» ou deles «recorrer».

A razão de ser para esta aparente ambivalência do legislador é a seguinte: a configuração do meio processual adequado para reagir contra os atos praticados na execução fiscal depende da natureza do próprio ato contra o qual se pretende reagir.

Se estiver em causa um ato lesivo formalmente administrativo, a reclamação desse ato deve ser configurada como uma verdadeira ação de impugnação. Se estiver em causa um ato formalmente judicial a reclamação desse ato deve ser configurada como um recurso.

Na prática, deve entender-se que não há uma, mas duas formas de reclamação. O que sucede porque também não há uma, mas duas formas de atuação administrativa na execução fiscal. O que vale por dizer que os atos da administração tributária praticados na execução fiscal não têm todos a mesma natureza formal.

Importa, então, proceder à caracterização da decisão reclamada (e que se transcreve na alínea “T” dos factos provados).

Ora, deve adiantar-se desde já que a decisão reclamada não é de fácil enquadramento, desde logo porque o órgão decisor não identifica a norma ao abrigo da qual decide.

É seguro, no entanto, que a Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Faro decidiu suspender a diligência da entrega do bem vendido ou de parte dele porque podem estar em causa os limites da área do prédio e as descrições constantes do registo não têm como finalidade garantir os elementos de identificação do prédio.

Ou seja, a Senhora Chefe daquele Serviço de Finanças não decidiu suspender a diligência de entrega porque sobre ela pende uma reclamação e esta tem efeito suspensivo da decisão reclamada. Em vez disso, fez uma avaliação perfunctória da probabilidade de êxito da reclamação e, a partir dela, tomou a decisão de suspender a execução da decisão reclamada.

Dizendo de outro modo: não estão subjacentes à decisão reclamada razões processuais, mas verdadeiras razões de substância, ainda que enquadradas num juízo sumário sobre a probabilidade de êxito da reclamação, um juízo que é chamado a fazer o órgão decisor de uma providência cautelar.

Mas, a ser assim, a única conclusão lógica a extrair é a de que a Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Faro enquadrou a questão a decidir no âmbito dos seus poderes formalmente administrativos. Ou seja, no âmbito dos mesmos poderes que a lei lhe concede de decidir da própria validade da venda em primeira mão.

Que os poderes de anulação da venda são formalmente administrativos resulta do artigo 257.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que manda aplicar ao incidente de anulação da venda regras e institutos jurídicos do procedimento tributário.

Portanto, a Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Faro terá entendido que, se a lei lhe dá poderes (administrativos) para decidir sobre a validade substancial da venda, também lhe dá poderes (administrativos) para decidir sobre qualquer questão material que seja suscitada no incidente de entrega e, sendo caso disso, tomar as providências necessárias a salvaguardar o efeito útil de tal decisão.

De certa forma, o tratamento formal que deu à reclamação confirma este entendimento, visto que lhe deu total autonomia, apesar de já haver várias decisões sobre todo este procedimento de entrega e várias reclamações judiciais interpostas.

Em conclusão, a decisão reclamada é uma decisão formalmente administrativa, pelo que a presente reclamação deve ser enquadrada nos meios de impugnação de decisões formalmente administrativas, isto é, meios de anulação de atos administrativos.

A esta luz, o Recorrente não tem razão quando conclui que a decisão não deveria ter sido proferida nestes autos, mas no processo n.º 747/19.8BELLE. Porque o processo n.º 747/19.8BELLE tem por objeto outro ato e não foi requerida e ordenada a ampliação do seu objeto ou a apensação dos dois processos.

O Recorrente não tem razão sequer quando alega que neste processo não poderiam ser apreciados determinados factos, por a sua prova estar a ser realizada noutro processo. Porque o tribunal competente para a ação de impugnação também é competente para conhecer das questões incidentais que nela sejam discutidas e que sejam necessárias para o habilitar a decidir, ainda que a decisão sobre estas questões não constitua caso julgado fora deste processo. É este o regime que deriva, genericamente, do artigo 91.º do Código de Processo Civil.

Questão totalmente diversa é a de saber se a questão foi bem decidida ou até a de saber se a configuração que a Administração Tributária deu aos seus poderes neste particular foi a correta. Porque esta questão já não releva para a delimitação dos poderes decisórios do tribunal de primeira instância, mas para o julgamento do mérito.

E dela se conhecerá no ponto seguinte.

3.3. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé revogou a decisão de suspender a entrega do bem vendido por entender que tal decisão violava o artigo 256.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

E violava este dispositivo legal porque dele deriva que a entrega do bem vendido deve efetuar-se com base no título de transmissão. Estando implícita na sua fundamentação a ideia de que nenhuns elementos que estejam em desacordo com este título e que sejam apresentados no ato de entrega ou antes dele podem obstar à sua execução.

Mas a decisão reclamada não podia ter violado este dispositivo legal. Porque este dispositivo legal dispõe sobre a entrega dos bens vendidos (a título definitivo). Sendo que sobre a questão de saber se o bem em causa pode ser entregue (a título definitivo) é a que está a ser discutida no processo principal. Que é, para este efeito, o processo n.º 747/19.8BELLE.

A decisão reclamada só se pronunciou sobre a questão de saber o que fazer com a diligência de entrega enquanto não fosse decidida a outra reclamação. Isto é, com a situação provisória do bem a entregar, na pendência dessa reclamação.

É bem verdade que isso não resulta claramente da fundamentação do ato reclamado. Reconheça-se, aliás, que as considerações que ali se fazem a propósito da presunção derivada do registo induzem à conclusão inversa, visto que não se relacionam minimamente com o efeito provisório da oposição à entrega.

Mas é de notar que, à data da decisão reclamada, a oposição à entrega, que tinha entrado na véspera (e que subiu apenas em 5 de dezembro seguinte) não iria subir antes da data agendada para a realização da diligência de arrombamento e entrega efetiva do imóvel (27 de novembro de 2019, ou seja, o dia seguinte).

Quer dizer, o órgão de execução fiscal tinha que decidir naquele dia se iria ou não concretizar essa diligência independentemente da pendência de uma oposição a essa entrega dirigida ao tribunal. E foi neste contexto que decidiu o que decidiu. E desse contexto deriva – inequivocamente, a nosso ver – que não pretendeu mais do que regular a situação provisória do bem.

Pelo que a decisão recorrida não pode manter-se com a fundamentação que dela consta.

Mas a questão de fundo mantém-se: saber se a pretensão do Reclamante (ora Recorrido), deve ser deferida.

Esta pretensão deve ser dividida em duas partes: numa primeira parte, o Reclamante pede que o despacho reclamado seja «anulado e revogado»; na segunda parte, pede «a prossecução do procedimento de entrega».

Ou seja, numa parte, o Reclamante insurge-se contra o ato reclamado.

Mas, noutra parte, o Reclamante vai para além do ato reclamado e pede diretamente ao Tribunal que ordene a entrega. Na pendência da outra reclamação.

Ora, o primeiro pedido – o de anulação da decisão reclamada – deve ser deferido. Porque a Senhora Chefe do Serviço de Finanças não deveria proferido a decisão de suspender a diligência de entrega com os fundamentos que dela constam.

Desde logo, porque a lei não atribui ao órgão de execução fiscal poderes para decidir se e em que circunstâncias pode suspender a diligência de entrega que executa uma decisão pendente de reclamação no tribunal. Isto é, decidir sobre um «decretamento provisório da entrega». E muito menos de o fazer com considerações que só poderiam estar relacionadas com um juízo sobre as perspetivas de êxito da pretensão formulada no processo principal.

Na verdade, os efeitos da reclamação que se encontre a aguardar remessa para o tribunal competente derivam diretamente da lei e não carecem de intervenção do órgão de execução fiscal, muito menos no exercício de poderes autónomos de conformação administrativa.

Porque a jurisprudência há muito se consolidou no sentido de que, mesmo após as alterações introduzidas no art.º 278º do CPPT pela Lei nº 82-B/2014, de 31.12, e na alínea n) do nº 1 do art.º 97º do CPPT pela Lei 66-B/2012, de 31.12, a reclamação das decisões do órgão de execução fiscal com subida imediata tem como consequência a suspensão do ato reclamado, sob pena de perda do efeito útil da reclamação e de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 268.º n.º 4 da Constituição – ver, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25/03/2015, proc. n.º 0249/15, de 5/08/2015, proc. n.º 0990/15, de 14/10/2015, proc. n.º 01112/15, de 15/06/2016, proc. n.º 0585/16, de 5/04/2017, proc. n.º 0251/17, de 20/06/2018, proc. n.º 0480/18, de 19/06/2019, proc. n.º 49/19.0 BECTB e de 26/06/2019, proc. n.º 023/18.3BEBJA.

Assim, em vez de tomar posição (administrativa) sobre a suspensão da diligência de entrega, o órgão de execução fiscal deveria ter reconhecido o efeito suspensivo da reclamação interposta e, com base nele, ter-se limitado a dar sem efeito a diligência agendada. No mais – e quando muito – remetendo as partes para o que viesse a ser decidido no processo n.º 747/19.8BELLE a propósito do pedido – ali expressamente formulado – de suspensão da entrega até à decisão que ali viesse a ser proferida.

Quanto ao segundo pedido – o de prosseguimento do procedimento de entrega na pendência da reclamação – a decisão correta a proferir pela Mm.ª Juiz a quo seria de não tomar dele conhecimento.

Porque a questão de saber se se pode obstar ao efeito suspensivo da reclamação e em que circunstâncias teria que ser colocada ao juiz do processo de reclamação.

E é assim porque está em causa a alteração do efeito dessa reclamação sobre o ato ali reclamado, incumbindo ao juiz do processo respetivo deferir todos os seus termos, incluindo os termos do pedido de modificação dos seus efeitos.

Onde, de resto, poderá ser também apreciada, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a questão de saber se – como alega o Reclamante – o Reclamado não pretende senão atrasar a entrega do imóvel.

Pelo que ao presente recurso deve ser concedido provimento parcial.

4. As conclusões

4.1. Os efeitos da reclamação a que aludem os artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário resultam diretamente da lei processual e dos princípios que a informam, não dependendo da formulação de nenhum juízo administrativo sobre os fundamentos dessa reclamação e a probabilidade de êxito na respetiva decisão;

4.2. Deve, por isso, ser anulada a decisão administrativa que enquadra nos pressupostos da suspensão de uma diligência da entrega do bem vendido, ordenada por decisão pendente de reclamação, a necessidade de definir os limites ou a área do prédio a entregar;

4.3. O pedido de prosseguimento do procedimento de entrega na pendência da reclamação deve ser formulado no processo de reclamação respetivo e decidido pelo juiz desse processo;

4.4. É, por isso, ilegal a decisão, tomada noutro processo, de que resulte o deferimento desse pedido.


***

5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

a) anular a decisão recorrida na parte em que dela resulta o deferimento do pedido de prossecução do procedimento de entrega do bem adquirido pelo Reclamante e na pendência da reclamação que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé sob o n.º 747/19.8BELLE;

b) em substituição, não tomar conhecimento da reclamação nesta parte.

c) manter a decisão recorrida na parte em que anulou a decisão reclamada, ainda que com a precedente fundamentação.


Em primeira instância, as custas ficam a cargo da Fazenda Pública e do ali Reclamante, em partes iguais.

As custas do presente recurso ficam a cargo do Contrainteressado/Recorrente e do Reclamante/Recorrido, também em partes iguais.

D.n.

Transitado, dê conhecimento ao processo n.º 747/19.8BELLE.

Lisboa, 28 de outubro de 2020. – Nuno Bastos (relator) – Gustavo Lopes Courinha – Anabela Russo.