Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:044798
Data do Acordão:05/22/2002
Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:CONCESSÃO.
PROIBIÇÃO DE ACESSO A SALA DE JOGOSS.
LACUNA DE LEI.
REGULAMENTO.
INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI.
ANALOGIA.
TUTELA ADMINISTRATIVA.
EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
Sumário:I - Todas as decisões proferidas ao abrigo do n.º 1 do art. 36.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, pelos directores do serviço de jogos, em matéria de recusa de emissão de cartões de entrada em salas de jogos de fortuna ou azar ou de acesso às mesmas de indivíduos cuja presença seja considerada inconveniente estão sujeitas ao controle da Inspecção Geral de Jogos.
II - Apesar de não expressamente prevista a forma de controle pela Inspecção Geral de Jogos sobre aquelas decisões, ela é pressuposta pelo n.º 3 do art. 38.º do mesmo diploma, ao prever a possibilidade de recurso das decisões do Inspector-Geral de Jogos relativas a matérias previstas naquele art. 36.º, e está prevista genericamente no n.º 4 do art. 95.º daquele diploma.
III - Nestas condições, a falta de indicação do processamento a adoptar para concretizar tal controle pela Inspecção Geral de Jogos constitui uma lacuna de regulamentação e não a manifestação de uma intenção legislativa de inexistência de controle.
IV - A tutela administrativa, no âmbito de concessões de serviços públicos, não tem carácter excepcional, sendo inerente à relação de concessão.
V - Por isso, o preceituado no art. 11.º do Código Civil não é obstáculo à integração analógica de lacunas de regulamentação em matéria de fiscalização de concessionários pelo concedente e, no caso em apreço, à aplicação do regime previsto no n.º 2 do art. 37.º do Decreto-Lei n.º 422/89 à situação prevista no n.º 1 do seu art. 36.º.
Nº Convencional:JSTA00057691
Nº do Documento:SA120020522044798
Data de Entrada:03/24/1999
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DO TURISMO
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SE DO TURISMO N28/99/SET DE 1999/01/18.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - ADM PUBL INDIRECTA / TEORIA INTERP LEI.
DIR ADM ECON - CONCESSÕES SERVIÇO PUBL.
DIR ADM CONT - ACTO / CONTRATO.
Legislação Nacional:CONST97 ART18 N1 ART199 F ART266 N1.
DL 422/89 DE 1989/12/02 NA REDACÇÃO DO DL 10/95 DE 1995/01/19 ART29 N3 ART36 ART37 N2 ART38 N3.
CCIV66 ART9 N1 ART10 N1 ART11.
DL 422/89 DE 1989/12/02 ART9 ART95 N4.
CPA91 ART180 D.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC19404 DE 1990/03/01 IN AP-DR 1995/01/12 PAG1517.; AC STA PROC17228 DE 1990/10/18 IN AP-DR 1995/03/22 PAG5908.; AC STA PROC32732 DE 1995/11/14 IN AP-DR 1998/04/30 PAG8789.; AC STA PROC36414 DE 1996/07/11 IN BMJ N459 PAG323.; AC STA PROC33823 DE 1996/01/23 IN AP-DR 1998/08/31 PAG385.
Referência a Pareceres:P PGR 44/98 DE 1998/09/24 IN DR 64 IIS 1999/03/17 PAG3951.
Referência a Doutrina:PEDRO GONÇALVES A CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS 1999 PAG246.
LINOTTE/MESTRE SERVICES PUBLICS ET DROIT PUBLIC ECONOMIQUE PAG310.
GARRIDO FALLA TRATADO DE DERECHO ADMINISTRATIVO VOLII PAG333.
ELIO CASETA VIGILANZA E TUTELA DELLO STATO SULLE SOCIETÀ CONCESSIONARIE DI PUBBLICI SERVIZI PAG297.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A..., concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo da ..., interpôs recurso contencioso de anulação do Despacho n.º 28/99/SET, do Senhor Secretário de Estado do Turismo, de 18/01/99, pelo qual indeferiu o Recurso Hierárquico interposto pela requerente, em 31/12/98, do acto do Senhor Coordenador da Inspecção junto do Casino d. ..., e que decidiu não confirmar o acto pelo qual a ora Recorrente decidiu recusar a emissão de cartão de acesso às salas de Jogos Tradicionais e à Sala de Máquinas a 15 frequentadores.
A autoridade recorrida respondeu, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso.
A recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
a) O presente recurso vem interposto do Despacho n.º 28/99/SET, de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado do Turismo, de 18/01/99, notificado à recorrente em 22/01/99, pelo qual indeferiu o Recurso Hierárquico interposto pela ora Recorrente, em 31/12/98, do acto do Senhor Coordenador da Inspecção junto do Casino d. ..., notificado na mesma data, que havia decidido não confirmar o acto pelo qual a Recorrente decidiu recusar o acesso às salas de Jogos a 15 frequentadores.
b) A recorrente é concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar da zona de jogo da ..., para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1989 e 31 de Dezembro do ano de 2008, nos termos constantes do contrato, publicado no DR. III Série, n.º 37, de 14/02/89.
c) Em 30 de Dezembro de 1998, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 36 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 10/95 de 19 de Janeiro, a Recorrente deliberou recusar o acesso à Sala das Máquinas e de Jogos Tradicionais, com fundamento em presença inconveniente, a 15 frequentadores.
d) Informou o Serviço de Inspecção de Jogos junto do Casino da ... da sua deliberação e indicou os nomes dos frequentadores, o n.º de cartão de que eram titulares, o fundamento da decisão e as testemunhas que tinham conhecimento dos factos/fundamento.
e) No dia 31 de Dezembro de 1998, a Recorrente foi notificada de um despacho do Coordenador da Equipa de Inspecção que decidiu não confirmar a medida adoptada pela Recorrente;
f) A Recorrente interpôs o competente Recurso Hierárquico do referido despacho, para Sua Excelência o Senhor Inspector Geral de Jogos, (uma vez que o despacho recorrido não mencionava que tivesse sido praticado ao abrigo de subdelegação de poderes) e invocou os vícios de violação de lei por violação do disposto nos artigos 36 e 37 do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL 10/95, de 19 de Janeiro, vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e vício de incompetência.
g) Por despacho de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado do Turismo foi negado provimento ao recurso hierárquico: é desse acto que vem interposto o presente recurso.
h) A fundamentação do despacho recorrido é a Informação da Inspecção-Geral de Jogos de 06/01/99;
i) Essa informação invoca o Parecer n.º 44/98, votado na sessão de 24.09.98 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e publicado na II Série do DR de 17/03/99, n.º 64, pags. 3951 e segs.
j) Alega, em suma, que:
O Governo, através do responsável pelo sector do turismo, exerce, relativamente às concessionárias de exploração de jogo de fortuna ou azar a tutela administrativa, nas suas formas correctiva, substitutiva e inspectiva;
O artigo 36 do Decreto Lei no n.º 422/89, na redacção do DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro, contém uma lacuna de regulamentação jurídica a integrar, por analogia, pelo disposto no artigo 37, n.º 2 do mesmo diploma;
Ao utilizar, a expressão "presença inconveniente", como fundamento de recusa do acesso às salas de jogo de fortuna ou azar, o legislador quis intencionalmente utilizar um conceito vago e indeterminado;
l) A questão que cumpre decidir passa pela análise da competência da Recorrente, enquanto concessionária e da entidade Recorrida, enquanto órgão da administração, para recusar o acesso a frequentadores às salas de jogos tradicionais e de máquinas;
m) O legislador distinguiu, para efeitos de regime jurídico, o acesso aos Casinos do acesso às Salas de Jogos e, relativamente a estas, distinguiu o acesso às salas de jogos tradicionais e mistas do acesso às salas de máquinas;
n) O acesso aos casinos é que decorre dos artigos 27.º e 29.º da Lei do Jogo e o acesso às salas de jogos é o que decorre do artigo 36º;
o) Uma vez que só o acesso às salas de jogos permite jogar, o legislador autonomizou e regulamentou de modo distinto o acesso aos casinos do acesso às salas de jogos;
p) Tendo em conta que o exercício da actividade de exploração de jogos de fortuna ou azar é levada a efeito em regime de concessão, o legislador cuidou de estabelecer e articular a competência da Administração e das Concessionárias para permitirem o acesso aos casinos e às salas de jogos;
q) Nos termos do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 29 da Lei do Jogo impôs às concessionárias o dever de não permitirem o acesso aos casinos a determinadas categorias de indivíduos, sendo que sempre que exerçam esse dever têm de comunicar a decisão ao serviço de inspecção no casino, no prazo de vinte e quatro horas, indicando os motivos justificativos, indicando testemunhas a ser ouvidas sobre os factos e devendo pedir a confirmação da medida adoptada;
r) Só a partir do artigo 34º o legislador cuidou de regular o acesso às salas de jogos, tendo estabelecido quem tem livre acesso às salas de jogos, mesmo que esteja impedido de jogar, e quem, para ter acesso tem de ser portador de cartão de entrada ou de acesso a ser passado pela concessionária, nos termos do n.º 1 do artigo 35º;
s) No n.º 1 do artigo 36º, vem conferir competência ao Director de Serviço de Jogos e à Inspecção Geral de Jogos para recusar a emissão de cartões de entrada ou acesso aos indivíduos cuja presença nessas salas considerem inconveniente; porém,
t) Não impõe ao Director de Serviço de Jogos o dever de sempre que recuse a emissão de cartão de entrada ou recuse o acesso às salas de jogos comunique a sua decisão ao serviço de inspecção no casino, como impõe para a recusa de acesso ao casino (nºs 2 e 3 do artigo 29) e para a expulsão das salas, (n.º 1 e 2 do artigo 37º) pelo que, salvo melhor entendimento, a Recorrente não estava obrigada a comunicar a sua decisão e a requerer confirmação e a entidade recorrida não tinha competência para não confirmar a decisão;
u) É manifesto que, contrariamente, ao entendimento da entidade recorrida não existe lacuna de regulamentação no artigo 36º a ser integrada nos termos do artigo 37º: o legislador pretendeu, inequivocamente, estabelecer um regime de acesso às salas de jogos diferente daquele que estabeleceu para o acesso aos casinos e para a expulsão das salas;
v) O legislador quis que não tivessem acesso às salas de jogos os indivíduos cuja presença fosse considerada inconveniente pela Concessionária ou pela Inspecção Geral de Jogos, por isso, nos termos do artigo 36, conferiu competência a ambas as entidades para recusar a emissão de cartão de entrada e para recusar o acesso a frequentadores, bastando que uma recuse para que o acesso não seja permitido.
x) O acto recorrido é inválido por ilegalidade por violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, uma vez que a entidade recorrida fez errónea interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 36º, considerou que existia uma lacuna a integrar nos termos do n.º 2 do artigo 37º e, consequentemente considerou que a Recorrente estava obrigada a pedir a confirmação da sua decisão e que tinha competência para a não confirmar, o que salvo melhor entendimento não acontece, acresce que,
z) O acto é inválido por ilegalidade por vício de incompetência, uma vez que a entidade recorrida se arrogou de competência para confirmar as decisões da Recorrente relativas à recusa de emissão de cartões de entrada e acesso às salas de jogos tradicionais e de máquinas, quando tem apenas competência para confirmar ou não os actos de recusa de acesso ao casino e os actos de expulsão de frequentadores das salas;
z1) A competência é de ordem pública não se presume nem se pode inferir, por analogia, no pressuposto de que existem lacunas a integrar, como acabou por fazer a entidade recorrida;
z2) Também, salvo o devido respeito, não assiste razão à entidade Recorrida quando afirma que a lei do jogo confere ao Governo poderes de tutela administrativa sobre as concessionárias de exploração de jogo de fortuna ou azar nas suas formas correctiva, substitutiva e inspectiva, uma vez que, no caso em apreço, resulta claro que existe apenas tutela inspectiva e o acto recorrido caracteriza uma forma de tutela que, em última análise, configura tutela integrativa ou substitutiva: a entidade recorrida, por este meio, permitiria o acesso a indivíduos a quem a Recorrente o recusou; ora,
z3) Como muito bem se afirma no douto Parecer da Procuradoria Geral citado na fundamentação do acto recorrido “A intervenção tutelar, como limite (ou excepção) à autonomia dos entes descentralizados, supõe a concorrência de uma habilitação legal para agir. A tutela apenas pode ser exercida nos casos, nos limites e segundo as condições previstas na lei; o controlo de tutela há-de ser expressamente atribuído pelo direito positivo”, o que significa que está proibida a interpretação extensiva e analógica;
z4) O legislador não conferiu competência à Inspecção para pôr em crise a decisão de recusa de emissão de cartão de entrada ou recusa de acesso tomada pela Concessionária, não pode a mesma ser presumida ou encontrada por recurso à analogia;
z5) Conferiu-lhe competência, isso sim, para pôr em crise decisões de emissão de cartões de entrada ou permissões de ingresso tomadas pela Recorrente, desde que considere que a presença dos indivíduos a quem foi emitido cartão de entrada ou permitido o acesso é inconveniente;
z6) O legislador regulou o acesso às salas de jogos em termos precisos e rigorosos, não existe qualquer lacuna de regulamentação e nunca, a existir, poderia ser integrada por recurso à analogia, uma vez que estamos em de normas de atribuição de competência em direito público;
z7) O legislador não conferiu poderes de tutela à entidade recorrida que permitam arrogar-se de poderes para confirmar ou não confirmar as decisões das concessionárias relativamente à recusa de emissão de cartões de entrada ou recusa de ingresso nas salas de jogos tradicionais e de máquinas.
z8) Acresce que, sendo o regime de tutela um regime excepcional, a eventual lacuna, cuja inexistência reiteramos, não podia ser preenchida por analogia.
A autoridade recorrida contra-alegou, sem incluir conclusões.
Os contra-interessados foram citados, mas não contestaram nem alegaram.
Foi junta aos autos cópia de um Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, com o nº 44/98, com as seguintes conclusões:
1ª - O Governo, através do responsável pelo sector do turismo, exerce, relativamente às concessionárias de exploração do jogo de fortuna e azar, a tutela administrativa, nas suas formas correctiva, substitutiva e inspectiva;
2ª - À Inspecção-Geral de Jogos compete, no âmbito do exercício dos poderes de tutela do Governo, acompanhar, dirigir e fiscalizar a actividade das concessionárias;
3ª - A competência da Inspecção-Geral de Jogos abrange não só o controlo da permanência e proibição de entrada nos casinos e salas de jogo, mas também o da reserva e recusa de acesso a estes locais;
4ª - O artigo 36º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, contém uma lacuna de regulamentação jurídica a integrar, por analogia, pelo disposto no artigo 37º, n.º 2, do mesmo diploma;
5ª - Ao utilizar, no Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, a expressão "presença inconveniente", como fundamento de recusa do acesso às salas de jogo de fortuna e azar, o legislador quis intencionalmente utilizar um conceito vago ou indeterminado, a preencher em cada caso concreto, após ponderação das circunstâncias específicas apuradas.
A recorrente pronunciou-se sobre este Parecer, concluindo da seguinte forma:
1 – Do Decreto Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, não resulta, em termos gerais, qualquer habilitação legal ao exercício de poderes tutelares substitutivos ou integrativos por parte do Governo ou da sua representante junto dos Casinos, a Inspecção Geral de Jogos.
2 – Como ensina a Jurisprudência dos nossos Tribunais e a Doutrina, a tutela administrativa não se presume, só existindo quando a lei expressamente a prevê.
3 – O legislador quis autonomizar, autonomizou e regulamentou de modo diferente o acesso aos Casinos, o acesso às salas de jogos, a emissão de cartões de acesso às salas de jogos e a expulsão das salas de jogos, por se tratar de matérias diferentes em que estão em causa interesses e direitos diversos.
4 – A emissão de cartões de acesso às salas de jogos é da exclusiva competência das Concessionárias, podendo a Inspecção Geral de Jogos apenas, em concorrência com a Concessionária, recusar a emissão de tais cartões.
5 – Os motivos para a Concessionária e para o Estado restringirem o acesso aos Casinos e às salas de jogos são diversos estando em causa, no primeiro caso, interesses de ordem comercial e, no segundo, interesses de ordem pública.
6 – Por estar em causa a defesa de interesses diversos, nem a Concessionária, nem a Inspecção Geral de Jogos têm competência para avaliar os juízos de valor da outra parte, pelo que, a recusa de emissão de cartão de acesso por parte da Concessionária não pode ser sindicada pela Inspecção Geral de Jogos.
7 – Tratando os artigos 29º e 37º da Lei do Jogo de situações diversas das abrangidas pelo art. 36º e, enquanto tal, requerendo regulação diversa, não existe neste qualquer lacuna a integrar com recurso ao referido art. 37º.
8 – Não é permitida por lei qualquer ampliação de competências da Inspecção Geral de Jogos por via da integração de uma suposta lacuna, já que as lacunas nunca poderão ser de competência.
9 – Os tribunais não se encontram vinculados à interpretação da lei expressa nos pareceres da Procuradoria Geral da República.
Em alegações complementares, a recorrente apresentou as seguintes conclusões:
1 – A fundamentação do despacho recorrido é a Informação da Inspecção-Geral de Jogos de 06/01/99, invocando essa informação o Parecer n.º 44/98, votado na sessão de 24.09.98 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e publicado na II Série do DR de 17/03/99, n.º 64, pags. 3951 e segs.
2 – O referido Parecer alega, em suma, que:
O Governo, através do responsável pelo sector do turismo, exerce, relativamente às concessionárias de exploração de jogo de fortuna ou azar a tutela administrativa, nas suas formas correctiva, substitutiva e inspectiva;
O artigo 36 do Decreto Lei n.º 422/89, na redacção do DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro, contém uma lacuna de regulamentação jurídica a integrar, por analogia, pelo disposto no artigo 37, n.º 2 do mesmo diploma;
Ao utilizar, a expressão "presença inconveniente", como fundamento de recusa do acesso às salas de jogo de fortuna ou azar, o legislador quis intencionalmente utilizar um conceito vago e indeterminado;
3 – A questão que cumpre decidir passa pela análise da competência da Recorrente, enquanto concessionária e da entidade Recorrida, enquanto órgão da administração, para recusar o acesso a frequentadores às salas de jogos tradicionais e de máquinas;
4 – O legislador distinguiu, para efeitos de regime jurídico, o acesso aos Casinos do acesso às Salas de Jogos e, relativamente a estas, distinguiu o acesso às salas de jogos tradicionais e mistas do acesso às salas de máquinas, sendo que, o regime do acesso aos Casinos é o que decorre dos artigos 27.º e 29.º da Lei do Jogo e o acesso às salas de jogos é o que decorre do artigo 36º;
5 – Uma vez que só o acesso às salas de jogos permite jogar, o legislador autonomizou e regulamentou de modo distinto o acesso aos Casinos do acesso às salas de jogos;
6 – A diferença de regimes entre o Acesso aos Casinos, e o Acesso às Salas de Jogos não implica a existência de qualquer lacuna a integrar por recurso ao disposto no art. 37º da Lei do Jogo;
7 – Tendo em conta que o exercício da actividade de exploração de jogos de fortuna ou azar é levada a efeito em regime de concessão, o legislador cuidou de estabelecer e articular a competência da Administração e das Concessionárias para permitirem o acesso aos Casinos e às salas de jogos;
8 – Só a partir do artigo 34º da Lei do Jogo o legislador cuidou de regular o acesso às salas de jogos, tendo estabelecido que têm acesso às salas de jogos os portadores de cartão de entrada ou de acesso emitido pela concessionária, nos termos do n.º 1 do artigo 35º;
9 – No n.º 1 do artigo 36º, vem conferir competência ao Director de Serviço de Jogos e à Inspecção Geral de Jogos para recusar a emissão de cartões de entrada ou acesso aos indivíduos cuja presença nessas salas considerem inconveniente; porém,
10 – Não impõe ao Director de Serviço de Jogos o dever de sempre que recuse a emissão de cartão de entrada ou recuse o acesso às salas de jogos comunicar a sua decisão ao serviço de inspecção no casino, como impõe para a recusa de acesso ao casino (nº 2 e 3 do artigo 29) e para a expulsão das salas, (n.º 1 e 2 do artigo 37º) pelo que, salvo melhor entendimento, a Recorrente não estava obrigada a comunicar a sua decisão e a requerer confirmação e a entidade recorrida não tinha competência para não confirmar a decisão;
11 – É manifesto que, contrariamente, ao entendimento da entidade recorrida não existe lacuna de regulamentação no artigo 36º a ser integrada nos termos do artigo 37º: o legislador pretendeu, inequivocamente, estabelecer um regime de acesso às salas de jogos diferente daquele que estabeleceu para o acesso aos Casinos e para a expulsão das salas;
12 – O legislador quis que não tivessem acesso às salas de jogos os indivíduos cuja presença fosse considerada inconveniente pela Concessionária ou pela Inspecção Geral de Jogos, por isso, nos termos do artigo 36º, conferiu competência a ambas as entidades para recusar a emissão de cartão de entrada e para recusar o acesso a frequentadores, bastando que uma recuse para que o acesso não seja permitido;
13 – Por estar em causa a defesa de interesses diversos, nem a Concessionária, nem a Inspecção Geral de Jogos têm competência para avaliar os juízos de valor da outra parte, pelo que, a recusa de emissão de cartão de acesso por parte da Concessionária não pode ser sindicada pela Inspecção Geral de Jogos;
14 – O acto recorrido é inválido e ilegal por padecer de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, uma vez que a entidade recorrida fez errónea interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 36º, considerando que existia uma lacuna a integrar nos termos do n.º 2 do artigo 37º e, consequentemente considerando que a Recorrente estava obrigada a pedir a confirmação da sua decisão e que tinha competência para a não confirmar, o que salvo melhor entendimento não acontece;
15 – O acto recorrido é inválido e ilegal por vício de incompetência, uma vez que a entidade recorrida se arrogou de competência para confirmar as decisões da Recorrente relativas à recusa de emissão de cartões de entrada e acesso às salas de jogos tradicionais e de máquinas, quando tem apenas competência para confirmar ou não os actos de recusa de acesso ao casino e os actos de expulsão de frequentadores das salas;
16 – A competência é de ordem pública e, como ensina a Doutrina e a jurisprudência dos nossos Tribunais, não se presume nem se pode inferir, por analogia, no pressuposto de que existem lacunas a integrar, como acabou por fazer a entidade recorrida;
17 – A lei do jogo não confere ao Governo poderes de tutela administrativa sobre as concessionárias de exploração de jogo de fortuna ou azar nas suas formas correctiva, substitutiva e inspectiva, uma vez que, no caso em apreço, resulta claro que existe apenas tutela inspectiva e o acto recorrido caracteriza uma forma de tutela que, em última análise, configura tutela integrativa ou substitutiva;
18 – A intervenção tutelar tem de resultar expressamente da lei, pelo que está proibida a interpretação extensiva e analógica;
19 – O legislador não conferiu competência à Inspecção para pôr em crise a decisão de recusa de emissão de cartão de entrada ou recusa de acesso tomada pela Concessionária, não podendo a mesma ser presumida ou encontrada por recurso à analogia;
20 – O legislador regulou o acesso às salas de jogos em termos precisos e rigorosos, não existe qualquer lacuna de regulamentação e nunca, a existir, poderia ser integrada por recurso à analogia, uma vez que estamos perante normas de atribuição de competência em direito público;
21 – Os Tribunais não se encontram vinculados à interpretação da lei expressa nos pareceres da Procuradoria Geral da República.
A Excelentíssima Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer nos seguintes termos:
Com a ressalva consignada na declaração de voto do Parecer da Procuradoria Geral da República junto aos autos a fls. 279 e seguintes, no sentido de que os poderes previstos no art. 36.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, que se inscrevem na competência da Inspecção Geral de Jogos devem ser directamente exercidos e fiscalizados, podendo o Inspector decidir diversamente da concessionária, exercendo assim poderes próprios e não em sede de tutela sobre o exercício de poderes alheios, acompanhamos e subscrevemos a alegações da autoridade recorrida – cf. fls. 139 a 142 – pugnando pela improcedência do recurso.
Na verdade – e salvo o muito respeito que nos merece opinião contrária – caberá à Inspecção Geral de Jogos a competência para proceder à confirmação (ou não) de medida (de recusa de acesso à Sala de Máquinas e de Jogos Tradicionais com fundamento em presença inconveniente a quinze frequentadores), a qual decorrerá do art. 36.º do Decreto-Lei n.º 422/89, acima citado, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 5/95, de 19 de Janeiro (cuja lacuna de regulamentação jurídica se integra por analogia pelo disposto no art. 37.º, n.º 2, do dito diploma).
Acresce que o que pode preencher, «in casu», o interesse público subjacente à actividade da Inspecção Geral de Jogos é a protecção dos interesses de particulares, eventualmente à mercê do invocado interesse comercial perseguido pelas concessionárias: fls. 304 e 333.
Por que assim, somos de parecer que o recurso não merece provimento.
Notificadas as partes para se pronunciarem sobre este Parecer, apenas a recorrente se pronunciou, concluindo da seguinte forma:
a) O artigo 36º do Lei no n.º 422/89, na redacção do DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro é claro e não encerra qualquer lacuna;
b) Em sede de competência administrativa rege o princípio da legalidade da competência pelo que não há lacunas na lei;
c) O mesmo acontece em sede de tutela;
d) A existir lacuna nunca a mesma poderia ser preenchida por recurso à analogia, uma vez que possibilitaria a atribuição de competências pelo intérprete;
e) Não existe qualquer desarmonia no sistema, nem resulta violado qualquer princípio constitucional, nomeadamente o princípio da igualdade;
f) O Tribunal não se encontra vinculado à interpretação da lei veiculada nos pareceres que lhe são presentes, mas à lei nos seus precisos termos.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Com base nos elementos que constam do processo e do processo instrutor apenso, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A recorrente é concessionária da exploração de jogos de fortuna e azar na zona de jogo da ...
b) Nessa qualidade e por decisão sua e com efeitos a partir de 1-1-99, a recorrente recusou o acesso às salas de jogos tradicionais e de máquinas automáticas do casino da ... aos 15 recorridos particulares, por considerar inconveniente a presença dos mesmos naqueles locais, recusa essa a concretizar através da não emissão de cartões;
c)Esta decisão foi comunicada, por carta de 30-12-98, ao Serviço de Inspecção de Jogos junto do Casino da ..., tendo em vista a confirmação da recusa de acesso;
d) Na sequência desta comunicação, o Senhor Coordenador da Equipa da Inspecção Geral de Jogos naquele Casino proferiu, em 31-12-98, o seguinte despacho:
Relativamente à comunicação feita pela “A...”, empresa concessionária da Zona de Jogo da ..., através da Carta LPS/218/LG, de 30 de Dezembro de 1998 - pese embora a relevância dos argumentos aduzidos - decido:
a) não confirmar a medida de “recusa de acesso às Salas de Jogos Tradicionais e de Máquinas Automáticas, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artº 36º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro”, por parte de 15 frequentadores, devidamente identificados na anexa relação e com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 1999, porquanto, da análise liminar dos motivos apresentados pela empresa concessionária, não se pode inferir, inequivocamente e sem prévia averiguação tutelar, estarmos perante um grupo de jogadores cuja presença nas salas de jogos se revele inconveniente (conceito vago ou indeterminado);
b) de imediato e atento o conteúdo do Parecer n.º 44/98, votado em sessão de 24 de Setembro, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e homologado pelo Despacho n.º 780/98/SET, de 16 de Novembro, de Sua Excelência o Secretário de Estado do Turismo, mandar proceder a averiguações tendentes a apurar e ponderar as circunstâncias específicas de cada caso - mediante a inquirição das testemunhas indicadas pela A... - por forma a concluir-se, designadamente, pela prática das situações descritas no n.º 2 do artº 29º do citado diploma legal.
Casino da ..., 98.12.31
(...)
e) Este despacho foi comunicado, na mesma data, à ora recorrente através do ofício n.º 1033/98;
f) a ora recorrente interpôs recurso hierárquico deste despacho para o Senhor Inspector-Geral de Jogos;
g) Em 12-1-99, este recurso hierárquico foi remetido à autoridade recorrida, com a seguinte informação:
1. Vem o presente recurso hierárquico interposto pela A.... para o Senhor Inspector-Geral de Jogo do acto administrativo comunicado mediante o oficio n.º 1033, de 31 de Dezembro de 1998, junto. Nele se informa, de pertinente, ter o Senhor Coordenador da Equipa de Inspecção junto do casino do ... decidido não confirmar a medida adoptada pela ora recorrente de recusar o acesso às salas de jogos do casino da ... aos 15 indivíduos constantes da relação anexa à sua comunicação n.º LPS/218/LG, de 30 de Dezembro.
2. A primeira consideração a fazer sobre o assunto é a de que o acto em causa foi praticado no uso da competência subdelegada, nos termos do despacho n.º 20 806 (2' série), de 13 de Novembro de 1998, publicado no DR n.º 275, de 98.11.27. Pelo que o presente recurso deveria ter sido interposto “para o membro do governo responsável pela área do turismo”, como determina o n.º 3 do artº 38º do Dec-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Dec-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro.
3. No entanto, aquela circunstância não foi levada ao conhecimento da ora recorrente, como expressamente exige a alínea a) n.º 1 do artº 123º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Dec-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro.
4. Donde decorre dever considerar-se desculpável o erro, remetendo-se oficiosamente o recurso ao órgão competente, com notificação ao particular, de acordo com o disposto no artigo 34º n.º 1 alínea a) do mesmo Código.
5. Quanto aos fundamentos do recurso, a recorrente imputa ao acto recorrido os vícios de violação de lei e incompetência. Alega, concretamente: “Desde que considere inconveniente a presença de uma dada pessoa dentro das salas de jogos, a concessionária...nos termos daquelas disposições legais, e em particular do citado artº 36º, não só pode mas deve recusar o acesso dessa pessoa, sem que essa decisão, do exclusivo critério da concessionária, dependa da instauração de qualquer processo onde se aleguem e provem factos concretos praticados pelo frequentador” – in III, 7º.
6. Analisada a argumentação expendida, verifica-se que ela colide frontalmente com os esclarecimentos produzidos sobre a matéria pelo Parecer n.º 44/98, votado na sessão de 98-09-24 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e homologado por Despacho n.º 780/98/SET, de 98-11-16, que constituem interpretação oficial, como impõe o artigo 43º n.º 1 da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto.
7. Nesse parecer foram extraídas as seguintes conclusões:
"1 - O Governo, através do responsável pelo sector do turismo, exerce, relativamente às concessionárias de exploração do jogo de fortuna ou azar, a tutela administrativa, nas suas formas correctiva, substitutiva e inspectiva;
2 - À Inspecção-Geral de Jogos compete, no âmbito do exercício dos poderes de tutela do Governo, acompanhar, dirigir e fiscalizar a actividade das concessionárias;
3 - A competência da Inspecção-Geral de Jogos abrange não só o controlo da permanência e proibição de entrada nos casinos e salas de jogo, mas também o da reserva e recusa de acesso a estes locais;
4 - O artigo 36º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, contém uma lacuna de regulamentação jurídica a integrar, por analogia, pelo disposto no artigo 37º, n.º 2, do mesmo diploma;
5 - Ao utilizar, no Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, a expressão “presença inconveniente”, como fundamento de recusa do acesso às salas de jogo de fortuna ou azar, o legislador quis intencionalmente utilizar um conceito vago ou indeterminado, a preencher em cada caso concreto, após a ponderação das circunstâncias específicas apuradas”.
8. Louvando-nos destes fundamentos, imediatamente se conclui que o acto impugnado não padece dos vícios que a recorrente lhe assaca. Ou seja, o despacho de 31 de Dezembro findo, ora em crise, foi proferido no âmbito da competência da Inspecção-Geral de Jogos, de controlo da reserva do acesso às salas de jogos de fortuna ou azar.
9. E consistiu, em concreto, em “não confirmar a medida adoptada pela “A...,” de recusar o acesso às salas de jogos do casino da ... aos 15 indivíduos constantes da relação anexa – por não se poder inferir, inequivocamente e sem prévia averiguação estarmos perante um grupo de jogadores cuja presença nas salas de jogos se revele inconveniente. Determinando, do mesmo passo, a instauração de processo de averiguações sobre a matéria. Que se encontra em curso.
CONCLUSÕES:
1 - O presente recurso dirigido ao Senhor Inspector-Geral de Jogos deve ser oficiosamente remetido ao Senhor Secretário de Estado do Turismo, notificando-se a recorrente;
2 - E deve ser indeferido.
É o que se me afigura de informar, para os efeitos previstos no artigo 172º do Código do Procedimento Administrativo.
À consideração superior
INSPECÇÃO-GERAL DE JOGOS, em LISBOA, 1999-01-06
INSPECTOR COORDENADOR,
(...)
h)Em 18-1-99, o Senhor Secretário de Estado do Turismo proferiu o Despacho n.º 28/99/SET, com o seguinte teor:
Despacho N.4 /99/SET
Visto.
Concordando com os termos e fundamentos da Informação da Inspecção-Geral de Jogos de 06.01.99, indefiro o presente recurso dirigido ao Senhor Inspector-Geral de Jogos pela A... –., do acto administrativo comunicado mediante o oficio n.º 1033/98, de 31.12.98 da IGJ.
Notifique-se a recorrente, com conhecimento ao Senhor Inspector-Geral de Jogos.
Lisboa, 18/1/99
0 Secretário de Estado do Turismo,
(...)
i) A recorrente foi notificada deste despacho em 22-1-99;
j) Em 22-3-99, a recorrente interpôs o presente recurso contencioso deste despacho.
3 – A questão essencial que é objecto do presente recurso é a de saber se a recorrente, como concessionária de zona de jogo, tem competência para recusar ao acesso de frequentadores às salas de jogos tradicionais e de máquinas, sem necessidade de confirmação pela Inspecção Geral de Jogos.
A recorrente defende que a Inspecção Geral de Jogos tem apenas competência para confirmar ou não actos de recusa de acesso ao casino e actos de expulsão de frequentadores das salas, bem como para pôr em crise decisões de emissão de cartões de entrada ou permissões de ingresso, mas não tem competência para confirmar decisões da concessionária de recusa de emissão de cartões de entrada e acesso às salas de jogos tradicionais e de máquinas, não sendo legalmente admissível o recurso à analogia para integrar normas atributivas de competência em regime de tutela, nem existindo qualquer lacuna de regulamentação.
4 – A recorrente decidiu, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 36.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, recusar 15 frequentadores o acesso às salas de máquinas e de jogos tradicionais.
Este art. 36.º estabelece o seguinte:
Artigo 36.°
Restrições de acesso
1 - O acesso às salas de jogos de fortuna ou azar é reservado, devendo o director do serviço de jogos ou a Inspecção-Geral de Jogos recusar a emissão de cartões de entrada ou o acesso aos indivíduos cuja presença nessas salas considerem inconveniente, designadamente nos casos do n.° 2 do artigo 29.°
2 - Independentemente do disposto no número anterior, é vedada a entrada nas salas de jogos, designadamente, aos indivíduos:
a) Menores de 18 anos;
b) Incapazes, inabilitados e culpados de falência fraudulenta, desde que não tenham sido reabilitados;
c)Membros das Forças Armadas e das corporações paramilitares, de qualquer nacionalidade, quando se apresentem fardados;
d) Empregados das concessionárias que prestam serviço em salas de jogos, quando não em serviço;
e) Portadores de armas, engenhos ou matérias explosivas e de quaisquer aparelhos de registo e transmissão de dados, de imagem ou de som.
É manifesto que neste art. 36.º não se prevê, por forma expressa, a necessidade de as decisões de recusa de emissão de cartões ou de acesso proferidas pelo director do serviço de jogos serem confirmadas por qualquer entidade.
Por outro lado, relativamente às matérias de direito de acesso aos casinos e de expulsão das salas de jogos, os arts. 29.º e 37.º do mesmo diploma estabelecem o seguinte:
Artigo 29.°
Reserva do direito de acesso aos casinos
1 - As concessionárias podem cobrar bilhetes de entrada nos casinos, cujo preço não deverá exceder um montante máximo a fixar anualmente pela Inspecção-Geral de Jogos.
2 - O acesso aos casinos é reservado, devendo as concessionárias não permitir a frequência de indivíduos que, designadamente:
a) A partir das 22 horas, sejam menores de 14 anos, excepto quando maiores de 10 anos, desde que acompanhados pelo respectivo encarregado de educação;
b) Não manifestem a intenção de utilizar ou consumir os serviços neles prestados;
c) Se recusem, sem causa legítima, a pagar os serviços utilizados ou consumidos;
d) Possam causar cenas de violência, distúrbios do ambiente ou causar estragos;
e) Possam incomodar os demais utentes do casino com o seu comportamento e apresentação;
f) Sejam acompanhados por animais, exerçam a venda ambulante ou prestem serviços;
3 - Sempre que a direcção do casino exerça o dever que lhe é imposto no número anterior, deverá comunicar a sua decisão ao serviço de inspecção no casino, no prazo de vinte e quatro horas, indicando os motivos que a justificam e as testemunhas que possam ser ouvidas sobre os factos, pedindo a confirmação da medida adoptada.
Artigo 37.°
Expulsão das salas de jogos
1 - Todo aquele que for encontrado numa sala de jogos em infracção às disposições legais, ou quando seja inconveniente a sua presença, será mandado retirar pelos inspectores da Inspecção-Geral de Jogos ou pelo director do serviço de jogos, sendo a recusa de saída considerada crime de desobediência qualificada, no caso de a ordem ser dada ou confirmada pelos referidos inspectores.
2 - Sempre que o director do serviço de jogos tenha de exercer o poder que lhe confere o n° 1, deve comunicar a sua decisão ao serviço de inspecção no prazo de vinte e quatro horas, indicando os motivos que a justificam e as testemunhas que possam ser ouvidas sobre os factos, pedindo a confirmação da medida adoptada.
3 - A expulsão das salas de jogos por força do disposto nos números anteriores implica a proibição preventiva de acesso a essas salas, a decretar nos termos do artigo seguinte, e dá lugar:
a) A processo contra-ordenacional, nos termos dos artigos 144.° e seguintes, quando a expulsão se funde na prática de contra-ordenação;
b) A processo criminal, quando a expulsão se funde na prática de um crime.
Como se vê, no n.º 3 daquele art. 29.º e no n.º 2 deste art. 37.º prevê-se expressamente a necessidade de confirmação pelos serviços de inspecção das decisões das concessionárias.
Numa primeira análise, a comparação do teor expresso destes últimos artigos com o referido art. 36.º favorece a conclusão defendida pela recorrente de que a decisão do director do serviço de jogos, nas situações previstas neste art. 36.º não necessita de confirmação, pois ela não está aqui expressamente prevista, ao contrário do que sucede naqueles arts. 29.º e 37.º.
Porém, o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, devendo reconstituir o pensamento legislativo a partir dos textos legais, considerados globalmente, como exige a salvaguarda da unidade do sistema jurídico, elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do Código Civil).
Constata-se, desde logo, que a conclusão a que conduz aquela análise do teor literal daquelas disposições, a ser correcta, consubstanciaria uma situação de incongruência, em face do preceituado no n.º 3 do art. 38.º do mesmo diploma, em que se estabelece que «das decisões tomadas pelo inspector-geral de Jogos ao abrigo do disposto nos números anteriores e nos artigos 36.° e 37.° cabe recurso para o membro do Governo responsável pela área do turismo, nos termos da lei geral».
Na verdade, estando o Inspector-Geral de Jogos funcionalmente colocado, no âmbito do Decreto-Lei n.º 422/89, numa posição de supremacia em relação aos directores de serviço de jogos, com poderes de fiscalização da acção destes (enunciados, com o carácter de princípio geral, no art. 95.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 422/89), não se compreenderia que as decisões daquele proferidas directamente ao abrigo do n.º 1 do art. 36.º estivessem sujeitas controle hierárquico por uma entidade governamental e estivessem excluídas de qualquer controle administrativo, mesmo por entidade subalterna, as decisões dos directores de serviço de jogos proferidas no uso dos poderes conferidos pelo mesmo art. 36.º, idênticos aos dos inspectores de jogos.
Assim, sendo intolerável, em termos da congruência valorativa do sistema jurídico, a aceitação de um regime legal nos termos do qual o mesmo legislador que viu no interesse público ( ( ) Interesse público que não é constituído apenas pelos interesses próprios da Administração, designadamente o de obter proveitos patrimoniais, mas que abrange também a garantia da salvaguarda dos direitos individuais, mesmo os não qualificáveis como fundamentais, como componente primacial da legalidade democrática por cujo cumprimento as entidades públicas devem zelar [arts. 18.º, n.º1, 199.º, alínea f), e 266.º, n.º 1, da C.R.P.]. ) em causa nas decisões proferidas ao abrigo do art. 36.º importância suficiente para abrir a porta à intervenção de uma entidade da cúpula da Administração Estadual quando eles são objecto de uma decisão de um órgão da Administração se tenha desinteressado completamente desses interesses quando eles são ponderados por uma entidade privada a quem atribuiu funções de menor relevo do que àquele órgão, é forçosa a conclusão de que a unidade do sistema jurídico não pode deixar de reclamar a existência de um qualquer meio de controle administrativo para as decisões desta última entidade, que possa garantir que não são postos em causa os interesses públicos a se atribui tanto relevo.
Por outro lado, não variando a importância dos interesses públicos em causa conforme as decisões proferidas ao abrigo do referido art. 36.º sejam proferidas por um director de serviço de jogos ou pela inspecção de jogos, a congruência legislativa exigirá que seja sempre possível a intervenção daquela mesma entidade governamental para decidir, em última instância administrativa, sobre aquelas matérias.
Neste contexto, sendo a única via prevista no Decreto-Lei n.º 422/89 para a intervenção desta entidade governamental o recurso referido no n.º 3 do art. 38.º, a interpor das decisões do inspector-geral de Jogos, tem de concluir-se que todas as decisões proferidas ao abrigo do art. 36.º pelos directores do serviço de jogos estão sujeitas ao controle deste órgão.
A correcção deste entendimento confirma-se pelo princípio geral sobre o âmbito dos poderes de inspecção, enunciado no art. 95.º do Decreto-Lei n.º 422/89, em que cujo n.º 4 se atribui expressamente à Inspecção Geral de Jogos competência fiscalizadora da actividade das concessionárias em matéria de «aplicação de medidas preventivas e cautelares de inibição de acesso às salas de jogo», categoria em que se inserem as medidas previstas no n.º 1 do art. 36.º. Para além de neste art. 95.º não se estabelecer qualquer restrição a esta como fiscalizadora nesta matéria, não se vislumbra qualquer explicação razoável para se abrir uma excepção a esta regra nas situações previstas no referido art. 36.º. Não há, assim, necessidade de qualquer aplicação analógica ou mesmo de interpretação extensiva para fundamentar a competência da Inspecção-Geral de Jogos, pois ela é-lhe atribuída globalmente, para toda a matéria em que se enquadra a situação em apreço. Lacuna de regulamentação poderá existir apenas no que concerne à forma como tal competência fiscalizadora se deve concretizar na situação prevista naquele art. 36.º.
5 – Na verdade, não se refere neste art. 36.º qual a forma como o controle das decisões do director de serviços de jogos aí previstas pode ser assegurado pelo Inspector-Geral de Jogos.
Porém, sendo a existência deste controle pressuposta pelo referido n.º 3 do art. 38.º, tem de ter-se por seguro que falta de indicação do processamento a adoptar constitui uma lacuna de regulamentação e não a manifestação de um intenção legislativa de inexistência de controle.
Havendo uma lacuna de regulamentação, ela tem de ser preenchida prioritariamente por via analógica, como impõe o n.º 1 do art. 10.º do Código Civil.
A esta aplicação analógica não é obstáculo o facto de o art. 11.º do Código Civil proibir a aplicação analógica de normas excepcionais e a tutela ter carácter excepcional no que concerne a órgãos que detêm em nome próprio poderes de autoridade. Com efeito, a tutela apenas assume carácter excepcional nos casos em que em que é exercida sobre entidades que detêm em nome próprio poderes de autoridade. O direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado (art. 9.º do Decreto-Lei n.º 422/89) sendo os poderes de que gozam transitoriamente as concessionárias, durante a vigência da concessão, poderes próprios do Estado. ( ( )Como se salienta no douto Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República junto aos autos. ) Nesta matéria de concessões, a tutela pelo concedente é que é a regra, enunciada pela fórmula «o concessionário gere, a Administração controla» ( ( )PEDRO GONÇALVES, A concessão de serviços públicos, 1999, página 246, citando LINOTTE/MESTRE, Services publics et droit public économique, página 310, e GARRIDO FALLA, Tratado de Derecho Administrativo, volume II, página 333. ), sendo o poder de fiscalização inerente à relação de concessão, com suporte legal no art. 180.º, alínea d), em que se atribui à Administração, nos contratos administrativos, o poder de «fiscalizar o modo de execução do contrato». ( ( ) PEDRO GONÇALVES, Obra citada, página 247, que acrescenta, citando ELIO CASETTA, Vigilanza e tutela dello Stato sulle società concessionarie do pubblici servizi, página 297, que «o controlo sobre o concessionário não é uma ocorrência excepcional, estando implicado no uso da técnica concessória». )
Por isso, não há qualquer obstáculo à possibilidade de integração da lacuna referida através da analogia.
No caso em apreço, é manifesto que essa analogia existirá não só com a situação reguladas no n.º 3 do art. 29.º (em que se prevê comunicação a fazer pela direcção do casino), mas principalmente com a do n.º 2 do art. 37.º, em que se prevê a necessidade comunicação pelos directores de serviço de jogos ao serviço de inspecção das decisões por aqueles proferidas, no prazo de 24 horas, com a respectiva motivação e testemunhas que possam ser ouvidas, pedindo a confirmação da medida adoptada.
Trata-se, na verdade, de situações absolutamente análogas, não só por estar em causa o relacionamento entre as mesmas entidades, mas também porque os interesses em causa são precisamente os mesmos.
6 – A esta luz, pode passar-se à apreciação dos vícios concretamente imputados ao acto recorrido pela recorrente.
Como é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal Administrativo, consideram-se abandonados vícios indicados na petição de recurso que não sejam levados às conclusões das alegações. ( ( )Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos:
– de 1-3-90, proferido no recurso n.º 19404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-1-95, página 1517
– de 18-10-90, proferido no recurso n.º 17228, publicado em Apêndice ao Diário da República de 22-3-95, página 5908;
– de 14-11-95, proferido no recurso n.º 32732, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-4-98, página 8789
– de 11-7-96, proferido no recurso n.º 36414, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.° 459, página 323;
– de 23-1-96, proferido no recurso n.º 33823, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-8-98, página 385. )
Por isso, não há que tomar conhecimento do vício de violação do princípio da boa fé a que a recorrente alude no art. 78.º da petição de recurso, mas que não foi levado às conclusões das alegações.
Conclui-se do exposto que o acto recorrido não enferma dos vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de direito que a recorrente lhe imputa, pois é correcta a posição nele adoptada sobre a possibilidade e a necessidade de integrar a lacuna de regulamentação detectada no do art. 36.º com o regime previsto n.º 2 do art. 37.º do Decreto-Lei n.º 422/89, e, assim, sobre a obrigação da recorrente pedir a confirmação da referida decisão do Senhor Director do Serviço de Jogos relativa à recusa de emissão de cartões de entrada e acesso às salas de jogos tradicionais e de máquina e sobre a competência da Inspecção Geral de Jogos para esta confirmação.
Por outro lado, no que concerne a esta competência não há sequer necessidade de fazer apelo à analogia, pois a competência da Inspecção Geral de Jogos para fiscalizar a actividade das concessionárias em matéria de «aplicação de medidas preventivas e cautelares de inibição de acesso às salas de jogo», resulta global e directamente do n.º 4 do art. 95.º do Decreto-Lei n.º 422/89, para todas as situações em que se entenda dever haver concretização dessa actividade fiscalizadora.
No que concerne à forma de tutela, independentemente da designação conceitual aplicável, é seguro, pelo que se disse, que ela abrange o concreto poder de confirmação das decisões dos directores do serviço de jogo referidas no n.º 1 do art. 36.º, não havendo qualquer obstáculo à aplicação analógica da norma do n.º 2 do art. 37.º, ambos daquele Decreto-Lei.
Improcedem, assim, todos os vícios imputados pela recorrente ao acto recorrido.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 400 euros e procuradoria de 50%.
Lisboa, 22 de Maio de 2002.
Jorge de Sousa – Relator – Costa Reis – Abel Atanásio.