Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0365/18.8BEVIS
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRS
INÍCIO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DE PRAZO
INQUÉRITO CRIMINAL
Sumário:I - O n.º 5 do artº 49º da Lei Geral Tributária atribuiu efeito suspensivo à existência do inquérito criminal em que estejam em investigação factos atinentes a uma concreta dívida tributária, e determina que a duração da suspensão se inicia com a instauração do inquérito e cessa com o arquivamento ou trânsito em julgado da sentença.
II - Tendo esta lei, que veio instituir um novo facto suspensivo do prazo de prescrição, sido publicada em 31 de Dezembro de 2012 com a menção expressa de que entrava em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013, é imperioso o entendimento de que entrou em vigor nessa data e porque a instauração do inquérito se achava em curso de constituição, passou o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova pois foi na vigência desta que a constituição (ou seja, o facto constitutivo ”completo”) se veio a verificar.
Nº Convencional:JSTA000P25995
Nº do Documento:SA2202006030365/18
Data de Entrada:02/13/2020
Recorrente:A...............
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1– Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A…………, melhor identificado nos autos, visando a revogação da sentença de 31-10-2019, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que, no âmbito de dívida relativa a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares do ano de 2007, julgou improcedente oposição judicial deduzida à execução fiscal nº 2690201801010220, no montante total inicial de Eur 455.304,35 e acrescidos, julgou (i) extinta parcialmente a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao montante da dívida exequenda de €225,76 e (ii) improcedente a oposição intentada, mantendo-se, em consequência, a execução fiscal n.º 2690201801010220 quanto ao demais montante, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido de extinção total da execução fiscal.

Inconformado, nas suas alegações, formulou o recorrente A………… as seguintes conclusões:

“1 - Uma dívida de IRS de 2007 inicia, ope legis, o início do decurso do prazo de prescrição tributária ordinário de 8 anos em 31 de Dezembro de 2007 – art. 48º nº 1 da LGT;
2 - Não existindo, conforme se julgou provado, qualquer citação, reclamação, recurso hierárquico, impugnação ou pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, até ao momento da cobrança, que ocorre em virtude da instauração da execução em 02/07/2018, inexistiu causa interruptiva da prescrição.
3 - As normas que dispõem sobre as causas de suspensão ou de interrupção do prazo de prescrição não são normas que estatuam sobre o conteúdo da relação jurídico-tributária ou normas sobre prazos mas sim normas que dispõem sobre os efeitos (interruptivos os suspensivos) de determinados factos - citação, reclamação, recurso hierárquico, impugnação, pedido de revisão oficiosa da liquidação do imposto, pagamento em prestações legalmente autorizadas e a existência de inquérito criminal - e que por isso só se aplicam aos factos novos (artº 12º nº 2 - 1ª parte do Código Civil).
4 - A nova causa de suspensão da prescrição, introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro de 2012, plasmada na introdução do nº 5 do art. 49º da LGT, vigente a partir de 01 de Janeiro de 2013, não produz quaisquer efeitos naquela relação tributária, IRS de 2007, porque só se aplica a factos novos, ocorridos após a sua entrada em vigor.
5 - As normas que inovam quanto às causas de suspensão ou interrupção da prescrição só se aplicam a factos ocorridos após a sua entrada em vigor, nos termos do disposto na 1ª parte do nº 2 do art. 12º do Código Civil.
Normas violadas: art. 8º, 48º nº 1, art. 49º nº 5 e art. 55º da LGT e art. 12º nº 2 do Código Civil
Nestes Termos,
Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado, e, consequentemente, declarada a prescrição da dívida em execução,
Assim se fazendo Justiça.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:

A……………. vem interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 31 de Outubro de 2019, que julgou improcedente oposição judicial deduzida à execução fiscal nº 2690201801010220, contra si instaurada pelo Serviço de Finanças de Tarouca para cobrança coerciva de dívidas de RS, do ano de 2007, no valor global de €455.304,35 (cf. sentença, composta de vinte e duas (22) consultável no SITAF).
Como melhor se alcança da análise da motivação sub judice, o Recorrente, invocando, erro de julgamento da matéria de direito, pretende com o presente recurso jurisdicional a revogação por este tribunal ad quem da, aliás, douta sentença proferida pelo tribunal a quo.
Uma vez que, no seu entendimento, ocorreu a prescrição da dívida exequenda.
Ora resulta expressamente da lei e é univocamente reconhecido pela jurisprudência que o âmbito do presente recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria nelas não inserida, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282º, nº 5 a 7 do CPPT e 635º, nº 4, do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex. vi do artigo 281º do CPPT.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato

DO MÉRITO DO RECURSO
A Mmª Juíza a quo a julgou a oposição improcedente.
Para tanto, considerou que o prazo de prescrição ainda se encontra suspenso, dado que no processo de inquérito, até à presente data, ainda não ocorreu arquivamento ou prolação de sentença com trânsito em julgado.
Pelo que, mostrando-se prazo de prescrição suspenso e verificada a citação do Oponente, ora Recorrente, cujo efeito interruptivo se produzirá logo que cessar a suspensão, o prazo de prescrição de oito anos da dívida exequenda ainda não atingiu o seu termo
O Oponente, ora Recorrente, discorda desse entendimento, entendendo que a dívida exequenda se encontra prescrita uma vez que a causa de suspensão da prescrição introduzida pela Lei nº66-B/2012, de 31/12/2012, plasmada no artigo 49º, nº5, da LGT, vigente a partir de 1/01/2013, não produz quaisquer efeitos quanto ao IRS de 2007, uma vez que só se aplica a factos novos, ocorridos após a sua entrada em vigor.
Vejamos se lhe assiste razão.
Está em causa nos presentes autos uma dívida de IRS referente ao ano de 2007.
Ora sendo o IRS qualificado como um imposto periódico, o termo inicial do prazo de prescrição conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
Ou seja, decorridos oito anos sem qualquer facto interruptivo ou suspensivo a atender (cf. artigo 48º, nº1, da LGT).
Nesta conformidade, in casu, o prazo de prescrição, que se iniciou em 31/12/2007, completar-se-ia em 31/12/2015, visto não se verificar a ocorrência de qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição.
Acontece que a Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro aditou ao artigo 49º, da LGT o nº 5 que refere: “O prazo de prescrição legal suspende-se ainda, desde a instauração de inquérito criminal até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença”. E, em 15/02/2010 foi instaurado um inquérito criminal relativo a crime de fraude fiscal que envolvia a divida de IRS em questão nestes autos, a par de outras, que, em 13/05/2018, ainda se encontrava pendente estando para breve a dedução da acusação.
Trata-se, pois, de um problema de aplicação de leis no tempo, relativo aos efeitos suspensivos e interruptivos do prazo de prescrição do IRS, o qual, como é sabido, é um imposto qualificado como periódico.
À situação em apreço será assim aplicável o artigo 12º, nº 2, do CC que estabelece que: “Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; Mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes derem origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
Como ensina Baptista Machado, em Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, pág. 243, “achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova”.
E isto porque “é na vigência desta que a constituição (ou seja, o facto constitutivo” completo”) se vem verificar” (sublinhado nosso).
Ora, à data da entrada em vigor da referida Lei nº 66-B/2012, de 31/12 (1/01/2013), ainda estava em curso o prazo de prescrição da dívida exequenda de IRS.
Sendo certo que o nº 5 do artigo 49º, da LGT, introduzido pela acima mencionada Lei atribuiu efeito suspensivo á existência de um qualquer inquérito criminal, naturalmente em que estejam em investigação factos atinentes a uma concreta dívida tributária,
E refere que a duração da suspensão vai da instauração do inquérito até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença,
Assim sendo, a pendência desse inquérito criminal determina a suspensão do prazo de prescrição, sendo irrelevante, por ora, que o inquérito tenha sido instaurado em 2010.
O certo é que em 1/01/2013, ou seja, muito antes de se completar o prazo de prescrição, ficou este suspenso por força do disposto no artº 49º, nº 5 da LGT. Consequentemente, não ocorrendo a invocada prescrição, o recurso não merece provimento.
CONCLUSÃO
Destarte, nos termos e com os fundamentos expostos deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, manter-se integralmente a douta sentença recorrida.”
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. Em 15/02/2010, foi autuado pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, Secção única, o processo de inquérito n.º …………, contra os ali suspeitos, as sociedades B……….. Group e C……………., L.da, e A…………., aqui Oponente – cfr. Doc. de fls. 48 do processo físico.
2. Com data de 19/02/2010, pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, foi dado conhecimento à Direção de Finanças de Viseu, do seguinte despacho proferido pelo Procurador da República no âmbito do processo de inquérito n.º ………… a que se alude em 1):
“(…) Objecto do Processo e Competência do DCIAP
Estão em causa nos presentes autos factos que foram verificados primeiro por via dos procedimentos de prevenção do branqueamento e depois por trabalho da Inspecção Tributária. Tais factos traduzem-se na utilização da entidade B…….. para servir como broker nas aquisições realizadas pela sociedade C………….., LDA
(…)
A B……., que é uma of-shore registada nas Ilhas …… na ……., tem como acionista e beneficiário o A………, também sócio da C……….. (…)
(…)
Tal circuito de fundos parece ter-se iniciado em 2000 e prolonga-se até aos nossos dias, sendo certo que, só em 2008, em nome da B………. terão sido emitidas facturas, contabilizadas pela C………., num valor superior a dois milhões de euros.
.
Indicia-se existirem outros circuitos entre os intervenientes, uma vez que foram detectados cheques, no montante de cerca de 750.000,00€, emitidos pela C………. à ordem da B…….., mas que foram directamente depositados numa conta pessoal do A……., tendo como suporte uma promessa de venda deste último à B…….. de uma participação no capital social da C…….. – contrato de folhas 48.
Suspeita-se assim, que o A……. está a utilizar uma sociedade instrumental, por si controlada, para retirar fundos da empresa C……., ao mesmo tendo que faz produzir facturas em nome da B…….. de forma a aumentar a estrutura dos custos da sociedade nacional, gerando assim vantagens patrimoniais em sede de IRC e de IRS.
Tais factos são susceptíveis de integrar a prática de crimes de fraude fiscal qualificada, p.e p. nos arts. 103º-1 a) e c) e 104º-1 d) e f) e 2 do RGIT, e ainda de branqueamento de capitais, p.e p. no art. 368º-A – 1, 2 e 3 do Cod. Penal e de abuso de confiança, p. e p. no art. 205º-1 e 4b) do Cod. Penal.
(…)
Tais factos integram a competência investigatória deste DCIAP, importando garantir a existência de uma investigação coordenada, se bem que nada impeça aqe o OPC a designar seja a Inspecção Tributária de Viseu (…)”
- cfr. Doc. de fls. 103 a 106 do processo físico.
3. Com data de 06/01/2011, o Diretor de Finanças de Viseu dirigiu ofício ao Procurador da República junto do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, e por referência ao processo de inquérito n.º ………, solicitando a indicação da data prevista para o início das diligências à empresa C……….. e ao seu sócio gerente A…….., uma vez que segundo os dados recolhidos no processo haveriam factos que indiciam a ocultação de rendimentos nos exercícios de 2007 a 2009 – cfr. doc. de fls. 106 verso, do processo físico.
4. Em resposta ao ofício a que se alude em 3), foi pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, informado que já haviam sido obtidos mandados para realização de diligências e que dada a instauração daquele Inquérito crime, o prazo de caducidade da liquidação será até ao seu termo, mais se remetendo cópia de documentos de suporte relativos a apensos bancários – cfr. Doc. de fls. 107 do processo físico.
5. Em 06/06/2011, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu, foi emitida, por referência a A………, aqui Oponente, e D………., a Ordem de Serviço n.º OI201100854, para “Procedimento de Inspecção Externa”, de âmbito parcial – IRS e extensão ao ano de 2007 – cfr. Doc. de fls. 95 verso do processo físico.
6. Em 12/12/2011, a Ordem de Serviço a que se alude em 5), no campo adstrito à assinatura do(s) sujeito(s) passivo(s) por referência à tomada de conhecimento do conteúdo da Ordem de Serviço, mostra-se assinada pelo sujeito passivo, aqui Oponente - cfr. Doc. de fls. 95 verso do processo físico.
7. Em 08/03/2012, na sequência da emissão pelo Diretor de Finanças de Viseu de mandado para notificação de A……….., aqui Oponente, e D…….., foi elaborada “CERTIDÃO DE NOTIFICAÇÃO”, dando nota da notificação do Oponente, do relatório de decisão de aplicação de métodos indiretos e seus anexos elaborado no procedimento inspetivo credenciado pela OI201100854, a que se alude em 5) – cfr. fls. 96 do processo físico.
8. A decisão do Diretor de Finanças de Viseu a que se alude no ponto que antecede resultou da existência de uma divergência não justificada superior a um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelos sujeitos passivos, aqui Oponente e mulher, nos períodos de tributação de 2007 e 2008, tendo sido fixado o rendimento líquido de € 974.240,80 no ano de 2007, tendo por base factualidade respeitante a emissão de cheques relativos à sociedade C……. e B……., depositados em contas bancárias do aqui Oponente – cfr. Doc. de fls. 96 do processo físico, petição inicial do recurso apresentado pelo Oponente de fls. 50 a 57 do processo físico, e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 28/09/2017 que manteve a decisão de primeira instância proferida no processo n.º 168/12.3BEVIS que neste tribunal correu termos, de fls. 58 a 92 do processo físico.
9. Em 19/03/2012, A…………, aqui Oponente, e D……….., apresentaram junto deste tribunal, ao abrigo do artigo 89.º-A da LGT e 146.º - B do CPPT, recurso judicial contra a decisão do Diretor de Finanças de Viseu de tributação por avaliação indireta referida em 7) e 8), o qual deu origem ao processo n.º 168/12.3BEVIS – cfr. petição inicial de fls. 50 a 57 do processo físico.
10. O processo de recurso a que se alude em 9) foi, por sentença deste tribunal, julgado improcedente, tendo sido interposto recurso jurisdicional pelos ali recorrentes, aqui Oponente e mulher, para o Tribunal Central Administrativo Norte, o qual por Acórdão de 28/09/2017, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida – cfr. Acórdão de fls. 58 a 92 do processo físico.
11. Do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte a que se alude em 10), os ali recorrentes interpuseram recurso jurisdicional por oposição de Acórdãos para o Supremo Tribunal Administrativo, que ali correu termos com o n.º 14/18-50, o qual por Acórdão de 18/04/2018, foi julgado findo por inexistência de oposição de Acórdãos – cfr. Acórdão de fls. 27 a 36 do processo físico.
12. Nos termos em que se mostra certificado pela Secção do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, o Acórdão proferido em 18/04/2018, a que se alude em 11), transitou em julgado na data de 03/05/2018 – cfr. certidão emitida pela Secção do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, de fls. 27 do processo físico.
13. Em 15/05/2018, em resultado da decisão do Diretor de Finanças de Viseu de aplicação de métodos indiretos efetuada no procedimento inspetivo credenciado pela OI201100854 a que se alude em 7) e 8), mantida após improcedência do recurso judicial apresentado referido de 9) a 12), por referência ao aqui Oponente e mulher, foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 2018 5003686892, relativa ao ano de 2007, no valor a pagar de imposto de € 392.965,43 e juros compensatórios de € 61.444,79, perfazendo o total de € 454.410,22, a qual originou a demonstração de acerto de contas n.º 2018 3748819, que por estorno com a liquidação anterior n.º 2013 4005504053, resultou num montante total a pagar de € 455.304,35 - cfr. demonstração das liquidações de imposto e juros compensatórios e de acerto de contas, juntas na p.i. como Doc. n.º 2, de fls. 11 a 13 do processo físico, e prints eduzidos dos sistema informático da AT, de fls. 38 a 39, do processo físico.
14. Em 18/05/2018, na sequência da emissão pelo Diretor de Finanças de Viseu de mandado para notificação de A………, aqui Oponente, foi elaborada “CERTIDÃO DE NOTIFICAÇÃO”, dando nota da notificação do Oponente, da liquidação de IRS de 2007 n.º 2018 5003686892, a que se alude em 13), e demonstrações de compensação e juros compensatórios juntas, “originada pela correção referente à aplicação de métodos indiretos, conforme alínea f) do art.º 87º e nº5 do art.º 89º-A da Lei Geral Tributária, no âmbito da Ordem de Serviços n.º OI201100854”, bem como para até à data limite indicada, de 25/06/2018, efetuar o pagamento do valor apurado de € 455.304,35, a qual se mostra assinada pelo aqui Oponente – cfr. fls. 38 a 39 verso do processo físico.
15. Em 29/06/2018, foi emitida por referência ao aqui Oponente e mulher, e ao ano de 2007, nova liquidação de IRS com o n.º 2018 5005338072 e nova demonstração de acerto de contas com o n.º 2018 6658185, atinente a regularização a favor dos sujeitos passivos da nota de cobrança respeitante à liquidação anterior n.º 2018 5003686892, descrita em 13), no valor de € 225,76, ali sendo dado nota que “face ao resultado demonstrado, poderão, no entanto, manter-se em dívida valores provenientes de liquidações anteriores” – cfr. demonstração das liquidações de imposto e juros compensatórios e de acerto de contas, juntas na p.i. como Doc. n.º 2, de fls. 14 a 16 do processo físico
16. Em 02/07/2018, pela Autoridade Tributária e Aduaneira foi extraída a certidão de dívida n.º 2018/1117194, relativa à dívida da liquidação de IRS do ano de 2007 a que se alude em 13), no valor total de € 455.304,55, e com data limite de pagamento voluntário até 25/06/2018, com base na qual foi autuado na mesma data, pelo Serviço de Finanças de Tarouca, o processo de execução fiscal n.º 2690201801010220 – cfr. certidão de dívida de fls. 96 verso e 97, do processo físico.
17. Na mesma data de 02/07/2018, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2690201801010220, pela Autoridade Tributária e Aduaneira foi emitida e dirigida ao aqui Oponente, por carta sob registo postal com aviso de receção, “Citação pessoal”, com identificação da dívida como sendo de IRS de 2007, no valor de quantia exequenda de € 455.304,35, acrescida do valor de juros de mora em execução fiscal e custas do processo, cujo aviso de receção se mostra assinado por terceira pessoa na data de 06/07/2018, – cfr. cópia da citação junta como Doc. n.º 1 da petição inicial, a fls. 10 do processo físico, e aviso de receção, a fls. 41 do processo físico.
18. Em 03/07/2018, por força da liquidação de IRS e demonstração de acerto de contas a que se alude em 15), a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu nota de anulação parcial da certidão de dívida n.º 2018/1117194 descrita em 16), no valor de € 225,76, refletida no processo de execução fiscal na data de 03/9/2018 – cfr. facto admitido mo ponto 27.º da contestação, e nota de anulação n.º 2018/321278, a fls. 97 verso do processo físico, cópia da liquidação de fls. 14 a 16, do processo físico.
19. Em 10/08/2018, o Oponente remeteu via correio sob registo, ao serviço de finanças de Tarouca, a petição inicial que deu origem à presente Oposição – cfr. fls. 1 a 21 do processo físico.
20. Nos termos em que veio informado a estes autos por despacho da Procuradora da República do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, Secção Única, na data de 13/05/2018, o inquérito n.º …………, a que se alude em 1), “(…) no qual se investiga a prática de crimes de fraude fiscal qualificada, p.p. pelo art. 104º/1 e 2 do RGIT (ocultação de rendimentos tributáveis, em sede de IRS, anos 2007 e 2008; e, omissão de declaração voluntária pelos contribuintes A………… e mulher, D……….) e, ainda, de crimes de abuso de confiança (p.p. pelo art. 205º/1 e 4, do Código Penal) e de branqueamento de capitais (p.p. pelo art. 368º-A/1, 2 e 3 do Código Penal”, e no qual “o cidadão e contribuinte fiscal, A…………… foi constituída arguida e relativamente aos factos (incluindo factos respeitante ao direito à liquidação” originadora da dívida exequenda suscetíveis de integrar a prática de crimes supra referidos”, ainda se mostra suspenso, sendo que, tal como informado, “em breve, o Ministério Público deduzirá acusação.” – cfr. Docs. de fls. 114 a 117, do processo físico.
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao montante da dívida exequenda de € 225,76 e improcedente a Oposição quanto ao demais montante, padece de erro de julgamento por ter ocorrido a prescrição da dívida exequenda, tendo em conta vez que a causa de suspensão da prescrição introduzida pela Lei nº 66-B/2012, de 31/12/2012, plasmada no artigo 49º, nº 5, da LGT, vigente a partir de 1/01/2013, não produz quaisquer efeitos quanto ao IRS de 2007, já que só se aplica a factos novos, ocorridos após a sua entrada em vigor.
Vejamos.
Na sentença recorrida foi perfilhado o entendimento de que o prazo prescricional ainda se encontra suspenso, dado que no processo de inquérito, até à presente data, ainda não ocorreu arquivamento ou prolação de sentença com trânsito em julgado pelo que o aludido prazo de prescrição se encontra suspenso e verificada a citação do Oponente, ora Recorrente, cujo efeito interruptivo se produzirá logo que cessar a suspensão, o prazo de prescrição de oito anos da dívida exequenda ainda não atingiu o seu termo.
Dissentindo dessa argumentação, a oponente e ora Recorrente, sustenta que a dívida exequenda se acha prescrita porquanto a causa de suspensão da prescrição introduzida pela Lei nº 66-B/2012, de 31/12/2012, plasmada no artigo 49º, nº 5, da LGT, vigente a partir de 1/01/2013, não produz quaisquer efeitos quanto ao IRS de 2007, dado que só se aplica a factos novos, ocorridos após a sua entrada em vigor.
Aquilatando.
Patenteia o probatório que nos presentes autos estamos perante uma dívida proveniente de IRS alusivo ao ano de 2007.
Por assim ser, sendo inquestionável que se trata de um imposto periódico, o termo a quo do prazo de prescrição conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, concretamente, decorridos (8) oito anos sem qualquer facto interruptivo ou suspensivo a observar (cf. artigo 48º, nº 1, da LGT).
É, por isso, pacífico e incontrovertido, que o prazo de prescrição, que se iniciou em 31/12/2007, teria o seu termo ad quem no dia 31/12/2015, visto não se verificar a ocorrência de qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição.
Mas será que essa conclusão é infirmável nos termos fixados na sentença ancorando-se na Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro aditou ao artigo 49º, da LGT o nº 5.
Na sua redacção originária, os art.ºs 48º e 49º da LGT conciliavam assim:
Artigo 48º -Prescrição
1 – As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
2 – As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3 – A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.»
Artigo 49º -Interrupção e suspensão da prescrição
«1 – A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 – O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
Sucede que a Lei nº 100/99, de 26/6, alterou os nºs. 1 e 3 deste art. 49º, tendo a Lei nº 55-B/2004, de 30/12, e ao que ao caso releva, alterado o nº 1 daquele art. 48º da LGT, o qual ficou com a redacção seguinte:
«1 – As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.»
Todavia – e aqui radica a vexata quaestio - a Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro aditou ao artigo 49º, da LGT o nº 5 vindo estabelecer que: “O prazo de prescrição legal suspende-se ainda, desde a instauração de inquérito criminal até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença”, sendo que, como se apurou nos autos e foi levado ao probatório, em 15/02/2010, foi instaurado um inquérito criminal relativo a crime de fraude fiscal que envolvia a dívida de IRS em questão nestes autos, a par de outras, que, em 13/05/2018, ainda se encontrava pendente estando para breve a dedução da acusação.
Como bem denota o Magistrado do Ministério Público junto deste STA, a questão decidenda prende-se fundamentalmente com a aplicação de leis no tempo, conexo com os efeitos suspensivos e interruptivos do prazo de prescrição do IRS, o qual, como se disse e é consensual, é um imposto qualificado como periódico.
Esse problema resolve-se mediante a aplicação do princípio geral ínsito no artigo 12º, nº 2, do CC que institui que: “Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; Mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes derem origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
Na senda do douto Parecer, são aqui válidas as habituais considerações, sempre tempestivas, do ilustre doutrinador Baptista Machado, vertidas na sua Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, pág. 243, “achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova” (…) visto que …“é na vigência desta que a constituição (ou seja, o facto constitutivo” completo”) se vem verificar”.
Por assim ser, uma vez que: (i) à data da entrada em vigor da referida Lei nº 66-B/2012, de 31/12 (1/01/2013), ainda estava em curso o prazo de prescrição da dívida exequenda de IRS; (ii) o nº 5 do artigo 49º, da LGT, introduzido pela acima mencionada Lei conferiu efeito suspensivo à existência de um qualquer inquérito criminal, naturalmente em que estejam em investigação factos atinentes a uma concreta dívida tributária, e refere que a duração da suspensão vai da instauração do inquérito até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença; (iii) a pendência desse inquérito criminal determina a suspensão do prazo de prescrição, sendo irrelevante, por ora, que o inquérito tenha sido instaurado em 2010, é imperioso concluir que, muito antes de se completar o prazo de prescrição, ficou este suspenso por força do disposto no artº 49º, nº 5 da LGT e, assim, não se verificou a sustentada prescrição.
Nesse mesmo sentido se pronunciou o Acórdão proferido em 25/02/2015 no processo n.º 0136/15, em que doutrina justamente que o artigo 49º, nº 5 da LGT, introduzido pela Lei nº 66-B/2012, de 31/12, veio atribuir "efeito suspensivo à existência de um qualquer inquérito criminal, naturalmente em que estejam em investigação factos atinentes a uma concreta dívida tributária e diz que a duração da suspensão vai da instauração do inquérito até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença."
Para tanto e na parte mais elucidativa desenvolveu o seguinte argumentário.
“(...)
Com efeito, esta nova redacção do preceito e este novo modo de contagem do prazo de prescrição são já aplicáveis no presente caso, dado que se trata de prazos que estavam em curso no início da vigência da lei que introduziu tal alteração, não havendo aqui qualquer aplicação retroactiva da nova disposição legal, uma vez que, (...), o facto extintivo do direito à cobrança coerciva da dívida tributária é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo (o início do prazo em momento temporal determinado) – cfr. o segmento final do nº 2 do art. 12° do CCivil (entendimento idêntico tem, aliás, vindo a ser afirmado pela jurisprudência desta secção do STA, a propósito da alteração do prazo de caducidade da liquidação, após a alteração introduzida no nº 4 do art. 45º da LGT pela Lei nº 32-B/2002, de 30/12, como pode ver-se, entre outros, dos acs. de 26/11/08, no rec. nº 598/08; de 20/5/09, no rec. nº 293/09; de 25/6/09, no rec. nº 1109/08; e de 3/3/10, no rec. nº 1076/09).
Na verdade, como se refere neste último aresto, citando a lição de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2002, pags. 235 e 242/243), « (…) nada impede que a lei nova se aplique a factos passados que ela assume como pressupostos impeditivos ou desimpeditivos (isto é, como pressupostos negativos ou positivos) relativamente à questão da validade ou admissibilidade da situação jurídica, questão essa que é da sua exclusiva competência» e «tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento do início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova».
Assim, não sendo o início do prazo de prescrição, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à cobrança da dívida por parte da AT, é de concluir que, por aplicação da regra contida no segmento final daquele nº 2 do art. 12° do CCivil e no nº 1 do art. 12º da LGT, a nova redacção do preceito é aplicável ao presente caso».
Do que vem dito, é de concluir que o recurso não merece provimento e que a sentença recorrida merece acolhimento na ordem jurídica.

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3- Decisão:

Termos em que acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.
Remeta cópia da presente decisão à Procuradoria da República da Comarca de Viseu - Departamento de Investigação e Acção Penal – 2ª Secção de Lamego, Processo n.º ………, logo que ocorra o trânsito em julgado da mesma

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Lisboa, 3 de junho de 2020. – José Gomes Correia (relator) – Nuno Bastos – Gustavo Lopes Courinha.