Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0384/11
Data do Acordão:07/06/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:VERIFICAÇÃO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - Após as alterações introduzida no Código de Procedimento e de Processo Tributário pela Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, os Tribunais Tributários continuam a ter competência para conhecer da matéria relativa à verificação e graduação de créditos, tendo ocorrido apenas uma alteração da via ou forma processual adequada ao seu conhecimento, que deixou de ser o processo judicial de verificação e graduação de créditos, para ser o processo judicial de reclamação da decisão proferida pelo órgão da execução sobre a matéria, passando, assim, esta reclamação a constituir a forma processual de exercer a tutela jurisdicional no que toca à verificação e graduação de créditos.
II - Quanto à aplicação no tempo da lei processual civil e tributária, a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva - artigo 12.º, n.º do C.Civil e artigo 12.º, n.º 3 da LGT. Porém, da submissão a esta regra geral exceptua-se o caso de a lei nova ser acompanhada de normas de direito transitório ou de para ela valer uma norma especial, como é o caso da norma contida no n.º 2 do artigo 142º do CPC, que determina que a forma de processo aplicável se determina pela lei vigente à data em que a acção é proposta.
III - Por força dessa norma contida no n.º 2 do artigo 142.º do CPC, que é subsidiariamente aplicável ao contencioso tributário por força do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, a nova lei não pode ser aplicada aos processos de verificação e graduação de créditos pendentes nos Tribunais Administrativos e Fiscais em 1 de Janeiro de 2011, os quais continuam a seguir a forma processual vigente à data da sua instauração.
IV - À mesma conclusão se chegaria pela aplicação da norma contida no n.º 3 do artigo 12.º da LGT, na medida em que a aplicação imediata da lei nova aos processos pendentes é susceptível de afectar os direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos das partes.
Nº Convencional:JSTA000P13097
Nº do Documento:SA2201107060384
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco proferiu neste processo de reclamação de créditos, no sentido de aplicar «o artigo 64.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2/e, do Código de Procedimento e de Processo Tributário» e, por isso, determinar «a baixa dos autos na distribuição e a remessa ao órgão de execução fiscal competente para a verificação e graduação dos créditos, art.º 245/2 do CPPT, na redacção da Lei 55-A/2010, de 31/12».
Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. Sendo a reclamação de créditos de data anterior a 1.01.2011;
2. não altera a LOE 2011 a competência para a verificação e graduação de créditos;
3. que continua a ser do Tribunal Tributário.
4. Tal conclusão busca fundamento no artigo 5.º do ETAF.
5. e radica na concepção do preceito como norma de processo ou tramitação processual e não como norma de competência – o órgão não foi extinto, donde decorre que inexiste alteração de competência da nova lei para os casos pendentes; o processo continua a ser judicial (de execução) e há-de ser tramitado até final em tal sede judicial.
6. Pelo exposto, violou a decisão a quo o disposto nos artigos 245.º, n.º 2, do CPPT, na redacção da Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, e 5.º do ETAF e 22º da LOFTJ.
7. Assim sendo, revogando tal decisão e determinando a sua substituição por outra que determine a prossecução dos autos neste Tribunal farão Vossas Excelências JUSTIÇA.
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.
2. O inconformismo do Recorrente, integrante do objecto do presente recurso jurisdicional, reconduz-se à única questão de saber se a decisão recorrida enferma de erro de interpretação e aplicação do direito ao ter julgado que, face às alterações introduzidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, os Tribunais Administrativos e Fiscais deixaram de ter competência para a apreciação e decisão dos processos judiciais de verificação e graduação de créditos e que, por isso, se impunha a remessa de todos os processos pendentes ao órgão de execução para que este procedesse à sua posterior tramitação e decisão.
Fundamenta-se a decisão no entendimento, assumido pelo julgador, de que as alterações introduzidas por essa Lei envolvem a retirada dos processos de verificação e graduação de créditos do âmbito dos poderes de conhecimento judicial e que isso contende com regras relativas à competência do tribunal e com o próprio poder jurisdicional, na medida em que foi suprimido o poder jurisdicional quanto ao conhecimento da matéria de verificação e graduação de créditos, passando a sua apreciação e decisão a caber a uma entidade administrativa.
Como aí se deixou dito, «(...) a jurisdição [o poder de solucionar os conflitos de interesses, individuais e concretos através do meio processual da verificação e graduação de créditos reclamados] art.º 202/2 da CRP, que compreende o poder de dirimir os conflitos de interesses públicos e privados pelos tribunais, em matéria de verificação e graduação de créditos, ou seja, o poder de proferir sentença de graduação de créditos, a partir de 1 de Janeiro de 2011, por aplicação da Lei 55-A/2010, de 31/12, LOE 2001, foi retirado dos tribunais fiscais, passando a competir ao órgão de execução fiscal, art.º 245/2 do CPPT. (...).
Sendo a competência judicial a medida da jurisdição [concreta, material] para uma determinada causa, a lei que fixa a medida concreta da jurisdição dos tribunais, a sua competência, embora não tendo natureza de uma lei orgânica, pois não suprime qualquer dos existentes TAF's, nem altera a sua composição ou área territorial, todavia, tem dimensão processual e material, pois atribui aos juízes o conhecimento de questões novas para as quais antes não eram os competentes, o conhecimento da reclamação da graduação de créditos pelo órgão de execução fiscal.
A LOE 2011, o que faz é retirar ao Tribunal tributário e ao juiz o poder de julgar aquela espécie processual judicial, 9ª espécie [cfr. deliberação 825/2005 do CSTAF] designada de verificação e graduação de créditos, que sai da ordem judicial, para ser erigida num novo meio judicial, o da reclamação da decisão de graduação. Assim, ao criar outra competência nova, para o conhecimento da "reclamação da graduação", sempre modifica a sua competência anterior, que por um lado suprime da sua jurisdição e por outro lado cria outra de que inicialmente carecia.».
O Recorrente discorda desta interpretação, advogando, essencialmente, que embora essas alterações legislativas contendam com a competência em razão da matéria dos tribunais, já que «Antes era do tribunal tributário de 1ª instância a competência para a matéria, passando a sê-lo ora do Órgão de execução fiscal, àquele ficando cometido o tratamento da “reclamação da verificação e graduação de créditos”», a questão da sua aplicação no tempo devia ser analisada, não à luz do artigo 64.º do CPC, mas, sim, à luz da «norma processual» contida no artigo 5.º do ETAF (e do homólogo artigo 22.º da LOFTJ), segundo o qual “A competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente”, pelo que os tribunais tributários continuariam a deter competência para tramitar e decidir os processos de verificação e graduação de créditos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2011.
Vejamos.
A questão que cumpre decidir resume-se a saber se perante as alterações legislativas decorrentes da Lei n.º 55-A/2010, com início de vigência em 1 de Janeiro de 2011, os Tribunais Administrativos e Fiscais devem continuar a tramitar e a proferir decisão nos processos judiciais de verificação e graduação de créditos pendentes nessa data, ou se, pelo contrário, esses processos devem ser remetidos ao órgão de execução fiscal para que seja este a proceder à sua posterior tramitação e decisão. Isto porque, face à ausência de norma transitória, têm surgido divergências no entendimento relativo à aplicabilidade imediata do novo regime aos processos de verificação e graduação de créditos pendentes nos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Essa Lei alterou os artigos 97.°, alínea o), 151.º, n.º 1, 243.º, 245.º, 247.° e 278.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do seguinte modo:
a alínea o) do artigo 97.° eliminou, como espécie processual, o processo judicial tributário de verificação e graduação de créditos, substituindo-o pelo processo judicial tributário de reclamação da decisão da verificação e graduação de créditos;
o n.º 1 do artigo 151.° eliminou a referência à verificação e graduação de créditos como espécie processual da competência dos tribunais tributários;
o artigo 243.º, que regulava o prazo para o Representante da Fazenda Pública reclamar os seus créditos no aludido processo judicial, foi revogado;
os artigos 245.º e 247.º e 278.º vieram estabelecer e disciplinar a nova forma processual de proceder à verificação e graduação de créditos – determinando a sua tramitação dentro do processo executivo, presidida e decidida pelo órgão da execução fiscal, com possibilidade de utilização da reclamação para tribunal da verificação e graduação de créditos realizada por esse órgão.
Esta breve exposição revela as significativas alterações de regime produzidas com a Lei n.º 55-A/2010, e denuncia a vontade do legislador de fazer desaparecer da ordem judiciária a espécie processual “verificação e graduação de créditos”, que detinha autonomia estrutural relativamente ao processo de execução fiscal (embora funcionalmente subordinado a ele) e que corria como processo judicial autónomo no Tribunal Tributário de 1ª instância, classificada na 9ª espécie pela deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 30.05.2005 (Cfr. D.R. II Série, de 16 de Junho de 2005). E evidencia a opção legislativa de que os actos de verificação e graduação de créditos decorram no seio do processo executivo (que é já um processo de natureza judicial – artigo 103.º da LGT), como fase processual da instância executiva, sendo a sua tramitação realizada pelo órgão da execução, que fará, em primeira linha, a verificação e graduação de créditos, com possibilidade de ulterior reclamação para tribunal pelos interessados, nos termos dos artigos 276.º e 278.° do CPPT, passando, assim, esta reclamação judicial a constituir a via de conhecimento jurisdicional da matéria, isto é, a forma de exercer a tutela jurisdicional no que toca à verificação e graduação de créditos.
Trata-se, pois, de alteração de normas estritamente adjectivas, que dizem respeito à forma ou via processual de proceder à verificação e graduação de créditos no âmbito do processo judicial de execução fiscal, e não de normas respeitantes à competência dos tribunais tributários ou de normas que contendam com o poder jurisdicional conferido aos magistrados destes tribunais de aplicar o direito aos litígios que surjam no âmbito de processos de execução fiscal, já que estes processos executivos continuam a estar na dependência do juiz do tribunal tributário, mesmo na fase em que correm perante as autoridades administrativas, e ele continua a deter poder jurisdicional para apreciar a matéria da verificação e graduação de créditos (agora através da forma processual da reclamação judicial), embora só após a pronúncia do órgão da execução, e, portanto, através de uma forma processual diversa – razão por que se pode continuar a afirmar que as execuções instauradas no serviço de finanças e os inerentes actos de verificação e graduação de créditos continuam a ser da competência do tribunal tributário.
Por esta razão, não podemos aceitar a tese sufragada na decisão recorrida, de que as questionadas alterações tenham retirado a competência aos Tribunais Tributários para apreciação da matéria relativa à verificação e graduação de créditos e que, por isso, tenha de ser convocada a regra constante do artigo 64º do Código de Processo Civil, segundo a qual “Quando ocorra alteração da lei reguladora da lei da competência considerada relevante quanto aos processos pendentes, o juiz ordena oficiosamente a sua remessa para o tribunal que a nova lei considera competente”. E, do mesmo modo, não podemos aceitar a aplicabilidade ao caso da regra constante do artigo 5.º do ETAF, que disciplina unicamente questões de competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
Os Tribunais Tributários continuam a deter competência para conhecer de todos os actos lesivos praticados pelo órgão administrativo que dirige a execução fiscal, nomeadamente dos que contendem com a matéria de verificação e graduação de créditos, tendo apenas ocorrido uma alteração da forma processual adequada para esse conhecimento, que deixou de ser efectuada através do processo judicial de verificação e graduação de créditos, para efectuada através do meio processual de reclamação da decisão proferida pelo órgão da execução sobre a matéria, previsto nos artigos 276.º do CPPT e 103.º, n.º 2 da LGT, e expressamente contemplado como processo judicial na nova redacção conferida à alínea o) do artigo 97.º do CPPT.
Desta forma, e tal como acontece em todas as situações em que os interessados se dirigem directamente ao tribunal para colocar uma questão que deve ser previamente colocada no seio do processo executivo e decidida pelo respectivo órgão, com posterior reclamação para tribunal (como acontece, com frequência, com a arguição da falta ou nulidade da citação), o que se verifica é uma situação de erro na forma de processo utilizada, e não uma situação de incompetência do tribunal (Como se pode constatar pelas inúmeras decisões proferidas pelos tribunais nesse tipo de situações, e de que constituem exemplo as proferidas pela Secção de Contencioso Tributário do STA em 17.03.2004, recurso n.º 929/03, em 18.09.2008, recurso n.º 440/08, em 2.04.2008, recurso n.º 953/07, em 25.03.2009, recurso n.º 923/08, em 12/01/2011, recurso n.º 969/10.).
Ora, se durante a pendência de um meio processual específico é legalmente instituído um meio processual diverso de exercer um direito (no caso, o direito à verificação e graduação dos créditos reclamados), coloca-se a questão de saber se fica impedido o prosseguimento dos meios processuais já instaurados e pendentes nos tribunais ou se é obrigatório a sua conversão no novo meio processual.
Como se sabe, em matéria de aplicação de lei processual no tempo rege o princípio de que, salvo disposição especial, a lei processual ou adjectiva é de aplicação imediata mas não retroactiva, princípio que embora não estabelecido no Código de Processe Civil, se extrai do critério geral de que a lei só dispõe para o futuro, contido no artigo 12.º Código Civil. E, nesse seguimento, também o artigo 12.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária estabelece que «As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes».
O que significa que, quanto à aplicação no tempo da lei processual civil e tributária, a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva. Ou, como afirmam ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, inManual de Processo Civil”, pág. 45, «a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo».
Porém, e como explica MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in "Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 14, da submissão a esta regra geral exceptua-se, evidentemente, o caso de a lei nova ser acompanhada de normas de direito transitório ou de para ela valer uma norma especial, como sucede, por exemplo, com a norma que determina que a forma dos actos processuais se rege pela lei que vigora no momento em que são praticados (princípio do tempus regit actum”, instituído no art.º 142º, n.º 1 do CPC), com a norma que determina que a forma de processo aplicável se determina pela lei vigente à data em que a acção é proposta (art.º 142.º, n.º 2 do CPC, após a redacção introduzida pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12) (O art. 142.º do CPC, na sua redacção anterior ao DL n.º 329-A/95, de 12-12, fixava apenas a lei reguladora da forma dos actos - actual n.º 1 - e não definia a lei reguladora da forma do processo – actual n.º 2.), com a norma que estabelece o princípio da estabilização da competência e que determina que a competência se fixa no momento em que a acção se propõe (princípio da “perpetuatio iurisdictionis”, previsto no art.º 22.º do LOFTJ e no art.º 5.º do ETAF), com a norma que determina que a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção (art.º 24.º do LOFTJ e art.º 6.º do ETAF) ou com a norma que determina a lei aplicável em matéria de alteração de prazos, contida no artigo 297.º do C.Civil e que a doutrina tem considerado extensível aos prazos processuais (Cfr. ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, in obra citada, pág. 61.).
O n.º 2 do artigo 142.º do CPC, segundo o qual “A forma de processo aplicável determina-se pela lei vigente à data em que a acção foi proposta”, é, pois, uma regra de direito especial, que não pode ser confundida com a regra geral da aplicação da lei processual no tempo que vale na teoria geral do direito por força do artigo 12.º, n.º 1 do C.Civil e que obteve acolhimento no artigo 12.º, n.º 3 da LGT.
Como já explicava ALBERTO DOS REIS, inComentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, págs. 43 e 44, numa altura em que o artigo 142.º dispunha apenas sobre a lei aplicável à forma dos actos, «O artigo 142.º manda regular os actos processuais pela lei que vigorar no momento em que se praticarem. Tem-se dado a esta regra um sentido diferente do que ela comporta. Assim, quando se pretende justificar a aplicação imediata das leis de processo, invoca-se o texto do artigo 142.º. Tal foi, por exemplo, a interpretação dada ao artigo por um despacho do juiz de Espozende (...). Há aqui uma concepção errada do alcance do artigo. Se atentarmos na colocação do artigo 142.º, se o pusermos em correspondência com os textos que o precedem e o seguem, adquirimos a convicção de que ele nada têm que ver com o problema geral da aplicação das leis de processo quanto ao tempo; o que com a disposição se procurou resolver foi somente o problema particular da aplicação das leis de processo relativas à forma dos actos.
As normas dos artigos 138.º a 149.º são normas gerais e comuns sobre a forma dos actos processuais, ou mais precisamente, sobre a realização e prática dos actos de processo. No meio de textos desta índole é que aparece encaixado o artigo 142.º. Daí vem que, ao declarar – os actos processuais são regulados pela lei que vigorar no momento em que se praticarem – o artigo quer significar o seguinte: no tocante às formalidades que o acto há-de revestir e ao modo de o praticar, a lei a aplicar é a que estiver em vigor no momento da realização do acto.».
Deste modo, perante a regra especial contida no n.º 2 do artigo 142.º do CPC, que não colide, como vimos, com a regra geral contida no n.º 3 do artigo 12.º da LGT, e perante a sua aplicação ao processo judicial tributário por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT, não podem subsistir dúvidas quanto à sua aplicação ao caso vertente.
Com efeito, relativamente à aplicação no tempo, a Lei n.º 55-A/2010 não contém normativo algum que imponha que os processos judiciais de reclamação de créditos pendentes em 1 de Janeiro de 2011 devam abandonar essa forma de processo e ser convolados no novo meio processual instituído por esta Lei, nem se vislumbram quaisquer indícios de que tivesse sido essa a intenção do legislador. Pelo que os processos judiciais de “reclamação de créditos” têm de manter-se e ser levadas até ao fim, por ser essa a via ou forma de processo adequada de exercer o direito à verificação e graduação de créditos à data em que o processo foi instaurado, em conformidade com a regra contida no artigo do 142.º, n.º 2, CPC.
De todo o modo, já antes da introdução dessa regra vertida no n.º 2 do artigo 142.º, a doutrina vinha defendendo que, apesar do princípio geral da aplicação imediata da lei adjectiva, a lei reguladora da forma de processo deve ser a que vigora à data da propositura da acção. ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA explicavam, na obra citada, a pág. 56, que «No que respeita à forma de processo, atendendo à estrita interligação dos actos (quer das partes, quer do tribunal) que integram cada tipo ou esquema processual, deve entender-se que o processo iniciado sob determinada forma segue essa forma até decisão final. É a solução imposta, em nome da economia processual, pelo respeito devido aos actos praticados no pretérito – respeito substancial, não mero respeito farisaico das fórmulas observadas. E é a que melhor corresponde a uma leitura inteligente da regra basilar aceite no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil. Distinguir na aplicação da lei antiga e da nova lei consoante o grau de adiantamento de cada acção ou dos inconvenientes concretos da aplicação de cada um das leis em confronto é solução que não convém, pela grave incerteza e insegurança a que tal decisionismo se prestaria. A forma de processo deve consequentemente regular-se pela lei vigente à data da propositura da acção.».
Todo o exposto permite concluir que as alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010 consistem, essencialmente, numa modificação do meio processual de proceder à verificação e graduação de créditos (embora também impliquem uma ampliação da competência do órgão da execução, sem, contudo, abolir ou restringir a competência dos tribunais tributários para a apreciação dessa matéria, pois que esta se mantém através de uma forma processual diferente) e que as mesmas são inaplicáveis aos processos já pendentes nos tribunais tributários à data da sua entrada em vigor, atento o disposto no artigo 142.º, n.º 2 do CPC.
De todo o modo, e ainda que assim não fosse, sempre teria de considerar-se o disposto no n.º 3 do artigo 12.º da LGT, que regula a aplicação da lei processual tributária no tempo e que estipula que «As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes». O que significa que embora a lei processual tributária seja, em princípio, de aplicação imediata (aplicando-se a todos os processos que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor e, ainda, a todos os actos processuais a realizar futuramente nos processos já pendentes), ela nunca pode aplicar-se aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando essa aplicabilidade imediata possa afectar garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes, tendo, nesses casos, o desenvolvimento processual de continuar a ser regulamentado pela lei anterior.
Ora, tendo a lei nova abolido a forma de processo judicial de verificação e graduação dos créditos reclamados, substituindo-o pela forma de processo judicial de reclamação, é evidente a impossibilidade de aplicação da lei nova aos processos pendentes, na medida em que isso implicaria, em princípio, convolar aquele meio judicial para este outro meio judicial, o que não é legalmente viável, na medida em que este processo de reclamação exige uma prévia decisão do órgão da execução sobre a matéria, que, no caso, não existe.
E ainda que se entendesse que a aplicação imediata da lei nova aos processos pendentes podia e devia ser feita através da remessa do processo de verificação e graduação de créditos para o Serviço de Finanças, para aí ser tramitado e decidido pelo órgão da execução, de forma a abrir o acesso à via judicial da reclamação, o certo é que isso não pode deixar de afectar os direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos das partes, na medida em que implica o abandono forçado de um processo judicial em curso, a inutilização de alguns actos nele praticados (que não valem para a verificação e graduação de créditos como fase processual da instância executiva, como acontece com a taxa de justiça paga e com o parecer emitido pelo Ministério Público), a obrigatoriedade de as partes terem de ir submeter as suas reclamações de créditos à apreciação e decisão de um mero órgão administrativo, e a probabilidade de terem de encetar, depois disso, nova cruzada judicial para acederem à tutela jurisdicional efectiva no que toca à verificação e graduação dos seus créditos.
O que não pode deixar de frustrar as legítimas expectativas das partes de verem a situação resolvida judicialmente de forma imediata e definitiva, através de um órgão jurisdicional, dado que era esse o meio processual vigente à data da instauração do processo, vendo-se remetidas para uma processado que é dirigido e concluído por um mero órgão administrativo, com uma provável necessidade de terem de voltar a instaurar novo processo judicial junto do Tribunal. Além de que, a aplicação da lei nova aos processos pendentes é susceptível de provocar um grave atraso na prolação da decisão final sobre a matéria, sobretudo naquelas situações em que os processos pendentes já se encontram prontos para decisão e se torna necessário remetê-los para o Serviço de Finanças, aguardar pela decisão do órgão administrativo da execução e instaurar, posteriormente, no caso de decisão desfavorável, novo processo judicial, o que inevitavelmente prejudica a situação de todos os credores reclamantes.
De todo o exposto resulta, em síntese, que as alterações legislativas decorrentes da Lei n.º 55-A/2010 não são aplicáveis aos processos judiciais de verificação e graduação de créditos pendentes nos Tribunais Administrativos e Fiscais em 1 de Janeiro de 2011, os quais continuam a seguir a forma processual vigente à data da sua instauração.
4. Nestes termos, e com os expostos fundamentos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para prosseguimento dos autos, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 6 de Julho de 2011. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Valente Torrão - António Calhau.