Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0912/12.9BELRS 01312/17
Data do Acordão:11/28/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRS
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
ALTERAÇÃO
Sumário:I - Do n.º 5 do art. 28.º do CIRS resulta que o período mínimo de permanência no regime simplificado de tributação é três anos, prorrogável por iguais períodos, sem prejuízo de o sujeito passivo poder, nos termos da alínea b) do n.º 4 do mesmo artigo, alterar esse regime, requerendo a passagem ao regime da determinação dos rendimentos da categoria B pela contabilidade (opção que não depende do montante desses rendimentos).
II - Nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, na redacção aplicável à data, «Cessa a aplicação do regime simplificado quando algum dos limites a que se refere o n.º 2 for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25% desse limite, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos».
III - Se o sujeito passivo não fez a opção pelo regime da contabilidade e não se verificam as condições legais para cessar o regime simplificado, não podia a AT, com base na ultrapassagem daquele limite em apenas um exercício (ainda que seja o último do triénio) e em percentagem inferior a 25%, alterar o regime da tributação, do regime simplificado para o regime da contabilidade.
Nº Convencional:JSTA000P23903
Nº do Documento:SA2201811280912/12
Data de Entrada:11/20/2017
Recorrente:AT AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 912/12.9 do Tribunal Tributário de Lisboa

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pela Juíza daquele Tribunal, que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pelos acima identificados recorridos, anulou as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que lhes foram efectuadas com referência aos anos de 2008 e 2009 na sequência da desconsideração pela AT do regime simplificado de tributação e passagem oficiosa da situação do sujeito passivo mulher, no que respeita aos rendimentos da categoria B, para a tributação pelo regime da contabilidade.

1.2 Admitido o recurso, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, o Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação judicial procedente, determinando assim a anulação das liquidações de IRS relativa aos anos de 2008 e 2009.

II. Examinadas as questões suscitadas pela Impugnante, e tendo em conta a argumentação aduzida pela RFP, veio o Tribunal a quo a considerar que a acção haveria de proceder.

III. Para assim entender considerou o decisor que:
Apreciação
In casu” resulta da materialidade dada por provada e não provada que a Impugnante, ficou, desde o início da sua actividade, enquadrada no regime simplificado de tributação, não tendo em momento algum procedido à alteração dessa opção.
Verifica-se ainda que o volume o rendimento auferido pela Impugnante mulher, na actividade tributada pela categoria B de rendimentos de IRS apenas ultrapassou o montante a que se refere a al. b) do n.º 2 do art. 28.º do CIRC no ano de 2007 em cerca de 4% daquele valor.
Do que ficou exposto constatamos que a Impugnante não ultrapassou o limite previsto no n.º 2 do art. 28.º do CIRC em dois períodos de tributação consecutivos, nem ultrapassou aquele valor, no período de tributação referente ao exercício de 2007 em montante superior a 25%.
Aqui chegando, forçoso se torna concluir pela verificação das circunstâncias a que se reporta o n.º 2 do art. 28.º do CIRC e pela manutenção da Impugnante no regime simplificado de tributação sem qualquer interrupção.
IV- DISPOSITIVO
Pelo exposto julgo a presente impugnação procedente por provada e determino a anulação das liquidações impugnadas com todas as consequências legais nomeadamente no que respeita a juros indemnizatórios”.

IV. Não se conformando com tal decisão, é entendimento da Fazenda Publica a sentença recorrida padece de erro de julgamento por errónea interpretação de lei.

V. E assim o consideramos porquanto é nossa opinião que na análise da questão decidenda deveria o tribunal a quo ter julgado a impugnação improcedente dado que a impugnante, pela força do disposto no n.º 2 art. 28.º do CIRS estava legalmente e obrigatoriamente enquadrada no regime da contabilidade e não, como defendem os autores, e como confirmou o decisor, no regime simplificado.

VI. Ora, conforme resulta do teor da sentença de que ora se recorre, o tribunal a quo entendeu que uma vez que a impugnante mulher havia sido inicialmente enquadrada no regime simplificado, somente poderia deixar de estar sujeita a tal forma de determinação dos rendimentos de categoria B de IRS, se:
a) Fizesse opção por regime de contabilidade,
b) Obtivesse em dois anos consecutivos rendimentos de categoria B superiores aos previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 28.º do CIRS,
c) Obtivesse num só ano montante de rendimento de que ultrapassasse em 25% o montante previsto em tal norma, ou seja montante superior a € 124.69948.

VII. Tal não é o nosso entendimento, porquanto, tal como já referido, entendemos que a norma contida no n.º 2, conjugada com o n.º 5 do art. 28.º do CIRS, impõe no presente caso decisão diversa.

VEJAMOS

VIII. Em nossa opinião na análise da questão sobre a qual as partes divergem impõe-se ter em consideração, no que concerne ao enquadramento quanto a forma de tributar rendimentos de categoria B de IRS, duas situações distintas consoante nos encontremos no decurso do triénio previsto no n.º 5 do mencionado artigo, ou no início de um novo período de 3 anos para o qual se impõe a necessidade de determinar uma forma de tributação de rendimentos de categoria B.

IX. Isto é, no caso de os actos impugnados respeitarem a exercício anual ocorrido no decurso do triénio para o qual havia já sido fixado o regime de tributação a utilizar para os rendimentos da categoria B.

X. Ou, uma segunda situação quando a análise se situe em ano de inicio do triénio e para o qual se terá que definir qual o regime de tributação a aplicar por 3 anos.

XI. Ora, efectivamente e tal como resulta da decisão de que se recorre, encontrando-se em vigor determinado regime a vigorar por 3 anos só haverá a possibilidade de alterar tal regime de tributação por (i) opção do sujeito passivo, (ii) no caso de obtenção num qualquer ano de rendimento de valor superior em 25% ao limite previsto na alínea b) do n.º 2 do art. 28 do CIRS ou (iii) em dois anos consecutivos montante de rendimentos superior a € 99.759,58.

XII. No entanto, para efeitos de determinação do regime aplicável para novo triénio, como se verifica in casu, assim não nos parece ser.

XIII. Isto porque o n.º 2 do artigo 28.º do CIRS, na versão em vigor à data dos factos, determinava que “Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior qualquer dos seguintes limites:
a) Volume de vendas: € 149.739,37;
b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: € 99.759,58”.

XIV. Ora, a Impugnante mulher iniciou a sua actividade em 08/08/2002.

XV. Face aos elementos comunicados na sua declaração de início de actividade foi enquadrada para o triénio seguinte, ou seja, para os anos de 2002 a 2004, no regime simplificado de tributação.

XVI. Atento ao facto de que no último ano de tal triénio os seus rendimentos não ultrapassaram o limite previsto na alínea b) do n.º 2 do art. 28.º do CIRS, permaneceu enquadrada no regime simplificado de tributação dos rendimentos de categoria B de IRS para o triénio de 2005 a 2007.

XVII. No ano de 2007 a impugnante declarou ter auferido rendimentos de categoria B de IRS no montante de € 103.682,52.

XVIII. Considerando que o n.º 2 do artigo 28.º do CIRS referia que somente seriam enquadráveis no regime simplificado sujeitos passivos que não tivessem no ano anterior auferido rendimentos, que não respeitassem a vendas, de valor inferior a € 99.759,58,

XIX. foi a impugnante enquadrada no regime da contabilidade, dado que no ano anterior ao do início do novo triénio havia recebido € 103.682,52.

XX. Ora, considerando que (i) o primeiro ano impugnado respeita ao exercício anual de 2008, (ii) que o segundo acto impugnado a liquidação de IRS do ano de 2009, e (iii) que por efeito do montante auferido no ultimo ano do triénio anterior ter superado o limite legal previsto na alínea b) do n.º 2 do art. 28.º do CIRS a impugnante se encontrar enquadrada, para o triénio de 2008 a 2010, no regime da contabilidade, entendemos que nada há de ilegal na liquidação efectuada.

XXI. Razão pela qual se conclui que a decisão de que ora se recorre se encontra inquinada por vício de violação de lei, porquanto, em nossa opinião, se impunha a conclusão de que o IRS dos aqui autores teria de ser, tal como foram, liquidados considerando que os rendimentos de categoria B da impugnante mulher teriam de ser apurados de acordo com o regime da contabilidade, porquanto, e reiterando no ano anterior ao da determinação do regime aplicável ao novo triénio a mesma havia auferido rendimento de montante superior a € 99.759,58.

XXII. Assim, perante o que se deixa dito, forçoso é, salvo melhor entendimento, concluir que a sentença de que ora recorre se encontra inquinada de vício de lei,

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser substituída por acórdão que se conforme com a legalidade das liquidações efectuadas, declarando-se a impugnação improcedente, porém, V. Exas. decidindo, farão a costumada JUSTIÇA».

1.3 Os Recorridos apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença, tendo formulado conclusões do seguinte teor:

«1) Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou a impugnação judicial procedente, por provada, e, em consequência, condenou a ATA a anular as notas de liquidação de IRS da Recorrida relativas aos anos de 2008 e 2009.

2) O cerne do presente litígio circunscreve-se em saber se os rendimentos da Recorrida relativos aos anos de 2008 e 2009 deveriam ter sido determinados com base nas regras decorrentes do regime simplificado ou com base na contabilidade, tal como se prevê nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 28.º do Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares.

3) Em 2002 a Recorrida na sua declaração de abertura de actividade de médica e formadora, declarou optar pela inclusão no regime simplificado e indicou um volume total anual de proveitos estimados inferior a € 99.75958 (v.d. factos provados sob a alínea a)).

4) Com excepção do ano de 2007 em que declarou o valor de € 103.682,52, entre os anos de 2002 e 2009 a Recorrida declarou sempre como rendimentos da categoria B montantes inferiores aos € 99.759,58 (v.d. factos provados sob a alínea b)).

5) A Recorrida mulher nunca declarou optar pela determinação dos seus rendimentos com base na contabilidade.

6) Aquando da entrega das declarações de IRS respeitantes aos anos de 2008 e 2009, a Recorrida mulher declarou novamente que se encontrava enquadrada no regime simplificado de tributação (v.d. factos provados sob a alínea c)).

7) Na sua declaração de início de actividade realizada em 08.08.2002, a Recorrida declarou optar ficar enquadrada no regime simplificado, ficando assim enquadrada para o triénio de 2002, 2003 e 2004.

8) De igual modo, a Recorrida ficou enquadrada no regime simplificado no triénio de 2005, 2006 e 2007, uma vez que não comunicou previamente a alteração do regime pelo qual se encontrava abrangida.

9) Para o triénio de 2008, 2009 e 2010, a Recorrida também não comunicou previamente a alteração do regime pelo qual se encontrava abrangida.

10) O artigo 28.º, n.º 6, do CIRS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, determinava que:
Cessa a aplicação do regime simplificado quando algum dos limites a que se refere o n.º 2 for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25% desse limite caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos”.

11) Ao tempo, os limites referidos no n.º 2 do artigo 28.º do CIRS eram de 149.739,37 € para os volumes de vendas e 99.759,58 € de valor ilíquido para os restantes rendimentos desta categoria.

12) Face ao n.º 6 do artigo 28.º do CIRS, a Recorrida teria necessariamente que continuar enquadrada no regime simplificado para o triénio de 2008, 2009 e 2010, uma vez que no triénio anterior (2005 a 2007) os rendimentos daquela não só não ultrapassaram duas vezes consecutivas o montante de € 99,759,58 e também nunca ultrapassaram de uma só vez os € 124.699,48 (“o montante superior a 25% do limite de € 99.759,58”).

13) Os rendimentos declarados da Recorrida até ao exercício de 2009, inclusive, não preenchem nenhuma das situações previstas no n.º 6 do artigo 28.º do CIRS, e a mesma nunca optou pela determinação dos seus rendimentos com base na contabilidade, motivo pelo qual teria a mesma de, para os exercícios de 2008 e 2009, estar enquadrada no regime simplificado de determinação dos seus rendimentos empresariais e profissionais

14) O enquadramento da Recorrida em sede de contabilidade organizada para os exercícios de 2008 e 2009, bem como as notas de liquidação dai resultantes, violaram o disposto no artigo 28.º, n.º 6, do CIRS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

15) A renovação ou prorrogação em qualquer dos dois regimes de enquadramento fiscal trienal é feita de forma automática e por igual período, a menos que o sujeito passivo comunique a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.

16) Para além das situações em que é o próprio sujeito passivo a comunicar a alteração do regime pelo qual pretende estar enquadrado, as únicas excepções à renovação ou prorrogação automática por igual período do enquadramento do sujeito passivo são aquelas que têm consagração legal no n.º 6 do referido artigo 28.º do CIRS.

17) O legislador apenas pretendeu que o sujeito passivo estivesse enquadrado no regime de contabilidade organizada quando num só período de enquadramento triénio, o referido sujeito passivo ultrapassasse i) os limites constantes do n.º 2 por duas vezes (em dois exercícios) consecutivas ou ii) quando os limites constantes do n.º 2 fossem apenas ultrapassados uma vez mas em montante superior a 25 % desse limite.

18) O n.º 6 do artigo 28.º do CIRS não prevê que o regime simplificado cesse quando algum dos limites referidos no n.º 2 do mesmo artigo se verifique no último ano do triénio vigente!

19) A interpretação sistemática de todo o artigo e em especial a aplicação conjugada dos n.ºs 5 e 6 do artigo 28.º do CIRS determinam de forma inequívoca que, na ausência de comunicação do sujeito passivo a alterar o regime em que o mesmo se encontra abrangido ou enquadrado, o seu enquadramento é feito por períodos de três anos, prorrogáveis automaticamente por igual período, a menos que o referido sujeito passivo i) ultrapasse os limites constantes do n.º 2 por duas vezes consecutivamente (em dois exercidos consecutivos) ou ii) quando ainda que os limites constantes do n.º 2 sejam ultrapassados apenas uma vez (apenas num exercício), mas tal ocorra em montante superior a 25 % desse limite.

20) Decorrendo a liquidação de imposto de manifesta ilegalidade imputável aos serviços da administração tributária, cujo reconhecimento foi requerido e reconhecido pela Douta Sentença em crise, assiste ainda aos Recorridos, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, o direito a juros indemnizatórios.

21) A Sentença em crise não violou nenhum preceito legal, devendo o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, devendo V. Exas. manter a sentença Recorrida.

Termos em que, com o que antecede e com o mui que V. Exas. Venerandos Conselheiros haverão que suprir, deverá o presente Recurso ser julgado improcedente, confirmando-se assim a Sentença em Crise, porquanto só assim se fará a costumada JUSTIÇA!».

1.4 O Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«Questão decidenda: pressupostos legais para a cessação da aplicação do regime simplificado de tributação (art. 28.º n.º 6 CIRS redacção DL n.º 211/2005, 7 Dezembro)

1. A questão decidenda foi apreciada, com argumentário convincente, que merece a adesão do Ministério Público, nos acórdãos STA-SCT 6.05.2009 processo n.º 127/09, 23.06.2010 processo n.º 1032/09 e 12.11.2014 processo n.º 185/14,autorizando a transcrição do sumário doutrinário do primeiro acórdão identificado:
«V- O período mínimo de permanência no regime simplificado de tributação é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido (n.º 5 do artigo 28.º do CIRS).
VI- E em face do n.º 6 do artigo 28.º do CIRS, a aplicação desse regime só cessa se algum dos limites a que se refere o n.º 2 tiver sido ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou num único exercício em montante superior a 25% desses limites, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se fará, então, a partir do período de tributação seguinte ao da ver de qualquer desses factos».

2. Aponta igualmente no sentido da solução da jurisprudência a alteração introduzida no art. 28.º n.º 6 CIRS pelo art. 66.º Lei n.º 64-A/2008, 31 Dezembro (Lei OGE 2009), com a qual o legislador pretendeu afirmar inequivocamente que a cessação da aplicação do regime simplificado apenas cessa com a verificação dos pressupostos previstos na norma e não igualmente por via de uma interpretação a contrario do art. 28.º n.º 2 CIRS (efectuada pela autoridade tributária) segundo a qual, tendo o sujeito passivo ultrapassado o limite do rendimento ilíquido da categoria B (€ 99 759,58) no período de tributação imediatamente anterior, ficaria automaticamente abrangido pelo regime da contabilidade.

3. Da aplicação da doutrina dos acórdãos resulta a inverificação dos pressupostos legais para a alteração do regime de tributação do sujeito passivo, na medida em que no triénio antecedente de aplicação do regime simplificado (anos 2005-2007) nenhum dos limites de rendimentos estabelecidos no art. 28.º n.º 2 als. a) e b) CIRS foi ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou em um único período o limite estabelecido no art. 28.º n.º 2 al. b) em montante superior a 25%, correspondente a € 124 699,48 [€ 99 759,58 x 25%] cf. probatório al. b)».

1.5 Foi dada vista aos Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal recorrido fez correcto julgamento quando considerou que os rendimentos da categoria B de que é titular a Recorrida e relativos aos anos de 2008 e 2009 deveriam ter sido determinados com base nas regras decorrentes do regime simplificado e não com base na contabilidade.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«a) Em 08/08/2002, a Impugnante, mulher, A............, deu início à actividade de médica e formadora, tendo declarado esse facto aos serviços da Autoridade Tributária e aos mesmos indicado a opção pela inclusão no regime simplificado e indicado o volume total anual de proveitos estimados inferior a € 99.759,58 – não contestado.

b) No exercício da actividade a que supra nos referimos a Impugnante auferiu e declarou na categoria B de rendimentos de IRS os montantes que a seguir se discriminam:
2002 €18.766,00
2003 €36.524,98
2004 € 59.262,00
2005 € 52.262,00
2006 € 66.105,00
2007 € 103.682,52
2008 € 96.971,48
2009 menos de € 99.900,00
Não contestado

c) Os Impugnantes entregaram as declarações de IRS dos anos de 2008 e 2009 com indicação dos rendimentos auferidos pela contribuinte mulher na actividade de médica formadora (categoria B de IRS), supra discriminados, tendo declarado que os mesmos se encontravam enquadrados no regime simplificado de tributação – conforme consta do PA aqui em anexo, não contestado

d) Do sistema de gestão e registo dos contribuintes – situação cadastral anterior consta que a aqui Impugnante mulher foi enquadrada em IR no regime de contabilidade organizada desde 01/01/2008 – cfr. fls. 69 e seguintes do PA aqui em anexo.

e) A liquidação n.º 38568 foi levada a efeito pela Autoridade Tributária em 24/12/2010 relativamente aos sujeitos passivos n.ºs 11185582 e 207895961, com referência aos rendimentos de 2008, apresentando como resultado o valor de € 4.568,10 – cfr. fls. 77 e 78 do PA aqui em anexo.

f) Na mesma data foi elaborada a liquidação n.º140153 pela Autoridade Tributária também relativamente aos sujeitos passivos supra identificados, com referência aos rendimentos de 2009, apresentando como resultado o valor a reembolsar de € 15.475,91 – cfr. fls. 88 e 89 do PA aqui em anexo».

*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Está em causa saber se o Tribunal recorrido fez correcto julgamento quando considerou que os rendimentos da categoria B de que é titular a Recorrida e relativos aos anos de 2008 e 2009 deveriam ter sido determinados com base nas regras decorrentes do regime simplificado e não com base na contabilidade, como considerou a AT nas liquidações anuladas pela sentença. Vejamos:
Em 2002, a ora Recorrida iniciou a actividade geradora de rendimentos da categoria B e fez a opção pelo regime simplificado de tributação, opção que nunca alterou, motivo por que foi esse regime o seguido nos triénios 2002-2004 e 2005-2007. Relativamente aos anos de 2008 e 2009, a ora Recorrida apresentou as respectivas declarações de rendimentos, nas quais enquadrou os seus rendimentos da categoria B no regime simplificado de tributação, mas a AT não aceitou esse enquadramento e entendeu proceder à determinação desses rendimentos com base na contabilidade, tendo efectuado as liquidações de IRS desses anos em conformidade com o seu entendimento.
Os Impugnantes insurgiram-se contra essas liquidações com o fundamento de que inexistia fundamento legal para que fosse alterado o regime de tributação daqueles rendimentos nos anos de 2008 e 2009.
A sentença deu-lhes razão. Considerou, em síntese, que «a Impugnante, ficou, desde o início da sua actividade, enquadrada no regime simplificado de tributação, não tendo em momento algum procedido à alteração dessa opção» e que «o volume o rendimento auferido pela Impugnante mulher, na actividade tributada pela categoria B de rendimentos de IRS apenas ultrapassou o montante a que se refere a al. b) do n.º 2 do art. 28.º do CIRC no ano de 2007 em cerca de 4% daquele valor», o que significa que «não ultrapassou o limite previsto no n.º 2 do art. 28.º do CIRC em dois períodos de tributação consecutivos, nem ultrapassou aquele valor, no período de tributação referente ao exercício de 2007 em montante superior a 25%», motivo por que «forçoso se torna concluir pela verificação das circunstâncias a que se reporta o n.º 2 do art. 28.º do CIRC e pela manutenção da Impugnante no regime simplificado de tributação sem qualquer interrupção».
O Representante da Fazenda Pública discordou deste entendimento. Na sua perspectiva, a AT procedeu de acordo com a lei ao enquadrar os rendimentos da categoria B da Impugnante mulher no regime da contabilidade organizada. Se bem alcançamos o sentido da sua alegação, o Recorrente sustenta que o n.º 6 do art. 28.º do CIRS tem o seu âmbito de aplicação limitado às situações que podem ocorrer dentro do decurso do triénio e que, se ocorrerem, fazem cessar a aplicação do regime simplificado no período de tributação seguinte àquele em que ocorreram; por seu turno, o n.º 2 do mesmo art. 28.º do CIRS estabelece que a renovação automática no regime simplificado só se verifica se no período de tributação anterior não se tiver ultrapassado nenhum dos dois limites aí estabelecidos.
Ou seja, a Recorrente sustenta que no início de um novo período de 3 anos, que na situação sub judice ocorria em 2008, há que definir o regime de tributação ex novo, por referência aos requisitos do n.º 2 do art. 28.º do CIRS, não havendo que fazer apelo ao n.º 6 do mesmo artigo.
Assim, e porque em 2007 os rendimentos da categoria B da ora Recorrida ascenderam a € 103.682,52, ou seja, excederam o limite legal de € 99.759,58, à data fixado pela alínea b) do n.º 2 do art. 28.º do CIRS, bem andou a AT quando enquadrou os rendimentos da categoria B para o novo triénio (2008, 2009 e 2010) no regime da contabilidade organizada. Daí que as liquidações impugnadas não enfermam da ilegalidade que lhes vem assacada.
Por seu turno, os Impugnantes pugnam pela manutenção da sentença, que consideram ter feito correcta interpretação e aplicação dos preceitos em causa, designadamente dos n.ºs 2 e 6 do art. 28.º do CIRS.
É essa questão que ora cumpre apreciar e decidir.

2.2.2 DA TRIBUTAÇÃO PELO REGIME SIMPLIFICADO

Como deixámos dito, a AT entendeu que os rendimentos da categoria B da ora Recorrida respeitantes aos anos de 2008 e 2009 não podiam ser enquadrados no regime simplificado de tributação, antes devendo ficar sujeitos ao regime da contabilidade organizada, porquanto, iniciando-se em 2008 um novo triénio, no ano anterior (2007) o montante dos rendimentos auferidos foi de € 103.682,52, excedendo o limite legal fixado pela alínea b) do n.º 2 do art. 28.º do CIRS, que era então de € 99.759,58.
Na tese da AT, no início de um novo triénio, a verificação dos requisitos para o enquadramento no regime simplificado de tributação deve ignorar a regra do n.º 6 do art. 28.º do CIRS e obedecer apenas ao n.º 2 do mesmo artigo.
Salvo o devido respeito, não concordamos com esse entendimento e, ao invés, subscrevemos o que foi adoptado na sentença recorrida.
Recordemos o texto do art. 28.º do CIRS, na redacção aplicável (Que é a da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007).): «

Artigo 28.º
Formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais
1- A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se:
a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;
b) Com base na contabilidade.
2- Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior qualquer dos seguintes limites:
a) Volume de vendas: € 149 739,37;
b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: € 99 759,58.
3- Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.
4- A opção a que se refere o número anterior deve ser formulada pelos sujeitos passivos:
a) Na declaração de início de actividade;
b) Até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.
5- O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.
6- Cessa a aplicação do regime simplificado quando algum dos limites a que se refere o n.º 2 for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25% desse limite, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.
7- (...)».
Tendo presente o texto da lei, verificamos que a aplicação do regime simplificado, em que estavam enquadrados desde 2002 os rendimentos da categoria B da ora Recorrida, só poderia cessar, ou por manifestação de vontade dela, de acordo com o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 28.º do CIRS, ou se tivesse ocorrido algum dos requisitos previstos no n.º 6 do mesmo artigo: a ultrapassagem do limite a que se refere o n.º 2 do art. 28.º do CIRS «em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25% desse limite».
Ora, nem a ora Recorrida manifestou vontade de alterar o regime de enquadramento, nem se verifica qualquer das circunstâncias de que o n.º 6 do art. 28.º do CIRS faz depender a cessação do regime simplificado: nem os limites referidos no n.º 2 do art. 28.º do CIRS foram ultrapassados em dois períodos de tributação consecutivos (apenas o foram no ano de 2007) nem essa ultrapassagem verificada no ano de 2007 foi superior a 25%.
A Recorrente sustenta que a prorrogação automática do período de três anos de permanência no regime simplificado, prevista no n.º 5 do art. 28.º do CIRS, está dependente da verificação dos requisitos descritos no n.º 2 e não dos requisitos previstos no n.º 6. Mas não tem razão.
É inquestionável que a ora Recorrida se encontrava abrangido pelo regime simplificado de tributação no triénio 2005-2007. E por força do n.º 5 do art. 28.º, o período de permanência nesse regime foi prorrogado por mais três anos, uma vez que ela não comunicou, até ao fim do mês de Março de 2008, a alteração do regime pelo qual se encontrava abrangido.
Só assim não seria caso tivesse ocorrido alguma das referidas condições de que o n.º 6 do art. 28.º do CIRS faz depender a cessação do regime simplificado de tributação. Nesse caso, a tributação passaria a efectuar-se pelo regime de contabilidade organizada, no período de tributação seguinte ao da verificação.
Mas, no período de permanência da ora Recorrida no regime simplificado não ocorreu nenhuma das situações previstas no n.º 6 do art. 28.º CIRS.
O que significa que, estando a ora Recorrida enquadrada no regime simplificado no triénio 2005 - 2007, e não tendo optado pela alteração desse regime no momento em que o poderia ter feito, tal regime foi automaticamente prorrogado por igual período, nos termos do n.º 5 do art. 28.º do CIRS. E manter-se-á nesse regime até que opte pela determinação do rendimento com base na contabilidade ou até que ele cesse pela verificação de alguma das situações previstas no n.º 6 do mesmo artigo.
Foi neste sentido que decidiu a sentença recorrida, aliás em conformidade com a jurisprudência deste Supremo Tribunal (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 6 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 127/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6309f11d441a21ee802575b700315685;
- de 23 de Junho de 2010, proferido no processo n.º 1032/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f8da200fd6f851b9802577500055bc95;
- de 12 de Março de 2014, proferido no processo n.º 736/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ba294b58dd10a21180257ca50043fdf2;
- de 12 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 185/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/096528e22e25c53980257d93003c334a;
- de 14 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 671/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f27d97e5bf44890280257dcf005b1a8a.).

O recurso não pode, pois, ser provido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Do n.º 5 do art. 28.º do CIRS resulta que o período mínimo de permanência no regime simplificado de tributação é três anos, prorrogável por iguais períodos, sem prejuízo de o sujeito passivo poder, nos termos da alínea b) do n.º 4 do mesmo artigo, alterar esse regime, requerendo a passagem ao regime da determinação dos rendimentos da categoria B pela contabilidade (opção que não depende do montante desses rendimentos).

II - Nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, na redacção aplicável à data, «Cessa a aplicação do regime simplificado quando algum dos limites a que se refere o n.º 2 for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25% desse limite, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos»

III - Se o sujeito passivo não fez a opção pelo regime da contabilidade e não se verificam as condições legais para cessar o regime simplificado, não podia a AT, com base na ultrapassagem daquele limite em apenas um exercício (ainda que seja o último do triénio) e em percentagem inferior a 25%, alterar o regime da tributação, do regime simplificado para o regime da contabilidade.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.


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Lisboa, 28 de Novembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia – Ascensão Lopes.