Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0380/08.0BEBJA 0204/14
Data do Acordão:10/10/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IVA
REGULARIZAÇÃO
SUJEITO PASSIVO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
REEMBOLSO
Sumário:I - De acordo com a jurisprudência do TJUE o direito comunitário não se opõe a que um sistema jurídico nacional recuse a restituição de impostos indevidamente cobrados em condições susceptíveis de implicar um enriquecimento sem causa dos contribuintes (Acórdãos C- 192/95- Comateb, C-309/06 — Marks & Spencer, C-566/07, Stadeco e C- 398/09 -Lady & Kid A/S).
II - Em tais casos, a jurisprudência comunitária vem também afirmando que «compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento em causa» (cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco).
III - A norma do artº 71 nº 5 do CIVA, na redacção dada pelo artº 1º do Dec.Lei n.º 198/90, de 19 de Junho, ao condicionar a regularização a favor do sujeito passivo do imposto indevidamente liquidado à prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, não viola o direito comunitário, já que, pese embora constitua uma limitação ao direito ao reembolso, tal excepção visa precisamente obviar ou prevenir o enriquecimento sem causa do respectivo titular.
Nº Convencional:JSTA000P23717
Nº do Documento:SA2201810100380/08
Data de Entrada:02/21/2014
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A…………, Ldª com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente a impugnação por ela deduzida contra as liquidações adicionais de IVA referente aos períodos de 2007/08 e 2007/09 e respectivos juros compensatórios, no valor global de € 434.668,06.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) O escopo do processo de impugnação judicial consiste na obtenção da anulação dos actos praticados pela Autoridade Tributária, com fundamento na errónea qualificação e quantificação dos factos tributários e por violação da lei, mormente na indagação e aplicação do artigo 71/5 do CIVA aos factos, reconduzindo-se essencialmente a um contencioso de mera anulação.
B) O Tribunal a quo julgou improcedente a presente impugnação judicial e como tal foram admitidas (i) a liquidação adicional de IVA n.º 08084252, referente ao período de 0708, no montante de € 251.092,54, (ii) a liquidação de juros compensatórios n.º 08084253, referente ao período de 0708, no montante de € 5.971,19, (iii) a liquidação adicional de IVA n.º 08084254, referente ao período de 0709, no montante de € 183.575,52, e (iv) a liquidação de juros compensatórios n.° 08084255, referente do período de 0709, no montante de €3.701,69.
C) Em concreto e em síntese, o Tribunal a quo, apesar de reconhecer o direito ao reembolso por parte da Recorrente, considerou que «(...) para permitir o reembolso, a lei nacional impõem como condição a comunicação aos adquirentes da alteração da taxa, não distinguindo entre consumidores finais e outros sujeitos passivos. De qualquer forma, podendo muito bem considerar-se como de prova impossível o contacto, por não poderem ser identificados, dos clientes da Impugnante, certo é que era possível e adequado o anúncio ao público da disponibilidade de reembolsar quem se apresentasse e demonstrasse ter sido consumidor final, no período de tempo em causa. À Impugnante competia esta prova de ter feito anúncio público. Assim pode concluir-se que a Impugnante não diligenciou pela comunicação aos adquirentes da rectificação como exige o artigo 71/5 CIVA. E, não o tendo pugnado pelo anúncio aos adquirentes da alteração da taxa, a dedução tem de se considerar indevida».
D) Contudo, considera a Recorrente que tal disposição legal não tem aplicação ao caso vertente porquanto o preço final cobrado pelo ingresso no parque encontra-se previamente fixado - incluindo todas as taxas, impostos e encargos, nomeadamente a taxa reduzida de IVA de 5% -, sendo apenas actualizado em função dos indicadores económicos, mormente a taxa de inflação.
E) Conforme reconhece o Tribunal a quo, a Recorrente “deveria ter liquidado e entregue IVA à taxa reduzida” com relação aos ingressos no Parque. Assim, ao ter liquidado IVA à taxa normal em vigor à data dos factos (19% ou 21%, conforme o período em causa), ocorreu um erro de direito, que consistiu na incorrecta determinação da norma aplicável em matéria de taxa de IVA (artigo 18° do CIVA e Lista 1 Anexa ao CIVA), o qual originou um consequente erro no apuramento contabilístico do valor do IVA a liquidar e a entregar nos cofres do Estado (nos termos do artigo 49° do CIVA).
F) Independentemente do erro da Recorrente aquando do apuramento contabilístico do valor do IVA a liquidar a favor do Estado, o preço pago pelos visitantes do parque corresponde exactamente ao que deveria ter sido cobrado, pelo que não há lugar à devolução aos visitantes de qualquer montante, seja a que título for.
G) O entendimento preconizado pelo Tribunal a quo incorre em manifesto vício de violação da lei, mormente na indagação e aplicação da norma tributária aos factos, bem como a sentença a quo violou os princípios de direito comunitário da generalidade, da igualdade de tratamento, da legalidade e da justiça material (também consagrados na LGT).»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 - Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu fundamentado parecer que, na parte relevante, se transcreve:
«(…..) 2. Na sentença recorrida, embora não conste do probatório em termos formais (parte III-fundamentação, a) factos provados), a Mma. Juiz deu como assente que (e passamos a citar), “no caso, na venda de ingressos no parque que explora, a impugnante liquidou e entregou IVA à taxa normal, quando devia ter liquidado e entregue IVA à taxa reduzida”- 7° parágrafo de fls. 336 dos autos.
E logo de seguida a Mma. Juiz refere que «não está em causa se os ingressos ou entradas no parque zoológico deveriam ter sido tributados à taxa reduzida, ...». Para acrescentar que «a questão colocada prende-se com a rectificação prevista no artigo 71° do CIVA»
Ou seja, na sentença recorrida, embora essa matéria de facto pudesse ter ficado mais explicita, a Mma. Juiz “a quo” parte do facto assente que a impugnante e aqui Recorrente, ao cobrar as entradas no parque zoológico, aplicou e liquidou IVA à taxa normal (21%), que posteriormente rectificou, mediante a regularização a seu favor do montante liquidado em excesso.
E nessa medida considerou a Mma. Juiz “a quo” que a Recorrente devia ter observado os trâmites previstos no n° 5 do artigo 71° do CIVA e como isso não ocorreu, a regularização a seu favor era indevida.
Com efeito, para se decidir pela improcedência da acção, a Mma. Juiz ”a quo” considerou que a impugnante e aqui Recorrente ao pretender rectificar o valor do IVA cobrado aos visitantes do seu parque zoológico devia ter feito anúncio da disponibilidade de reembolsar quem se apresentasse e demonstrasse ter sido consumidor final no período de tempo em causa. Mas como não resultou comprovado que o tenha feito, considerou a dedução indevida, confirmando nesta parte o entendimento da administração tributária, de acordo com o qual, «para que o sujeito passivo, possa regularizar a seu favor, o IVA a mais liquidado, deverá estar habilitado a provar que o adquirente, mesmo sendo um particular, tomou conhecimento da retificação, ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que, se se considera indevida a respectiva dedução, nos termos do n° 5 do art. 71° do CIVA» - (cfr. alínea 1) — último parágrafo de fls. 331).
Ora, é contra este entendimento que se insurge a Recorrente, a qual segundo percebemos o seu raciocínio, como o bilhete cobrado não mencionava a taxa de IVA e o valor do imposto estava diluído no preço cobrado, entende que o erro na cobrança da taxa apenas afectou a sua margem de lucro, motivo pelo qual não havia lugar a qualquer devolução aos visitantes e à consequente necessidade de os contactar de qualquer modo para esse efeito.
No caso concreto dos autos parece não oferecer dúvidas que o entendimento da administração tributária sufragado na sentença recorrida e que conduziu à liquidação adicional impugnada, tem subjacente o facto de ao regularizar as deduções do IVA a seu favor, a aqui Recorrente obtinha um enriquecimento sem justa causa. Na verdade, não está em causa o direito á dedução de outros sujeitos passivos, já que estamos perante imposto cobrado no âmbito de prestação de serviços ao consumidor final. E nessa medida não se coloca a questão da existência de perigo de diminuição de receitas fiscais.
A este propósito no acórdão de 10/04/2008 do Tribunal de Justiça (C-309/06 — Marks & Spencer) sufragou-se o entendimento de que «o direito comunitário não se opõe a que um sistema jurídico nacional recuse a restituição de impostos indevidamente cobrados em condições susceptíveis de implicar um enriquecimento sem causa dos contribuintes (acórdãos de 24 de Março de 1988, Comissão/Itália, 104/86, Colect., p. 1799, n.º 6; de 9 de Fevereiro de 1999, Dilexport, C-343/96, Colect., p. 1-579, n.º 47; e de 21 de Setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, Colect., p. 1-7 145, n.º 31). No entanto, para ser conforme com o direito comunitário, o princípio da proibição do enriquecimento sem causa deve ser aplicado respeitando princípios como o princípio da igualdade de tratamento. Além disso, há que recordar que, no caso de um imposto ter sido indevidamente cobrado à luz do direito comunitário, se se provar que foi repercutida apenas uma parte do imposto, as autoridades nacionais são obrigadas a restituir o montante não repercutido (acórdão de 14 de Janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, Colect., p. 1-165, n.ºs 27 e 28). Cumpre, no entanto, assinalar que, mesmo na hipótese de o imposto ter sido completamente integrado no preço praticado, o sujeito passivo pode sofrer um prejuízo associado à diminuição do volume das suas vendas (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Comateb e o., n.°s 29 e 30, e MichaYlidis, n.ºs 34 e 35).
O mesmo Tribunal de Justiça, no acórdão de 18/06/2009 (processo C 566/07), entendeu igualmente que «só é possível demonstrar a existência e a medida do enriquecimento sem causa que o reembolso de um imposto, indevidamente cobrado à luz do direito comunitário, gera para um sujeito passivo após uma análise que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes (v., neste sentido, acórdão Marks & Spencer, já referido, n.º 43».
No caso concreto dos autos pese embora a Recorrente afirme nas suas alegações de recurso que «apenas foi cobrando aos visitantes do parque um valor fixo sem menção à taxa de IVA que estava incluída no mesmo» (cfr. 5° parágrafo a fls. 365), para concluir que o tribunal “a quo” devia ter apreciado se tal situação obriga ou não ao cumprimento dos requisitos estatuídos no n° 5 do artigo 71° do CIVA, certo é que não consta da sentença recorrida tal factualidade, nem a Recorrente questionou essa omissão.
Por outro lado embora tenha sido fixado na alínea L) do probatório que “na sua actividade a impugnante concorre directamente com o B………… e C………… (………)”, certo é que não ficou comprovado que o preço dos ingressos no parque zoológico da impugnante tenha sido fixado em razão dessa concorrência.
Não se vislumbra, assim, que «o erro cometido pela Recorrente originou, na sua esfera, um desvirtuamento do princípio da igualdade e da justiça material que lhe deviam assistir, porquanto os restantes operadores do mercado em que se insere o negócio da Recorrente beneficiaram (e bem) da taxa reduzida de IVA, ao passo que esta, durante o período em que erradamente aplicou a taxa normal aos seus serviços, concorreu naquele mercado em desvantagem derivada de uma tributação agravada (obtendo margens de negócio menores, em consequência do seu erro)».
Ou seja, não se apuraram factos que permitam inferir que a cobrança da taxa indevida pôs em causa o princípio da igualdade de tratamento ou o princípio da neutralidade fiscal para efeitos de contraposição à proibição do enriquecimento sem justa causa.
E assim sendo e independentemente da margem de lucro que a Recorrente decidiu obter ao fixar o preço, afigura-se-nos que na obsta à aplicação do princípio da proibição do enriquecimento sem justa causa que se pode extrair da norma do no nº 5 do artigo 71 do CIVA invocada pela administração tributária ao proceder à liquidação adicional e sufragada na sentença recorrida.
Carece, assim, de fundamento legal o invocado vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito e violação do direito comunitário.
Em face do exposto, afigura-se-nos que o recurso deve ser julgado improcedente e a sentença recorrida confirmada na ordem jurídica.»

4. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja deu como provados e com interesse para a decisão os seguintes factos:
A) Em 1999.05.21, a Impugnante iniciou o exercício da actividade de Restaurante Tipo Tradicional a que corresponde o CAE 056101, exercendo ainda a actividade de Parque Zoológico e Outras Actividades Lúdicas de Caracter Informativo/Educativo (cf. artigo 5° da p.i)
B) Por carta registada datada de 2008.04.02, foi enviado à Impugnante projecto de relatório para exercer o direito de audição (cf. fls. 23 a 33 dos autos);
C) Em 2008.04.17, a Impugnante exerceu, por escrito o direito de audição (cf. fls. 34 a 47 dos autos);
D) Em 2008.04.24, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, foi elaborado o relatório constante de fls. 18 a 32 do PA, e que aqui se dá por integralmente reproduzido; deste transcreve-se:
a. (...);
b. III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
c. I Correcções em sede de IVA
d. III.1.1 - IVA Correcções da DP dos períodos 200708, e 200709 com imposto em falta
e. O reembolso de IVA, resulta da acumulação de crédito desde o período 200708, e é originado pelas regularizações a favor do sujeito passivo, constantes do campo 40 das DP’S dos períodos 200708 e 200709;
f. Em 18 de Abril de 2007, o sujeito passivo requereu à Direcção de Serviço do IVA, a emissão de informação vinculativa, no sentido de definir a taxa de IVA a utilizar, nas entradas do parque zoológico, que constitui uma das actividades desenvolvidas pelo mesmo;
g. Até 30 de Abril de 2007, o sujeito passivo utilizou nas entradas do parque, a taxa prevista no art.° 18.º n.º 1 al. c) do CIVA (21%), conforme informação prestada pelo mesmo;
h. A partir de 1 de Maio de 2007, e por considerar que esta actividade, reunia os pressupostos para ser incluída na verba 2.13 da lista 1 anexa ao CIVA, passou a cobrar as entradas no parque, à taxa prevista no art.° 18.° n.º 1 al. a) do CIVA (5%), enquadramento esse, que veio a ser confirmado pela Direcção de Serviços do IVA, através da informação n° 1360 de 2007.05.09, averbada do despacho de 2007 (05.23 do Subdirector Geral (em substituição do Director Geral) (...).
i. Ora esta informação vinculativa, como qualquer outra, só produz efeitos para o futuro.
j. O sujeito passivo, no entanto considerando que por um erro de interpretação, entregou nos cofres do Estado IVA à taxa normal, quando deveria ter entregue à taxa reduzida, e que o preço a receber dos visitantes manteve-se, independentemente da taxa de IVA utilizada, procedeu à regularização a seu favor, do IVA liquidado em excesso aos visitantes não sujeitos passivos (particulares), nos montantes de € 251.092,54, incluído no campo 40 da DP do período 200708, e € 183.575,52 incluído no campo 40 da DP do período 200709, tendo na sua posse, apenas os documentos internos de regularização contabilística (anexo 05), não tendo procedido ao reembolso do imposto liquidado em excesso, aos adquirentes dos serviços (conforme consta da folha 03 do anexo 04).
k. Em 1° lugar qualquer liquidação de IVA, mesmo de indevida, deve ser entregue ao Estado, sendo a A………… Lda., sujeito passivo também pelo art.° 2 n° 1 al. c) do CIVA “São sujeitos passivos de imposto — As pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA”, pelo que assim sendo, este deveria ter sido entregue ao abrigo do art.° 26 n° 2 do CIVA.
l. Em todo o caso, para que o sujeito passivo, possa regularizar a seu favor, o IVA a mais liquidado, deverá estar habilitado a provar que o adquirente, mesmo sendo um particular, tomou conhecimento da rectificação, ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que, se considera indevida a respectiva dedução, nos termos do nº 5 do art.º 71.º do CIVA;
m. De acordo com o Oficio Circulado nº 33 129 de 2 de Abril de 1993, essa prova pode ser efectuada através de um dos seguintes documentos, emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor do bem ou prestador do serviço:
i. - Qualquer um dos meios de comunicação escrita - carta, ofício, telex, telefax, telegrama — com referência expressa ao conhecimento da rectificação do IVA.
ii - Nota de devolução ou nota de recebimento do cheque, com menção à regularização do IVA;
- Fotocópia da nota de crédito, após assinatura e carimbo do adquirente, constituindo documento por ele enviado após tomada de conhecimento da regularização do imposto a efectuar.
n. O ponto 5 do mesmo ofício determina “Sem que o sujeito passivo tenha na sua posse confirmação escrita efectuada pelos seus clientes de que receberam comunicação evidenciando o montante de IVA rectificado, ou de que foram reembolsados do respectivo imposto, consideram-se não cumpridas as disposições estabelecidas no n° 5 do art.° 71.º do CIVA, tornando-se indevida a respectiva regularização de imposto.”
o. Esta prova terá de ser feita, mesmo sendo adquirente um particular.
p. Face ao exposto, proponho o deferimento do reembolso solicitado pelo sujeito passivo, com as correcções descritas, por terem sido indevidamente efectuadas as regularizações constantes do campo 40 da DP 1026575612774, e da DP 102659546540, dos períodos 200708, e 200709 nos valores de € 251.092,54, e € 183.575,52 respectivamente, passando as regularizações a favor do sujeito passivo, para o valor € 0,00, no período 200708, e para o valor de € 278,89 no período 200709 (anexo 06), traduzindo-se na obtenção de uma vantagem patrimonial de €434.668,06.
q. (...);
E) Em 2008.05.14, a Chefe de Divisão, por delegação do Director de Finanças (em substituição), exarou despacho no relatório identificado na alínea D), constante de fls. 18 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual se transcreve:
a. Concordo com os fundamentos de facto e de direito expressos no relatório da acção inspectiva e parecer elaborados para o efeito;
b. Notifique-se nos termos do artigo 77° da LGT e do artigo 62° do RCPIT;
c. Proceda-se em conformidade;
d. (...);
F) Em 2008.06.11, foi emitida a liquidação adicional n° 08084252 de IVA do período 0708, com valor a pagar € 251 092,54, com data de pagamento voluntário até 2008.07.31 (cf. fls. 19 dos autos);
G) Em 2008.06.11, foi emitida a liquidação n° 08084253, de IVA — juros compensatórios do período de 0708, no montante de € 5 971,19, com data limite de pagamento até 2008.07.31 (cf. fls. 22 dos autos);
H) Em 2008.06.11, foi emitida a liquidação adicional n° 08084254 de IVA do período de 0709, com valor a pagar € 183 575,52, com data de pagamento voluntário até 2008.07.31 (cf. fls. 21 dos autos);
I) Em 2008.06.11, foi emitida a liquidação nº 08084255, de IVA — juros compensatórios do período de 0709, no montante de € 3 701,69, com data limite de pagamento até 2008.07.31 (cf. fls. 22 dos autos);
J) Em 2008.10.29, a presente impugnação foi enviada ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (cf. fls. 2 dos autos);
K) A Impugnante explora um parque zoológico e proporciona aos visitantes a realização de um safari, mediante a venda de entradas ou ingressos (cf. fls. 71 dos autos);
L) Na sua actividade a Impugnante concorre directamente com o B………… e C………… (………).


6. Do objecto do recurso

Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente na sua alegação de recurso e respectivas conclusões, podemos concluir que a questão de fundo consiste em saber se padece de erro de julgamento a sentença do TAF de Beja ao considerar que os factos apurados são subsumíveis ao estabelecido no nº 5 do artigo 71º do CIVA (na redacção em vigor à data dos factos, dada pelo artº 1º do Dec.Lei n.º 198/90, de 19 de Junho).
Para assim decidir, considerou a Mmª Juiz “a quo“ que a recorrente ao cobrar as entradas ao público para o parque zoológico, aplicou e liquidou o IVA a 21%, posteriormente rectificou/regularizou esse valor para a taxa reduzida de 5%, para o efeito deveria ter observado os trâmites previstos no nº 5 do artigo 71º CIVA, como não o fez, essa regularização do montante em excesso foi feita a seu favor, sendo por isso indevida.
Inconformada com o assim decidido, vem a recorrente alegar que no bilhete cobrado ao público não estava mencionado a taxa do IVA e que esse valor estava diluído no preço cobrado, pelo que não havia lugar à sua devolução ou seja, o dever de contactar os visitantes do parque para devolver o imposto pago em excesso, não sendo de aplicar o nº 5 do artº 71º do CIVA.

Entende a recorrente que o artº 71/5 do CIVA não pode ser aplicado ao caso concreto, uma vez que a referida disposição visa abarcar apenas as situações em que o preço cobrado é reduzido por via da rectificação para menos do valor tributável de uma operação ou do respectivo imposto, perante o cliente do sujeito passivo e que deva ser neste repercutida.

Sem prescindir, e ainda que se entenda que o artº 71/5 do CIVA deve ser aplicado ao caso em apreço, alega que a referida disposição legal nunca poderia ser aplicada ao caso por força do direito comunitário e do cumprimento do disposto no artº 5º/2 da LGT o qual estatui que «a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade da legalidade e da justiça material»
Conclui que, ao aplicar o referido preceito legal, a sentença recorrida incorreu em erro de direito, para além da violação dos princípios da generalidade, igualdade, legalidade e justiça material consagrados no direito comunitário e artigo 5°, n° 2, da Lei Geral Tributária.

Isto porque, em sua tese, «os princípios da justiça material e da igualdade ficariam inelutavelmente prejudicados caso não fosse dada a oportunidade à Recorrente de corrigir o seu erro, nos limites temporais legalmente previstos, uma situação de per si profundamente injusta.»

Argumentando que «o erro cometido pela Recorrente originou, na sua esfera, um desvirtuamento do princípio da igualdade e da justiça material que lhe deviam assistir, porquanto os restantes operadores do mercado em que se insere o negócio da Recorrente beneficiaram (e bem) da taxa reduzida de IVA, ao passo que esta, durante o período em que erradamente aplicou a taxa normal aos seus serviços, concorreu naquele mercado em desvantagem derivada de uma tributação agravada (obtendo margens de negócio menores, em consequência do seu erro).»


Subsidiariamente, e para a hipótese de não vingar a referida tese, solicita a suspensão da instância e o correspondente reenvio prejudicial para o TJUE (ao abrigo do disposto no artigo 267° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), por forma a que esta instância comunitária se pronuncie sobre a compatibilidade daquele artº 71º/5 do CIVA com a Directiva do Conselho 2006/112, de 28 de Novembro de 2006, sugerindo a seguinte questão:

"Deve entender-se que uma norma de direito nacional, como a constante do artigo 71/5 do Código do IVA português, viola a Directiva do Conselho 2006/112, de 28 de Novembro de 2006 (nomeadamente os seus artigos 1°, 73°, 93° e 98°), ao permitir recusar-se o reembolso de imposto indevidamente liquidado por um sujeito passivo nacional em operações por si realizadas com clientes particulares (por incorrecta aplicação da taxa normal de imposto quando seria aplicável uma taxa reduzida), em que o preço a estes cobrado não discrimina a taxa de IVA que efectivamente é aplicada (nem a estes é dada a conhecer por parte do sujeito passivo), impondo ao sujeito passivo que nestas situações dê a conhecer ao cliente a correcção a efectuar, com consequente obrigação de devolução da diferença resultante da correcção a esse cliente?"


Vistas as alegações de recurso podemos assim concluir que as questões objecto do recurso se reconduzem a saber:

a) Se incorre em erro de julgamento a sentença do TAF de Beja ao considerar que os factos apurados são subsumíveis ao estabelecido no nº 5 do artigo 71º do CIVA (na redacção dada pelo artº 1º do Dec.Lei n.º 198/90, de 19 de Junho);

b) Se desse entendimento decorre, no caso, violação dos princípios da generalidade, igualdade, legalidade e justiça material consagrados no direito comunitário e artigo 5°, n° 2, da Lei Geral Tributária, e se deve ser deferido o requerido reenvio prejudicial.


Vejamos, pois.

6.1 Do invocado erro de julgamento

Mostram os autos que a recorrente explora e administra o parque zoológico denominado “A…………”.
Em 18 de Abril de 2007 requereu à Administração Tributária (Direcção de Serviço do IVA), a emissão de informação vinculativa, no sentido de definir a taxa de IVA a utilizar nos bilhetes de entrada do referido parque zoológico.
Até 30 de Abril de 2007 a recorrente utilizava nas entradas do parque a taxa prevista no art.° 18.º n.º 1 al. c) do CIVA (21%), conforme informação prestada pela mesma.
A partir de 1 de Maio de 2007, e por considerar que esta actividade, reunia os pressupostos para ser incluída na verba 2.13 da lista 1 anexa ao CIVA, passou a cobrar as entradas no parque, à taxa prevista no art.° 18.º n.º 1 al. a) do CIVA (5%), enquadramento esse, que veio a ser confirmado pela Direcção de Serviços do IVA, na sequência do pedido de informação vinculativa acima referido.

Considerando que por erro de interpretação entregou nos cofres do Estado IVA à taxa normal, quando deveria ter entregue à taxa reduzida, e que o preço dos bilhetes de acesso ao parque se manteve, independentemente da taxa de IVA utilizada, a recorrente procedeu à regularização a seu favor, do IVA liquidado em excesso aos visitantes não sujeitos passivos (particulares), nos montantes de € 251.092,54, incluído no campo 40 da declaração periódica do período 2007/08, e € 183.575,52 incluído no campo 40 da declaração periódica do período 2007/09, tendo na sua posse, apenas os documentos internos de regularização contabilística (anexo 05), não tendo procedido ao reembolso do imposto liquidado em excesso aos adquirentes dos serviços (consumidores finais).

A Administração Fiscal procedeu à correcção do reembolso solicitado pela recorrente, com base no entendimento de que, para que o sujeito passivo possa regularizar a seu favor o IVA a mais liquidado, deverá estar habilitado a provar que o adquirente, mesmo sendo um particular, tomou conhecimento da rectificação, ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução, nos termos do nº 5 do art.º 71.º do CIVA.

Na sentença recorrida considerou-se que a recorrente, ao pretender rectificar o valor do IVA cobrado aos visitantes do seu parque zoológico, devia ter feito anúncio da disponibilidade de reembolsar quem se apresentasse e demonstrasse ter sido consumidor final no período de tempo em causa. Mas como não resultou comprovado que o tenha feito, considerou a dedução indevida, confirmando o entendimento da administração tributária, de acordo com o qual, «para que o sujeito passivo, possa regularizar a seu favor, o IVA a mais liquidado, deverá estar habilitado a provar que o adquirente, mesmo sendo um particular, tomou conhecimento da rectificação, ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que, se se considera indevida a respectiva dedução, nos termos do n° 5 do art. 71° do CIVA» - (cfr. alínea 1) — último parágrafo de fls. 331).

Não conformada a recorrente alega que a norma do artº 71/5 do CIVA não pode ser aplicada ao caso concreto, «uma vez que a referida disposição visa abarcar apenas as situações em que o preço cobrado é reduzido por via da rectificação para menos do valor tributável de uma operação ou do respectivo imposto, perante o cliente do sujeito passivo e que deva ser neste repercutida».
E argumenta que o seu erro não obriga à rectificação prevista no artigo 71/5 do CIVA, nem ao cumprimento dos requisitos formais aí previstos, «uma vez que o visitante pagou o montante fixo que lhe foi solicitado para entrada no Parque, independentemente da taxa de IVA efectivamente devida - taxa reduzida de IVA de 5% -, tendo o erro da Recorrente ocorrido apenas em relação ao valor global de IVA entregue a favor do Estado, aquando do cálculo previsto no artigo 49° do CIVA.»

Carece no entanto de razão legal.
No que respeita ao procedimento de regularização a favor do sujeito passivo, nomeadamente quando tal rectificação tivesse em vista a redução do montante de IVA liquidado, o artigo 71.º, n.º 5, do CIVA, na redacção então em vigor, estabelecia o seguinte:
«5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução.»

A questão suscitada neste recurso prende-se com o problema da repercussão do imposto.
Como é sabido o IVA diz-se um imposto indirecto na medida em que, sendo por regra exigido do vendedor, o legislador pressupõe que através da repercussão sobre os preços ele acabe “indirectamente” por ser suportado pelo comprador, cuja riqueza se pretende afinal onerar (Cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2ª edição, pag. 217.).
A repercussão definese, em técnica tributária, como o instrumento que permite transferir o encargo fiscal para o contribuinte final, de modo que a imposição seja neutra para o particular ou empresa que inicialmente paga e depois repercute, aparecendo como um simples degrau no processo de cobrança (Vide Pérez Royo, F, «Curso de Derecho Tributario. Parte Especial», Tecnos, 4ª edição, 2010, p. 741.).
Ora, como esclarece Sérgio Vasques (O imposto sobre o valor acrescentado, edição Almedina, pags. 186/187, 191/192) do ponto de vista material a atribuição ao sujeito passivo de um direito incondicional ao reembolso facilmente gera situações de enriquecimento sem causa quando se lida com impostos indirectos cuja estrutura e mecânica estão voltadas para a repercussão sobre terceiros.
Com efeito «a atribuição ao sujeito passivo de um direito incondicional ao reembolso gera um conflito potencial entre as pretensões do sujeito passivo e as do repercutido. O reconhecimento de um direito ao reembolso ao sujeito passivo não pode ser feito sem ter presente que a aplicação dos impostos indirectos não assenta numa relação apenas a dois, entre o sujeito passivo e a administração, mas antes numa relação triangular, em que além destes figura também o repercutido. E se o sujeito passivo deve ver garantido o reembolso de impostos liquidados em violação do direito europeu, não menos devemos garantir o reembolso àqueles que por princípio suportam o seu peso». (ob. citada pag. 187).
Assim admitindo-se que o sujeito passivo possa, por regra, solicitar e obter o reembolso, tal solução só será aceitável se o mesmo for obrigado, por sua vez, a reembolsar o comprador.
Nas palavras daquele autor, cujo sentido aqui também se sufraga, estando em causa imposto indirecto excessivo, só se pode dizer reposto o direito quando se desfaça por completo o circuito da liquidação e o valor que o sujeito passivo obtenha da administração a título de imposto seja devolvido àqueles aos quais o sujeito passivo a título de imposto o exigiu. O sujeito passivo constitui mero intermediário na liquidação do IVA e por isso deve ser tratado também como mero intermediário na sua reposição» - cf. ob. citada, pags. 191 e 192.
Razão pela qual se entende que o facto de os particulares não terem direito à dedução do IVA não significa que não tenham direito ao imposto, quando pago em excesso. Se aos sujeitos passivos de imposto o IVA é devolvido através do método da dedução, aos particulares deverá ser restituído através do reembolso.
Aliás, como bem refere a Fazenda Pública na sua contestação de fls. 111 e segs., se o sujeito passivo entregou imposto em excesso, a verdade é que também o liquidou em excesso, e não o tendo devolvido a quem o suportou o e esse imposto não é sua pertença nem pode ser integrado na sua margem de lucro.
Não colhe pois, nem se aceita, o argumento da recorrente no sentido de que o erro na cobrança da taxa apenas afectou a sua margem de lucro, motivo pelo qual não havia lugar a qualquer devolução aos visitantes e à consequente necessidade de os contactar de qualquer modo para esse efeito.
Existindo uma redução da taxa de imposto - por via do enquadramento na verba 2.13 da lista I anexa ao CIVA (Redacção então em vigor.), que estabelecia que estavam sujeitos à taxa reduzida de 5% os espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos, com excepção dos referidos nas alíneas a) e b) da citada verba, essa redução deveria reflectir-se no valor pago pelos consumidores. Sem o que deixaria de existir qualquer benefício junto dos mesmos decorrente do Estado abdicar de parte das suas receitas fiscais, desagravando o imposto de alguns bens e serviços que considera de primeira necessidade.
No caso concreto a recorrente ao pretender apoderar-se do IVA pago em excesso pelos repercutidos (consumidores finais que adquiriram os bilhetes de ingresso no parque zoológico) está a obter um enriquecimento sem causa, na exacta medida do imposto pago em excesso pelos seus clientes, consumidores finais.
E foi exactamente para obviar ou prevenir esse enriquecimento sem causa que o legislador optou pela solução normativa do nº 5 do artº 71º do CIVA.
Por isso bem andou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja ao concluir que para permitir o reembolso a lei nacional impõe como condição a comunicação aos adquirentes da alteração da taxa, não distinguindo entre consumidores finais e outros sujeitos passivos.

6.2 Da invocada violação dos princípios da generalidade, igualdade, legalidade e justiça material consagrados no direito comunitário e no artigo 5°, n° 2, da Lei Geral Tributária e do pedido de reenvio prejudicial.

Neste segmento do recurso a recorrente sustenta que, independentemente do seu erro aquando do apuramento contabilístico do valor do IVA a liquidar a favor do Estado, o preço pago pelos visitantes do parque corresponde exactamente ao que deveria ter sido cobrado, pelo que não há lugar à devolução aos visitantes de qualquer montante, seja a que título for.

E que «os princípios da justiça material e da igualdade ficariam inelutavelmente prejudicados caso não fosse dada a oportunidade à Recorrente de corrigir o seu erro, nos limites temporais legalmente previstos, uma situação de per si profundamente injusta
Argumentando ainda que «o erro cometido pela Recorrente originou, na sua esfera, um desvirtuamento do princípio da igualdade e da justiça material que lhe deviam assistir, porquanto os restantes operadores do mercado em que se insere o negócio da Recorrente beneficiaram (e bem) da taxa reduzida de IVA, ao passo que esta, durante o período em que erradamente aplicou a taxa normal aos seus serviços, concorreu naquele mercado em desvantagem derivada de uma tributação agravada (obtendo margens de negócio menores, em consequência do seu erro).»
E conclui que caso o Tribunal entenda o caso subjudice se subsume na previsão do artº 71º, nº 5 do CIVA deve ser suspensa a instância e solicitado o correspondente reenvio prejudicial para o TJUE (ao abrigo do disposto no artigo 267° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), por forma a que esta instância comunitária se pronuncie sobre a compatibilidade daquele artº 71º/5 do CIVA com a Directiva do Conselho 2006/112, de 28 de Novembro de 2006, nomeadamente os seus artigos 1°, 73°, 93° e 98º.

Também nesta parte e na sequência do que supra ficou dito em 6.1, deverá improceder a argumentação da recorrente.

A respeito do princípio do reembolso dos impostos indevidamente cobrados a jurisprudência do TJUE tem vindo a afirmar, partindo da análise de outros tributos indirectos e depois do IVA, que «a restituição de um imposto indevidamente cobrado pode ser recusada quando conduza a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito. A protecção dos direitos garantidos nesta matéria pela ordem jurídica da União não impõe a restituição de impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando se prove que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efectivamente sobre outras pessoas» (Cf. Acórdão C- 192/95- Comateb e Acórdão C398/09 - Lady & Kid A/S, de 6.09.2011.).
Como sublinha o TJUE, «nessas condições não é o operador quem suporta o encargo do imposto indevidamente cobrado, mas o comprador sobre quem foi repercutido o encargo. Assim, restituir ao operador o montante do imposto que o mesmo já cobrou ao comprador equivaleria para aquele a um duplo pagamento susceptível de ser qualificado de «enriquecimento sem causa», sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador». (Idem).
Mostra-se assim enraizada na jurisprudência do TJUE sobre o tema em questão a doutrina de que «o direito comunitário não se opõe a que um sistema jurídico nacional recuse a restituição de impostos indevidamente cobrados em condições susceptíveis de implicar um enriquecimento sem causa dos contribuintes (Cf. acórdãos citados, Acórdão C-309/06 — Marks & Spencer e demais jurisprudência comunitária citada no bem fundamentado parecer do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo).

Em suma, como se sublinha nas conclusões do Advogado-geral Villalón no citado Acórdão 398/09 (Lady & Kid A/S), «o Tribunal de Justiça desenvolveu uma interpretação autónoma dos conceitos de repercussão e de enriquecimento sem causa, transformando em regra de direito da União esta excepção à repetição do indevido, e assumindo como própria aquela que inicialmente não era senão uma regra de direito nacional. A sua intervenção na matéria, no entanto, pode ser qualificada, por agora, como «minimalista», atendendo à autonomia processual (e material) tradicionalmente reconhecida aos EstadosMembros nesta matéria».

Por isso, em tais casos, a jurisprudência comunitária vem também afirmando que «compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento em causa» (cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco).
Sendo que igualmente sublinha o TJUE que «entre tais «circunstâncias» deve também ser tido em conta o prejuízo que o interessado possa ter sofrido «pela própria circunstância de ter repercutido a jusante o imposto cobrado pela administração em violação do direito comunitário, por o acréscimo de preço do produto provocado pela repercussão do imposto ter implicado uma diminuição do volume de vendas» (Acórdão Comateb).

Pelo que fica dito resulta claro que, face àquela jurisprudência, a norma do artº 71 nº 5 do CIVA, na redacção em vigor à data dos factos, ao condicionar a regularização a favor do sujeito passivo do imposto indevidamente liquidado à prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto não viola do direito comunitário, já que, pese embora constitua uma limitação ao direito ao reembolso, tal excepção visa precisamente obviar ou prevenir o enriquecimento sem causa do respectivo titular.
Ponto é que se averigue, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento em causa.
Questão essa que, como o TJUE repetidamente afirmou, será da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais.

Daí que se entenda que face àquela jurisprudência e à interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão excepção de repercussão baseada no enriquecimento sem causa, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, haverá de se concluir que se torna desnecessário o reenvio solicitado pela recorrente, competindo aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento em causa.

Ora revertendo ao caso subjudice importa sublinhar que ao regularizar as deduções de IVA a seu favor e alcançar o respectivo reembolso, a recorrente iria transferir o encargo do imposto, na sua totalidade para os adquirentes de ingressos no parque, seus clientes e consumidores finais, obtendo um enriquecimento sem justa causa.
Na verdade, não está em causa o direito à dedução de outros sujeitos passivos mas sim imposto cobrado no âmbito de prestação de serviços ao consumidor final.
Por outro lado embora a recorrente alegue, em sede de recurso, que o erro por si cometido «originou, na sua esfera, um desvirtuamento do princípio da igualdade e da justiça material que lhe deviam assistir, porquanto os restantes operadores do mercado em que se insere o negócio da Recorrente beneficiaram (e bem) da taxa reduzida de IVA, ao passo que esta, durante o período em que erradamente aplicou a taxa normal aos seus serviços, concorreu naquele mercado em desvantagem derivada de uma tributação agravada (obtendo margens de negócio menores, em consequência do seu erro)», o certo é que, como se viu, esse imposto indevidamente liquidado em excesso não poderia nunca ser integrado na margem de lucro do sujeito passivo, já que constitui mero intermediário na liquidação do IVA e estava obrigado a entregá-lo ao Estado.

Haveria que alegar e provar que subsistiu um prejuízo adicional residente na perda de vendas a que a liquidação de imposto indevido levou, prejuízo esse que não se confunde com o reembolso do imposto e que o sujeito passivo terá que comprovar, como sucede com qualquer outra situação em que alega um dano (Neste sentido vide Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, ed. Almedina, pag. 192.) .
Ora a recorrente não alegou, nem invocou em sede de impugnação esse prejuízo adicional, nomeadamente que tenha havido qualquer acréscimo do preço dos títulos de ingresso provocado pela repercussão do imposto, determinante de uma diminuição do volume de vendas, e ademais, como bem nota o Ministério Público no seu parecer, embora tenha sido fixado na alínea L) do probatório que “na sua actividade a impugnante concorre directamente com o B………… e C………… (………)”, certo é que não ficou comprovado que o preço dos ingressos no parque zoológico da impugnante tenha sido fixado em razão dessa ou de outra concorrência.
Não se vislumbra, assim, nem está demonstrado que o erro cometido pela Recorrente tenha originado, na sua esfera, um desvirtuamento do princípio da igualdade e da justiça material, para efeitos de contraposição à proibição do enriquecimento sem causa, pelo que improcederá também este fundamento do recurso.

7. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente

Lisboa, 10 de Outubro de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.