Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01370/17
Data do Acordão:02/22/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JURISPRUDENCIA CONSOLIDADA
Sumário:I - Não é de admitir o recurso para uniformização de jurisprudência quando a orientação perfilhada está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.
II - Assim, não se deve admitir esse recurso quando tem por objecto um acórdão do STA proferido de acordo com a jurisprudência perfilhada em dois acórdãos do STA, tirados, em 4/5/2017, em formação alargada, e que, posteriormente, foi mantida em vários outros.
Nº Convencional:JSTA00070555
Nº do Documento:SAP2018022201370
Data de Entrada:12/06/2017
Recorrente:MUNICÍPIO DE SANTIAGO DO CACÉM
Recorrido 1:ÁGUAS DE SANTO ANDRÉ
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC SECÇÃO CONT ADM
Decisão:NÃO ADMITIR RECURSO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC REVISTA EXCEPC
Legislação Nacional:CPTA ART152 ART148 N1
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0248/10 DE 2010/05/20.; AC STA PROC0687/16 DE 2017/03/29.; AC STA PROC0963/16 DE 2017/03/29.; AC STA PROC01205/16 DE 2017/03/29.; AC STA PROC0574/16 de 2017/03/29; AC STA PROC01148/16 de 2017/03/29; AC STA PROC0444/16 de 2017/06/01; AC STA PROC01125/17 de 2018/01/25; AC STA PROC01126/17 de 2018/01/25
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.O MUNICÍPIO DE SANTIAGO DO CACÉM, notificado do acórdão proferido pela Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em 29/6/2017 (no Processo n.º 1205/16) que concedeu a revista e, revogando acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, ordenou a baixa dos autos a este tribunal para que os mesmos juízes resolvessem as contradições presentes na decisão sobre a matéria de facto, julgando novamente a causa, veio, nos termos do disposto no artigo 152.º, do CPTA, interpor RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, indicando como Acórdão Fundamento o proferido neste Supremo Tribunal em 07 de Dezembro de 2016, processo nº 964/16.

Para o efeito, apresentou alegação, onde formulou as seguintes conclusões:

«A- O presente recurso para uniformização de jurisprudência é interposto do Acórdão desse STA de 1/6/2017 proferido na revista excepcional à margem referenciada interposta de Acórdão do TCAS que, revogando sentença do TAF de Beja, condenou o Município de Santiago ora recorrente a pagar à sociedade anónima Águas de Santo André, SA, valor por esta peticionado a título de efluentes domésticos da cidade de Vila Nova de Santo André, concelho de Santiago do Cacém, com fundamento em contradição sobre mesma fundamental questão de direito com douto Acórdão do STA, transitado em julgado, proferido em 7/12/2016 – rec. 964/16.
B- O recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso porque a decisão recorrida, muito embora conceda provimento à revista, é muito desfavorável aos interesses do Município, porque reduz o núcleo essencial da controvérsia dos autos a mera questão de facto, para apreciação da qual diz ser irrelevante o direito aplicável e o contrato de concessão e ordenando a baixa do processo para novo julgamento da causa, define à partida o direito a aplicar, limitando inquinando irremediavelmente esse julgamento.
C- Conforme se diz no texto: Recurso para Uniformização de Jurisprudência – Breves Notas e Jurisprudência” -, Gabinete dos Juízes Assessores- Assessoria Cível, pag. 47, in Web, deve a parte “ ...ter-se por vencida quando a decisão obtida não seja a mais favorável aos seus interesses..”.
D- O recurso é tempestivo e verificam-se requisitos previstos na lei processual.
E- Não existe jurisprudência recentemente consolidada do STA sobre a questão de direito aplicável à factualidade provada nas instâncias sobre o caso do Município de Santiago do Cacém.
F- E certo é que nunca poderá invocar-se que – sob pena de grave violação de preceitos constitucionais - a existir, jurisprudência consolidada sobre o caso do Município de Sines, pois não há qualquer identidade entre matéria de facto subjacente aos processos do Município de Sines e à factualidade subjacente aos processos do Município de Santiago do Cacém, ora recorrente, como se demonstrará.
G- Existe contradição sobre questão fundamental de direito entre o Acórdão recorrido e o douto Acórdão do STA, transitado em julgado, proferido em 7/12/2016 – rec. 964/16, em que era recorrente o aqui recorrente e recorrida a aqui recorrida, no qual se discutiu exactamente a mesma questão, e cuja factualidade provada é igual à dos presentes autos.
H- O douto Acórdão Fundamento concedeu provimento à revista excepcional interposta pelo Município ora recorrente do Acórdão do TCAS de 14/1/2016 (igual ao do que é objecto do Acórdão recorrido), e revogou-o, bem como julgou improcedente a acção de Águas de Santo André, SA.
I – Os fundamentos do Acórdão Fundamento são os seguintes:
• Os serviços de saneamento básico compreendem a prestação do serviço de abastecimento público de água às populações e o saneamento das águas residuais urbanas, ambos através de redes fixas...”
• São serviços públicos essenciais, de titularidade e responsabilidade estatal ou municipal, podendo, no entanto, a sua gestão e exploração caber a outras entidades, nalgumas condições até entidades privadas;
• À data da propositura da acção a lei já distinguia entre sistemas multimunicipais e sistemas municipais; os primeiros eram criados pelo Estado precedidos de pareceres dos municípios territorialmente envolvidos (nºs 1 e 2 do Dec-lei 379/93) e por decreto-lei;
• O contrato de concessão entre Estado e a AdSA celebrou-se em Dezembro de 2001, sendo concedente o Estado e concessionária a AdSA, não tendo o Município intervenção do processo de concessão em apreço;
• Não há, pois, no caso, sistema multimunicipal, porque não existe Decreto-lei que o tenha criado;
• O caso dos autos é sui generis, porquanto o sistema serve dois municípios que não estão associados num sistema multimunicipal, apenas serve parcialmente os dois municípios, sendo que o Município de Santiago do Cacém não é o concedente;
• A sociedade AdSA presta directamente aos habitantes de VNSA serviços de abastecimento de água potável pelos quais cobra a tarifa respectiva, o que condiz com a titularidade estatal do sistema de saneamento básico de VNSA;
• Nem o Contrato de concessão, nem o Dec-lei 171/2001, permitem concluir que a ADSA, fazendo o abastecimento de água em baixa, não faça também a recolha e tratamento de efluentes na mesma cidade;
• Acresce que, não assegurando a exploração e gestão do sistema em baixa no âmbito de um sistema multimunicipal, o Município não pode ser considerado um utilizador do sistema em alta;
• A discussão nas instâncias sobre se há ou não contrato entre a AdSA e o Município, se o contrato é ou não nulo, se aplica ou não o regime de nulidade do art.º 289.º assentava no pressuposto errado de que o MSC era utilizador do sistema em alta, dele beneficiando;
• Não existindo sistema multimunicipal perde sentido toda a discussão sobre contrato ou sobre se o município era beneficiário de um serviço da AdSA;
• No caso dos autos, tendo em consideração os contornos fácticos e jurídicos, não é réu devedor da AdSA;
J- O Acórdão recorrido concedeu a revista, mas ordenou a baixa dos autos ao TCA-Sul “...para que os mesmos juízes resolvam as contradições presentes na decisão sobre a matéria de facto e julguem novamente a causa”, sendo “...esse regresso dos autos ao TCA … vai já acompanhado da definição do regime jurídico aplicável, a qual será vinculante na decisão que, após se corrigir a matéria de facto, a 2ª instância venha a proferir (artº 683º do CPC)” - fls 16.
L– O “regime jurídico aplicável” que é “vinculante” para o TCAS e que é indicado pelo acórdão recorrido, é o do Acórdão de 10/11/2016 – rec. N.º 391/16 proferido em processo do Município de Sines, cuja factualidade provada é totalmente distinta da matéria de facto provada nos presentes autos.
M- Persiste o Acórdão recorrido no erro de ignorar a ESPECIFIDADE da matéria de facto provada no caso em apreço, E SÓ NESTE, e que levou o TCAS a BRUTAL ERRO DE JULGAMENTO.
N- O Acórdão recorrido diz:
•“A circunstância da autora ser concessionária do Estado é irrelevante- já que a respectiva «lex contractus» relativa às partes negociais, não obriga o réu município, enquanto terceiro”.
• “ ...também é indiferente o que o município porventura devesse «ex lege» fazer. O que importa não é aquilo que ele devia ter feito - fls. 10.
• Este Tribunal de revista ... confronta-se com uma dúvida insuperável: a factualidade recolhida pelas instâncias não esclarece se o réu município interveio, ou não, no processo de recolha domiciliária e de condução dos efluentes, já que os factos apurados afirmam isso e o seu contrário...” - fls. 12
• O que inviabiliza “ … a imediata resolução jurídica do pleito” - fls. 12
• “ ...Acompanhamos o acórdão recorrido ...” referindo-se ao Acórdão do TCAS- ” ...quando ele disse que as partes se uniram num vínculo negocial relativo à recepção dos efluentes domésticos...”- fls.18
O- Perante tão paradoxal entendimento de um Tribunal Superior cabe perguntar:
P- Estando em causa o fornecimento de bens essenciais às populações (distribuição de água para uso doméstico, efluentes domésticos) são irrelevantes as obrigações a que se vinculou (no contrato de concessão) a concessionária da gestão e exploração do sistema de saneamento básico?
Q- São irrelevantes as normas legais que definem as atribuições e competências dos órgãos do Estado (Central ou Local) para o abastecimento de água e para recolha dos efluentes domésticos?
R- Afirmando o acórdão recorrido que “…as partes se uniram num vínculo negocial relativo à recepção dos efluentes domésticos…”, mas estando provado – alínea AA) e T) dos factos assentes, transcritos a fls. 8 e 9 da decisão recorrida – que nunca houve contrato entre as partes e que o Município sempre devolveu as facturas, com a menção de que não era delas devedor – quais os factos materiais provados que sustentam a afirmação supra referida?
S- Mandando baixar os autos ao TCAS, como já se referiu, o Acórdão recorrido define, então, o vinculante regime jurídico a aplicar pelo TCAS:
• “...Na primeira hipótese, o réu município seria alheio ao processo de recolha e condução dos efluentes, já que a sua intervenção nele se limitara a passivamente tolerar que a autora usasse o seu sistema de esgotos” - -fls. 11 -, devendo a acção improceder «in toto» (fls. 13);
• Na segunda hipótese “...o réu activamente conduzira os efluentes domésticos para o ponto de recolha da autora...”, pelo que “ esta prestara um serviço ao réu...” (fls.. 11) , havendo, deste modo, “...entre si alguma relação, visto que a autora prestou ao réu o serviço alegado «in initio litis»,
• Pelo que se deverá nesta hipótese de aplicar a jurisprudência constante do acórdão do STA proferido no recurso nº 391/ 16, transcrevendo, como já se referiu o citado Acórdão sobre o CASO DE SINES.
T- Sendo a factualidade subjacente aos arestos em confronto (Acórdão recorrido e Acórdão Fundamento) exactamente a mesma, a solução sobre a fundamental questão de direito é totalmente divergente.
U- Do que resulta a evidência de contradição sobre fundamental questão de direito entre o Acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento.
V- Como se referiu, existe radical diferença entre a matéria de facto provada nos presentes autos e nos autos de processos em que foi réu o Município de Sines.
T- Essa radical diferença revela-se do confronto da factualidade provada nos autos em que foi proferido o Acórdão de 10/11/2016 – rec. 391/16 relativo a processo relativo ao MUNICÍPIO DE SINES, que o Acórdão recorrido transcreve e cujo regime jurídico manda o Acórdão recorrido aplicar aos presentes autos.
U- Com efeito, do tal Acórdão relativo ao Município de Sines (Pº N.º 391/16) mostra-se que:
• É o Município de Sines que abastece de água e recolhe os efluentes domésticos de toda a população do Concelho
• O Município de Sines celebrou, em 2005, acordo com Águas de Santo André, SA, com vista a esta receber, tratar e dar destino aos efluentes domésticos da cidade de Sines;
• O Município de Sines celebrou contratos com a aqui recorrida, comprando-lhe água a Águas de Santo André, SA que depois o Município abastece aldeias do concelho e pontualmente a cidade de Sines;
• O Município de Sines nunca devolveu a Águas de Santo André, SA as facturas emitidas e que lhe foram entregues por esta;
• A razão invocada para o não pagamento das facturas pelo Município de Sines é a divergência sobre os tarifários aplicados por Águas de Santo André.
V- De toda a factualidade provada nos presentes autos e em todas as restantes acções intentadas contra o Município de Santiago do Cacém, sumariam-se alguns dos factos provados relevantes:
• Não há nem nunca houve contrato ou acordos entre os aqui recorrente e recorrida, relativos a abastecimento de água ou saneamento de Vila Nova de Santo André, nem foram provados factos materiais de que se extraia vínculo negocial entre as partes;
• É Águas de Santo André, SA que abastece directamente a água para consumo humano aos residentes na cidade de V.N.S.A.
• O Município de Santiago do Cacém SEMPRE DEVOLVEU as facturas à aqui recorrida com a menção de NÃO SER DEVEDOR;
ÁGUAS DE SANTO ANDRÉ, S.A. não presta ao Município de Santiago do Cacém serviços de recolha, tratamento e destino final de efluentes domésticos na Cidade de Vila Nova de Santo ao Município de Santiago do Cacém, antes os presta directamente aos habitantes da cidade de VNSA, aos quais abastece a água;
• Por força do contrato de concessão celebrado entre o Estado Português e a aqui recorrida NÃO É O MUNICÍPIO DE SANTIAGO DO CACÉM que exerce as atribuições de abastecimento de água e saneamento à população de V. N. S. A.
• Os utilizadores do sistema de abastecimento de água, recolha, tratamento e destino final de efluentes domésticos são os residentes em Vila Nova de Santo André,
X- A factualidade tão distinta como pode aplicar-se o mesmo regime jurídico?
Y- O direito a aplicar ao presente caso tem, pois, necessariamente de ser distinto do definido pelo Acórdão recorrido que se aplica à factualidade do Município de Sines.
Z- O Acórdão recorrido proferido por órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais,
• Sustenta-se em argumentos (expressos ou implícitos) que não têm correspondência na realidade dos factos;
• Reduziu o cerne da controvérsia a uma mera questão de um facto (saber quem recolhe os efluentes domésticos na Cidade de Vila Nova de Santo André, se a A. ou o R.), quando efectivamente do que se trata é de uma questão de direito – saber quem, segundo o a lei e o contrato de concessão, tem o dever de recolher os efluentes domésticos da Cidade de Vila Nova de Santo André, situada no concelho de Santiago do Cacém - que, deste modo, só pode ser esclarecida, no quadro dos factos assentes, pela lei e pelo contrato de concessão;
• Tomou como pressuposto a matéria provada em processo relativo ao Município de Sines, cuja factualidade é radicalmente distinta da matéria assente no caso do Município de Santiago do Cacém, como se mostra inequívoco de todo o Acórdão e, particularmente da transcrição do Acórdão do STA de 10/11/16 – recurso 391/16 relativo ao caso de Sines em que é indicado o regime jurídico que o TCAS fica vinculado a aplicar;
• Afirma factos sem qualquer sustentação na matéria provada.
• Ignorou que é absolutamente impossível apurar, de facto, quem recolhe os efluentes de VNSA, mesmo sendo notório que, quando alguém acciona a descarga de água numa sanita, não há uma mão humana invisível que intervenha no curso natural e accione o escoamento/recolha da água descarregada na rede pública (efluente).
• Ignorou o ciclo natural da água – aliás provada sob a alínea H) da matéria assente que o acórdão recorrido transcreveu a fls. 7: “A água é captada, tratada distribuída, utilizada e uma vez utilizada é recolhida, tratada e rejeitada numa parte que constitui o efluente doméstico, competindo à A. proceder aos diversos actos desse ciclo da água…”
• Mandou baixar o processo ao TCAS para esclarecer se é a AdSA ou o Município que recolhe os efluentes domésticos em VNSA – como se tal fosse possível.
• Define o regime jurídico a aplicar em cada uma das alternativas que vier a ser provado (como se tal não fosse absolutamente impossível), limitando a amplitude do julgamento do TCAS
• E “mata” para sempre qualquer outra solução a dar ao caso, violando, em nosso entender, a garantia de duplo grau de jurisdição.
AA- O Acórdão recorrido violou:
• O dever de “administrar a justiça” e “assegurar a defesa dos direitos e interesse legalmente protegidos” do Município de Santiago do Cacém, infringindo o nº 1 e 2 do art. 202º da Constituição da República, bem como violou o nº 1 do art. 20º da Lei Fundamental, e
• Restringindo ainda o princípio da autonomia do poder local previsto nos artºs 235º e seguintes da CRP, infringiu desse modo o artº 6º da Lei Fundamental e Carta Europeia da Autonomia Local.
O DL 115/89 de 14/04 e o DL 171/2001 de 25/05;
• O Contrato de Concessão celebrado em Dezembro de 2001 entre o Estado e Águas de Santo André, SA que atribui a esta última a concessão em exclusivo da exploração e gestão do sistema de abastecimento de água e efluentes domésticos de Vila Nova de Santo André, designadamente as cláusulas 1ª nºs 1 e 3, 2º nº1, 6ª nº 1, 10ª nº 1.
• Os arts. 217º, nº 2 do 257º, 289º e nº 1 do 405º do CC;
• Os arts. 5º, 260º, 412º nº 1, 608º nº 2, 682º nº 1, 2 e 3 do CPC, aplicáveis ex-vi art.
• E, ainda, o art 140º e os nºs 2, 3 e 4 do art. 150º do CPTA.
BB- O Acórdão recorrido comete ERRO BRUTAL DE JULGAMENTO, COMO É EVIDENCIADO NAS DECLARAÇÕES DE VOTO VENCIDO anexas ao Acórdão recorrido dos Exmºs. Senhores Conselheiros do STA, Doutores António Bento São Pedro, Carlos Luís Medeiros de Carvalho e Doutora Maria Benedita Urbano que se dão aqui por integralmente reproduzidas e que acompanhamos na íntegra.
CONSEQUENTEMENTE,
Nestes termos, nos mais de Direito, e com o douto suprimento de V.Exas:
a) Deve reconhecer-se a contradição entre os julgados;
b) Deve revogar-se o acórdão recorrido, reconhecendo-se o BRUTAL ERRO DE JULGAMENTO de que padece;
c) Deve fixar-se jurisprudência no sentido decidido pelo Douto Acórdão Fundamento, sendo, em consequência, o Município de Santiago do Cacém absolvido do pedido formulado pela sociedade comercial Águas de Santo André, SA na acção inicial».
A ÁGUAS DE SANTO ANDRÉ, S.A., contra alegou, tendo enunciado as seguintes conclusões:

«A. A AdSA apresentou recurso de uniformização de jurisprudência contra o Acórdão Fundamento, de 7 de dezembro de 2016, de que é relatora a Senhora Conselheira Maria Benedita Urbano (tirado no Proc.º 155/13.4BEBJA, recurso nº 964/16, nesse STA), tendo então evidenciado os vícios inequívocos em que o mesmo incorre ao concluir que o sistema gerido pela AdSA abrange a prestação dos serviços de saneamento em baixa.

B. Trata-se, como então se evidenciou, e agora se reitera, de uma decisão clamorosamente errada – por ora, de resto, isolada no panorama geral das decisões desse Supremo Tribunal que, até à data, têm sido prolatadas em litígios semelhantes – e que tem de ser afastada em sede de uniformização de jurisprudência.

C. A jurisprudência desse Supremo Tribunal Administrativo até então emitida, vinha decidindo acertadamente no sentido de condenar os Municípios envolvidos, de Sines e Santiago do Cacém, ao pagamento à AdSA das quantias por esta faturadas e relativas aos serviços prestados de tratamento de efluentes em alta – assumindo, portanto, que a AdSA prestou tais serviços ao Município -, à luz do enquadramento jurídico e da solução de direito definida (e bem) também nos presentes autos pelo Acórdão Recorrido, isto é, enquadrando contratualmente a relação entre a AdSA e os Municípios, declarando a respetiva nulidade por falta de redução a escrito e determinando, à luz do artigo 289.º do Código Civil, o pagamento à AdSA dos serviços prestados.

D. O Acórdão Recorrido patenteia, porém, uma “nuance” relativamente à anterior jurisprudência firme do Supremo Tribunal Administrativo, que se consubstancia em saber se foi a AdSA “quem, nos anos de 2010 e 2011, recolheu os efluentes domésticos juntos dos munícipes e VN de Santo André, encaminhando-os - mesmo que através da rede de esgotos pertencentes ao réu – para o seu sistema em alta a fim de serem trados e rejeitados (como consta do facto GG)), ou, nesse período, foi o réu quem procedeu à recolha domiciliária e ao encaminhamento dos efluentes, levando-os na sua rede até ao ponto onde se iniciava o sistema em alta (como consta do facto Z) ".

E. O Tribunal considera que se trata de uma “pura questão de facto”, “porque o cerne da controvérsia, localizando-se na existência, ou não, dos elementos constitutivos de uma prestação de serviços, está desligado da problemática jurídica que acidentalmente o rodeia (…) e redunda na averiguação do facto que assinalámos, isto é, em determinar –se se a autora prestou, ou não, ao réu os serviços relacionados com aqueles efluentes domésticos”, “inviabilizadora da imediata resolução jurídica do pleito (artigo 682º, nº 3 do CPC) (…) e que obriga à baixa dos autos ao TCA-Sul a fim de que, em primeira linha, se retifique a matéria de facto”.

F. Para além desse entendimento sobre a necessidade de eliminação da contradição na matéria de facto, o Acórdão recorrido define o direito aplicável aos factos, imputando à Autora o ónus de provar que a captação domiciliária dos efluentes e a sua condução até ao ponto de recolha foi efetuada pelo município, em termos que: (i) não sendo tal facto provado, a ação deverá improceder; e (ii), sendo tal facto provado, a ação será procedente, devendo o réu pagar à AdSA as quantias faturadas ao abrigo do regime previsto no artigo 289º do Código Civil.

G. Perante este quadro, a AdSA, encontrando-se em total desacordo com o Acórdão Fundamento, partilha, em traços gerais, da solução constante do Acórdão Recorrido, que não enferma do clamoroso equívoco em que assenta o Acórdão Fundamento.

H. No entanto, a AdSA diverge do Acórdão Recorrido em dois pontos que, no entender, devem ser corrigidos, associados (i) ao entendimento do Acórdão Recorrido da necessidade de eliminação da contradição entre a matéria de facto, entendendo a AdSA que esse Supremo Tribunal dispõe de elementos para decidir o litígio de imediato e (ii) à distribuição do ónus da prova evidenciado no Acórdão Recorrido, o qual, no entender da AdSA, não obedece ao disposto no artigo 342º do Código Civil e, deve, por isso, ser corrigido, para que o TCA Sul não venha a ficar vinculado por uma distribuição do ónus da prova que contraria a regra legal.

I. O Acórdão Fundamento começa por considerar que “é fundamental analisar o contrato de concessão para perceber quais os poderes que a ora recorrida pode exercer sobre o recorrente e, bem assim, quais os eventuais direitos e deveres recíprocos” (cfr. página 11 do Acórdão recorrido) e que é ainda “imprescindível ter em conta a legislação atinente ao caso dos autos, e com base na qual se desenrolou a situação jurídica controvertida, em particular o DL 379/93, de 05.11, e o DL 171/2001, de 25.05”.

J. Com base no Decreto-Lei nº 171/2001, de 25 de maio, o Acórdão Fundamento aceita que a gestão e exploração do sistema de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha, tratamento e rejeição e destino final de resíduos sólidos, que serve parcialmente os Municípios de Santiago do Cacém e de Sines, foi atribuída, em exclusivo, à AdSA, mediante a outorga de contrato de concessão (cfr. primeiros parágrafos da página 13).

K. O argumento principal em que assenta o Acórdão Fundamento é o de que, no sistema, não existe propriamente uma repartição organizatória entre a alta e a baixa, “designadamente não tendo sido atribuído ao Município de Santiago do Cacém o sistema ‘em baixa’ (sistema cujos utilizadores finais são os consumidores individuais), tudo cabendo à exploração e gestão da sociedade AdSA”.

L. É que este entendimento do Acórdão Fundamento, mais do que relevar como fundamento apresentado para a negação da natureza multimunicipal do Sistema releva, a título principal, e com caráter fundamental para a caracterização da oposição de julgados aqui em causa, como fundamento essencial para a concessão de provimento no Acórdão Fundamento ao recurso de revista interposto pelo Município.

M. A ratio decidendi subjacente ao Acórdão Fundamento é essencialmente a de que o Município «foi arredado pelo Estado (…) da exploração e gestão do sistema ‘em baixa’», sendo antes a ADSA a responsável por este último. De acordo com o Acórdão Fundamento, o Município não é titular de qualquer serviço público, seja de abastecimento de água, seja de saneamento, seja de recolha de resíduos sólidos, tanto em alta como em baixa. Tudo é, segundo o Acórdão Fundamento, competência da AdSA.

N. Tal decisão de direito convive - ainda que em tensão e manifesta contradição, como a AdSA teve oportunidade de invocar naqueles autos -, com um acervo factual dado como provado (e não contraditório, como sucede nos presentes autos) do qual decorre justamente o contrário daquela decisão (isto é, que o Sistema gerido pela Autora não abrange a baixa do saneamento em V.N.S.A, atividade que é desenvolvida pelo Município).

O. São particularmente relevantes, a este respeito, os seguintes factos provados:

i) “Foram transferidos para a A. (…) a propriedade dos imóveis, infraestruturas e equipamentos que constituem o sistema de saneamento básico de Santo André (…) com exceção das redes de drenagem de águas residuais domésticas e de águas pluviais do centro urbano da cidade de V.N.S.A” [cfr. facto F) e G)];

ii) “As águas residuais urbanas, isto é, os efluentes domésticos de V.N.S.A. (…), são recolhidas pela rede municipal do Réu” [cfr. facto J];

iii) “O R. encaminha os efluentes domésticos provenientes da cidade de V.N.S.A. recebidos em “Baixa” na rede municipal de recolha para o sistema concessionado à A.” [cfr. facto Y];

iv) “Nos locais de recepção, os efluentes domésticos provenientes da recolha em “Baixa” pelos municípios e entregues nos locais de recepção, são sujeitos a um método de controlo e medição do caudal, por meio de caudalímetros” [cfr. facto II].

P. O argumento em que assenta a decisão constante do Acórdão Fundamento, incorre em erros de julgamento, violando as normas legais aplicáveis: o Acórdão Fundamento e, particularmente, a decisão principal em que o mesmo assenta viola o enquadramento legal e regulamentar a que a AdSA está vinculada.

Q. Ao contrário do que supõe o Acórdão Fundamento, o sistema da AdSA não abrange as infraestruturas da baixa do saneamento. E esta conclusão emerge da própria lei, não dependendo de qualquer prova ou confirmação fáctica.

R. A AdSA é, como é inquestionável, uma concessionária de serviço público: o artigo 6º do Decreto-Lei nº 171/2001, de 25 de maio atribui-lhe o exclusivo da exploração e gestão do sistema, em regime de concessão.

S. O concedente é, como também não é posto em causa, o Estado.

T. Tal sistema é o “sistema para captação, tratamento e distribuição de água, para recolha, tratamento e rejeição de efluentes e para recolha, tratamento e destino final de resíduos sólidos, constituído por imóveis, infra-estruturas e equipamentos cuja propriedade foi transmitida para o Estado pelo Decreto-Lei nº 115/89, de 14 de Abril, e cuja administração foi cometida à delegação da DGRN em Santo André, que transitou para o Instituto da Água (INAG) por força do disposto no artigo 18º-A do Decreto-Lei nº 191/93, de 24 de Maio, acrescentado a este último diploma pelo Decreto-Lei nº 110/97, de 8 de Maio, e que serve, parcialmente, os municípios de Santiago do Cacém e Sines, passa a ter a designação de sistema de abastecimento de água, de saneamento e de resíduos sólidos de Santo André (adiante designado por sistema)” (cfr. artigo 1.º do Decreto-lei nº 171/2001).

U. Esta delimitação do sistema catapulta necessariamente o intérprete para o âmago do Decreto-Lei nº 115/89, de 14 de abril, a fim de perceber que imóveis, infra-estruturas e equipamentos foram transmitidos para o Estado e, por isso, integram o sistema de Santo André.

V. O Decreto-Lei nº 115/89, de 14 de abril, procedeu à transmissão do património do GAS (antigo Gabinete da Área de Sines) – imóveis, infraestruturas e equipamentos que constituem os sistemas de saneamento básico e o centro de Estudos de Geologia e Geotecnia de Santo André (CEGSA) - para o Estado, mas nem todo esse património foi transmitido para o Estado.

W. O artigo 2º deste mesmo diploma legal exceciona daquela transmissão para o Estado algum património que foi transmitido para os municípios de Sines e de Santiago do Cacém, claramente identificado: (i) partes das redes de saneamento básico já integradas na rede da vila de Sines e na povoação de Porto Covo, que foram transmitidas para a Câmara Municipal de Sines e (ii) redes de drenagem de águas residuais domésticas e de águas pluviais de Santo André, que se transmitem para a Câmara Municipal de Santiago do Cacém.

X. Note-se, aliás, que não é só a propriedade de tais infraestruturas que é transmitida para os Municípios de Sines e Santiago do Cacém, mas também a respetiva administração: “(…) cuja propriedade e administração são transmitidas para a Câmara Municipal de (…)”.

Y. Logo, se a rede de drenagem de efluentes domésticos de Santo André não foi transmitida para o Estado nos termos do Decreto-Lei nº 115/89 – mas antes para o Município de Santiago do Cacém, como ninguém, exceto o Acórdão Fundamento - põe em causa nos autos -, então, tal rede não integra o sistema de Santo André.

Z. Ora: só o sistema que, por força do Decreto-Lei nº 115/89, foi transmitido nessa data para o Estado foi depois, pelo Decreto-Lei 171/2001, transferido para a gestão da AdSA. E só esse releva para efeitos da delimitação da atividade e responsabilidades da AdSA.

AA. A rede que tinha sido transferida para os municípios em 1989 não foi, em 2001, repescada pelo Estado; manteve-se nos municípios. É esta realidade histórica e legal que explica que o sistema gerido pela AdSA, que mais não é do que o sistema transferido para o Estado em 1989, não inclua a rede e a atividade em baixa do saneamento.

BB. Feito este percurso pelos diplomas legais citados, tem de concluir-se que o sistema de Santo André não é um sistema delimitado de facto; é um sistema cuja delimitação tem fonte legal; e não abrange a rede de saneamento em baixa de VNSA.

CC. Se o sistema de Santo André não abrange a rede de efluentes em baixa de VNSA, como inequivocamente decorre do DL 115/89, e se a atividade concedida à AdSA, nos termos do artigo 6º do DL 171/2001, é a exploração e gestão do sistema de Santo André, tem forçosamente de concluir-se, qual silogismo, que a atividade concessionada à AdSA não inclui a rede de efluentes domésticos de VNSA.

DD. Fica assim totalmente refutada a conclusão constante do Acórdão Fundamento segundo a qual “tudo cabe à exploração e gestão da sociedade AdSA”(cfr. último parágrafo da página 13), entendendo-se, no contexto da frase, por “tudo” tanto a atividade de saneamento em alta como em baixa em VNSA.

EE. Revelando ignorar a delimitação do sistema realizada pelo DL 115/89 e que parte do antigo património do GAS foi transmitido para os Municípios e falhando na necessária conjugação entre aquele diploma legal e o DL 171/2001 – pecado original que inquina o Acórdão Fundamento -, o Acórdão Fundamento assume que o sistema de Santo André atribuído à exploração da AdSA abrange tudo, indo ao ponto de salientar como peculiaridade do sistema a “circunstância de não haver propriamente uma distinção (no sentido de repartição organizatória) entre sistema em alta e sistema em baixa, designadamente não tendo sido atribuído ao MSC o sistema em baixa (sistema cujos utilizadores finais são os consumidores individuais), tudo cabendo à exploração e gestão da AdSA” (cfr. ultimo parágrafo da página 13 do Acórdão Fundamento).

FF. O Acórdão Fundamento parece pressupor que caberia ao Decreto-Lei nº 171/2001 “atribuir” ao Município de Santiago do Cacém o sistema em baixa – suposição que é consequência, por um lado, da ignorância relativamente ao facto de tal sistema já estar no Município desde 1989, e, por outro lado, relativamente ao facto de em jogo, no Decreto-Lei nº 171/2001, estar apenas em causa a gestão do sistema que pertence ao Estado e a opção do Estado em concessioná-lo a uma empresa totalmente pública, em regime de concessão, não cabendo, ali, evidentemente curar de matérias que estão atribuídas aos municípios.

GG. A posição sustentada no Acórdão Fundamento, a qual, como se viu e movida pelo mencionado pecado original, contraria o Decreto-Lei nº 171/2001, necessariamente conjugado com o Decreto-Lei nº 115/89, ignora que o Município, que não é de facto parte no contrato de concessão, não teria sequer que nele intervir, nem poderia alguma vez o contrato de concessão (outorgado pelo concedente Estado) ser a fonte da atribuição ao município de determinada atribuição legal (a qual, de resto, já lhe cabe, como se viu, desde 1989).

HH. Como não pode deixar de ser, não é o facto de a AdSA prestar aos munícipes o serviço de abastecimento de água em baixa que explica (ou sugere) que aquela assuma idêntica relação direta com os municípios no que respeita ao saneamento.

II. É a lei que define os serviços que a AdSA presta, como se viu. E quanto às redes de abastecimento de água em baixa, estas, porque propriedade do Estado, viram a sua gestão e exploração ser, por lei, transferida para a AdSA; o mesmo não sucedeu com as redes de saneamento, que são propriedade do Município e é sua a responsabilidade pela respetiva gestão e prestação do serviço público conexo.

JJ. Não é, pois, verdade que “o MSC foi arredado pelo Estado (…) da exploração e gestão do sistema ‘em baixa’” (cfr. página 17 do Acórdão Fundamento), pelo menos no que toca ao saneamento em baixa em Vila Nova de Santo André.

KK. Imbuída também no pecado original, assumindo que a AdSA gere também o saneamento em baixa, o Acórdão Fundamento percorre nas páginas 15 e 16 algumas cláusulas do contrato de concessão das quais parece retirar a confirmação da sua posição de que a ADSA gere o saneamento em baixa de VNSA.

LL. Trata-se, porém, por um lado, de cláusulas que não se apresentam minimamente decisivas para essa conclusão, referindo-se aos utilizadores e aos efluentes canalizados para o sistema da AdSA pelos utilizadores (o que o acórdão Recorrido parece entender, mal, como utilizadores finais), o que é perfeitamente compatível com a definição contratual e legal (artigo 11º do Decreto-Lei nº 171/2001).

MM. Na verdade, o título que a AdSA detém para a gestão do sistema de Santo André – a concessão atribuída por lei – está limitado ao sistema legalmente definido (nos termos do artigo 6º do Decreto-Lei nº 171/2001, “o exclusivo da exploração e gestão do sistema é adjudicado, em regime de concessão, à Águas de Santo André, S. A (…)”). E nem tem qualquer sentido ou fundamento tentar encontrar no contrato de concessão – cujo fundamento é a lei e cujo âmbito e objeto está delimitado na lei (Decreto-Lei nº 171/2001) – a base para ali ler, como faz o Acórdão Fundamento uma atribuição à AdSA da responsabilidade pelo saneamento em baixa em VN de SA – numa leitura que é claramente impedida pelo próprio Decreto-Lei nº 107/2001 e pelo Decreto-Lei nº 115/89.

NN. O Estado não é o proprietário daquelas redes de efluentes em baixa em VNSA nem a mesmas integram o sistema de Santo André cuja gestão lhe compete e que o legislador determinou fosse concessionado, o contrato de concessão celebrado ao abrigo do Decreto-Lei nº 107/2001 não poderia - sob pena de violação do princípio da legalidade, entre outros - ser o título para a atribuição à AdSA do direito/obrigação de realizar a atividade de saneamento em baixa em VNSA (simplesmente porque essas redes estão fora do sistema que, por determinação da lei, lhe foi concessionado).

OO. A propriedade e a administração da rede de efluentes domésticos de Santo André foi transmitida para o Município de Santiago do Cacém, como decorre do Decreto-Lei nº 115/89.

PP. Logo, é o Município, e não o Estado ou a AdSA, que é o titular do serviço e que está, por conseguinte, incumbido da sua gestão e obrigado a prestar o serviço público a que tal rede está afeta.

QQ. É, aliás, o que decorre das regras gerais da delimitação das competências e atribuições dos municípios, constante da Lei nº 159/99, de 14.09 (Lei das Autarquias Locais), atualmente, a Lei nº 75/2013, de 12 de setembro, mantém a mesma lógica (alínea k) do nº 2 do artigo 23º).

RR. Ora, se é certo que o Estado intervém neste domínio nos municípios de Sines e Santiago do Cacém, houve uma parte das atribuições municipais que foram preservadas na esfera municipal, pelo menos, desde 1989, justamente as que, pelo Decreto-Lei nº 115/89 foram transferidas para aqueles municípios, onde se inclui a rede de efluentes em baixa de VNSA.

SS. Ora, coerentemente com a respetiva propriedade, administração e com as atribuições gerais municipais em matéria de ambiente e do saneamento básico, é ao município que cabe gerir aquelas infraestruturas e o serviço público nas mesmas assente.

TT. Este entendimento está, de resto, em consonância com a definição jurídica avançada no próprio Acórdão Fundamento para a hipótese de ser o município, e não o Estado, o titular do serviço (hipótese que o Tribunal afastou mercê do seu pecado original).

UU. É, aliás, esse, o quadro geral que se encontra, desde 2009, densificado no Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de agosto.

VV. É certo que o Município tem assumido a gestão desse serviço: faz a recolha dos efluentes em baixa, usando para tanto as redes e infraestruturas sua propriedade e cuja gestão é da sua responsabilidade e encaminha-os para o sistema gerido pela AdSA (que não abrange, como decorre da lei, as redes em baixa).

WW. Mas, poderia, também, ter optado por outro dos quatro modelos de gestão de sistemas municipais de água e saneamento previstos no Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de agosto (para além da gestão direta, ali se prevê a gestão delegada em parceria pública, a gestão delegada em empresa local ou a gestão concessionada a empresa privada), mas a verdade, que se saiba, é que não optou; e nem veio nos autos dizer que atribuiu a outra entidade a gestão do serviço.

XX. Simplesmente diz que é a AdSA, escudando-se no contrato de concessão, o qual, como se viu, não abrange, nem podia abranger o segmento do saneamento em baixa em VNSA.

YY. Nem o Decreto-Lei nº 171/2001 o permite, nem o contrato de concessão coerentemente o prevê, nem o Município de Santiago do Cacém sequer alegou, ou demonstrou, ter celebrado com a AdSA um qualquer contrato de parceria pública - seria este o único modelo pelo qual a lei permitiria ao município de Santiago do Cacém atribuir à AdSA a gestão daquele serviço público, ao abrigo do Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de agosto, conjugado com o Decreto-Lei n.º 90/2009, de 9 de abril -, para que esta fosse a entidade gestora do sistema municipal em causa (isto é, do sistema municipal de saneamento em baixa de VNSA).

ZZ. Se a rede em baixa está fora do sistema gerido pela AdSA, é evidente, portanto, que é o município o titular desse serviço e, segundo emerge dos autos, de quanto é alegado pelo Município, não atribuiu ele a gestão desse serviço a outra entidade (limitando-se a dizer que é a AdSA quem tem essa responsabilidade), pelo que tem de concluir-se, em face dos autos, que ocorre uma gestão direta do serviço pelo Município.

AAA. É, pois, inevitável concluir-se que é o Município que injeta na rede que integra o sistema gerido pela AdSA os efluentes por si recolhidos juntos dos munícipes. E, ao injetá-los, o Município transfere para terceiro uma responsabilidade que, não fora a existência do sistema (em alta) titulado pelo Estado e gerido pela AdSA, seria sua (ao abrigo justamente das suas atribuições em matéria de ambiente e saneamento básico).

BBB. A ADSA intervém a jusante desse serviço de recolha que é prestado pelo Município. Isto é, após essa recolha e estando já as águas residuais na rede municipal, a ADSA, através de um ponto de recolha seu que existe em V.N.S.A. recebe as águas residuais que provêm da rede municipal e transporta-as para tratamento na sua ETAR, a ETAR de Ribeira de Moinhos.

CCC. É precisamente esta realidade, indesmentível, que não é assumida no Acórdão Fundamento, antes nele se alterando a realidade dos factos, os quais, aliás, ficaram processualmente firmados desde a 1ª instância.

DDD. É o Município quem recolhe as águas residuais juntos dos seus munícipes, e de que é a rede municipal de saneamento que injeta na rede da AdSA, no designado ponto de recolha, tais águas residuais após estas terem sido recolhidas pelo Município junto dos seus munícipes.

EEE. Neste quadro, a decisão de considerar que não está provado que o Réu fosse ou seja beneficiário ou utilizador dos serviços da autora está, pois, em manifesta oposição com os factos acabados de enunciar e com o Decreto-Lei nº 115/89 e com o Decreto-Lei nº 171/2001, diplomas legais em que assenta toda a arquitetura do sistema gerido pela AdSA e a delimitação da atividade que, nos termos da lei e do contrato de concessão, lhe foi cometida.

FFF. Se o Município encaminha os efluentes que recolhe dos seus munícipes, através da sua rede municipal, para a rede gerida pela Autora, através do ponto de recolha localizado em V.N.S.A., não se vê como possa dizer-se que não há um acordo de vontades tácito e que não há sequer uma relação contratual sem forma escrita.

GGG. É claro que, ao mandar – ou, pelo menos, ao saber que eles para lá afluem, sem nada fazer para o impedir - os seus efluentes para tratamento e destino final pela AdSA, o município está a aceitar tacitamente que a AdSA lhe preste aqueles serviços (não desconhecendo igualmente o regime tarifário a que está sujeita a prestação de tais serviços).

HHH. Tendo em conta o descrito enquadramento, o facto de o município ter devolvido as faturas não pode ter outro significado que não o de patentear que o município não quer pagar as faturas e/ou entende não ser delas devedor, mas essa conduta não pode relevar para a aplicação do direito aos factos e para a determinação pelo Tribunal se assim é, ou não.

III. Se assim fosse, estaria, de resto, encontrada a fórmula mágica para os devedores se livrarem dos seus débitos.

JJJ. É que é isso mesmo que brocado latino protestatio facto contraria nihil relevat reconhece: a adoção de determinado sentido negocial expresso através de declarações de protesto ou recusa de aceitação de determinada realidade não pode surtir qualquer efeito se, no plano das atuações adotadas, o agente revelar uma postura contraditória.

KKK. Neste estádio das presentes alegações, estão já reunidos os dados que permitem, com grande facilidade, compreender a irrelevância da qualificação jurídica do sistema de Santo André, à luz do binário sistema municipal/sistema multimunicipal.

LLL. Mas é ainda relevante notar - o que mais reforça o carácter decisivo do pecado original para o sentido decisório que ficou plasmado no Acórdão Fundamento - que o Acórdão Fundamento, ao teorizar sobre o regime jurídico dos sistemas multimunicipais, assinala (bem), na página 12, que os municípios são aí “(…) utilizadores do sistema ‘em alta’, tendo que pagar um preço pelos serviços que lhe são prestados (…)”.

MMM. Para além de não relevar, portanto, para a correta decisão do litígio, tal questão não releva igualmente para efeitos do presente recurso, isto é, no plano da oposição de julgados, uma vez que o Acórdão Recorrido não se pronuncia diretamente sobre essa natureza do sistema gerido pela AdSA nem a decisão subjacente ao mesmo assenta, ou estaria sequer dela logicamente dependente, nessa qualificação.

NNN. De qualquer forma, tenha-se em mente que o conceito de sistema multimunicipal vertido na Lei de Delimitação de Setores (Lei 46/77, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 372/93 exige que (i) o sistema sirva, pelo menos, dois municípios (justamente, os municípios de Sines e de Santiago do Cacém), a (ii) exija investimentos do Estado.

OOO. A esta luz, é o próprio Decreto-Lei de 2001, quando atribuiu a gestão e exploração do Sistema à AdSA (isto é, com o Decreto-Lei nº 171/2001, de 25 de maio), quem, no preâmbulo, reconheceu a natureza multimunicipal do sistema, ao dizer que o mesmo “(…) serve parcialmente os municípios de Santiago do Cacém e Sines, resultou de um investimento efetuado pelo Estado em função de razões de interesse nacional e foi objeto de decreto-lei”.

PPP. Em segundo lugar, o argumento do Acórdão Fundamento segundo o qual não há uma separação entre sistema em alta e sistema em baixa é, como já se viu, erróneo. Se é certo que o sistema abrange a alta e a baixa no que toca ao abastecimento de água, o mesmo não sucede a respeito do saneamento (emerge aqui o pecado original).

QQQ. Mas é conveniente registar, em qualquer caso, que o âmbito de atividades cobertas pelo sistema municipal (se a alta, se a baixa) não integra os requisitos legalmente estabelecidos para a definição de um sistema multimunicipal. De facto, à luz da Lei de Delimitação de Setores, nada impede que um sistema multimunicipal abranja a atividade em baixa.

RRR. O erro sobre os respetivos pressupostos em que assenta o Acórdão Fundamento – o pecado original - está igualmente presente nos dois votos de vencido dos Senhores Conselheiros António Bento São Pedro e Maria Benedita Urbano (Relatora do Acórdão Fundamento) apostos no Acórdão Recorrido (ambos por remissão).

SSS. Também nestes dois votos de vencido se entende que o sistema gerido pela AdSA integra o sistema em baixa de Vila Nova de Santo André – e este é o pressuposto errado que inquina todo o raciocínio subsequente -, concluindo-se, nessa base, que é a AdSA quem tem a obrigação de recolher os efluentes domésticos dessa localidade.

TTT. Pese embora exista uma evolução entre o Acórdão Fundamento e os votos de vencido de 4 de maio de 2017, acima referidos, consubstanciado no voto de vencido da Senhora Conselheira Maria Benedita Urbano lê-se, na página 2 da declaração de voto, que “o MSC é desde 2001 o proprietário das redes de drenagem de águas residuais” [leia-se, domésticas], o que patenteia, portanto, a sua mudança de posição quanto à propriedade das infraestruturas relativamente ao Acórdão Recorrido de que foi relatora.

UUU. No entanto, não é desde 2001 que o Município de Santiago do Cacém é proprietário dessas infraestruturas, mas sim desde a publicação do Decreto-Lei nº 115/89. Isto é, aquando da atribuição da concessão do sistema à AdSA (em 2001), já o sistema de Santo André tinha existência e à data dessa atribuição da concessão, já o sistema de Santo André estava delimitado, não incluindo as redes de saneamento em baixa de Santo André, que pertenciam e eram geridas pelo município.

VVV. Apesar desse reconhecimento sobre a propriedade das infraestruturas, o voto de vencido persiste num raciocínio errado, posição esta que, com aquele pressuposto, se torna ainda mais incompreensível.

WWW. Continua a asseverar-se que é a AdSA quem presta todos os serviços de saneamento em baixa em Vila Nova de Santo André, ignorando que o título habilitante da AdSA para a exercer essa atividade – o Decreto-Lei nº 177/2001 e o contrato de concessão – restringe o objeto da concessão ao Sistema de Santo André, que é, como se explicita no artigo 1º deste diploma legal, o sistema transferido para o Estado pelo Decreto-Lei nº 115/89 (e que não abrange, como se viu, as redes de saneamento em baixa de Santo André).

XXX. E este é, como se sabe já, o ponto nevrálgico do equívoco do Acórdão Fundamento e destes votos de vencido (e em que não incorre o Acórdão Recorrido).

YYY. Por outro lado, o raciocínio em causa no voto de vencido labora numa nítida inversão lógica, partindo de circunstâncias laterais e acessórias para a definição do principal.

ZZZ. Ao contrário de toda a arquitetura do Acórdão Fundamento Recorrido e do voto de vencido, o conceito de sistema multimunicipal (e a lógica associada a este) não está no centro (ou na base) dos presentes autos, como já se disse nestas alegações; não releva, com efeito, a classificação e o nomen iuris que se dê ao sistema gerido pela AdSA.

AAAA. Não é decisivo saber o Sistema gerido pela AdSA é um sistema multimunicipal; essencial é saber que direitos e obrigações se inscrevem na esfera jurídica da AdSA e, paralelamente, se, no outro pólo da relação jurídica estabelecida, existe um sistema municipal (isto é, atribuições municipais para a prestação do serviço público de efluentes).

BBBB. E se este sistema municipal existe, ainda que apenas limitado à baixa do saneamento; e, existindo (logo, desde o Decreto-Lei nº 115/89), com as responsabilidades municipais inerentes, o que importa é que a AdSA (operando, por força da lei, apenas no saneamento em alta) presta um serviço ao Município, que esse serviço tem um preço que o município insiste em não pagar.

CCCC. É verdade que a responsabilidade pelo serviço em baixa poderia, em teoria, ser da AdSA e esta não ser proprietária das infraestruturas afetas a esse serviço, que poderiam ser do Município.

DDDD. Mas essa é uma tese que, no caso em apreço não tem, como demonstrado, aderência à realidade, é negada pela lei, não é isso que ocorre, pelo que ponderá-la conduz a um trajeto errático e infrutífero.

EEEE. Sendo o serviço municipal, para que a AdSA fosse por ele responsável, teria tal responsabilidade que ter-lhe sido atribuída pelo Município.

FFFF. Não consta provado nos autos, nem sequer alegado, que ato do Município de Santiago do Cacém atribuiu à AdSA a responsabilidade pelo serviço do saneamento em baixa em V. N. de Santo André – o contrato de concessão e o DL 171/2001 não foram seguramente, porque, como ficou demonstrado, o objeto destes limita-se ao sistema de Santo André, o qual não inclui aquelas redes de saneamento em baixa.

GGGG. Por outro lado, o Município devolve as faturas à AdSA porque não quer pagar um serviço que, antes da opção pelo Estado pelo modelo concessório (à AdSA), o município não pagava, pretendendo, portanto, prolongar uma situação a que confortavelmente se habituou, mas que não tem, no modelo atual, respaldo jurídico.

HHHH. Não é, nem pode ser, o facto de o município devolver as faturas que vai determinar se as mesmas são ou não devidas.

IIII. As diferenças entre a situação do Municípios de Sines e de Santiago do Cacém em face da AdSA e à luz do quadro jurídico aplicável são perfeitamente irrelevantes para a resolução dos litígios.

JJJJ. O enquadramento jurídico aplicável e a atividade a que se referem os serviços em dívida são exatamente os mesmos.

KKKK. O Município de Sines, à semelhança do Município de Santiago de Cacém, é servido pelo sistema gerido pela ADSA [cfr. artigo 1º do Decreto-Lei nº 171/2001, de 25 de maio].

LLLL. O enquadramento jurídico relevante é o mesmo, com destaque quer para o Decreto-Lei nº 171/2001, de 25 de maio, quer para o Contrato de Concessão celebrado entre o Estado e a ADSA, assinado em 27 de dezembro de 2011.

MMMM. A diferença reside no facto de, no município de Santiago do Cacém, a AdSA faz o abastecimento de água em alta e em baixa a V. N. de Santo André e presta também os serviços de saneamento em alta a V. N. de Santo André, ao passo que…

NNNN. No município de Sines, a AdSA abastece água em alta apenas a pedido do Município (que tem captações próprias) e opera ainda o saneamento em alta.

OOOO. Mas, o que importa para os litígios em jogo é que, em ambos os municípios, em parte do respetivo território, a AdSA opera o saneamento em alta; e, em causa, nos vários processos, num e noutro Município, está o pagamento das faturas relativas aos serviços de saneamento em alta.

PPPP. O facto de o Município de Sines assegurar o abastecimento de água em baixa - e tal não suceder com o município de Santiago do Cacém – é irrelevante para a questão jurídica em causa.

QQQQ. O facto de o Município de Sines ter, em tempos, formalizado um contrato com a AdSA – e o mesmo não ter sucedido com o Município de Santiago do Cacém - também não altera a substância do enquadramento jurídico aplicável à AdSA e à sua relação com as entidades beneficiárias dos seus serviços.

RRRR. E o mesmo se diga acerca da não devolução das faturas, no caso do Município de Sines. Vale, aqui, quanto, a respeito da relevância da devolução as faturas pelo Município de Santiago do Cacém, acima se escreveu.

SSSS. Não é, nem poderia ser, tal atuação, que altera a substância das coisas: a configuração do Sistema, a prestação dos serviços pela AdSA e o direito aplicável.

TTTT. Não fora o pecado original - o desacerto de considerar que o sistema gerido pela AdSA inclui a gestão do saneamento em baixa -, a decisão contida no Acórdão Fundamento não podia deixar de ser outra, pois estaria aquele Tribunal adstrito a considerar, atento o prisma que anuncia – isto é, o de que a qualificação de utilizador do sistema depende de quem é responsável pelo sistema ‘em baixa’ –, que o Município é o beneficiário direto dos serviços de recolha, tratamento e rejeição de efluentes domésticos prestados pela ADSA, sendo devedor dos montantes peticionados na Petição Inicial, ainda que o seja tão-só nos termos do n.º 1 do artigo 289.º do CC.

UUUU. Independentemente de se considerar que o sistema é, ou não, multimunicipal, o que importa é que a AdSA presta um serviço ao Município, que esta reconhece e continuadamente mantém e que esse serviço tem um preço que o município insiste em não pagar.

VVVV. As alegações antecedentes deixam bem patente a adesão da AdSA, no essencial, ao entendimento subjacente ao Acórdão Recorrido, contudo, existem dois aspetos em que, tal como anunciado logo a abrir as presentes alegações, a AdSA discorda do decidido no Acórdão Recorrido.

WWWW. Como decorre de quanto alegado a propósito do desacerto do Acórdão Fundamento, há uma posição de princípio relativamente à qual a AdSA adere ao Acórdão Fundamento e, paralelamente, aos votos de vencido dos conselheiros António Bento São Pedro e Maria Benedita Urbano no Acórdão Recorrido.

XXXX. A AdSA discorda da necessidade de baixa dos autos ao TCA Sul para eliminação da contradição entre a matéria de facto, porquanto, no seu entender, não há qualquer questão de facto que tenha ainda que ser resolvida para que o litígio possa ser decidido por este Supremo Tribunal – concordando, aliás, com a solução de direito definida no Acórdão Recorrido (enquadramento contratual da relação entre a AdSA e o Município, declaração da nulidade do contrato e pagamento das quantias peticionadas ao abrigo do dever de restituição previsto no artigo 289.º do Código Civil).

YYYY. O que está em causa é essencialmente matéria de direito, que consiste em saber quem é que tem o dever de recolher os efluentes dos munícipes, que o Supremo Tribunal Administrativo pode e deve conhecer.

ZZZZ. Pois se a AdSA prestou o serviço em alta – como está assente nos autos -; e o Município é o titular das infra estruturas e do serviço em baixa, como decorre da lei; e este não demonstrou ou sequer alegou ter transferido para outra entidade, à luz dos modelos de gestão previstos no Decreto-Lei nº 194/2009, a responsabilidade pela gestão do serviço de saneamento em baixa; logo, é evidente que o serviço que a AdSA prestou foi prestado ao Município, não havendo que ver se foi a AdSA quem realizou um serviço (saneamento em baixa) para o qual não está sequer habilitada, nem legal nem contratualmente.

AAAAA. Segundo o Acórdão Recorrido, é essencial para a boa decisão da causa apurar se foi a AdSA, ou não, quem, de facto, realizou os serviços de saneamento em baixa em VNSA.

BBBBB. A manter-se a decisão do Acórdão Recorrido, o mesmo enferma de uma incorreção que não pode deixar de ser corrigida.

CCCCC. É que, na definição de direito aplicável, o Acórdão Recorrido incorre num erro quanto à distribuição do ónus da prova.

DDDDD. Se a AdSA nada tem a apontar quanto à solução de direito encontrada, em si mesma, e constante aliás de abundante jurisprudência desse STA, que o próprio Acórdão Recorrido cita – enquadramento contratual da relação entre as partes, declaração da nulidade do contrato e dever de restituição ao abrigo do artigo 289.º do Código Civil -, já o mesmo não pode dizer-se quanto ao modo como esse Supremo Tribunal distribui o ónus da prova, vinculando nessa medida o TCA SUL.

EEEEE. O Acórdão Recorrido atribui à AdSA (Autora) o ónus de provar que foi o município quem realizou a captação domiciliária dos efluentes e os encaminhou até à rede em alta gerida pela AdSA.

FFFFF. É a AdSA quem tem de o provar e, caso não consiga fazer essa prova (isto é, se não se provar aquela realidade, não se provando igualmente o seu contrário (“non liquet” probatório), é sobre a AdSA que recaem as consequências desfavoráveis da frustração da prova (isto é, a ação é declarada improcedente).

GGGGG. Uma tal distribuição do ónus da prova viola, porém, o disposto no artigo 342.º do Código Civil e deve, por isso, ser alterada.

HHHHH. A regra basilar da distribuição do ónus da prova subjetivo é a de que “àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” (nº 1 do artº 342º do CC).

IIIII. Já “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”, isto é, o réu, assim se estabelecendo no número seguinte do mesmo artigo do Código Civil.

JJJJJ. Assim sendo, os factos constitutivos do direito da Autora, aqui a AdSA, são os factos que se traduzem na prestação do serviço em alta, que a AdSA logrou provar e não é sequer discutido nos autos.

KKKKK. E ao Réu, o Município, cabe provar os factos impeditivos do direito da Autora, como é o caso de não ser ele, Município, quem opera o serviço em baixa, mas sim uma terceira entidade.

LLLLL. Portanto, postas as coisas no seu devido lugar, à Autora nada mais cabe provar, sendo ao Réu que cabe fazer a prova de que não é ele quem opera o serviço, não sendo, por isso, o devedor do serviço prestado pela AdSA.

MMMMM. Se o provar, a ação improcede. Se não fizer essa prova – seja por se gerar apenas a dúvida a tal respeito (“non liquet”), seja por se ter provado o contrário (isto é, que foi ele quem que realizou o serviço em baixa – então, a ação procede e é o Município quem sofre as consequências negativas de não ter logrado provar o facto impeditivo do direito da Autora.

NNNNN. Esta aplicação do regime do ónus da prova previsto no artigo 342º do Código Civil revela cruamente a inversão que cometeu o Acórdão Recorrido, pondo a nu que o resultado dessa inversão é fazer recair, erradamente, na Autora o ónus de provar, além dos factos constitutivos do seu direito (que provou), ainda a não verificação dos factos impeditivos do direito do Réu.

OOOOO. Em última análise, este erro tem como efeito deixar o Réu afinal livre de qualquer ónus probatório e concentrado, em contra exercício, na tarefa de combater a produção da prova que compete à Autora.

PPPPP. A realização do serviço em baixa por outra entidade que não o Réu é um facto impeditivo do direito da Autora – logo, cabendo a sua prova ao Réu Município -, e não um facto constitutivo do direito da Autora AdSA.

QQQQQ. É o que decorre do designado critério da normalidade de que nos falam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, no Código Civil Anotado (volume I, 4ª edição, página 306, em anotação ao artigo 342º do Código Civil), o qual tem de ser perspetivado em função do direito e pretensão em causa.

RRRRR. A adoção do aludido critério da normalidade conduz, precisamente, no caso concreto em apreço, a considerar a prova de que não é o município quem faz a recolha e o encaminhamento dos resíduos da rede em baixa constitui um facto impeditivo do direito da Autora.

SSSSS. É que, bem vistas as coisas, essa realidade – não ser o município a fazer o serviço em jogo – é que é anormal. Pois se (i) as redes de saneamento em baixa são sua propriedade, como decorre do já mencionado Decreto-Lei nº 115/89, e se (ii) o município é também, nos termos da legislação já supra sobejamente explicitada, o titular do serviço público de saneamento em baixa, o normal é que seja ele a prestá-lo, tendo, portanto, de caber-lhe a demonstração de que a responsabilidade pela gestão do serviço de que é titular foi transferida (a gestão) para outra entidade e qual (sendo esta a realidade anormal).

TTTTT. A idêntica conclusão se chega se se pensar que quanto aos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, pois como defende MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As Partes, O Objeto e a Prova na Ação Declarativa, Lex, 1995, página 221) “(…) é que não seria aceitável que recaísse sobre a parte que invoca uma situação jurídica o ónus de provar não só que estão preenchidos todos os seus elementos constitutivos, mas também que não se verificam nenhuns factos impeditivos, modificativos ou extintivos”.

UUUUU. Ora, como se viu, é justamente a esse resultado, reputado inaceitável pelo citado Ilustre processualista, que o erro constante do Acórdão Recorrido conduz – o que determina, portanto, a necessidade da sua correção».

2. Nos termos do n.º 6 do art.º 663.º do CPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada no acórdão recorrido e no acórdão fundamento.

3. De acordo com o preceituado no art. 152º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência são os seguintes:

a) que exista contradição entre acórdão do TCA e outro acórdão anterior, do mesmo TCA ou do STA ou entre acórdãos do STA;

b) que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito;

c) que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamento;

d) que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão impugnado, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.

Por outro lado, mantêm-se os princípios que vinham da jurisprudência anterior (da LPTA) segundo os quais (i) para cada questão relativamente à qual se pretenda ocorrer oposição deve o recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; (ii) só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; (iii) é pressuposto da oposição de julgados que as soluções jurídicas perfilhadas em ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - respeitem à mesma questão fundamental de direito, devendo igualmente pressupor a mesma situação fáctica; (iv) só releva a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outro (cfr. entre muitos outros o acórdão STA Pleno de 20.5.2010 no recurso 0248/10).

No caso dos autos, impõe-se desde já enunciar que não se verifica um dos pressupostos essenciais à admissão do recurso de uniformização interposto, ao invés do alegado pelo recorrente.

Com efeito, o recorrente nas suas alegações recursivas, olvida que o Acórdão Recorrido, de 29/6/2017, foi proferido após e de acordo com a doutrina perfilhada no Acórdão de 4/5/2017 – Processo n.º 687/16, tirado no âmbito do disposto no nº 1 do art.º 148.º do CPTA em julgamento ampliado em que intervieram todos os juízes da secção, tendo-se uniformizado jurisprudência acerca das questões suscitadas em ambos os Acórdãos [recorrido e fundamento, entre outros].

Na verdade, e como consta do despacho do Sr. Presidente deste Supremo Tribunal proferido em 02.04.2017 foi determinado que :«…Assim, atendendo a que, apesar da possível diversidade de pormenores de cada processo que poderão avultar na discussão, está em apreciação a mesma situação da vida jurídico-administrativa, no mesmo quadro jurídico, entre as mesmas partes e com litigiosidade persistente, determino que se proceda ao julgamento ampliado do recurso nos referidos processos, nos termos do artº 148º, nº 1 do CPTA».

Assim, face a esta determinação, é de aplicar ao presente recurso, o disposto no nº 3 do artº 152º do CPTA que prevê a não admissão do recurso para uniformização de jurisprudência, «se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo».

E, efectivamente, desde a prolação do citado Ac. de 4/5/2017 existe jurisprudência consolidada sobre as questões em análise nos Acórdãos recorrido e fundamento, de tal modo que a partir daquela data, foram já proferidos vários Acórdãos em que também os relatores que votaram vencido no Acórdão recorrido acolheram a jurisprudência que veio a ser adoptada neste mesmo Acórdão, como são exemplos disso, os Acórdãos proferidos em 29.06.2017, procs. nºs. 0963/16, 01205/16, 0574/16, 01148/16 e em 01.06.2017 proc. n.º 0444/16, entre outros, cumprindo, assim, o determinado na formação alargada (cf., neste sentido, os Acs. do Pleno desta Secção de 25/1/2018, proferidos nos Procs. nºs. 1125/17 e 1126/17).

4. Pelo exposto, acordam em não admitir o recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 22 de fevereiro de 2018. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.