Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0434/11.5BESNT 0829/14
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:DEDUÇÃO
REQUISITOS
ISENÇÃO
IVA
Sumário:I – As conclusões das alegações de recurso fixam o objecto do mesmo.
II – Não basta, para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA suportado a montante, a simples existência de um nexo direto e imediato entre as despesas incorridas e a operação em causa, exigindo-se, ainda e designadamente, que esta última não se encontra isenta de IVA.
Nº Convencional:JSTA000P26574
Nº do Documento:SA2202010280434/11
Data de Entrada:07/09/2014
Recorrente:A..........., SA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A…………, S.A, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, exarada a fls. 129 a 134 do SITAF, a qual julgou a improcedente a impugnação por ela deduzida contra o indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o acto de liquidação adicional de IVA do ano de 2007.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A – Deverão as presentes alegações ser admitidas, por tempestivas, nos termos dos artigos 282.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
B – A recorrente convicta da razão que lhe assiste, não pode concordar com a Douta Sentença proferida pelo TAF de Sintra.
C – O Thema decidendum no presente recurso é saber se a recorrente pode deduzir o IVA suportado com a aquisição de serviços de consultadoria e assessoria necessários à aquisição de participações sociais noutra empresa do mesmo ramo de actividade?
D – Dos artigos 168.º da Directiva 2006/112/CEE e 20.º, n.º 1 do Código do IVA, conclui-se que o direito à dedução tem por referência uma “relação de utilização” i.e. se os serviços foram adquiridos com vista à realização de actividades que conferem direito a dedução, o IVA será dedutível.
E- Indubitavelmente existe essa relação de utilização e um nexo directo e imediato entre as despesas em causa (i.e. serviços de consultadoria e assessoria prestados pela sociedade “Banco ………., S.A” relativos à avaliação comercial e prospecção de mercado relativo à aquisição da empresa “B…………, S.A” a qual se insere no mesmo ramo de actividade da Recorrente, pelo que o IVA suportado pelos serviços em causa se insere na actividade (produtiva) da empresa.
F – Este entendimento recentemente preconizado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no acórdão Portugal Telecom SGPS (C-496/11).
G – Mesmo na falta de nexo directo e imediato a dedução do IVA seria admissível, nos termos dos Acórdãos SKF (proferido em 29/10/2009 no âmbito do Processo nº C – 29/08) e Investrand (Processo nº C – 435/05, datado de 08/02/2007).
H – Qualquer entendimento contrário aos acima preconizados violam o Direito da União Europeia, porquanto conforme se refere no Acórdão Abbey National, processo n.º C-408/98, “Qualquer outra interpretação do artigo 17º da Sexta Directiva seria contrária ao principio que exige que o sistema do IVA seja de uma perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas da empresa, na condição de estas estarem elas próprias sujeitas ao IVA, e poria a cargo do operador económico o custo do IVA no âmbito da sua actividade económica sem lhes dar a possibilidade de o deduzir (ver neste sentido, acórdão Gabalfrisa e outros, já referidos, n.º 45).
Assim, proceder-se-ia a uma distinção arbitrária entre, por um lado as despesas efectuadas para os fins de uma empresa antes da exploração efectiva desta e das efectuadas no decurso da referida exploração e, por outro lado, as despesas efectuadas para pôr termo a esta exploração.”

I.2 – Contra-alegações
A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

I.3 – Foi emitido parecer do Ministério Público, com o seguinte conteúdo










I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 129 a 134 do SITAF:
A) No âmbito de análise do pedido de reembolso de IVA no período de imposto de Junho de 2007 apurado pelo sujeito passivo desde Abril daquele ano, o qual exerce actividade de preparação, conservação e produção de produtos agrícolas, efectuando operações sujeitas e isentas de imposto com direito à dedução do imposto suportado, a I.T. não aceitou a dedução de IVA no montante de € 70.081,51, considerada como indevida nos termos do artº 20º, do CIVA.- cfr Relatório da I.T. de fls 60 a 66, dos autos.
B) Do relatório referido supra consta que analisada a facturação à impte de serviços de consultoria e assessoria prestados pela sociedade “ Banco ………….., S.A.”, relativo à avaliação comercial e prospecção de mercado relativo à aquisição da empresa “ B……….., S.A.”, foi liquidado IVA no valor total de € 70.081,51, integralmente deduzido pelo contribuinte. – cfr relatório da I.T. de fls 60 a 66, dos autos.
C) As operações referidas em B) foram consideradas como se tratando de aquisição de todo ou de partes sociais duma empresa que deverá continuar a sua actividade autonomamente, tratando-se de dois sujeitos passivos distintos, resulta numa operação financeira porque os rendimentos que se vão gerar a partir desta aquisição – distribuição de lucros, não são sujeitos a IVA e não se enquadra no artº 20º do CIVA, por não concorrer para a realização de operações tributáveis. - cfr Relatório da I.T., de fls 60 a 66, dos autos.
D) Após a conclusão de um projecto de correcções de imposto efectuado ao impte e devida notificação, veio o mesmo exercer o direito de audição, o qual foi tido em consideração na elaboração do relatório final referido em b), supra. –cfr nota de notificação e projecto de relatório, de fls 38 a 41, requerimento de fls 42 a 60, do Proc. Rec. Hierárquico apenso.
E) Em 07.04.2007 foi notificada a impte da liquidação adicional de imposto no montante de € 70.081,51 e respectivos juros compensatórios. –cfr D.C. de fls 78 e 80, do Proc. Rec. Hier. apenso.
F) Em 21.08.2008 foi apresentado reclamação graciosa do acto tributário referido supra, tendo sido proferida em 18.09.09, decisão de indeferimento- cfr autos de reclamação apenso aos autos.
G) Da decisão referida supra foi deduzido recurso hierárquico o qual mereceu despacho proferido em 20.07.2010, pelo Subdirector Geral do IVA, de deferimento parcial da pretensão relativa aos juros compensatórios liquidados, procedendo-se à compensação do IVA objecto de correcção.- Cfr ofício de fls 25, Decisão aposta sobre Parecer e informação de fls 26 a 47, notificação de fls 49 e de fls 71, dos autos.

II.2 – De Direito
I. A questão que importa dirimir, em sede do presente Recurso, é a de saber se a Recorrente pode deduzir o IVA suportado com a aquisição de serviços de consultadoria e assessoria julgados necessários à aquisição de participações sociais.

II. Alega para o efeito, em síntese, a sujeito passivo, ora Recorrente, que a decisão recorrida errou ao confirmar a decisão de recusa de dedução (e correspondente direito ao reembolso) do IVA suportado a montante pela mesma com a aquisição de serviços de consultoria e assessoria prestados pela sociedade “Banco ………………., S.A.”, relativo à avaliação comercial e prospeção de mercado relativo á aquisição da empresa “B………….., S.A.”, do mesmo ramo de actividade da Recorrente, porquanto entende que existe um nexo direto e imediato entre aquelas despesas e esta operação concreta, requisito este que considera bastante para sustentar o direito àquela dedução.

III. Ora, salvo o devido respeito, não assiste razão à ora Recorrente. E tal ocorre por uma razão essencial, a qual respeita á delimitação do objecto do presente Recurso.
Com efeito, nos termos das Conclusões das suas Alegações – as quais fixam o objecto do recurso (artigo 635.º, n.º 4 do CPC) – a Recorrente optou por restringir os supostos erros de julgamento de Direito da sentença recorrida à não consideração, por parte do Exmo. Juiz do Tribunal a quo, da suposta relação de nexo (seja direto ou não) que considera existir entre o IVA suportado nas despesas incorridas com os mencionados serviços de consultoria e assessoria (inputs) e a aquisição das partes sociais. Verificada esta, entende a Recorrente, o direito à dedução seria de reconhecer.
É isto que resulta, cristalinamente, das Conclusões E G das Alegações, não podendo este Supremo Tribunal substituir-se à Recorrente para considerar outros erros de julgamento eventualmente levantados pela então Impugnante noutros momentos dos Autos.

IV. Ora, ao confrontarmos a sentença recorrida, logo nos deparamos com a evidência de não ter sido esse o fundamento da decisão aqui sob recurso. Ao invés, o fundamento jurídico invocado para negar uma tal dedução (e consequente direito ao reembolso) naquela sentença aqui impugnada assenta no facto de a operação a jusante em causa – a aquisição de partes sociais – consistir numa operação isenta e sem direito à dedução do imposto incorrido nos respectivos inputs.
Dito por outras palavras, a sentença não nega que exista um nexo entre as despesas a montante e a operação em causa a jusante (e que, porventura, até seja “direto, imediato e inequívoco” – para nos valermos dos termos do Acórdão proferido no Processo C-496/11, de 6 de Setembro de 2012, do Tribunal de Justiça da União – Portugal Telecom vs. Fazenda Pública); o que a sentença conclui, todavia, é que um tal requisito, mesmo que demonstrado, deve ser obrigatoriamente acompanhado de outros dois requisitos, dos quais um deles não se verifica in casu, a saber, entende o Tribunal a quo que a operação a jusante deveria encontrar-se sujeita e não isenta de IVA, como se retira do artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA a contrario sensu, o que não sucede.
A este respeito, a seguinte passagem da decisão recorrida é, estamos em crer, absolutamente cristalina e de molde a não deixar dúvidas: “a operação em concreto considerada, que originou as referidas despesas incorridas reportada à aquisição de participações sociais noutra empresa, não consubstancia uma operação sujeita a imposto e como tal não poderia beneficiar daquele direito de dedução do imposto que lhe diz respeito, ainda que aquela prestação de serviços seja directamente relacionada com a actividade económica do s.p.
Ora, não tendo este fundamento decisório sido contestado expressamente pela Recorrente nos termos das suas Conclusões, tal é quanto bastaria para, desde logo, se negar provimento ao presente recurso.

IV. Mas, em qualquer caso, sempre se dirá – e também por aqui julgamos que não assiste razão à Recorrente – que a Recorrente parece confundir as operações desenvolvidas na actividade por si exercida (e que são ora sujeitas a IVA ora sujeitas e isentas de tal imposto, mas sempre com o respectivo direito à dedução do IVA suportado a montante) com a operação concreta de aquisição de participações sociais, a qual se encontra objectivamente isenta de IVA.
Dito doutros modos, a Recorrente parece incorrer numa confusão totum pro parte, ao pretender-se assimilar o regime vigente para a generalidade das suas operações àquele aplicável á operação concreta aqui em causa. E, se aquelas conferem, porventura, o direito à dedução do IVA suportado com os inputs, esta última já não o permite, por não se verificarem os requisitos para tal efeito.
Foi isto mesmo que a sentença recorrida deixou claro, não sendo merecedora, por isso, de nenhum dos reparos que lhe são dirigidos pela Recorrente no presente recurso.


III. CONCLUSÕES

I – As conclusões das alegações de recurso fixam o objecto do mesmo.

II – Não basta, para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA suportado a montante, a simples existência de um nexo direto e imediato entre as despesas incorridas e a operação em causa, exigindo-se, ainda e designadamente, que esta última não se encontra isenta de IVA.

IV. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 28 de Outubro de 2020. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo (vencida) - José Gomes Correia.

Voto de vencida
Não acompanho a posição que obteve vencimento pelas razões que infra exponho.
Está em causa nos presentes autos saber se a Recorrente tem ou não direito a deduzir o IVA suportado com a aquisição de serviços de consultadoria e assessoria necessários à aquisição de participações sociais noutra empresa do mesmo ramo de actividade.
Na petição inicial a Impugnante defendeu que para beneficiar desse direito à dedução, nos termos do preceituado no artigo 20.º do CIVA, e em conformidade com o que o TJUE vem decidindo no que a esta questão respeita, apenas tem que alegar e provar a existência das ditas operações, o pagamento do IVA e que a aquisição desses serviços de consultadoria tem uma relação directa e imediata com a realização de operações sujeitas a IVA e dele não isentas ou com a realização de operações cuja isenção seja completa (cfr. em especial, artigo 27.º da petição inicial).
O Tribunal a quo assim não o entendeu, julgando que, embora a prestação de serviços cuja dedução de IVA o Recorrente pretende que lhe seja reconhecida esteja directamente relacionada com a sua actividade económica, não pode beneficiar dessa dedução “porquanto na intenção de adquirir aquelas participações o Recorrente não actua na qualidade de sujeito passivo de imposto, antes resulta de operação fora do âmbito de incidência de imposto”.
Em alegações o Recorrente insiste na posição mantida ao longo do processo, transcrevendo, inclusive, a parte do julgamento de direito que já relevamos, vincando claramente nas suas conclusões que não se conforma com o decidido [al. B) das conclusões], que o direito à dedução do IVA só está dependente de saber se os serviços foram adquiridos com vista à realização de actividades que conferem direito a dedução, que essa relação de utilização e o nexo directo e imediato entre as despesas em causa está comprovada e se insere no mesmo ramo de actividade da Recorrente, pelo que o IVA suportado pelos serviços em causa se insere na actividade (produtiva) da empresa [conclusões C), D), F) e G)] e que qualquer outro entendimento contrário ao por si defendido viola o direito nacional e o direito da União Europeia [conclusão H)], nos termos por si desenvolvidamente apresentados nas alegações.
Temos, pois, para nós, pela forma como interpretamos as alegações e conclusões, que não há qualquer restrição nas conclusões do objecto do recurso que obste à sua apreciação ou, nas palavras do acórdão, que o Recorrente não tenha nas conclusões atacado os fundamentos da sentença recorrida. Mas, mesmo que assim fosse, e a questão fosse das conclusões não serem claras ou coerentes com o teor das alegações, sempre se impunha, subsistindo dúvidas, que fosse dado cumprimento ao preceituado no artigo 639.º n.º 3 do CPC.
Acresce que, o Tribunal, ao afirmar que a única questão suscitada no objecto do recurso, qualquer que seja o seu resultado, torna inevitável a decisão, está, no fundo, a dizer que o Recorrente não fez um ataque eficaz à sentença. Mas, a ser assim, mesmo discordando, não pode o Tribunal posteriormente, no mesmo acórdão, apreciar a questão que julgou excluída e julgar o recurso improcedente.
Anabela Russo.