Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0450/14 |
Data do Acordão: | 01/28/2015 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FONSECA CARVALHO |
Sumário: | * |
Nº Convencional: | JSTA000P18510 |
Nº do Documento: | SA2201501280450 |
Data de Entrada: | 04/11/2014 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A..... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório 1. A………., identificada nos autos, impugnou no TAF de Loulé, o acto de indeferimento do recurso hierárquico relativo à liquidação adicional de IRS do ano de 2004, nº. 20085001686087, no valor de € 330.402,22, acrescido de juros compensatórios. 2. Naquele Tribunal foi decidido julgar procedente a impugnação, anulando-se o acto de liquidação impugnado, uma vez que o que está em causa é a cessão do quinhão hereditário a uma sociedade comercial, que incluía dois imóveis, e o respectivo recebimento de 1.900.000 €, por parte da impugnante e dos irmãos e não a transmissão de um direito real sobre imóvel, pelo que não é aplicável o artigo 10º do CIRS. 3. Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso para este STA, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações: a) A presente Impugnação Judicial foi interposta contra o indeferimento do Recurso Hierárquico da decisão de Reclamação Graciosa referente à liquidação de IRS do ano de 2004. b) O Tribunal a quo julgou a Impugnação procedente, decisão com a qual não podemos concordar porquanto c) Através de escritura pública, celebrada em 12/11/2004, a Recorrida cedeu, em conjunto com os seus irmãos, à sociedade B……….., Lda, pelo preço total de € 1.900.000,00, o quinhão hereditário que lhe ficou a pertencer por óbito de C……….. d) A relação de bens é composta por dois prédios urbanos, inscritos na respectiva matriz predial da freguesia de …………. - Lagos, sob os artigos 1277 e 3984. e) Através do referido contrato, a Recorrida mais não fez do que transmitir, de forma onerosa, o seu direito sobre os imóveis identificados. f) Na realidade, do contrato promessa de cessão de quinhão hereditário pode-se retirar que este contrato, e consequentemente, a escritura pública de cessão, foram outorgados na sequência de contrato promessa de compra e venda e trespasse que teve por objecto o conjunto urbano no sítio da …………, freguesia de ……….., concelho de Lagos, inscrito na matriz sob os artigos supra indicados, anteriormente celebrado entre D…….., pai da ora Recorrida, e a sociedade B……. g) A cessão do quinhão hereditário deu corpo a esta promessa, visando o uso, fruição e disposição dos imóveis supra identificados por parte da sua adquirente. h) As normas de Direito Civil, conjugadas com as de Direito Tributário, relativas a este tipo de contrato, apontam no sentido da sujeição do acto em causa a IRS - mais-valias. i) Desde logo porque a alienação de herança ou de quinhão hereditário está sujeita às disposições reguladoras do negócio jurídico que lhes der causa (art. 2124° do CC); j) É feita por escritura pública se existirem bens cuja alienação deva ser feita por essa forma (art. 2126º n.º 1 do CC); k) O adquirente da herança ou do quinhão hereditário sucede nos encargos respectivos (art. 2128° do CC). l) Acresce que a lei estabelece, no seu art. 2119° do CC, a retroactividade dos efeitos da partilha. m) De qualquer forma, no âmbito de incidência do IRS, o legislador fiscal alarga o conceito estrito de transmissão de imóveis, tal como também o faz para efeitos de IMT - vide art. 2º n.º 5 c) do CIMT. n) Isto porque, ao Direito Tributário interessam mais as situações de facto e o seu efeito económico do que o efeito jurídico. o) Face ao exposto, deve ser entendido que a Recorrida, conjuntamente com os seus irmãos, obteve rendimentos enquadráveis na Categoria G de IRS - art. 10º n.º 1 a) do CIRS, decorrentes da alienação onerosa de dois imóveis que, na respectiva quota parte, integravam a herança que lhes coube por óbito de C……….. p) Ao não entender assim, a douta sentença violou as normas legais mencionadas, incorrendo em erro de julgamento. Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por Acórdão que mantenha a decisão de Recurso Hierárquico impugnada e consequentemente a liquidação de IRS de 2004, como é de JUSTIÇA. 4. A então impugnante, ora recorrida, veio contra-alegar, concluindo conforme se segue: 1) Do que é acessível e do conhecimento da Recorrido, observa-se que a RFP se considera notificada para alegar em 03/03/2014, findando assim o prazo para o exercício deste direito em 18/03/2014, contudo as alegações somente deram entrada no Tribunal “a quo” em 19/03/2014, sem o pagamento da multa devida (nº 5 do art. 145º do CPC, “ex vi” art. 2° al. e) do CPPT), pelo que sendo as mesmas extemporâneas, não devem ser admitidas e consequentemente este recurso deve ser considerado deserto (art. 282º nº 4 do CPPT). 2) Os ganhos resultantes da alienação de quinhão hereditário constituído também por imóveis não estão abrangidos pela incidência do art. 10º nº 1 al. a) do CIRS, conforme o Supremo Tribunal Administrativo já fixou jurisprudência no aresto proferido em 25/11/2009, no processo n.º 0975/09. 3) “In casu” (conforme factualidade não provada sob o título III-2 in fls. 9 da Sentença), não houve escritura de partilha, pelo que, enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito ideal a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não de um direito individual sobre cada um dos bens que a integram. 4) E a esta realidade não obsta, na situação “sub júdice”, os efeitos retroativos da eventual partilha aqui não realizada - pois a Impugnante e Recorrida cedeu o seu quinhão hereditário à adquirente B…………., Lda., fazendo desta forma “operar a passagem para a esfera jurídica dos compradores o conteúdo de um direito abstratamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras.” Ac. do STJ de 09/12/2012, processo n.º 2752/07.8TBTVD.L1.S1). 5) O direito do herdeiro à herança indivisa nada tem a ver com o direito de propriedade, ou qualquer outro direito real, como a jurisprudência também tem reiteradamente acolhido, nomeadamente no acórdão do STJ, proferido no processo n.º 09A0635, de 21/04/2009. 6) A partir do facto aludido na conclusão 4 (facto G dos provados) à adquirente ficou atribuída “a possibilidade de poder(em) exercer naquela universalidade jurídica um seu direito próprio perante os restantes interessados no “direito à meação” e no “quinhão hereditário”, ou seja “a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal herança." (conforme acórdão antes identificado). 7) Na situação do “thema decidendum” a alienação do quinhão hereditário com o âmbito e efeitos patrimoniais (universalidade) e fiscais já assinalados, jamais pode ser afetada por alegados efeitos retroativos de uma partilha (“ex vi” ao redigido pela RFP nas suas Alegações a fls. 3 - terceiro parágrafo - e na conclusão I) a fls. 5) que NUNCA foi realizada. 8) A tese da RFP vertida nas alegações de recurso, no sentido de que “ao Direito Tributário interessam mais as situações de facto e o seu efeito económico do que o efeito jurídico” - conclusão n) a fls. 5 - viola o princípio da tipicidade, com assento constitucional no art. 103º n.º 2 da CRP, bem como o da Legalidade (vide o n.º 2 do art. 266º da Const. Rep. Portuguesa e o n.º 1 do art. 3º do Código Procedimento Administrativo). 9) No âmbito da incidência objetiva tributária só o legislador tem o poder de selecionar o facto com dignidade tributária e definir os seus contornos normativos, pelo que, consagrando o art. 10º n.º 1 do CIRS um “numerus clausus” em matéria de incidência objetiva, somente no caso de a Impugnante ter procedido a uma “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis” é que seria possível a sua tributação em sede de mais-valias. 10) Na situação cujo “thema decidendum” vem ser julgado, a Impugnante e Recorrida NUNCA foi proprietária “de per si” de um único bem do alienado quinhão hereditário (móvel ou imóvel) III. Do Pedido: Doutamente se requer a V. Exa. Srs. Juízes Conselheiros a improcedência “in totum” do Recurso apresentado pela Representação da Fazenda Pública, visando a manutenção da justiça já alcançada no sentenciado no Tribunal “a quo”, em torno deste “thema decidendum”. Visando dest’arte a manutenção da feitura de justiça. 5. O magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela total improcedência do recurso, de acordo com o parecer que se segue: Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF de Loulé de 28.01.2014 que, julgando procedente a impugnação deduzida por A……….., anulou o acto de liquidação impugnado. A questão que vem colocada pela recorrente consiste em saber se a cessão de quinhão hereditário integra o conceito de “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, para efeitos do disposto no art. 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS. A recorrida, a sua Contra-Alegação, suscita a questão prévia da extemporaneidade da Alegação de Recurso. Vejamos: 1. A questão prévia Como acima se referiu, a recorrida suscita a questão prévia da extemporaneidade da Alegação de Recurso. Sem razão, porém, salvo melhor entendimento, pois, como se vê dos autos e se confirma pela consulta do “sítio dos CTT”, a Alegação de Recurso foi expedida por via postal, com data de registo de 18.03.2003, e, assim sendo, a mesma é tempestiva (art. 144.° CPC). Improcederá a questão prévia suscitada. 2. A questão suscitada no Recurso Os ganhos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis constituem mais-valias tributáveis, nos termos do art. 10.° do CIRS. Resulta do probatório da sentença que por escritura pública de 12.11.2004 a ora recorrida e os seus dois irmãos cederam à sociedade “B………..Lda”, pelo preço de €1.900.000,00, o quinhão hereditário que lhes ficou a pertencer por óbito de C………… (cfr. alínea G do probatório). Ora, antes da partilha da herança que, no caso, como resulta dos factos provados, é constituído por bens móveis e bens imóveis, o direito de que os herdeiros são titulares é um direito a uma parte ideal sobre o conjunto da herança e não sobre este ou aquele bem integrado no acervo hereditário. Assim, quando é transmitido o direito ao quinhão hereditário o que se transmite é, como se refere no Ac. do STJ de 09.02.2012 - Proc. 2752/07.8TBTVD.L1.S1, “um direito abstractamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras”. Não pode, pois, afirmar-se que a ora recorrida ao ceder o seu quinhão hereditário, através da escritura a que antes se aludiu, realizou uma operação de «alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis» porque o único direito transmitido foi o direito ao falado quinhão hereditário e não qualquer direito real sobre imóvel. E, não se suscitando qualquer dúvida quanto ao sentido da norma de incidência nem quanto ao conteúdo e contornos da operação em causa, não há que fazer apelo ao critério da configuração económica do facto no apuramento da sua susceptibilidade para desencadear o examinado fenómeno tributário (art. 11º, n.º 3 da LGT). Nesta conformidade e tendo em conta a doutrina do Acórdão deste Supremo Tribunal de 25.11.2009 - P. 0975/09, da qual não se vê razão para divergir, sou de parecer que o presente recurso deverá ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida. 6. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos De facto: A) Em 28/05/2003, faleceu C…………, avó da Impugnante, que deixou como herança, bens móveis e bens imóveis, inscritos na matriz predial sob os artigos 1277 e 3984, ambos da freguesia de …………, concelho de Lagos (cfr. fls. 114 dos autos); B) Em 03/07/2003 foi celebrada no Cartório Notarial de Silves, escritura de “habilitação de herdeiros” pelo falecimento de C………… (cfr. fls. 112 e 113 dos autos); C) O valor atribuído a cada quota-parte dos herdeiros foi de €5.826,40 para os bens móveis e de €38.842,64 para os bens imóveis (cfr. fls. 115 dos autos); D) Pela aquisição do quinhão hereditário por falecimento em 28/05/2003, de C……….., a Impugnante pagou o valor de €2.738,38 a título de Imposto sobre as sucessões e doações (cfr. fls. 115 dos autos); E) Em 29/06/2004 a Impugnante celebrou juntamente com os irmãos um “contrato promessa de cessão de quinhão hereditário” com a “B……….., Lda.” (cfr. fls. 60 a 63 do processo administrativo); F) Em 02/06/2004, a Impugnante e cada um dos restantes herdeiros recebeu um cheque no valor de €33.333.3 (cfr. fls. 25) dos autos; G) Em 12/11/2004, a Impugnante e seus dois irmãos, celebraram escritura pública de “cessão de quinhões hereditários”, onde declararam ceder pelo preço de €1.900.000,00 o quinhão hereditário que lhes ficou a pertencer por óbito de C……….. a “B………., Lda” (cfr. fls. 107 a 110 dos autos); H) Em 11/11/2004, “B…….., Lda”, apresentou Mod. 1 onde declarou a aquisição do quinhão hereditário relativo aos bens imóveis descritos na alínea A) (cfr. fls. 75 e 76 do processo de reclamação graciosa); I) Em 11/11/2004 foi emitida liquidação de IMT no valor de €120.050,00 onde consta, nomeadamente, “Bem 1 - Valor declarado: 1.800.000,00; Valor patrimonial IMT: €190.700,41” e “Bem 2 - Valor declarado: €100.000,00; Valor patrimonial IMT: €39 392,56” (cfr. fls. 77 e 78 do processo de reclamação graciosa); J) Em 17/05/2005 a Impugnante apresentou declaração de IRS (cfr. fls. 105 a 109 do processo administrativo); K) Em 05/10/2007 foi efectuada avaliação aos imóveis inscritos na matriz sob os artigos 1277 e 3984, sendo o valor da avaliação de €9.071.140,00 e de €197.340,00, respectivamente (cfr. fls. 88 a 101 do processo de reclamação graciosa); L) Em 28/01/2008 foi enviado oficio à Impugnante em cujo “Assunto” consta “avaliação de prédio urbano” através do qual a mesma e informada que relativamente à ficha de avaliação nº 1609765, pode ser pedida uma 2ª avaliação ao imóvel em causa (cfr. fls. 42 do processo administrativo); M) A Impugnante apresentou resposta a este ofício (cfr. fls. 43 do processo administrativo); N) Por ofício de 08/04/2008, o Serviço de Finanças de Lagos veio responder ao requerimento apresentado pela Impugnante e referido na alínea precedente (cfr. fls. 44 processo administrativo); O) Em 29/04/2008 foi enviado à Impugnante ofício em cujo “Assunto” consta “notificação de avaliação” referente ao imóvel 3984, onde a mesma é informada do valor da avaliação e da possibilidade de “requerer 2ª avaliação no prazo de 30 dias” (cfr. fls. 49 do processo administrativo); P) Em 05/06/2008 foi enviado à Impugnante oficio em cujo “Assunto” consta “ficha de avaliação nº 1609765” referente ao artigo 1277, no qual a mesma foi informada que já havia sido ultrapassado o prazo para pedir uma 2ª avaliação (cfr. fls. 80 do processo administrativo); Q) Por Ordem de Serviço Interna nº 01200701342, de 14/09/2007, foi desencadeada uma acção de inspecção interna à Impugnante, abrangendo o IRS do ano de 2004, que teve origem no cruzamento de informação constante nas relações enviadas pelos Cartórios com as mais-valias declaradas pelos sujeitos passivos (cfr. fls. 87 do processo de reclamação graciosa); R) Em 07/05/2008 foi comunicado à Impugnante o projecto de relatório de inspecção tributária (cfr. fls. 91 do processo de reclamação graciosa); S) Em 19/05/2008 veio o Impugnante exercer o direito de audição por escrito (cfr. fls. 91 do processo de reclamação graciosa); T) Em 21/05/2008 foi elaborado o relatório final, o qual se tem reproduzido para todos os legais efeitos (cfr. fls. 84 a 93 do processo de reclamação graciosa); U) Foi emitida em 30/06/2008 a liquidação n°20085001686087 no valor de 330.402,22 (cfr. fls. 21 do processo administrativo); V) Em 13/12/2008, a Impugnante apresentou reclamação graciosa (cfr. fls. 3 do processo de reclamação graciosa); W) A reclamação graciosa apresentada veio a ser deferida parcialmente (cfr. fls. 125 a 128 de reclamação graciosa); X) Em 04/06/2009 foi enviado oficio nº 015082 à Impugnante a informar da decisão de deferimento parcial da reclamação (cfr. fls. 171 do reclamação graciosa); Y) A Impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão referida na alínea U) (cfr. fls. não numeradas do processo de reclamação graciosa); Z) O recurso hierárquico apresentado foi indeferido por despacho da subdirectora-geral (cfr. fls. não numeradas do processo de reclamação graciosa); De Direito: Perante a factualidade dada como provada e que as partes não questionam o M° Juiz a quo considerou que a cessão do quinhão hereditário não era objecto da norma de incidência do artigo 10 do CIRS por não poder integrar-se no conceito de alienação onerosa de direito real sobre bem imóvel na medida em que não era transmitido um direito real sobre bem imóvel concreto e determinado pelo que a liquidação de IRS sobre os ganhos obtidos com a permuta era ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito. E por tal razão julgou procedente a impugnação. A Fazenda Pública não se conforma com esta decisão pois entende que através do referido contrato, a Recorrida mais não fez do que transmitir, de forma onerosa, o seu direito de propriedade sobre os imóveis identificados. Considera que decorrendo do contrato promessa de cessão de quinhão hereditário que este contrato, e consequentemente, a escritura pública de cessão, foram outorgados na sequência de contrato promessa de compra e venda e trespasse que teve por objecto o conjunto urbano no sítio da ………, freguesia de …………., concelho de Lagos, inscrito na matriz sob os artigos supra indicados, anteriormente celebrado entre D……….., pai da ora Recorrida, e a sociedade B………, tal cessão deu corpo a esta promessa, visando o uso, fruição e disposição dos imóveis supra identificados por parte da sua adquirente e isto até porque o art. 2119º do CC, estabelece a retroactividade dos efeitos da partilha. E porque, ao Direito Tributário interessam mais as situações de facto e o seu efeito económico do que o efeito jurídico, deve entender-se que a Recorrida, conjuntamente com os seus irmãos, obteve rendimentos enquadráveis na Categoria G de IRS - art. 10º n.º 1 a) do CIRS, decorrentes da alienação onerosa de dois imóveis que, na respectiva quota parte, integravam a herança que lhes coube por óbito de C……….. A recorrida nas suas contra alegações suscita a intempestividade das alegações porquanto entende que tendo a a RFP sido notificada para alegar em 03/03/2014, o prazo para o exercício deste direito terminou em 18/03/2014. Pelo que tendo as alegações somente dado entrada no Tribunal “a quo" em 19/03/2014, sem o pagamento da multa devida (nº 5 do art. 145º do CPC, “ex vi” art. 2º al. e) do CPPT), as mesmas são extemporâneas, não devendo por isso ser admitidas. Consequentemente o recurso deveria ter sido julgado deserto e não o tendo sido deve agora ser considerado deserto (art. 282º nº 4 do CPPT). Assim não se entendendo, pugna pela manutenção do decidido. Cumpre apreciar desde logo apreciar a questão da intempestividade das alegações. E desde já se diz que as alegações, contrariamente ao pretendido pela recorrente, se devem ter por tempestivamente apresentadas. Como bem refere o M° P° neste Supremo Tribunal consta dos autos - folhas 260 que as alegações foram enviadas por correio sob registo em 18 03 2014 pelo que atendendo à data da notificação 03 03 2014 as mesmas se devem ter como tempestivas Efectivamente e de acordo como disposto no artigo 144 nº 7 al b) do CPC a remessa pelo correio sob registo é valida, valendo também como data da prática do acto processual a efectivação do registo. Importa agora apreciar a legalidade da liquidação impugnada Entende a recorrente que a cessão em causa tem como objecto dois imóveis pelo que ocorreu in casu uma verdadeira alienação onerosa dos mesmos pese embora o contrato de cessão tenha incidido sobre o quinhão hereditário que os integra. Daí que o ganho obtido com tal transmissão deva ser tributado a título de mais valias, uma vez que com a escritura pública de cessão o adquirente recebeu e passou a integrar no seu património uma parte ideal dos bens que integravam a herança ilíquida e indivisa, concretamente a quota parte ideal que caberá a cada um dos herdeiros. Assim sendo a transmissão do quinhão hereditário de herança líquida quando integrada por bens imóveis, como foi o caso, em nada se distingue de facto do direito de propriedade que o proprietário ou eventualmente o comproprietário detêm sobre bens imóveis pois, em qualquer dos casos, se verifica a transmissão da quota ideal do direito de propriedade desses imóveis. Pelo que, a situação se enquadra no artº 10º, nº 1, alínea a) do CIRS. Diferente entendimento manifesta o impugnante, louvando-se nos fundamentos da sentença recorrida. Dispõe o artigo 10 nº 1 alínea a) do CIRS: “1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário Como bem se refere na sentença recorrida é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que “enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram”. (Acórdão do STJ, de 07.05.2009 - Processo nº 08B3572 que aqui seguimos. Em sentido idêntico, entre outros, v. os Acórdãos da Relação do Porto, de 04.03.2002 - Processo nº 0151906 e da Relação de Lisboa, de 12.06.96 - Processo nº 1936 e de 26.11.96 - Processo nº 740.) Efectivamente só com a partilha é que o herdeiro é considerado sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos cfr artigo 2119 do CC. Embora cada um dos herdeiros tenha desde a abertura da sucessão direito a uma parte ideal da herança, é apenas com a partilha que esse direito se concretiza tornando certos e determinados os bens que couberem ao herdeiro E só após a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos que por ela lhe couberem. E, ainda que a herança seja constituída por bens imóveis, só com a partilha passa a ser titular do direito de propriedade sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes. No caso dos autos, como se referiu, com a cessão foi transmitido o direito ao quinhão hereditário pelo que o que se transmite é, como se refere no Ac. do STJ de 09.02.2012 - Proc. 2752/07.8TBTVD.L1.S1, “um direito abstractamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras”. Não ocorreu, portanto, uma alienação de imóveis concretamente identificados, até porque só com a realização da partilha seria possível estabelecer a titularidade do direito de propriedade sobre tais imóveis. Como se referiu já no acórdão de 25 11 2009 do STA in processo 0975/09 citado na sentença sob recurso “Assumindo o cessionário a posição do herdeiro cedente a sua situação jurídica não é igual à do proprietário, o qual dispõe de direito pleno sobre o bem que pretende alienar, pelo que não estamos perante a “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis” a que se refere o citado artº 10º do CIRS: E face à clareza da norma da incidência - artigo 10 do CIRS al a) em causa, não há também que fazer apelo ao critério económico que o artigo 11/3 da LGT consagra, já que a tal subsidariedade só é de acorrer quando persistir dúvida sobre o sentido da norma de incidência a interpretar, o que, aqui, manifestamente, não ocorre. DECISÃO: Face ao exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente Lisboa 28 de Janeiro de 2015. – Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da Silva - Pedro Delgado. |