Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0125/98.0BTLRS
Data do Acordão:11/21/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:CONHECIMENTO
CASO JULGADO FORMAL
Sumário:I - Em anterior acórdão conheceu-se da falta de fundamentação e decidiu-se ainda anular o decidido em 1.ª instância, a fim de obter prova e verificar divergência quanto à matrícula de um veículo, bem como investigar o desagravamento previsto no Dec.-Lei n.º 351/85, de 26/8.
II - Quanto à falta de fundamentação formou-se, assim, caso julgado formal, ou seja, com força dentro do processo - art. 620.º do C.P.C..
Nº Convencional:JSTA000P25189
Nº do Documento:SA2201911210125/98
Data de Entrada:03/11/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..............., CRL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. A Autoridade Tributária e Aduaneira (A.T.) interpõe recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida por A………………, CRL, formulando alegações que finalizou com o seguinte quadro conclusivo:

“1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a Impugnação judicial, intentada pela ora recorrida contra o indeferimento da reclamação graciosa n.° 3017200304003667, que teve por objecto a liquidação adicional de IVA n.° 97208643, relativa ao ano de 1993, no montante de 15.472,92 €.

2. Como fundamentos da impugnação invocou o impugnante a ilegalidade da liquidação adicional de IVA em questão alegando para tanto, em suma, por um lado, a falta de fundamentação da liquidação impugnada e, por outro lado, a não incidência do IVA sobre as penalidades impostas pela impugnante aos seus sócios.

3. Conclui peticionando a procedência da impugnação e, em consequência, a anulação da liquidação de IVA impugnada, por falta de fundamentação da mesma ou, subsidiariamente, por não se verificarem os pressupostos da tributação.

4. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, por julgar verificada a falta de fundamentação da liquidação impugnada, determinando, em consequência, a anulação da mesma.

5. Entendeu o Tribunal “a quo”, em síntese, que, “Está provado nos Autos que a Inspecção Tributária procedeu a correcções técnicas relativamente à venda dos veículos com as matriculas discriminadas no Anexo VIII, por entender que se tratavam de verdadeiras transmissões de bens.”.

6. E que “...não está devidamente perceptível no Relatório a razão porque a Inspecção Tributária entende que determinadas viaturas deveriam ser objecto de liquidação de IVA e outras não, porque falta um elemento essencial no referido Anexo — a data da aquisição das viaturas.”

7. mais considerando que “...a mera indicação das matrículas no Anexo VIII, sem a indicação da data de aquisição das mesmas, não é suficiente para fornecer ao destinatário as razões da AT em considerar que a venda em 2ª mão daquelas viaturas em concreto deveriam ter sido objecto de liquidação de IVA e outras não.”,

8. concluindo que “...tal fundamentação não é suficiente para se ter satisfeito o dever de fundamentação, sendo que a insuficiência da fundamentação equivale à sua falta, razão pela qual a impugnação tem que proceder com base neste fundamento,.

No entanto,

9. considera a Fazenda Pública que o decisório ora em crise, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, não perfilhou a solução jurídica correcta.

Isto porque,

10. é verdade inquestionável que todo o acto tributário está sujeito a fundamentação. E que, em boa verdade, a fundamentação é um dos elementos constitutivos do ato administrativo-tributário, acarretando a sua falta, obscuridade, contradição ou insuficiência a anulabilidade do ato (vide. arts. 125.° e 135.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), sendo certo que

11. a fundamentação dos actos tributários tem de possibilitar um conhecimento das razões que determinaram o órgão a actuar como actuou. Esta fundamentação formal deve ser expressa, permitindo que através dos seus termos se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando um conhecimento concreto da motivação do ato, ou seja, das razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou) e congruente, de modo a que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão).

Ora,

12. face à factualidade descrita, é por demais evidente que, da exposição dos motivos aduzidos pela Autoridade Tributária no relatório inspectivo ficou a ora impugnante a saber o porquê de tal decisão, já que se esclarecem as razões de facto e de direito que determinaram aquela. Aliás, a própria petição de impugnação apresentada e tudo o que vem exposto e alegado assim o demonstram.

13. Este Colendo Supremo Tribunal Administrativo, no que respeita à exigência legal e constitucional de fundamentação, tem vindo a entender, em jurisprudência uniforme, que a mesma visa permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, de forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

Em todo o caso,

14. e no que respeita à Impugnante, perante a fundamentação que lhe foi transmitida, constante do relatório de inspecção, dúvidas não restam que esta teve perfeito conhecimento e ajuizou de forma correcta a legalidade do acto que lhe foi notificado.

15. Aliás, da leitura da petição inicial, não resta qualquer dúvida, de que a impugnante interpretou claramente e de forma correcta, as razões que levaram o autor do acto a decidir como decidiu, bem como o percurso cognitivo e valorativo percorrido por este, como se constata da leitura atenta aos fundamentos de facto e de direito por si aí explanados.

16. Tanto assim é, que não convencida da legalidade e do rigor da actuação da Administração Tributária, apresentou a presente impugnação, mostrando profundo conhecimento dos factos e do direito que estribam os actos que deram origem à actuação da Administração Tributária.

17. Factos só por si consubstanciadores de uma correcta fundamentação do acto colocado em crise nos presentes autos. Ao contrário do defendido, a Administração Fiscal fundamentou de forma irrepreensível a sua decisão, indicando claramente, as motivações de facto e de direito que a levaram a Administração Tributária a decidir como decidiu.

18. Nesse sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-02-2010, proferido no Processo n.° 01122/09, da 2ª secção do CA: “I - A fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.”.

Assim,

19. é entendimento a Fazenda Pública que o acto impugnado não padece de falta de fundamentação, atendendo ao constante no relatório inspectivo e à demonstração de compreensão do conteúdo do mesmo por parte da impugnante, razão pela qual, no modesto entendimento da Fazenda Pública e salvo sempre melhor entendimento, considera a Administração Tributária, com o devido respeito, que mal andou o Ilustre Tribunal recorrido ao considerar não fundamentado o acto de liquidação impugnado.

Pelo que,

20. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, andou mal o Ilustre Tribunal recorrido ao decidir conforme decidiu, incorrendo em erro de direito no julgamento da matéria de facto, ao concluir que “...tal fundamentação não é suficiente por se ter satisfeito o dever de fundamentação, sendo que a insuficiência da fundamentação equivale à sua falta, razão pela qual a impugnação tem que proceder com base neste fundamento,...”, fazendo, por isso, uma errada interpretação e aplicação principio que consagra o dever geral de fundamentação dos actos tributários, constante no artigo 77.° da Lei Geral Tributária, violando a decisão ora em crise o disposto neste mesmo artigo 77.° da LGT.

Razão pela qual,

21. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e costumada JUSTIÇA!

A recorrida apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:

“1 - Pretende a Fazenda Publica com o recurso que apresentou a revogação da sentença proferida nestes autos que, com fundamento na falta de fundamentação para a emissão da liquidação adicional e, julgando procedente a impugnação, anulou a liquidação impugnada relativa a IVA de 1993.

2 - Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, a questão a decidir reconduz-se a indagar se efectivamente a fundamentação da AT é ou não suficiente para concluir pela validade ou invalidade da liquidação adicional.

Antes de mais lamenta a Recorrida a iniciativa da Fazenda Pública com o presente recurso que, salvo melhor opinião, constitui manifesta manobra dilatória para impedir o trânsito em julgado da sentença recorrida, considerando os termos em que elaborou os fundamentos do seu recurso e que reproduziu em sede de conclusões.

Acresce ainda que parece resultar da leitura das alegações e conclusões apresentadas pela Recorrente que esta ignora o objecto dos autos à data da sentença recorrida. Efectivamente consta das alegações e conclusões da Recorrente, conforme conclusão 4.2 que constitui objecto da impugnação a “…não incidência do IVA sobre as penalidades impostas o pela impugnante aos seus sócios.”, ora a verdade é que tal questão, efectivamente suscitada pela Recorrida na petição inicial foi expressamente revogada pela Recorrente, no prazo da contestação pela Autoridade Tributaria, por decisão do então Diretor de Finanças de Lisboa de 9 de Abril de 2000.

Assim e após tal revogação o objecto da presente impugnação restringiu-se à parte da liquidação adicional de IVA de 1993 emergente da suposta não liquidação de IVA sobre viaturas.

3 - Invoca a Recorrente quer nas suas alegações quer nas conclusões de recurso — conclusões 4.14 e 4.15 - que não obstante a Recorrida ter invocado como fundamento para a impugnação a liquidação em causa a falta de fundamentação da mesma a verdade é que, afirma a Recorrente, a Recorrida “...interpretou claramente e de forma correcta, as razões que levaram o autor do acto a decidir como decidiu....”.

Tal afirmação é absolutamente falsa e basta a simples leitura do articulado da petição inicial para evidenciar tal falsidade.

4 - De facto assiste inteira razão à sentença recorrida pois não consta nem do Anexo VIII nem do ponto 2.9.1 do relatório final da acção de fiscalização porque razão se conclui que as vendas das viaturas referidas naquele anexo não estão abrangidas nem pelo n° 33 do art 9 do CIVA nem pelo regime da venda de bens em 2ª mão previsto no DL 504-G/85 de 30/12 e como tal devia na sua venda ter sido liquidado IVA.

Efectivamente para aferir desta conclusão é necessário apurar a data de aquisição dessas viaturas, elemento que não consta nem da parte dispositiva do relatório, em particular do ponto 2.9.1, nem do identificado anexo, pelo que bem andou a sentença recorrida ao considerar que a ausência de tal elemento impede inclusive que a decisão da AT seja sufragada pelo Tribunal, ocorrendo assim manifesta ausência de fundamentação do acto.

5 - É entendimento da Recorrida que o entendimento da AT manifestado no ponto 2.9.1 do relatório final da acção de fiscalização carece em absoluto de fundamento legal. Na verdade e como a Recorrida teve oportunidade de referir tal entendimento é aliás contrário ao entendimento dos próprios serviços, conforme resulta dos ofício-circulado 62326 de 15/07/1987 da Direcção de Serviços do IVA.

De facto e conforme decorre do regime do DL 504-G/85 quanto às viaturas adquiridas anteriormente ao inicio da vigência do IVA, 01/01/1986, porque na respectiva aquisição haviam as mesma sido tributadas em Imposto de Transações, ocorre na venda subsequente, isenção de IVA, competindo nesse caso à AT invocar e demonstrar que a Recorrida havia beneficiado do desagravamento do imposto suportado, o que não fez, não podendo concluir pela necessidade de liquidação de IVA nas respectivas transmissões.

Aliás no decurso dos presentes autos a Recorrente foi expressamente notificada para o efeito, conforme fls. 186, tendo informado os autos não lhe ser possível responder a tal questão, prescindido assim de cumprir o ónus de prova que lhe competia, ou seja não provando a AF que a Recorrida beneficiou de desagravamento não pode pretender que a venda das viaturas em causa esteja sujeita a IVA, como resulta da liquidação impugnada.

6 - Assim ter-se-á de concluir pela manifesta improcedência do recurso apresentado pela Fazenda Pública, pois só assim se fará JUSTIÇA.”

O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, fundamentando-se no seguinte:

“1 - AT — AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA vem recorrer da douta sentença proferida nos autos que concedeu provimento à impugnação julgando-a procedente determinando a anulação da liquidação adicional de IVA do exercício de 1993 por entender padecer a mesma de falta de fundamentação. Decisão com a qual se não conforma.

Alega, para o efeito, nos termos conclusivos que constam dos autos a fls 372 vº a 374 vº de que o acto de liquidação se mostra fundamentado o suficiente, já que a impugnante reagiu contra ele e nos termos em que o fez denota ter tido o alcance necessário das razões da sua razão de ser, sendo que a fundamentação efectuada se mostra suficiente face à lei e jurisprudência dominante. Termina, concluindo não existir razão para a decisão ter sido no sentido em que o foi e, por isso, deve a decisão sob recurso ser revogada.

2 — Houve contra-alegações por parte da recorrida A……………., CRL, a fls. 376 a 377, onde se pugna pela manutenção do julgado.

3 — Apreciando o mérito do recurso oferece-nos dizer que assiste razão à recorrente. Está aqui em causa saber se o acto tributário está suficientemente fundamentado ou não. Por força do disposto no artigo 77° da LGT a fundamentação e eficácia de uma decisão em matéria tributária deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas (ver anotações à LGT de D.L. CAMPOS, BENJAMIM S. R. e JORGE L. SOUSA, 4ª ed., 2012, pág. 676 e seg.), devendo ser acessível e perceptível ao seu destinatário.

No caso em apreço, retira-se do conteúdo de fls. 15, além do mais, que quando a impugnante foi notificada, da liquidação que impugnou, foi-lhe dado a conhecer o tipo de liquidação, o seu porquê, os termos em que foi efectuada e em que base assentaram as correções. Foi-lhe, pois, dado a conhecer o iter cognoscitivo do acto de liquidação aqui em causa.

E, como resulta dos autos a impugnante abarcou e compreendeu o acto de liquidação de modo capaz. Tanto assim que o impugnou nos termos em que o fez.

O dever de fundamentação deve consistir no necessário e suficientemente para que um destinatário médio perceba o seu conteúdo, o que no caso se mostra ter sucedido. Aliás a jurisprudência dos Tribunais vai nesse sentido, mormente a deste STA — ver, por ex. Ac. de 10.02.2010, proc. n° 01122/09, 2ª sec.

Entendemos, pois, não se estar perante uma situação de falta ou insuficiência de fundamentação como julgado na decisão sob recurso.

Acompanha-se, no mais, a argumentação da recorrente por ser pertinente.

4 — Emite-se, pois, parecer no sentido da procedência do recurso.”

A sentença recorrida foi proferida em cumprimento de acórdão do T.C.A. Sul em que tinham sido elencadas como questões a decidir:

a) A ausência de fundamentação na liquidação (…);

b) A recorrente adquiriu duas viaturas, ……….. e …………., em 1985 e 1976, respetivamente, ou seja anteriormente ao início da vigência do IVA, tendo na respectiva aquisição suportado o correspondente imposto de transacções (IT).

c) Não tendo a Administração Fiscal alegado, nem demonstrado o desagravamento de imposto, a recorrente não tem que liquidar IVA na respetiva venda.

No mesmo foi decidido que a liquidação, na parte sob recurso, vem fundamentada, nomeadamente, no seguinte: “A venda dos veículos discriminados (…) porque qualificada como verdadeira transmissão de bens no sentido que a esta deve ser dado pelo artigo 3.º do Código do IVA, não se encontra abrangida pela letra e pelo espírito do n.º 33 do art. 9.º, nem pelo regime particular de transmissão de bens em 2.ª mão previsto no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IVA, regulamentado pelo Dec.-Lei n.º 504-G/85, de 30/12 (fls. 176), razão pela qual deve ser considerada como operação passível de tributação” – cf fls. 40”.

E, fazendo acrescer outros considerandos, decidiu-se “anular a sentença recorrida, na parte sobre recurso, ordenando-se a remessa do processo à 1.ª Instância, com preliminar ampliação da matéria de facto, após aquisição de prova, conforme acima se indica”- “averiguar e esclarecer divergência” (…) “da viatura indicada na sentença com a matrícula …………”; investigar no sentido de saber se, em relação às viaturas em causa (depois de devidamente identificadas) houve, ou não, desagravamento do imposto de transacções permitido pelo Decreto-Lei n.º 351/85, de 26/8.”

Foram colhidos os vistos legais.

2. Objeto do recurso.

O objeto do recurso é o decidido na sentença recorrida quanto à falta de fundamentação, sem prejuízo do que se impuser quanto ao conhecimento oficioso – artigos 635.º n.º 4 e 608.º n.º 2 do C.P.C., subsidiariamente aplicável.

Este conhecimento ocorre, nomeadamente, quanto ao invocado pela recorrida a ter sido pago o I.T. relativo aos veículos em causa e ao desagravamento previsto no Dec.-Lei n.º 351/85, de 26/8.

Com efeito, tal engloba-se no decidido pelo T.C.A. Sul, sendo certo que a recorrente invoca ser tal um ónus da A. T., que tal não foi satisfeito, de acordo com peças processuais para que remete.

2. Fundamentação.

2.1. Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:

A) A Impugnante é uma cooperativa operária de produção que exercia a actividade de “Transportes Serviços de ………..”, inscrita com o CAE 60220 e estava enquadrado em sede de IVA no regime normal com periodicidade mensal e em sede de IRC no regime geral — cfr. Relatório da Inspecção constante a fls. 31 a 57 dos Autos;

B) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.° 59596 e 59597, de 19/10/1995, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa da DGCI desencadearam à Impugnante a acção de inspecção externa relativamente ao exercício de 1993, em sede de IVA, no âmbito da qual apurou-se IVA em falta no montante de 70.541,86€ — cfr. fls. 31 e 32 dos Autos;

C) Em 30/01/1997, foi elaborado o Relatório de Fiscalização constante no 33 a 57 dos Autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções em sede de IVA, e das quais com interesse para a causa se destacam as seguintes: «(…)

2.9 Correcções Técnicas, “IVA”:

2.9.1 - A venda dos veículos discriminados nos ANEXOS VIII e IX realizada pelo Sujeito Passivo, porque qualificada como verdadeira transmissão de bens no sentido que a esta deve ser dado pelo artigo 39, do Código do IVA, não se encontra abrangida pela letra ou pelo espírito do n.° 33 do artigo 9° nem pelo regime particular da transmissão de Bens em 2ª mão prevista no n.° 8 do art. 16° do CIVA, regulamentado pelo Dec. Lei n.º 504-G/85 de 30DEZ., razão porque deve ser considerada como operação passível de tributação.

Deste modo o contribuinte não liquidou nos termos dos arts 19° a 25° e 71º e consequentemente não entregou nos cofres do Estado nem no prazo referido no artigo 40º nem até à presente data, com observância do disposto no art. 26°., todos do Código de IVA, o imposto devido e exigível nos termos dos arts 7° e 8° do mesmo diploma, respeitantes aos seguintes períodos:

(…)

Constituem tais faltas, infracções àquelas disposições legais, puníveis nos termos do artigo 34 do RJIFNA.

29.2 - O Sujeito Passivo não liquidou nos termos dos artigos 19° a 25° e 71°, e consequentemente não entregou nos cofres do Estado nem no prazo referido no artigo 40º nem até à presente data, com observância do disposto no artigo 26° todos do Código do IVA, o imposto que deveria ter apurado e liquidado, por força do artigo 16° e nos termos supra indicados, relativamente às importâncias das penalidades impostas aos sócios da cooperativa, escrituradas na conta 7683-“G.F.I.” - Custos Fixos IMO A. G. de 20/06/84”, cujos montantes se encontram discriminados no mapa em ANEXO X no total de:

(…)

2.9.3— Por erro de contabilização, pois lançou Esc. 64.431$00 em vez de 64431$00, foram deduzidos Esc. 8.887$00 de IVA referente à factura n.º 34251 de 29/11/93 – B…………, S.A. quando deveria ter deduzido 887$00.

Deduziu, por este facto, Esc. 8.000$00 de imposto, indevidamente, pois não procedeu nos termos do n.º 6 do artigo 71.º do CIVA, infringindo também o ar. 26.º do mesmo Código, punível pelo art. 29° do RJIFNA.

2.9.4- Por duplicação de lançamento da factura nº. 13067 de 31/10/93 C……………., Lda., foram deduzidos, indevidamente, Esc. 4.648100 de imposto, pois não procedeu nos termos do n°. 6 do art. 71.º do CIVA, infringindo também o art. 26.º do mesmo Código, punível pelo art. 29 do RJIFNA.(…)»;

D) Conjuntamente com o Relatório, foi elaborada pela Inspecção Tributária a listagem constante no documento de fls. 86 dos Autos, denominada de Relação das viaturas do imobilizado abatidas e vendidas em 1993, com e sem IVA”, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

E) Em 8/07/1997, foi emitida pela AF a liquidação adicional de IVA n.° 97208643 em nome da Impugnante, referente ao exercício de 1993, no valor de 15.472.92€ - cfr. fls. 8 dos Autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

F) A liquidação referida na alínea anterior foi paga — cfr. selo aposto a fls. 8 dos Autos, conjugado com a informação de fls. 346 e seguintes.

G) Em 17/12/1997, a Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 8 a Reclamação Graciosa relativa à liquidação de IVA de 1993, que correu termos sob o n.° 3107-97/400561.9 - cfr. fls. 14 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

H) A PI deu entrada neste Tribunal a 30/05/2005 - cfr. fls. 3 dos Autos.

E, após a “Motivação” em que se fez constar a convicção do Tribunal, consta ainda o seguinte:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.

2.2. Da falta de fundamentação.

No dito acórdão proferido no T.C.A. Sul considerou-se, conforme referido foi, vir a liquidação fundamentada quanto a ter ocorrido transmissão de bens no sentido dado pelo art. 3.º do Código do IVA, não se encontra abrangida pelo n.º 33 do art. 9.º, nem pelo regime particular de transmissão de bens em 2.ª mão, previsto no n.º 8 do art. 16.º do Código do IVA, regulamentado pelo Dec.-Lei n.º 504-G/85, de 30/12.

Decidiu-se ainda anular o decidido em 1.ª instância, a fim de obter prova e verificar divergência quanto à matrícula de um veículo, bem como investigar o desagravamento previsto no Dec.-Lei n.º 351/85, de 26/8.

O conhecimento tido a respeito da falta de fundamentação é antecedente lógico do que, assim, veio a ser decidido.

A doutrina e a jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de se formar caso julgado em casos semelhantes – assim, J. A. Cardona Ferreira em Guia de Recursos em Processo Civil, 3.ª ed. Coimbra Ed., pág 44 e acórdão do S.T.J. de 1-3-1979, publicado no B.M.J. 285, pág. 290.

Consideramos também que se formou caso julgado, o qual é formal, ou seja, com força dentro do processo - art. 620.º do C.P.C..

Assim, não pode proceder a falta de fundamentação que se considerou existir na sentença recorrida quanto à liquidação.

Por outro lado, não tendo o Tribunal recorrido conhecido das duas outras questões enunciadas no acórdão proferido no T.C.A. Sul, não é possível ao S.T.A. proferir decisão em substituição.

Aliás, relativamente à questão do desagravamento do imposto, recorrente invoca ainda ser tal um ónus da A. T., não satisfeito, conforme peças processuais que identifica.

Os autos têm, pois, de voltar ao tribunal recorrido, a fim de que se profira nova decisão, se possível, pelo mesmo juiz, que conheça dessas questões, uma vez ampliada a pertinente matéria de facto – artigos 679.º e 682.º n.º 2 do C.P.C.-, caso a tal nada mais obste.

3. Decisão:

Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o decidido e ordenando a baixa dos autos ao tribunal de 1.ª instância, a fim de que se profira nova decisão, conhecendo das questões anteriormente referidas, uma vez ampliada a pertinente matéria de facto, caso a tal nada mais obste.

Sem custas no recurso, dado que do mesmo aproveita a recorrente e mantém a isenção – artigos 527.º n.º 1 do C.P.C., 2.º a) do C.C.J. e 8.º n.º 4 da Lei n. º 7/2012, de 13/2, que aprovou o R.C.P..

Lisboa, 21 de novembro de 2019. - Paulo Antunes (relator) – Francisco Rothes - Susana Tavares da Silva.