Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0617/14.6BALSB
Data do Acordão:11/21/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
RESPONSABILIDADE POR CUSTAS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25180
Nº do Documento:SA1201911210617/14
Data de Entrada:03/22/2018
Recorrente:PARTIDO SOCIALISTA
Recorrido 1:ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. O Partido Socialista (PS), autor da presente acção, vem agora reclamar para a conferência do despacho singular da Relatora, de 05.09.19, que entendeu indeferir a reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas apresentada pela Assembleia da República (AR), e, em consonância, ordenou-lhe que procedesse ao reembolso à R/reclamada AR da quantia referida na nota discriminativa e justificativa de custas por esta apresentada e já efectivamente liquidada.

2. Devidamente notificada, a R/recorrida/reclamada AR veio pugnar pela improcedência da presente reclamação e, em consonância, pela manutenção da decisão singular da Relatora de 05.09.19.

3. O ora reclamante PS imputa ao despacho da Relatora erro de julgamento por incorrecta aplicação do direito.

Fundamentalmente, sustenta que “estamos perante uma causa de exceção do cumprimento da obrigação de reembolso do montante correspondente ao remanescente da taxa de justiça, pois apenas à Ré pode ser imputado o cumprimento de uma obrigação pecuniária à qual deu causa”. E, segundo entende, a R. foi a causadora porque não actuou com a diligência necessária, pois apresentou intempestivamente o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, pedido esse que beneficiaria ambas as partes, com o que a R. não respeitou o princípio da cooperação e da boa fé processual (art. 8.º do CPTA), sendo “a rejeição do pedido [é] da exclusiva responsabilidade da Ré”. Foi ainda a causadora porque apenas ela poderia ter apresentado um tal pedido de dispensa, pois, desde logo, apenas a R. foi notificada pela Secretaria da conta de custas processuais, logo, a A. não teria interesse processual em agir. Afirma o reclamante que “sendo a Ré o sujeito passivo da obrigação de pagamento do valor integral da taxa de justiça perante o Tribunal e, como tal, a parte que dessa dispensa poderia beneficiar, seria apenas seu o interesse em agir nesse sentido, requerendo que o pagamento lhe fosse dispensado”. O reclamante conclui este arrazoado do seguinte modo: “Tendo a AR, ao imputar à contraparte o pagamento de um montante que liquidou por sua inteira responsabilidade, exercido abusivamente o direito processual que detém de reembolso da taxa de justiça por ter saído vencedora da ação”.

Vejamos.

O ora reclamante invoca a verificação de um erro de julgamento por incorrecta aplicação do direito. Todavia, fá-lo mediante a apresentação de novas questões – v.g., a da alegada ocorrência de causa de excepção do cumprimento da obrigação de reembolso do montante correspondente ao remanescente da taxa de justiça e a do alegado abuso do direito, obviamente não apreciadas e tratadas no despacho da Relatora –, e de argumentos que não correspondem totalmente à verdade dos factos e à melhor interpretação do direito.

A reclamação para a conferência de despacho do relator nos termos do artigo 652.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA) tem por função questionar a opinião do relator individual expressa no despacho por ele prolatado, com vista a substituí-la pela decisão colegial do colectivo. Como claramente se depreende e compreende, uma dita reclamação não pode comportar um alargamento das questões até aí tratadas, acrescentando-se questões que o despacho não apreciou. Por este motivo, não pode este Supremo Tribunal conhecer agora da alegada “causa de exceção do cumprimento da obrigação de reembolso do montante correspondente ao remanescente da taxa de justiça e do alegado abuso do “direito processual”.

Mas, como acima se mencionou, os argumentos utilizados para justificar a invocação desta figura não correspondem totalmente à verdade dos factos e à melhor interpretação do direito. Sobre eles nos pronunciaremos perfunctoriamente, haja em vista que quase todos eles já foram devidamente tratados nas sucessivas intervenções deste Supremo Tribunal nas várias decisões prolatadas a este propósito. Assim:

A R. AR apresentou dois pedidos de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça. O primeiro em tempo, o segundo extemporâneo. Por vicissitudes várias, reconhecidas pela ora reclamada na sua resposta a mais esta reclamação do A., não foi possível atender ao primeiro pedido da R.

Já o A., em momento algum fez semelhante pedido ou reagiu judicialmente, mediante v.g. pedido de reforma quanto a custas, à sua condenação em custas.

Ambas as partes podem formular pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, desde que em tempo devido – ou seja, até ao momento da elaboração da conta de custas, desde que em momento anterior ao trânsito em julgado da decisão que os condenou em custas. Até esse momento, existirá sempre o interesse em agir com este propósito – questão nova que não cumpre decidir e que apenas é mencionada a título de mero esclarecimento a pensar nos princípios da cooperação e da boa fé processual e da economia processual (arts. 7.º-A e 8.º do CPTA).

Quando foram notificadas dos acórdãos da Secção e do Pleno, as partes podiam e deviam ter antecipado as consequências da condenação em custas e não estavam impedidas de invocar então os pressupostos legais da dispensa do remanescente das taxas de justiça – apenas a R. AR o tendo feito. Ambas as partes conheciam o valor da acção, o seu decaimento, a condenação em custas de cada uma delas e, ainda, tinham consciência de que o tribunal não procedera a uma apreciação dos pressupostos legais dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Relativamente ao argumento do reclamante de que não formulou o pedido de dispensa do remanescente das taxas de justiça porque apenas a R. foi notificada da conta de custas processuais, cabe acrescentar ao que já foi dito que ainda não foi elaborada a conta das custas pela Secretaria.

Em face do que foi dito, indefere-se nesta parte, e nos estritos limites em que foi julgada – nada tendo sido decidido a respeito de questões jurídicas que apenas agora foram colocadas a este Supremo Tribunal –, a pretensão do reclamante.

O reclamante PS reage igualmente relativamente à parte do despacho da Relatora em que se julgou a sua pretensão de aplicação ao caso dos autos do Acórdão de TC n.º 615/2018, de 21.11.18.

Aí foi dito:

2.3. Por último, sustenta o recorrente/reclamado PS que, em virtude do decidido no Acórdão de TC n.º 615/2018, de 21.11.18, a recorrida AR não teria de pagar o remanescente da taxa de justiça e, concomitantemente, de pedir o seu reembolso ao recorrente/reclamante PS. Contra-argumenta a AR, e bem, que se trata de aresto prolatado em sede de controlo concreto de constitucionalidade (art. 280.º da CRP), pelo que a decisão em apreço não tem eficácia erga omnes, não se aplicando ao caso dos autos, em que nem sequer se questionou a inconstitucionalidade da mencionada norma – o n.º 9 do artigo 14.º do RCP, na sua redacção anterior à Lei n.º 27/2019, de 23 de Março. Diga-se, por último, que a nova redacção deste dispositivo é posterior ao acórdão de 10 de Janeiro de 2019, daí que não se aplique ao caso vertente, sendo certo que, mesmo com a sua nova versão, à parte vencida é imputado o pagamento do remanescente da taxa de justiça que, in casu, foi já pago pela AR e que deverá, na mesma, ser reembolsado pela parte vencida, o ora reclamante PS”.

Na medida em que mantemos integralmente a nossa decisão, e nada mais havendo a acrescentar, deve também indeferir-se nesta parte a presente reclamação.

III – Decisão


Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em indeferir a presente reclamação, devendo o ora reclamante PS proceder ao reembolso à recorrida/reclamada AR da quantia referida na nota discriminativa e justificativa de custas por esta apresentada.



Custas do incidente pelo reclamante.

Lisboa, 21 de Novembro de 2019. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.