Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0210/09.5BEMDL 071/17
Data do Acordão:07/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IVA
LOCAÇÃO DE IMÓVEIS
ISENÇÃO
Sumário:A isenção prevista no nº 29 – actual nº 30 - do art. 9º do CIVA aplica-se a um contrato de cedência de exploração agrícola de prédios rústicos constituídos por vinhas a uma sociedade que exerce a actividade de exploração agrícola no sector da viticultura, celebrado pelo prazo de um ano, automaticamente renovável, devendo a respetiva renda ser paga no termo de cada ano.
Nº Convencional:JSTA000P24806
Nº do Documento:SA2201907110210/09
Data de Entrada:01/25/2017
Recorrente:A............... REPRESENTADO POR B.........
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. B…………….., com os demais sinais dos autos, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de A……………., interpôs para o TCA Norte, recurso da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IVA referentes aos 1º, 2º, 3º e 4º trimestres do ano de 2002, nos montantes de 38.360,29 euros, 22.566,01 euros, 8.033,61 euros e 38.567,19 euros, respectivamente, acrescendo juros compensatórios.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A — No âmbito da actividade agrícola, quer a venda de bens/produtos resultantes da exploração agrícola, quer a prestação de serviços agrícolas nas condições definidas no anexo B ao Código do IVA, estão isentas de imposto ao abrigo do n° 33 do art. 9º do CIVA;
B — A locação de terrenos agrícolas, enquanto locação de bens imóveis, está isenta de IVA nos termos do n° 30 (actual n° 29) do art. 9° do CIVA;
C — A cedência de exploração de prédios rústicos, para fins agrícolas, é equiparável à locação de terrenos agrícolas e, como tal, a utilização das vinhas e das uvas no âmbito do exercício da actividade de viticultura e vitivinícola, proveniente de contrato de locação de terrenos agrícolas, enquadra-se na isenção prevista no nº 30 (actual n° 29) do art. 9° do CIVA;
D — Este mesmo entendimento decorre do Ofício-circulado n° 30022, de 16.06.2000, da Direcção de Serviços do IVA, a que a Autoridade Tributária e Aduaneira se encontra vinculada nos termos do disposto no n° 1 do art. 68°-A, da L.G.T. (anterior n° 4 do art. 68°);
E — Ao perfilhar entendimento diverso, a decisão recorrida violou os supra citados normativos, motivo porque deve ser revogada.
Termina pedindo o provimento do recurso e que, em consequência, seja revogada a decisão recorrida.

1.3. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4. Tendo o recurso sido interposto para o TCA Norte, ali veio a ser proferida em 27/10/2016 a decisão de fls. 132/135v., declarando a incompetência desse tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso e atribuindo tal competência ao STA, por o recurso versar exclusivamente matéria de direito.

1.5. Remetidos os autos a este STA, foram com vista ao MP, que emitiu Parecer no sentido de se proceder a reenvio prejudicial ao TJUE, no sentido de saber se é de aplicar a isenção prevista nos arts. 9º, nº 29 (actual nº 30) do CIVA e no art. 135º nº 1 al. l) da Directiva 2006/112/CE.
No seguimento foi proferido em 14/03/2018, neste STA, o acórdão de fls. 150/160, suspendendo a presente instância de recurso e ordenando que se submetesse à apreciação do TJUE a questão prejudicial de «saber se o disposto na alínea l) do nº 1 do artigo 135º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11/2006, quanto à isenção sobre operações de locação de bens imóveis, pode ser interpretado no sentido de tal isenção abranger um contrato de cedência de exploração agrícola de prédios rústicos constituídos por vinhas, a uma sociedade cujo objecto social é a actividade de exploração agrícola, contrato celebrado pelo prazo de um ano e automaticamente renovável por igual período e devendo a respectiva renda ser paga no termo de cada ano».

1.6. Prosseguidos os pertinentes trâmites, o TJUE veio a proferir, em 28/02/2019, o acórdão ora junto a fls. 200/205, no qual se exara, além do mais, o seguinte:
«Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:
O artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que a isenção do imposto sobre o valor acrescentado sobre a locação de bens imóveis prevista nesta disposição se aplica a um contrato de cedência de exploração agrícola de prédios rústicos constituídos por vinhas a uma sociedade que exerce a atividade de exploração agrícola no setor da viticultura, celebrado pelo prazo de um ano, automaticamente renovável, devendo a respetiva renda ser paga no termo de cada ano.»

1.7. Notificada às partes a junção do acórdão proferido pelo TJUE e para, querendo, se pronunciarem, nada disseram.

1.8. E no seguimento, colheu-se o Visto do MP que emite agora Parecer nos termos seguintes:
«B……………… interpôs recurso para o S. T. A., em que coloca para apreciação se ocorre erro no decidido, por [ser] de aplicar a isenção de IVA prevista no n.º 33 e no n.º 30 (atual 29) do art. 9.º do C.I.V.A..
Tendo sido submetida a apreciação do T.J.U.E. a questão prejudicial da melhor interpretação a efetuar desta última norma, que reproduz no essencial o que atualmente se encontra previsto no art. 135.º n.º 1 al. l) da Diretiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11/2006, veio a ser proferida declaração a 28-2-2019 no proc. C-278/18, por referência ao anteriormente previsto no art. 13.º B al. b) da 6.ª Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977.
A mesma, é que "deve ser interpretado no sentido de que a isenção do imposto sobre o valor acrescentado sobre a locação de bens imóveis prevista nesta disposição se aplica a um contrato de cedência de exploração agrícola de prédios rústicos constituídos por vinhas a uma sociedade que exerce a actividade de exploração agrícola no setor da viticultura, celebrado pelo prazo de um ano, automaticamente renovável, devendo a respectiva renda ser paga no termo de cada ano".
Ora, tal é suscetível de levar a considerar ter ocorrido erro no decidido.
No entanto, segundo o considerado sob o ponto n.º 23 dessa decisão, admite-se, quanto ao referido conceito de "bens imóveis", que as vinhas plantadas em prédios rústicos não devam estar indissociavelmente incorporados no solo, bastando que não sejam móveis, nem facilmente deslocáveis, sendo referido que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar tal.
Creio que havendo, assim, matéria de facto importa ainda apurar, e, não sendo possível ao S.T.A. efetuar tal, porquanto conhece apenas de direito, nos termos do art. 280.º n.º 1 do C.P.P.T., é de anular o decidido e determinar que os autos baixem tribunal recorrido, a fim de que seja proferida nova decisão, uma vez fixada pertinente factualidade.»

1.9. Notificadas as partes do teor do Parecer do MP e para, querendo, se pronunciarem, a recorrente veio alegar que não há matéria de facto que falte apurar, por estar fixada toda a factualidade relevante para a decisão, além de que também já consta da factualidade julgada provada que o impugnante cedeu, por contrato celebrado com a "C……………….., Lda." a exploração dos prédios rústicos ali identificados e que são constituídos por vinhas plantadas nesses prédios, dedicando-se a sociedade cessionária à exploração agrícola no sector da viticultura, pelo que, assim sendo, o objecto da cedência de exploração respeita aos prédios rústicos em si, por serem constituídos por vinhas com determinadas características, e não apenas às vinhas (plantas) existentes nesses prédios, ou seja, nada nos autos aponta no sentido de que as vinhas relevem isoladamente neste contrato, antes pelo contrário, uma vez que as vinhas só produzem se estiverem plantadas, respeitando a cedência de exploração aqui em causa, inequivocamente, aos prédios rústicos nela identificados, ou seja, ao conjunto constituído pelo solo e pelas vinhas e com vista ao exercício da actividade vitivinícola.

1.10. Com dispensa de vistos dos Exmos. Adjuntos, dada a simplicidade da questão decidenda, cabe agora deliberar.

FUNDAMENTOS
2. A matéria de facto dada como assente na 1ª instância foi a que segue:
1) O impugnante celebrou com a C………………, Lda. (segundo outorgante) contrato denominado por «Contrato de Cedência de Exploração Agrícola», pelo qual o impugnante «declara ceder a exploração agrícola ao segundo outorgante dos prédios rústicos a seguir indicados como ………….. e ………….. dos quais é proprietário, e sitos respectivamente nas freguesias de Pinhal do Norte concelho de Carrazeda de Ansiães e Candedo concelho de Murça» (fls. 76 do PA.);
2) Os terrenos em causa são constituídos por vinha (este facto é aceite pacificamente pela Administração Tributária, como resulta da decisão de indeferimento da reclamação);
3) A C……………….., Lda. dedica-se à atividade de exploração agrícola (vinicultura — CAE 001132) - (cfr. reclamação da impugnante a fls. 7 do P.A.);
4) O impugnante foi alvo de uma inspeção tributária ao ano de 2002 (fls. 42 do P.A.);
5) Do respetivo relatório de inspeção tributária resulta, entre o mais, o seguinte (fls. 42 e ss. Do PA.):





6) O impugnante foi notificado das liquidações de IVA relativas ao 1°, 2°. 3° e 4° trimestres de 2002, nos montantes de Euros: 38.360,27, Euros 22.566,01, € 8.033,61 e Euros 38.567,19, respetivamente (fls. 9 e ss. do PA);
7) Contestou as liquidações em sede de reclamação graciosa alegando em síntese a caducidade do direito à liquidação relativamente aos factos tributários ocorridos até 1 11/12/2002, face à data em que se mostra assinado o aviso de receção relativo à notificação das liquidações e a falta de pressupostos, de facto e de direito, para as liquidações, atento o disposto no artigo 9°, nº 30 do CIVA (fls. 3 e ss. do PA);
8) A reclamação graciosa foi indeferida (fls. 108 e ss. do PA);
9) O impugnante apresentou recurso hierárquico (fls. 123 e ss. do PA);
10) O recurso hierárquico foi indeferido com base na seguinte fundamentação que consta da informação sobre a qual foi exarado o despacho de concordância do Subdiretor-Geral dos Impostos de 05.03.2009 (fls. 134 e ss. do PA; doc. 1 junto com a p.i.):






3.1. Como se disse no anterior acórdão de fls. 150-160, o objecto do recurso está limitado à questão da legalidade da liquidação, no que respeita à isenção prevista no nº 30 do art. 9º do CIVA (na redacção anterior ao DL n° 102/2008, de 20/6).
Questão relativamente à qual, todavia, também interessa a interpretação afirmada no acórdão ora proferido pelo TJUE no âmbito do reenvio prejudicial que lhe foi dirigido.
Ora, segundo essa interpretação, os prédios rústicos constituídos por vinhas cuja exploração agrícola são objecto do contrato de cedência (como é o caso do prédio aqui em causa) constituem bens imóveis, na acepção do art. 13°, B, al. b), da Sexta Directiva, sendo que no que especificamente respeita às vinhas neles plantadas, o referido conceito de «bens imóveis» não implica que os objectos em questão devam estar indissociavelmente incorporados no solo, bastando apenas que não sejam móveis nem facilmente deslocáveis, inamovibilidade esta que, parecendo existir no caso das referidas vinhas, caberá, contudo, ainda verificar (cfr. os n.ºs 23, 32º e 33º do acórdão do TJUE).
Sendo, aliás, em face desta asserção que o MP se pronuncia no sentido de que há matéria de facto que importa ainda apurar, devendo então anular-se o decidido e determinar a baixa dos autos à instância para fixação da pertinente factualidade e prolação de nova decisão.
Com o devido respeito, afigura-se-nos, todavia, que, neste âmbito, não procedem as invocadas anulação da decisão e baixa dos autos à instância.
Não sofre dúvida que ao STA, intervindo como tribunal de revista, está vedado conhecer, em regra, da matéria de facto, competindo-lhe somente decidir questões de direito (art. 280º, nº 1, “in fine” do CPPT e art. 682º do CPC — as excepções a essa regra constam do art. 674º do CPC), sendo que até em matéria relacionada com inferências factuais fixadas através de presunções simples, ou relacionada com factos notórios (art. 412º do CPC), a respectiva fixação cabe, em princípio, às instâncias (decidir se certo facto é ou não notório, será matéria de facto da competência das instâncias — cfr., v. g., entre outros, o ac. do STA, de 12/03/2003, proc. nº 01327/02).
Porém, no caso, operando a verificação referida no acórdão do TJUE, constata-se que ela se esgota na factualidade dos autos: estando assente, por um lado, que os terrenos rústicos em causa são constituídos por vinha que neles está implantada e que essa implantação «pressupõe, no mínimo, uma “prévia preparação do terreno” — a plantação das vinhas» (cfr. o nº 2 e o segmento final do nº 10, ambos do Probatório fixado na sentença) e que, por outro lado, a sociedade cessionária da exploração dos prédios se dedica à exploração agrícola no sector da viticultura (daí que o objecto da cedência de exploração respeite ao conjunto constituído pelo solo e pelas vinhas e com vista ao exercício da actividade vitivinícola), então pode concluir-se que a inamovibilidade das vinhas ou a sua difícil deslocalização são inerentes aos prédios e aos objectos (plantações) em causa e já contempladas na factualidade provada, e que, assim, essas circunstâncias (inamovibilidade ou difícil deslocação) ora se têm por verificadas nos termos enunciados no citado acórdão do TJUE, podendo ser consideradas no processo, e não se colocando, portanto, a apontada questão atinente à ampliação da matéria de facto, antes se impondo desde já a apreciação da questão de direito.

3.2. Apreciando, pois.
Conforme se deu conta no acórdão proferido a fls. 150 e ss., a sentença concluiu pela legalidade das liquidações, considerando, no essencial, que de acordo com a jurisprudência do TJUE os conceitos relativos a isenções de IVA devem ser objecto de interpretação estrita, uma vez que essas isenções constituem derrogações ao princípio geral de incidência do IVA sobre todas as operações económicas efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo, sendo que, por outro lado, tratando-se de conceitos autónomos de direito comunitário, são objecto de uma definição comunitária, não podendo a interpretação do conceito de “locação de bens imóveis” (questão suscitada nos autos) «depender daquela que é feita pelo direito civil de um Estado-Membro».
Além de que o conceito de “locação de bens imóveis” «abrange necessariamente, para além da locação dos bens que constituem objecto principal desta locação, a de todos os bens que lhes são acessórios, sendo conforme à finalidade geral da Sexta Directiva que, se um bem for colocado à disposição de um sujeito passivo mediante locação, enquanto meio que contribui para a produção de bens ou de serviços cujo custo se repercute no preço destes, o mesmo se mantenha ou regresse ao circuito económico e deva poder dar lugar a operações tributáveis (ou seja, a característica comum das operações que o art. 13°, Ponto B, al. b), da referida directiva exclui do campo de aplicação da isenção é, precisamente, o facto de implicarem uma exploração mais activa dos bens imóveis, justificando, deste modo, uma tributação suplementar, que acresce à que recaiu sobre a venda inicial).
E, no caso, conclui também a sentença recorrida, embora seja de afastar a aplicação do Ofício-Circulado n° 30022, de 16/06/2000 da DSIVA (que procura interpretar o conceito de “locação de bens imóveis” com recurso a conceitos de direito civil interno, como sejam o conceito de benfeitorias ou a preparação do terreno mediante operações prévias, ignorando a abrangência dada a tal conceito pela jurisprudência comunitária), também é de afastar a apontada isenção do art. 9º do CIVA, dado que, reportando-se o objecto do contrato ao direito de exploração agrícola dos dois prédios rústicos indicados, em que os terrenos são constituídos por vinha e tendo o impugnante cedido a exploração desses imóveis a uma sociedade que se dedica à actividade de exploração agrícola (viticultura), então, em face destes elementos característicos, aquela isenção do art. 9°, n° 30 do CIVA não é aplicável: sendo os prédios rústicos constituídos por vinha e dedicando-se a dita sociedade à actividade de viticultura, estamos perante uma operação que não deve beneficiar da isenção acordada à “locação de bens imóveis”, porquanto esta visa isentar as actividades relativamente passivas que não geram um valor acrescentado significativo, o que não acontece no caso em apreço, em que os elementos apontam no sentido da utilização dos bens imóveis objecto do contrato, e designadamente da vinha, no âmbito da actividade da referida sociedade, ou seja, estamos perante a constituição de um direito real com a finalidade de produção de bens ou serviços, pelo que não pode aplicar-se a isenção à situação em apreço já que tal seria contrário à “ratio” normativa. No dizer da sentença, uma vez que é relevante a finalidade que subjaz à celebração do contrato e dado que deste resulta (em face do respectivo objecto, bem como do objecto social da sociedade que nele outorgou) que tem por finalidade a obtenção de matéria-prima para uma determinada actividade (a vinicultura), então, a apontada isenção não é aplicável.

3.3. Já o recorrente sustenta que a sentença enferma de erro de julgamento, dado que no âmbito da actividade agrícola, quer a venda de bens/produtos resultantes da exploração agrícola, quer a prestação de serviços agrícolas nas condições definidas no anexo B ao Código do IVA, estão isentas de imposto ao abrigo do então n° 36 (e não 33) do art. 9º do mesmo código, além de que também a locação de terrenos agrícolas, enquanto locação de bens imóveis, está isenta de IVA nos termos do n° 30 (actual n° 29) do mesmo art. 9° do CIVA.
Sendo que também a cedência de exploração de prédios rústicos, para fins agrícolas, é equiparável à locação de terrenos agrícolas e, como tal, a utilização das vinhas e das uvas no âmbito do exercício da actividade de viticultura e vitivinícola, proveniente de contrato de locação de terrenos agrícolas, se enquadra na referida isenção prevista no citado nº 30 (actual n° 29) do art. 9° do CIVA, sendo também este o entendimento que decorre do Ofício-circulado n° 30022, de 16/06/2000, da DSIVA, a que a ATA se encontra vinculada nos termos do disposto no n° 1 do art. 68°-A, da LGT (anterior n° 4 do art. 68°).

3.4. E assim sendo, a questão a apreciar reconduz-se à de saber se a sentença procede a uma errada interpretação quanto à aplicação da isenção prevista no nº 33 e no nº 30 (actual nº 29) do art. 9º do CIVA.

3.5. Ora, no acórdão proferido pelo TJUE diz-se, no que aqui releva, o seguinte:
«14 A título preliminar, importa observar que o artigo 135.º, n.º 1, alínea l), da Diretiva 2006/112, cuja interpretação é objeto da questão submetida, não estava ainda em vigor na data em que ocorreram os factos no processo principal. Nestas condições, e para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que analisar esta questão à luz da disposição correspondente da Sexta Diretiva.
15 Assim, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que a isenção do IVA sobre a locação de bens imóveis, prevista nesta disposição, se aplica a um contrato de cedência de exploração agrícola de prédios rústicos constituídos por vinhas a uma sociedade que exerce a atividade de exploração agrícola no setor da viticultura, celebrado pelo prazo de um ano, automaticamente renovável, devendo a respetiva renda ser paga no termo de cada ano.
16 Segundo jurisprudência constante, as isenções previstas no artigo 13.° da Sexta Diretiva constituem conceitos autónomos do direito da União (Acórdãos de 4 de outubro de 2001, «Goed Wonen», C-326/99, EU:C:2001:506, n.º 47, e de 15 de novembro de 2012, Leichenich, C-532/11, EU:C:2012:720, n.º 17).
17 Além disso, embora as referidas isenções constituam derrogações ao princípio geral enunciado no artigo 2.° da Sexta Diretiva, segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo, e devam, por conseguinte, ser interpretadas de forma restrita, o conceito de locação visado no artigo 13.°, B, alínea b), desta diretiva é mais amplo do que o conceito previsto nos diferentes direitos nacionais (Acórdão de 4 de outubro de 2001, «Goed Wonen», C-326/99, EU:C:2001:506, n.ºs 46 e 49 e jurisprudência referida).
18 O Tribunal de Justiça definiu em numerosos acórdãos a locação de bens imóveis, na aceção desta disposição, como o direito conferido pelo proprietário de um imóvel ao locatário de, mediante remuneração e por um período acordado, ocupar esse imóvel como se fosse o proprietário e de excluir qualquer outra pessoa do benefício desse direito (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de outubro de 2001, «Goed Wonen», C-326/99, EU:C:2001:506, n.º 55, e de 6 de dezembro de 2007, Walderdorff, C-451/06, EU:C:2007:761, n.º 17 e jurisprudência referida).
19 O Tribunal de Justiça também precisou que a isenção prevista no artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva se explica pelo facto de a locação de bens imóveis, embora sendo uma atividade económica, constituir habitualmente uma atividade relativamente passiva, que não gera um valor acrescentado significativo. Tal atividade deve assim distinguir-se de outras atividades que têm quer a natureza de negócios industriais e comerciais, como as abrangidas pelas exceções referidas nos n.ºs 1 a 4 desta disposição, quer um objeto que se caracteriza melhor pela realização de uma prestação do que pela simples colocação à disposição de um bem, como o direito de utilizar um campo de golfe, o direito de atravessar uma ponte mediante o pagamento de uma portagem ou ainda o direito de instalar máquinas de venda automática de tabaco num estabelecimento comercial (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de outubro de 2001, «Goed Wonen», C-326/99, EU:C:2001:506, n.ºs 52 e 53, e de 18 de novembro de 2004, Temco Europe, C-284/03, EU:C:2004:730, n.º 20).
20 Daqui resulta que a natureza passiva da locação de um bem imóvel, que justifica a isenção do IVA de tais operações ao abrigo do artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva, se prende com a natureza da própria operação e não com a forma como o locatário utiliza o bem em causa.
21 Assim, conforme o Tribunal de Justiça já declarou, não pode beneficiar desta isenção uma atividade que implique não apenas a colocação à disposição passiva um bem imóvel mas também um certo número de atividades comerciais, como a supervisão, a gestão e a manutenção constante por parte do proprietário, bem como a colocação à disposição de outras instalações, de modo que, não se verificando circunstâncias absolutamente especiais, a locação deste bem não pode constituir a prestação preponderante (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2001, Stockholm Lindöpark, C-150/99, EU:C:2001:34, n.º 26).
22 Em contrapartida, o facto de o locatário de um bem imóvel o explorar, utilizando-o para fins comerciais, em conformidade com os termos do contrato de locação, não é suscetível de, por si só, excluir o proprietário desse bem do benefício da isenção do IVA prevista no artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2012, Leichenich, C-532/11, EU:C:2012:720, n.º 29).
23 Quanto ao processo principal, importa constatar que parece ser pacífico que os prédios rústicos constituídos por vinhas cuja exploração agrícola é objeto do contrato de cedência em causa no processo principal constituem bens imóveis, na aceção do artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva. A este respeito, há que recordar que, no que diz mais especificamente respeito às vinhas plantadas nesses prédios rústicos, o referido conceito de «bens imóveis» não implica que os objetos em questão devam estar indissociavelmente incorporados no solo. Basta que não sejam móveis nem facilmente deslocáveis (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de janeiro de 2003, Maierhofer, C-315/00, EU:C:2003:23, n.ºs 32 e 33, e de 15 de novembro de 2012, Leichenich, C-532/11, EU:C:2012:720, n.º 23). Parece ser esse o caso das referidas vinhas, o que incumbe todavia ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
24 Importa igualmente considerar que um contrato de cedência de uma exploração agrícola como o que está em causa no processo principal constitui uma locação de bens imóveis, na aceção da referida disposição, conforme interpretada nos n.ºs 18 a 20 do presente acórdão. Com efeito, por um lado, trata-se da cedência, pelo proprietário, dos prédios rústicos em causa ao cessionário, por um período acordado de um ano automaticamente renovável e mediante a contrapartida de uma renda. Por outro lado, nada na decisão de reenvio indica que, além dessa locação, o proprietário tenha fornecido ao cessionário outras prestações com a natureza de atividades comerciais.
25 No que diz mais especificamente respeito à interrogação do órgão jurisdicional de reenvio relativa à duração do contrato de cedência em causa no processo principal e às condições de renovação do mesmo, importa recordar que a própria duração de uma locação não é, por si só, o elemento determinante que permite qualificar um contrato de locação de imóvel, na aceção do artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva, exceto no que diz respeito à curta duração (v., neste sentido, Acórdão de 18 de novembro de 2004, Temco Europe, C-284/03, EU:C:2004:730, n.º 21 e jurisprudência referida). Seja como for, a referida duração e as referidas condições de renovação não podem ser consideradas incompatíveis com uma locação, na aceção desta disposição.
26 As considerações que figuram no n.º 24 do presente acórdão não são infirmadas pelos argumentos avançados pelo Governo português nas suas observações escritas.
27 Em primeiro lugar, o facto de o cessionário dos bens imóveis em causa no processo principal não ter os mesmos direitos que um proprietário, nomeadamente por não estar autorizado a substituir as vinhas por outra cultura, devendo prosseguir com a exploração conforme estipulado no contrato de cedência, não impede este último de ser abrangido pelo âmbito de aplicação das operações isentas, visadas no artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva. Com efeito, conforme decorre da jurisprudência referida no n.º 18 do presente acórdão, estas operações conferem ao locatário ou ao cessionário um direito de ocupação do bem imóvel em causa como se fosse o proprietário, nomeadamente ao excluir qualquer outra pessoa do benefício desse direito. As referidas operações não transferem para o locatário todos os direitos do proprietário desse bem.
28 Em segundo lugar, não pode ser acolhido o argumento segundo o qual o objeto do contrato de cedência em causa no processo principal tem um alcance mais amplo do que as referidas operações, por consistir na transferência da universalidade dos bens e dos direitos da exploração agrícola em causa, uma vez que esta tem natureza empresarial. Neste contexto, o Governo português afirma que este contrato implicou igualmente a transferência de bens e de direitos incorpóreos, tais como as autorizações legais de plantação de vinhas destinadas à produção vinícola, a aptidão da referida exploração agrícola para gerar lucros e a transferência do nome ou insígnia de um estabelecimento comercial.
29 A este respeito, há que recordar, por um lado, que, na medida em que os bens imóveis cedidos ao abrigo do referido contrato só foram objeto de uma locação e não de uma transmissão de direitos de propriedade, tal cedência não constitui uma transmissão de uma universalidade de bens, na aceção do artigo 5.°, n.º 8, da Sexta Diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Mailat, C-17/18, EU:C:2018:1038, n.ºs 22 e 23).
30 Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que uma prestação deve ser considerada única quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo estejam tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja divisão revestiria caráter artificial (Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Mailat, C-17/18, EU:C:2018:1038, n.º 33 e jurisprudência referida).
31 Na medida em que, como alega o Governo português, o contrato de cedência em causa no processo principal não só incidiu sobre os bens imóveis visados mas também implicou a transferência de certos bens e direitos incorpóreos, estes últimos não podem ser dissociados da cedência dos referidos bens imóveis, antes fazendo parte integrante da mesma, pelo que o referido contrato de cedência constitui uma prestação única na qual a colocação à disposição dos bens imóveis é a prestação principal. Nestas condições, este contrato constitui uma operação que é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 13.º, B, alínea b), da Sexta Diretiva (v., por analogia, Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Mailat, C-17/18, EU:C:2018:1038, n.ºs 39 a 41).
32 Além do mais, embora a questão submetida não mencione especificamente as exclusões da isenção do IVA prevista no artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva que estão enumeradas nesta disposição e que correspondem, aliás, às exclusões previstas no artigo 135.°, n.º 2, da Diretiva 2006/112, importa constatar, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, que a operação em causa no processo principal não parece estar abrangida por uma destas exclusões.
33 Em especial, a exclusão relativa à locação de equipamentos e de maquinaria de instalação fixa, prevista no artigo 13.°, B, alínea b), primeiro parágrafo, ponto 3, da Sexta Diretiva, que é evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio na fundamentação do seu pedido de decisão prejudicial e pelo Governo austríaco nas suas observações escritas, não é aplicável à luz dos factos em causa no processo principal. Com efeito, por um lado, as vinhas não podem ser qualificadas de equipamento ou de maquinaria. Por outro, não decorre dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que os prédios rústicos cuja exploração agrícola é objeto do contrato de cedência em causa no processo principal comportassem equipamento, maquinaria ou outros bens comerciais ou industriais. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que não está demonstrado que, além de uma atividade no setor vitícola, a sociedade cessionária exerça uma atividade no setor da produção de vinho.
34 Além disso, embora o Governo português invoque o artigo 13.°, B, alínea b), segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, ao abrigo do qual os Estados-Membros podem prever exclusões suplementares ao âmbito de aplicação da isenção prevista no referido artigo 13.°, B, alínea b), este Governo não menciona nenhuma disposição do direito português que preveja semelhante exclusão que seja aplicável à operação em causa no processo principal.
35 À luz das considerações que precedem, há que responder à questão submetida que o artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que a isenção do IVA sobre a locação de bens imóveis prevista nesta disposição se aplica a um contrato de cedência de exploração agrícola de prédios rústicos constituídos por vinhas a uma sociedade que exerce a atividade de exploração agrícola no setor da viticultura, celebrado pelo prazo de um ano, automaticamente renovável, devendo a respetiva renda ser paga no termo de cada ano.
(...)
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:
O artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que a isenção do imposto sobre o valor acrescentado sobre a locação de bens imóveis prevista nesta disposição se aplica a um contrato de cedência de exploração agrícola de prédios rústicos constituídos por vinhas a uma sociedade que exerce a atividade de exploração agrícola no setor da viticultura, celebrado pelo prazo de um ano, automaticamente renovável, devendo a respetiva renda ser paga no termo de cada ano.»

3.6. No caso, entendeu a sentença recorrida que, embora não seja aplicável a doutrina administrativa constante do Oficio-Circulado nº 30022, de 16/06/2000, da DSIVA [no sentido de que apenas a entrega do “terreno nu” (sem qualquer plantação ou qualquer construção) constitui “locação de bens imóveis” para efeitos de isenção do IVA — a AT considerou, além do mais, que o impugnante não estaria abrangido pela norma de isenção porque os terrenos rústicos em causa estavam plantados com vinha, previamente à locação], também não tem aplicação a pretendida isenção constante do nº 30, dado que os elementos característicos do contrato, em função do plano económico, relevantes para aferir da isenção são, no caso, a circunstância de se tratar de terrenos constituídos por vinha, e o facto de o impugnante ter cedido a exploração dos imóveis a uma sociedade que se dedica à actividade de exploração agrícola (viticultura): é que, sendo os prédios rústicos constituídos por vinha e dedicando-se a dita sociedade cessionária à apontada actividade de viticultura (não se apurou se também se dedica à actividade de vinicultura), então estamos perante uma operação que não deve beneficiar da isenção ligada à “locação de bens imóveis”, porquanto esta visa isentar as actividades relativamente passivas que não geram um valor acrescentado significativo, o que não acontece no caso, em que os elementos apontam no sentido da utilização dos bens imóveis objecto do contrato, e designadamente da vinha (incluindo até actividade activa de colheita dos frutos) no âmbito da actividade da referida sociedade. Ou seja, estamos perante a constituição de um direito real com a finalidade de produção de bens ou serviços, com a exploração das vinhas, pelo que não pode aplicar-se a pretendida isenção já que tal seria contrário à ratio normativa.
E foi em face destas circunstâncias e na consideração de que o CIVA, no preceito em análise (nº 29 – actual nº 30 - do art. 9º) reproduz, no essencial, a norma respectiva [al. l) do nº 1 do art. 135º da Directiva nº 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006] que se determinou o reenvio ao TJUE, o qual, como supra se viu, veio concluir que «[o] artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que a isenção do imposto sobre o valor acrescentado sobre a locação de bens imóveis prevista nesta disposição se aplica a um contrato de cedência de exploração agrícola de prédios rústicos constituídos por vinhas a uma sociedade que exerce a atividade de exploração agrícola no setor da viticultura, celebrado pelo prazo de um ano, automaticamente renovável, devendo a respetiva renda ser paga no termo de cada ano.»
E assim, de acordo com tal interpretação e atendendo ao disposto nos invocados normativos do CIVA e a toda a factualidade assente nos autos, haveremos de concluir que não estando sujeita a IVA a cedência da exploração agrícola dos identificados prédios rústicos, são ilegais as impugnadas liquidações de IVA (referentes aos 1º, 2º, 3º e 4º trimestres do ano de 2002, nos montantes de 38.360,29 euros, 22.566,01 euros, 8.033,61 euros e 38.567,19 euros) e respectivos juros compensatórios, verificando-se, pois, o invocado erro de julgamento da sentença recorrida e impondo-se, consequentemente, em provimento do recurso, a revogação da sentença e a procedência da impugnação.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 11 de Julho de 2019. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.