Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:071/19.6BALSB
Data do Acordão:07/08/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
PRESSUPOSTOS
ADMISSÃO DO RECURSO
DECISÃO
MÉRITO
FORMA
Sumário:I - Constitui pressuposto do conhecimento do mérito do recurso com base na oposição de acórdãos a que alude o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT que a decisão arbitral recorrida tenha apreciado o mérito do pedido de pronúncia arbitral;
II - Não aprecia o mérito do pedido de pronúncia arbitral a decisão arbitral que julga extemporânea a lide respetiva, por caducidade do direito de ação.
Nº Convencional:JSTA000P26197
Nº do Documento:SAP20200708071/19
Data de Entrada:09/30/2019
Recorrente:A.............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A………, portador do Passaporte n.º ………, com o número de identificação fiscal ………., com domicílio indicado em ……….., ………, na Holanda, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações efetuadas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa em 28 de agosto de 2019, no processo n.º 518/2018-T CAAD, que julgou extemporânea a lide, por caducidade do direito de ação relativa ao pedido de pronúncia arbitral do acto tributário de liquidação de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) do ano de 2006, a que foi atribuído o n.º 2010 54996245, no valor de € 86.013,08.

Invocou contradição entre essa decisão e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de novembro de 2016, tirado no processo n.º 09791/16.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

A. Na situação presente e na do acórdão fundamento, houve omissão da entrega da declaração de IRS pelos sujeitos passivos.

B. Em consequência dessa omissão, em ambas as situações foi efectuada uma liquidação oficiosa de IRS.

C. Em ambas as situações a AT ignorou factos e informações que tinha no seu poder, com influência na liquidação.

D. Essa ignorância foi considerada no acórdão fundamento (e em toda a jurisprudência), como erro imputável aos serviços.

E. Constatando-se a existência de erro imputável aos serviços, deverão ser apreciados todos os documentos e demais elementos com influência no resultado da liquidação apresentados pelo sujeito passivo.

F. Em sentido oposto, na decisão arbitral recorrida considerou-se que não existia erro imputável aos serviços, apesar de a própria AT ter confessado esse erro ao corrigir a liquidação já durante o processo arbitral.

G. A decisão recorrida adopta, quanto à mesma questão fundamental de direito, um entendimento oposto ao do acórdão fundamento, incorrendo assim em erro de julgamento.».

Concluiu pedindo a anulação da decisão arbitral recorrida.

1.2. O recurso foi admitido por despacho de fls. 28 do processo físico.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Digno Magistrado do M.º P.º foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e pronunciou-se sobre o mérito do recurso, concluindo do seguinte modo «(…)

a) Em liquidação oficiosa emitida pela Administração Tributária ao abrigo do disposto no artigo 76º, nº1, alínea b), e nº3, do CIRS, a falta de consideração de custos com a sisa e encargos notariais e de outras despesas para efeitos de apuramento das mais-valias obtidas com a venda de imóvel, configura erro imputável aos serviços para efeitos de revisão do ato tributário por parte da Administração Tributária.

b) Tendo sido apresentado por parte do contribuinte pedido de revisão do ato tributário com base em tais elementos, e não tendo o mesmo sido decidido no prazo previsto no nº1 do artigo 57º da LGT, formou-se indeferimento tácito para efeitos de impugnação contenciosa, nos termos do nº5 do mesmo preceito legal.

c) A decisão do CAAD que assim não o entendeu e deu como verificada a caducidade da ação, padece do vício de violação de lei, por violação dos normativos citados, que constitui fundamento para que se determine a sua anulação, tal como vem pedido pelo Recorrente.

Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.

2. Dos fundamentos de facto


2.1. A decisão arbitral recorrida relevou a seguinte matéria de facto: «(...)

B.1. Factos provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, analisada a prova documental produzida no âmbito do presente Processo, o Tribunal Arbitral Coletivo considera provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, dando como assentes os seguintes factos:

a) Em 18 de Outubro de 1999, o Requerente adquiriu para si e para a sua mulher B………, pelo preço de 74,819.68 € (15.000 escudos), o prédio rústico, denominado “……….”, sito na Freguesia de ……, concelho de Grândola, doc.2 do Pedido de Pronúncia Arbitral (adiante designado apenas por PPA) e doc. junto ao Processo Administrativo 1 (adiante designado apenas por PA + número).

b) Com a aquisição referida em a) dos Factos Provados, o Requerente e sua mulher suportaram SISA no montante de 5.985,57 € (1.200.000 escudos) e custos notariais relativos à celebração da escritura pública de 948,16 € (190.090 escudos) totalizando custos relativos à aquisição no montante de 6.933,73 € - doc.3 e doc.4 do PPA e doc. junto do PA1 e ao PA2.

c) Em 15 de Novembro de 1999, o Requerente celebrou um contrato de empreitada com C……….., D……….., E…………, para a construção de uma casa de habitação no prédio “……….”, doc.5 e doc.6 do PPA e doc. junto ao PA2 e PA3.

d) O Requerente contratou ainda serviços de construção adicionais e adquiriu material diverso para finalização da obra, tendo suportado custos de 53.082,99 €, doc.7a, doc.7b e doc.7c, todos do PPA e docs. juntos ao PA4, PA5, PA6, PA7, PA8, PA9 e PA10.

e) Para financiar parcialmente a construção da casa, o Requerente e a sua mulher contraíram um empréstimo no valor de 134.675,34 € (27.000.000 escudos) junto do Banco ….., atualmente integrado na Caixa Geral de Depósitos, tendo dado em garantia o prédio “………”, doc.8 do PPA e doc. junto ao PA11.

f) A construção da casa ficou concluída em 2002, doc.9 do PPA e doc. junto ao PA11.

g) A Câmara Municipal de Grândola emitiu, em 2002, alvará de utilização para habitação e dependências agrícolas emitido pela Câmara Municipal de Grândola, doc.9 do PPA e doc. junto ao PA11.

h) A finalização da construção deu origem a um prédio misto, o qual está inscrito na matriz predial rústica, sob o artigo 107º, secção M, com o valor patrimonial tributário de 193,35 € e na matriz predial urbana, sob o artigo 2265.º, com o valor patrimonial tributário (em 2006) de 46.800 €, doc.10 e doc.11 do PPA e doc. junto ao PA11.

i) Concluída a construção, o Requerente passou a residir na casa construída.

j) Em 2004, o Requerente regressou à Holanda, seu país de origem, onde reside desde então.

k) Em 3 de Novembro de 2006 o Requerente e a sua mulher venderam o prédio misto situado em Portugal pelo preço de 850.000,00 €, doc.11 do PPA e doc. junto ao PA12.

l) Em 9 de Outubro de 2006, o Requerente e a sua mulher amortizaram junto da Caixa Geral de Depósitos, que havia incorporado o Banco ………, o empréstimo que haviam contratado para a construção da casa, à data, no montante remanescente de 89.510,42 €, doc.12 do PPA e doc. junto ao PA12.

m) Em 30 de Março de 2007, o Requerente e a sua mulher, compraram, cada um pela metade indivisa, a vivenda com garagem, jardim, terreno subjacente e adjacente e demais dependências, situada na ………… 20b em ………, descrita no Cadastro sob Munícipio de Diepenveen, Secção D, número 2755, pelo preço de 482.500,00 €, doc.13 do PPA e doc. junto ao PA13.

n) O Requerente e a sua mulher realizaram diversas obras de melhoramento na vivenda com garagem, jardim, terreno subjacente e adjacente e demais dependências, situada na ……… em …….., descrita no Cadastro sob Município de Diepenveen, Secção D, número 2755, tais como instalação de uma cozinha, substituição de azulejos, louças e armários das casas de banho, substituição de portas, entre outros, tendo suportado custos de 86.252,71 €, doc.14 do PPA e docs. junto ao PA14 e PA15.

o) A partir de 30 de Março de 2007, a vivenda referida em m) e n) dos Factos Provados tem sido a residência permanente do Requerente e o seu domicílio fiscal, doc.15 do PPA.

p) O Requerente não apresentou a competente declaração de IRS em Portugal relativo ao ano de 2006.

q) O Requerente nada declarou às Autoridades Fiscais Portuguesas quanto à venda do imóvel em Portugal e posterior aquisição do seu atual imóvel na Holanda.

r) Perante a falta de apresentação da declaração de IRS, a Requerida procedeu à liquidação oficiosa de IRS do período de tributação do ano de 2006.

s) A liquidação oficiosa de IRS aqui em análise resultou da aplicação da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 76.º do CIRS.

t) A declaração oficiosa de IRS, com o número 2178-2016-D1031-80, teve por base os valores discriminados na escritura n.º …….(1), celebrada em 3 de Novembro de 2006.

u) A declaração oficiosa de IRS considerou os valores de aquisição e de realização em 50% para o Requerente e em 50% para sua mulher, demonstração de liquidação de IRS junto com o PAA e PA17.

v) Da declaração oficiosa de IRS, com o número 2178-2016-D1031-80 constavam os seguintes valores:

- Valores de realização: 366.942,15 € (em 2006) + 58.057,85 € (em 2006).

- Valores de aquisição: 23.400,00 € (em 2002) + 3.702,37 € (em 1999).

w) A declaração oficiosa de IRS, com o número 2178-2016-D1031-80, apurou um rendimento global (no caso, uma mais-valia) do Requerente no montante de 197.741,06 €, demonstração de liquidação de IRS junto com o PPA e PA17.

x) Foi entendimento dos serviços da AT, por despacho da Subdiretora-Geral do IR e das Relações Internacionais, revogar parcialmente, nos termos do art.º 13.º/1 do RJAT, o acto de liquidação de IRS de 2006, no sentido de que deve a respectiva declaração reflectir, como valor de aquisição para o prédio rústico, o montante de € 37.294,85, bem como, a título de despesas e encargos, o montante correspondente ao pagamento de SISA, na proporção respeitante ao Requerente (1.200.000$00 / 2 = € 2.992,52), PA16.

y) Em 2012, o Requerente foi citado, na sua residência na Holanda, do processo executivo que lhe foi movido através do mecanismo de cooperação administrativa entre as autoridades fiscais dos estados Membros da EU, doc.16 do PPA e doc. junto ao PA17.

z) Só nesse momento – em 2012, o Requerente tomou conhecimento da existência de uma liquidação de IRS referente a uma mais-valia, no valor de 86,013.08 €, incluindo juros, proveniente da venda de um imóvel em Portugal, ocorrida em 2006, doc.16 do PPA.

aa) O Requerente apresentou, no dia 15 de Maio de 2018, na Direção de Serviços de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), um Pedido de Revisão Oficiosa da liquidação de IRS nº 201054996245 referente à mais-valia proveniente da alienação onerosa de imóvel destinado a habitação própria e permanente em 2006, nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, não tendo até à data da constituição deste Tribunal Arbitral Coletivo qualquer decisão por parte da Requerida, doc.1 do PPA e PA1.

B.2 Factos dados como não provados

1. O custo suportado com a obra efetuada ao abrigo do contrato de empreitada outorgado com C………., D………., E……….., para a construção de uma casa de habitação no prédio “……..”, foi de 183.308,23 € (36.750.000 escudos).

2. O Requerente tinha a intenção de fazer da casa de habitação construída no prédio “………..”, a sua residência permanente por largos anos.

3. O Requerente regressou à Holanda, devido a problemas de saúde.

4. O Requerente e a sua mulher utilizaram parte do valor recebido pela venda da sua casa em Portugal, na aquisição de uma casa na Holanda.

5. O Requerente desconhecia que contra si corria termos um procedimento tributário em Portugal».

2.2. O acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto: «(...)

1. Por falta de entrega da declaração de rendimentos referente ao ano de 2009, em Setembro de 2010 foram os impugnantes, ………. e …………, notificados para proceder à entrega voluntária da declaração Mod. 3 de IRS relativa ao mesmo ano (cfr. documentos juntos a fls.83, 84, 86 e 87 do processo de revisão oficiosa apenso; informação exarada a fls.59 a 66 do processo administrativo apenso);

2. Não tendo os impugnantes cumprido com a notificação identificada no nº.1, em 31/01/2011, a A. Fiscal estruturou as liquidações oficiosas de IRS nº 20115000069493 e 0115000069494, no valor de € 91.574,11 e € 8.964,56, referentes ao ano de 2009 e nas quais surgem como sujeitos passivos ………. e …………, respectivamente, tendo-se fixado como data limite de pagamento 16/03/2011, liquidações estas efectuadas nos termos do artº.76, nº.3, do C.I.R.S. (cfr.documentos juntos a fls.9 e 10 do processo de revisão oficiosa apenso; informação exarada a fls.59 a 66 do processo administrativo apenso);

3. Em 19/01/2012 os impugnantes tentaram submeter a declaração Mod. 3 relativa ao ano de 2009, na situação de “casados” com 2 dependentes e as alterações pedidas na presente impugnação, a qual foi indeferida pelo sistema informático, por constar como “anulada” (cfr.documentos juntos a fls.11 a 25 e 89 a 92 do processo de revisão oficiosa apenso);

4. Em 24/01/2012, os impugnantes enviaram por correio registado dirigido ao Serviço de Finanças de Portimão o pedido de revisão visando as liquidações oficiosas identificadas no nº.2, ao abrigo do artº.78, nº.1, da L.G.T. (cfr. articulado junto a fls.3 a 8 do processo de revisão oficiosa apenso; documento contendo registo dos correios junto a fls.32 do processo de revisão oficiosa apenso);

5. Em 3/02/2012 foi exarada informação pelo Serviço de Finanças de Portimão a propor o deferimento parcial do pedido identificado no nº.4, da qual consta, além do mais:

“emissão de Declarações Oficiosas de Eliminação dos Documentos de Correção de que resultaram as liquidações de IRS do ano de 2009 emitidas em nome de cada um dos Impugnantes” e a “elaboração de um único documento de Correção em nome de ambos os Impugnantes, reconhecendo a condição de casados e englobando a totalidade dos rendimentos por ambos auferidos, com exclusão de eventuais benefícios fiscais e/ou deduções à coleta, bem como, dos dependentes.”

(cfr. informação exarada a fls.64 a 66 do processo de revisão oficiosa apenso);

6. O Chefe de Serviço de Finanças em substituição, emitiu sobre a informação referida no nº.5 o seguinte parecer:

“Considerando a informação anexa e os documentos juntos ao presente processo, sou de parecer que o pedido deverá ser parcialmente deferido”

(cfr.documento junto a fls.63 do processo de revisão oficiosa apenso);

7. O pedido de revisão oficiosa, a informação e o parecer referidos nos números anteriores foram remetidos em 3/02/2012 à Direcção de Finanças de Faro, a qual os reenviou para a Direcção de Serviços do I.R.S. em Lisboa, com vista à sua apreciação e decisão (cfr.documentos juntos a fls.67 e 73 do processo de revisão oficiosa apenso);

8. Através de ofício datado de 9/4/2012, os impugnantes foram notificados para exercerem direito de audição face ao projeto de decisão de indeferimento elaborado pela Direcção de Serviços do I.R.S. e que lhes foi comunicado (cfr.documento junto a fls.100 a 103 do processo de revisão oficiosa apenso);

9. Os impugnantes apresentaram requerimento a exercer o direito de audição (cfr. documento junto a fls.112 a 116 do processo de revisão oficiosa apenso);

10. Em 21/12/2012 foi proferido pela Subdiretora Geral da Direcção de Serviços do I.R.S., despacho de indeferimento do pedido de revisão, concordando com o parecer e informação prévios nesse sentido (cfr.documento junto a fls.204 a 206 do processo de revisão oficiosa apenso);

11. Os impugnantes foram notificados da decisão de indeferimento referido no nº.10 em 11/01/2013 (cfr.documentos juntos a fls.207 a 209 do processo de revisão oficiosa apenso);

12. Os impugnantes são casados entre si desde 27/10/1991 e têm dois filhos (cfr.documentos juntos a fls.117 a 121 processo de revisão oficiosa apenso).


X

A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados …”.».

3. Dos fundamentos de Direito

Vem o presente recurso interposto da decisão arbitral proferida no processo n.º 518/2018-T, do CAAD, que decidiu julgar extemporâneo o pedido de pronúncia arbitral contra a decisão tácita de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de liquidação de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, decisão esta suportada no entendimento de que inexiste erro imputável aos serviços na liquidação oficiosa efetuada com base nos elementos de que a Administração Tributária disponha, se for pessoalmente imputável ao sujeito passivo a falta de cumprimento da obrigação de apresentação da declaração de imposto.

Com o assim decidido não se conforma o ali Requerente (ora Recorrente) por entender, desde logo, que esse entendimento (e por conseguinte, a decisão que nele se apoiou) contraria jurisprudência firmada deste Supremo Tribunal relativamente à mesma questão, que é a de saber se existe (ou pode existir) «erro imputável aos serviços na liquidação oficiosa de IRS efetuada na sequência da omissão da declaração de rendimentos pelos sujeitos passivos» (cit. artigo 34.º das doutas alegações do recurso).

Ou seja, o presente recurso tem fundamento na oposição de julgados. Pelo que importa aferir previamente da verificação dos pressupostos substantivos de que depende o conhecimento do seu mérito. Que são, esquematicamente, os seguintes:

[1.º] que a decisão recorrida tenha apreciado o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);

[2.º] que exista oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);

[3.º] que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].

[4.º] que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Apreciando:

No ponto A.1 das doutas alegações de recurso, o Recorrente anuncia que o recurso tem por objeto a decisão arbitral proferida no processo n.º 518/2018-T que julgou totalmente improcedente a pedido de pronúncia arbitral, conforme cópia do processo arbitral que junta.

Analisada, porém, a decisão arbitral, verifica-se que, ao contrário do anunciado, o recurso não tem por objeto nenhuma decisão que tivesse «julgado improcedente» o pedido de pronúncia arbitral.

Na verdade, o recurso tem por objeto uma decisão que julgou extemporânea a lide por caducidade do direito de ação. Como de resto se reconhece logo no ponto seguinte das doutas alegações do recurso.

Ora, uma decisão que julga extemporânea a lide não conhece do seu objeto: abstém-se de dele conhecer. E não julga improcedente o pedido, porque só pode julgar-se improcedente o pedido de que se conhece.

Por isso é que na decisão arbitral recorrida se concluiu (último parágrafo antes da decisão) que o decidido «obsta ao conhecimento do mérito da causa».

Aliás, e nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 4, alínea i), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral deve ser considerada uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito respetivo.

E, assim sendo, a parte da decisão recorrida que absolve «a Requerida do pedido» deve ser interpretada como absolvição do pedido de pronúncia arbitral e consequente abstenção de conhecimento desse pedido.

Mas, a ser assim, falta ao presente recurso logo o primeiro pressuposto de que depende o conhecimento do seu mérito e a que acima fizemos referência: que a própria decisão arbitral tenha apreciado o mérito do pedido respetivo.

Razão porque se decide não tomar conhecimento do recurso.


4. Conclusões

4.1. Constitui pressuposto do conhecimento do mérito do recurso com base na oposição de acórdãos a que alude o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT que a decisão arbitral recorrida tenha apreciado o mérito do pedido de pronúncia arbitral;

4.2. Não aprecia o mérito do pedido de pronúncia arbitral a decisão arbitral que julga extemporânea a lide respetiva, por caducidade do direito de ação.


5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pelo Recorrente.

Registe, notifique e comunique ao CAAD.

Lisboa, 8 de Julho de 2020. – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso.