Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01175/12.1BESNT 0527/17 |
Data do Acordão: | 01/16/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | NUNO BASTOS |
Descritores: | RECLAMAÇÃO CONTA DE CUSTAS REPARTIÇÃO DOS CUSTOS RESPONSABILIDADE POR CUSTAS |
Sumário: | Na conta de custas, o cálculo da taxa de justiça devida é efetuado de acordo com o impulso processual, não relevando para tal a condenação em custas a final. |
Nº Convencional: | JSTA000P25417 |
Nº do Documento: | SA22020011601175/12 |
Data de Entrada: | 05/10/2017 |
Recorrente: | MINISTÉRIO PÚBLICO |
Recorrido 1: | A... LDA E OUTRO |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. O MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO recorreu do despacho da Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a reclamação da conta de custas e ordenou a sua reforma. Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Notificado da sua admissão, apresentou alegações e concluiu nos seguintes termos: «(…) 1. Questiona-se no presente recurso o acerto do douto despacho da Meritíssima Juiz proferido a fls. 459, que ordenou a reforma da conta de fls. 433. 2. A decisão quanto a custas foi a seguinte: “Fixo à presente acção o valor de 1.046.550,01€ (um milhão quarenta e seis mil quinhentos e cinquenta euros e um cêntimo) cf. Artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97-A, n.º 1, al. A) do CPPT. Custas na proporção do decaimento, cf. Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC (na redacção aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26.06, rectificada pela declaração de rectificação n.º 36/2013, de 12 de agosto), aplicável ex vi artigo 2, al. E), do CPPT, que se fixa em 99% para a impugnante e 1% para a entidade demandada”. 3. A entidade denunciada, Infarmed – Autoridade nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (adiante designada por Infarmed), notificada da decisão final veio, nos termos e dentro do prazo fixado no art.º 15.º, n.º 2, do RCP, proceder ao pagamento da taxa de justiça, devida pelo impulso processual, no montante de 1.632,00€, correspondente ao valor até 275.000,00€ (cfr. Fls. 418), por se encontrar dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça. 4. A parte vencedora, Infarmed veio apresentar a sua nota discriminativa e justificativa das custas de parte, no montante de 3.624,00€, correspondente à taxa de justiça paga 1.632,00€ (art.º 25.º, n.º 2 al. B) d9 RCP) e os honorários (art.º 25.º, n.º 2, al. D), do RCP), embora não respeitando o que foi decidido sobre o seu decaimento em 1% (cfr. Fls.429). 5. Tal montante foi pago pela impugnante A…………, Lda. 6. Dado que não havia sido requerido ou dispensado o pagamento do remanescente da taxa foi elaborada a conta e apurado que cada uma das partes tinha ainda a pagar o montante de 3.927,00€ de taxa de justiça remanescente (cfr. Fls. 433 e 434). 7. A parte vencida A…………, Lda. procedeu ao pagamento da taxa remanescente. 8. A entidade demandada Infarmed veio apresentar a reclamação da conta, com fundamento de que não foi repartida a responsabilidade das custas do processo na proporção do decaimento, ou seja, em 1% apenas, o que equivale a 55.59€. 9. A escrivã de direito informou que a conta tinha sido bem elaborada e de acordo com o valor fixado na douta decisão, que a reclamação devia ser indeferida, esclarecendo que a conta se refere apenas à taxa de justiça por impulso processual (negrito nosso). 10. A Meritíssima juiz proferiu o douto despacho dizendo: “Importa, desde já, referir que assiste razão ao reclamante. Com efeito, de acordo com o disposto no n.º 7, do artigo 6.º do RCP, nas causas de valor superior a € 275.00,00, como no caso em apreço, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final. Por outro lado, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RCP. Porém, o Infarmed não é responsável pelo impulso processual e daí não ter sido notificado com a sentença, nos termos do n.º 9, do artigo 14.º do RCP. (sublinhado nosso). Assim sendo, na elaboração da conta deveria ter sido tomado em consideração a repartição da responsabilidade pelo pagamento das custas fixado na sentença, atendo a proporção do decaimento (cfr. fls. 410). Face ao exposto, admite-se a reclamação efectuada pelo Infarmed, ordenando-se a reforma da conta, nos termos supra referidos. Sem custas.” 11. Preceitua o art. 6.º, 1, do RCP: “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento…” 12. Determina, por seu turno o art.º 529.º, n.º 2, do CPC que: “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.” 13. E o art.º 530.º, n.º 1, do CPC, refere: “A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.” 14. O critério do vencimento e do decaimento não releva para efeito de pagamento de taxa de justiça, por estar ligado ao impulso processual. 15. O direito do vencedor face ao vencido é exigido, na respetiva proporção, no quadro das custas de parte, do que pagou a título de taxa de justiça impulsória. 16. Não tendo sido dispensado o pagamento do remanescente, a taxa de justiça é incluída na conta elaborada após o trânsito em julgado e é pago se o devedor for o vencido. 17. Porém, a exceção quanto a este ponto está no artigo 14.º, n.º 9, do RCP. “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo” 18. Se o devedor do remanescente for o vencedor integral da causa é simultaneamente notificado da decisão que ponha termo ao processo, para pagar o remanescente no decénio posterior à notificação, ainda que aquela decisão seja recorrível ou reclamável – artigos 14.º, n.º 9, 15.º, n.º 2, e 25.º, n.º 1, do RCP. 19. No caso em que as partes sejam responsáveis em virtude de ter havido decaimento de cada uma, será elaborada uma conta de cada uma, na qual se imputará o valor referente ao remanescente, independentemente da proporção do decaimento, tendo em conta que o acerto de valores será feito através do instituto das custas de parte previsto nos artigos 25 e 26 do RCP e nos artigos 30 a 33 da Portaria n.º 419-A/2009, de 17.04. 20. A parte vencedora não foi notificada com a decisão que pôs termo ao processo para efectuar o pagamento do remanescente como devia ter sido, de acordo com o teor do art.º 14.º, n.º 9, do RCP. (cfr. fls. 413). 21. A não notificação à parte vencedora para efectuar o pagamento do remanescente exclui o direito de exigir o seu pagamento, exactamente porque já não pode apresentar esse valor como custas de parte. 22. A parte vencedora apresentou a nota discriminativa e justificativa das custas de parte no valor de 3.624,00€, que foi paga. 23. A parte vencedora, não só não pagou o remanescente da taxa de justiça no valor referido na conta de fls. 433, de 3.927,00€, como já recebeu mais do que as custas de parte a que tem direito. (recebeu mais 55,59€ correspondente a 1% do seu decaimento na causa). 24. No caso vertente, embora os autos forneçam elementos que permitam saber qual o decaimento de cada uma das partes, não se percebe como podem ser reformuladas as contas do vencido e do vencedor, conforme o douto despacho ora recorrido, dado que as contas elaboradas, nada têm a ver com o decaimento, mas sim o com o montante das taxa remanescentes referentes à taxa de justiça devidas pelo impulso processual por cada uma das partes. Assim, o douto despacho violou os artigos 6.º, 1 e 7, 14.º, n.º 9, todos do RCP e os artigos 529.º, n.º 2 e 530.º, n.º 1, ambos do CPC;». Pediu fosse dado provimento ao recurso, fosse revogado o douto despacho recorrido e substituído por outro que aprecie com clareza o requerimento da reclamação da conta, no sentido do seu indeferimento. As partes foram notificadas da admissão do recurso e para alegações, mas não o vieram fazer.
1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a notificação do RECORRENTE para se pronunciar sobre a questão da admissibilidade do recurso por só ser admissível recurso da decisão da reclamação da conta se o montante exceder o valor de 50 UC, cfr. Artigo 31.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção do Decreto-Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro. O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da admissibilidade do recurso, uma vez que, para este efeito, se deve atender ao montante das custas contadas. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. ◇ 2. Da admissibilidade do recurso Dispõe o artigo 31.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais que «da decisão do incidente de reclamação e da proferida sobre as dúvidas do funcionário judicial que tiver efectuado a conta cabe recurso em um grau, se o montante exceder o valor de 50 UC». A questão que se coloca é a de saber se o montante a considerar para efeitos da admissibilidade do recurso é o montante das custas contadas (no caso, o montante de € 5.559,00, referente a taxa de justiça) ou o montante das custas que o reclamante foi chamado a pagar (no caso, o montante de € 3.927,00). A esta questão respondemos que o valor a considerar para os efeitos do disposto no artigo 31.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais é o valor das quantias devidas, que inclui os valores pagos e os que há a pagar. Em primeiro lugar, porque deriva daquele dispositivo legal que o legislador conjugou a referência ao «montante» com a «conta efetuada» e não com o montante a pagar. Em segundo lugar, porque a contagem do processo abrange quer a discriminação dos montantes devidos e pagos, quer a indicação do montante a pagar. E nada obsta a que a reclamação incida também sobre os primeiros. Aliás, a discriminação dos montantes pagos influencia o valor a pagar. E como o valor da conta efetuada excede o valor de 50 UCs, o recurso deve ser admitido. ◇ 3. Da questão a decidir A despeito da extensão das alegações e das conclusões do recurso, a questão a decidir é só uma e podia bem ter sido sumariada numa única conclusão. Consiste em saber se o critério do vencimento e do decaimento releva para efeitos de contagem do processo. Ou seja, saber se a conta de custas deve ser elaborada de modo a reflectir a responsabilidade pelas custas na proporção do decaimento. As questões de saber se a parte vencedora foi ou não notificada de acordo com o artigo 14.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais [conclusão n.º 20], o deveria ter sido e as consequências da não notificação [conclusão 21.º], bem como a de saber se a parte vencedora recebeu mais do que aquilo a que tinha direito a título de custas de parte [conclusão 23.º] não são para aqui chamadas porque não relevam para a contagem e/ou não foram analisadas na decisão recorrida. ◇ 4. Dos fundamentos Vem o presente recurso interposto do despacho da Mm.ª Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que deferiu a reclamação da conta apresentada pela entidade impugnada e, em consequência, ordenou a sua reforma de modo a que na elaboração da mesma seja tomada em consideração a repartição da responsabilidade pelo pagamento das custas fixada na sentença e seja atendida a proporção do decaimento. A conta reclamada tem o seguinte teor:
Como deriva do seu teor, a conta reclamada não foi elaborada de forma a repartir a responsabilidade pelas custas na proporção do decaimento. Aliás, e conforme informação da Senhora Escrivã de Direito lavrada nos autos, «o que foi cobrado na conta refere-se apenas a taxa de justiça por impulso processual, não havendo nada mais a contar, caso existissem encargos seriam calculados na proporção do decaimento conforme sentença de fls. 384 a 411». A questão que importa decidir é, por isso, apenas a de saber se o cálculo da taxa de justiça devida no ato de contagem deveria já ter reflectido o decaimento nas custas. A esta questão respondemos negativamente. Fundamentalmente porque, no actual figurino legal, a taxa de justiça é devida por ter havido um processo e não por ter havido uma decisão que condene no seu pagamento. Pretende-se, através dela remunerar o acesso ao serviço de justiça e não imputar no seu pagamento quem decaiu na demanda. É o que deriva do artigo 529.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais ao dispor que a taxa de justiça é devida pelo impulso processual. E do artigo 530.º, n.º 1, do primeiro daqueles diplomas ao dispor que a responsabilidade pelo seu pagamento deriva apenas da qualidade de demandante ou demandado. É o que se anuncia, também, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, onde se esclarece que «[a] taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço». Como refere o Sr. Conselheiro Salvador da Costa [in «Regulamento das Custas Processuais Anotado», 5.ª edição 2013, pág. 65], «o critério do vencimento não releva, em regra, para o efeito do pagamento de taxa de justiça, uma vez que a lei liga a responsabilidade pelo seu pagamento ao autor do respectivo impulso processual (…), como se fosse uma mera contrapartida do pedido de prestação de um serviço». Será essa, aliás, a razão subjacente ao regime que deriva do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, segundo o qual «[as] partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento no prazo de 10 dias» (sublinhado nosso). A indicação dos montantes a pagar, ou sendo caso disso, a devolver à parte responsável, a que alude a alínea f) do n.º 3 do artigo 30.º do mesmo diploma, diz respeito apenas aos montantes devidos no âmbito da relação bilateral entre este e o Estado, como deriva do facto de ser elaborada uma conta por cada sujeito processual responsável. Presentemente, as custas de parte são o único mecanismo processual que concretiza o princípio da justiça gratuita para o vencedor e segundo o qual não deve pagar custas a parte que tem razão. O reembolso da taxa de justiça e de outras quantias suportadas no processo (ou em razão dele) pela parte vencedora processa-se em meios autónomos, devendo ser directamente liquidadas, reclamadas e pagas (ver o artigo 26.º, n.º 2, do Regulamento) no âmbito de um procedimento próprio. De todo o exposto deriva que a decisão recorrida não pode manter-se e tem que ser revogada. Pelo que o recurso merece provimento. ◇ 5. Conclusão Na conta de custas, o cálculo da taxa de justiça devida é efetuado de acordo com o impulso processual, não relevando para tal a condenação em custas a final. ◇ 6. Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e indeferir a reclamação da conta de custas. Custas pela RECORRIDA que reclamou, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC´s (duas unidades de conta). D.n. Lisboa, 16 de janeiro de 2020. – Nuno Bastos (relator) – José Gomes Correia – Joaquim Condesso. |