Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01568/20.0BEPRT
Data do Acordão:04/07/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:DISPENSA
GARANTIA
Sumário:O requerimento versado na decisão recorrida, tem de ser visto e apreciado, pelos serviços competentes da autoridade tributária e aduaneira (AT), na sequência dos anteriores e com as condicionantes derivadas do despacho de 28 de fevereiro de 2020 (ponto 7 dos factos provados), com o desiderato de ser decidido se a constituição da hipoteca sobre dois (e não quatro) imóveis e de penhor do estabelecimento da executada (de que a requerente se encontra a diligenciar pelos registos) é capaz de consubstanciar garantia idónea e capaz de suportar a suspensão dos processos executivos instaurados ou, se não, em função do que parece, agora, ser a pretensão, inequívoca e expressa, da recorrida, estão reunidas condições para ser dispensada/isenta de garantir os valores que excedam a cobertura da hipoteca e penhor em curso.
Nº Convencional:JSTA000P27492
Nº do Documento:SA22021040701568/20
Data de Entrada:03/22/2021
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


A/O representante da Fazenda Pública (rFP) recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, em 17 de dezembro de 2020, que, neste processo de reclamação de ato do órgão da execução fiscal, anulou despacho de indeferimento, referente a pedido de dispensa de garantia, formulado por A……, Lda., …
A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com estas conclusões: «

A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a reclamação deduzida, nos termos do art.º 276º e seguintes do CPPT, por A….., Ld.ª, NIPC: …………, na sequência do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia apresentado pela executada, datado de 30.04.2020, em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 3174201901209248 e apensos.

B. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto entende que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito.

C. No caso em apreço, a discordância da Fazenda Pública com a sentença proferida prende-se com o facto de o Tribunal a quo ter considerado “(…) que o Órgão de Execução Fiscal não se pronunciou quanto ao mérito do pedido, que indeferiu com fundamento na extemporaneidade do pedido apresentado (…)”.

D. Entende a Fazenda Pública que o Órgão de execução fiscal se pronunciou quanto ao mérito do requerimento apresentado pela Reclamante, no despacho reclamado.

E. A Reclamante apresentou requerimento em 06.04.2020 com o seguinte teor: “(…) com toda esta confusão da pandemia, que inclusive levou a empresa a fechar portas, a situação piorou consideravelmente. A ex-mulher do gerente neste momento recusa-se a dar hipoteca sobre os seus imóveis. Assim, a única solução é aceitar a hipoteca sobre os dois imóveis do gerente e a penhora da sociedade sobre os dois (e únicos) dos seus estabelecimentos comerciais. Por sugestão da Direção de Finanças, enviamos já, em anexo, os documentos particulares assinados para o efeito do penhor e das hipotecas. Não obstante, já foi aprovado (e é sabido pela AT) a sociedade não tem ativos para prestar garantias, estando na situação de insuficiência que a permite isentar de o fazer, pelo que o recurso a estas garantias serve apenas para tentar, o mais rapidamente possível, que seja deferido o pedido de suspensão dos processos. (…)”, conforme fls. 21 do processo físico, que se dá por reproduzido.” - facto provado n.º 9.

F. O referido requerimento veio indeferido em 30.04.2020, através de despacho, com o seguinte fundamento: “O pedido de dispensa de garantia agora formulado, para ser tempestivo, tinha de ter fundamento superveniente ao termo do prazo de 15 dias contado da apresentação do meio de reação previsto no artigo 169.º do CPPT, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 170.º do mesmo diploma legal. Os fundamentos legais para a isenção de garantia são os estabelecidos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT e que são o prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência se devem a atuação dolosa do interessado. O elenco dos fundamentos para a isenção de garantia é taxativo, não sendo admitidos outros para além dos referidos. O fundamento alegado pelo requerente na petição em análise é “A ex-mulher do gerente neste momento recusa-se a dar hipoteca sobre os seus bens imóveis”, bens estes que integram o elenco dos bens oferecidos e aceites como garantia idónea para a suspensão da execução. O fundamento agora invocado não é nenhum dos referidos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT, motivo pelo qual não é subsumível no n.º 2 do artigo 170.º, do CPPT. O facto de o requerente ter oferecido bens de terceiros para garantia, conjuntamente e em complemento do estabelecimento comercial da executada que integra a totalidade dos bens penhoráveis do executado, é incompatível com o conceito de fundamento superveniente por manifesta falta de meios económicos do executado, nos termos em que se encontra definido no n.º 4 do artigo 52.º da LGT, conjugado com o disposto no n.º 2 do artigo 170.º do CPPT.” - facto provado n.º 10
G. Ora, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) acabou por se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pela Reclamante quando refere que “O fundamento alegado pelo requerente na petição em análise é “A ex-mulher do gerente neste momento recusa-se a dar hipoteca sobre os seus bens imóveis”, bens estes que integram o elenco dos bens oferecidos e aceites como garantia idónea para a suspensão da execução. O fundamento agora invocado não é nenhum dos referidos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT, motivo pelo qual não é subsumível no n.º 2 do artigo 170.º, do CPPT. O facto de o requerente ter oferecido bens de terceiros para garantia, conjuntamente e em complemento do estabelecimento comercial da executada que integra a totalidade dos bens penhoráveis do executado, é incompatível com o conceito de fundamento superveniente por manifesta falta de meios económicos do executado, nos termos em que se encontra definido no n.º 4 do artigo 52.º da LGT, conjugado com o disposto no n.º 2 do artigo 170.º do CPPT.”.

H. É um facto que a AT se pronuncia sobre o mérito do pedido quando indefere a pretensão da Reclamante, ao não reconhecer o facto superveniente alegado pela Reclamante - “A ex-mulher do gerente neste momento recusa-se a dar hipoteca sobre os seus bens imóveis” - como integrador do n.º 4, do artigo 52.º, da LGT, logo não subsumível ao n.º 2, do artigo 170.º do CPPT.

I. Nestes termos, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por errada aplicação e interpretação do art.º 169.º, número 7, art.º 170.º, números 1 e 2, ambos do CPPT, e art.º 52.º, número 4, da LGT (Lei Geral Tributária).

Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências, assim se fazendo
JUSTIÇA. »

*

A recorrida (rda) formalizou contra-alegação, onde conclui: «


A. A 19 de novembro a Recorrida já havia começado a avisar a AT que a empresa estava incapaz de prestar garantias suficientes para suspensão do processo, devido à insuficiência de bens/ ativos/ económico-financeira (já juntando declaração bancária pela impossibilidade de prestar garantias),

B. Pese embora, se necessário, o seu gerente e uma sócia poderiam oferecer os seus bens para garantia.

C. A 11 de dezembro é enviado novo requerimento à AT, a juntar documentação (balancetes, mapa de responsabilidades, declarações bancárias, extratos bancários) e a expor a clara insuficiência de bens penhoráveis ou de capacidade de cobrir a dívida,

D. Mais alegando o exercício do direito dos artigos 52º da LGT e 170º do CPPT.

E. A AT optou por continuar a ignorar a alegação e prova da insuficiência económica da empresa.

F. A 2 de janeiro de 2020 a Recorrida volta a insistir com essa incapacidade.

G. A 4 de março de 2020, a Recorrida é automaticamente citada do fim dos 30 dias após citação e do início de penhora (pese embora a AT tivesse prometido que tal não fosse acontecer, até porque era a AT que se estava a atrasar havia meses).

H. Em meados de março a Recorrida é notificada da possibilidade de prestar hipotecas através dos bens do gerente e da sócia (ignorando totalmente as referências à incapacidade económica da empresa).
I. Confrontada a sócia, esta, face ao COVID e à crise que se adivinhava, recusou, afinal, oferecer os seus bens.

J. A 6 de abril de 2020 a Recorrida claramente expõe este problema à AT e volta a referir a incapacidade e insuficiência da empresa para prestar garantias.

K. A 30 de abril a AT responde, indicando que esse pedido era extemporâneo, em desrespeito dos prazos do artigo 170º, do CPPT.

L. É essa decisão de 30 de abril de 2020 que a Recorrida quis ver decidida em tribunal, pois houve um desrespeito claro, em termos formais, pelo direito daquela em ver decidido, de mérito, o seu pedido de redução na prestação de garantias e incapacidade em fazê-lo de forma suficiente para colmatar o total do valor da dívida (algo que já andava a expor desde novembro de 2019!).

M. O recurso apresentado pela AT é falacioso, pois esta entidade nunca decidiu de mérito, nem o direito à isenção na prestação das garantias, nem a possibilidade de redução das mesmas, após a negação da sócia em oferecer os seus bens.

N. Escudou-se, tão somente, na alegada passagem de prazos do artigo 170º do CPPT (embora a AT nunca tivesse apreciado os pedidos da Recorrida, que já vinham de 2019).

O. Esses prazos nunca foram ultrapassados, pois a Recorrida é notificada em meados de março para prestar garantias, e a 6 de abril, tão logo o soube, comunica à AT a não prestação de garantias com os bens da sócia,

P. Além de andar desde 2019 a pedir a apreciação do seu direito à isenção na prestação de garantias.

Nestes termos, requer-se a V. Venerandas Exas. que indefiram o recurso apresentado pela Fazenda, dando a devida razão e confirmação à decisão do tribunal a quo. »

*

A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, encontra-se exarado: «

Factos Provados
1 - A Reclamante, em 22/10/2019, apresentou requerimento junto do Órgão de Execução Fiscal, nos termos exarados no documento de fls. 10 e 11 verso do processo físico, que se dá por reproduzido, com vista à suspensão dos processos de execução fiscal, mediante prestação de garantia hipotecária.

2 - A Autoridade Tributária, em 31/10/2019 e 15/11/2019, instaurou contra a sociedade comercial “A…….., Lda.”, Contribuinte Fiscal …………., os Processos de Execução Fiscal nº 3174201901209248 e apensos, com vista à cobrança de créditos de IRC e IVA, referentes a 2015, 2016, 2017, no montante total de € 232.061,57.

3 - A Reclamante, em 30/11/2019, foi citada no âmbito dos processos de execução fiscal identificados em 2.

4 - A Reclamante, em 11/12/2019, apresentou requerimento a substituir o mencionado em 1, nos termos exarados no documento de fls. 11 (verso), 12 (f/v) e 13, do processo físico, que se dá por reproduzido.

5 - A Reclamante, em 16/12/2019 apresentou impugnação judicial relativamente às liquidações oficiosas de IVA e IRC dos anos de 2015, 2016 e 2017, que estão subjacentes ao Processo de Execução Fiscal nº 3174201901209248 e apensos, conforme pesquisa efectuada no SITAF, que corre termos neste tribunal sob o Processo nº 3371/19.1BEPRT.

6 - A Reclamante, em 2/1/2020, apresentou requerimento a substituir o mencionado em 4, nos termos exarados no documento de fls. 17 (verso) e 18, do processo físico, que se dá por reproduzido.

7 - A Directora de Finanças Adjunta, da Direcção de Finanças do Porto, em 28/2/2020, proferiu despacho no qual deferiu o requerimento aludido em 6, nos termos exarados no documento de fls. 60 a 64, do processo digital que se dá por reproduzido.
8 - A Autoridade Tributária remeteu à Reclamante o despacho mencionado em 7, mediante registo postal RH457674460PT, com data de 10/3/2020, conforme documento de fls. 70-71 do processo digital.

9 - A Reclamante, em 6/4/2020, apresentou novo requerimento, com o seguinte teor:

(…) com toda esta confusão da pandemia, que inclusive levou a empresa a fechar portas, a situação piorou consideravelmente. A ex-mulher do gerente neste momento recusa-se a dar hipoteca sobre os seus imóveis. Assim, a única solução é aceitar a hipoteca sobre os dois imóveis do gerente e o penhora da sociedade sobre os dois (e únicos) dos seus estabelecimentos comerciais. Por sugestão da Direção de Finanças, enviamos já, em anexo, os documentos particulares assinados para o efeito do penhor e das hipotecas. Não obstante, já foi aprovado (e é sabido pela AT) a sociedade não tem ativos para prestar garantias, estando na situação de insuficiência que a permite isentar de o fazer, pelo que o recurso a estas garantias serve apenas para tentar, o mais rapidamente possível, que seja deferido o pedido de suspensão dos processos. (…)”, conforme fls. 21 do processo físico, que se dá por reproduzido.

10 - A Directora de Finanças Adjunta, da Direcção de Finanças do Porto, em 30/4/2020, proferiu despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia mencionado em 9, nos termos exarados no documento de fls. 79 a 87, do processo digital que se dá por reproduzido.

11 - A Autoridade Tributária remeteu à Reclamante o despacho mencionado em 10, mediante registo postal RH458094444PT, conforme documentação de fls. 88-89 do processo digital.
12 - A Reclamante recepcionou o despacho de indeferimento aludido em 10 no dia 6/5/2020, conforme documento de fls. 90 do processo digital que se dá por reproduzido.

13 - A presente reclamação foi apresentada em 11/5/2020.

FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultam provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa, tendo em conta as várias soluções de direito plausíveis.»

***


A sentença, descomposta pela rte, depois de anunciar que se iria debruçar sobre a legalidade de despacho de indeferimento de pedido de dispensa de prestação de garantia, com fundamento na extemporaneidade da apresentação do mesmo (“… foi apresentado para lá dos 15 dias após apresentação de reacção contenciosa”.) e convocar o conjunto normativo aplicável, concretamente, os artigos (arts.) 52.º da Lei Geral Tributária (LGT), 169.º e 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), patenteia estes argumentos, em síntese: «

(…).

Importa atentar que há uma sucessão de pedidos de prestação de garantia.

Assim, importa ter em atenção que a Reclamante apresentou um primitivo pedido de prestação de garantia em 22/10/2019, sendo este substituído por novo requerimento entregue em 11/12/2019, portanto, ambos apresentados antes da instauração do processo de impugnação judicial, que corre termos neste Tribunal sob o nº 3371/19.1BEPRT (em 16/12/2019).
Contudo, em 2/1/2020, a Reclamante apresentou novo requerimento onde reforça as garantias indicadas atendendo a que nomeia à penhora o estabelecimento comercial de salão de cabeleireiro e estética e pede, ainda, caso as garantias não sejam suficientes para atingir o valor obrigatório para suspensão dos processos, a isenção de prestação de garantia.
Sendo que por despacho da Sra. Directora de Finanças Adjunta, da Direcção de Finanças do Porto, foi deferido o pedido, tendo sido aceite as garantias propostas, mas com a condição de registo das hipotecas.
Posteriormente, em 6/4/2020, a executada apresentou novo requerimento onde reduziu as garantias e pediu a dispensa do remanescente.
Sobre igual questão já se pronunciou o STA no aresto datado de 6/4/2016, prolatado no Processo nº 0282/16, que se transcreve parcialmente, no segmento com relevo para a presente decisão:
(…) o contribuinte pode a todo o tempo pedir a dispensa da prestação da garantia, mas para obter o efeito útil por si pretendido da suspensão da execução é que necessita de o apresentar em determinado prazo.
Com efeito, o decurso de qualquer dos prazos previstos no artº 170º do CPPT não libera a Administração Fiscal de conhecer do pedido de prestação de garantia ou de dispensa de garantia, por entender que o pedido é extemporâneo.
Enquanto estiver pendente a execução tais pedidos podem sempre ser formulados e têm que ser apreciados.
Os prazos dos artigos 169º e 170º são, prazos durante os quais a Administração Fiscal não pode prosseguir com a execução. Decorridos os mesmos, a execução pode e deve prosseguir, mesmo que esteja pendente um requerimento de dispensa de garantia entretanto apresentado.
Isto é, se tiver sido apresentada impugnação, o executado dispõe do prazo de 15 dias para pedir a prestação de garantia ou a sua dispensa e a execução não pode avançar até ser apreciado o pedido.
No mesmo sentido alinha o Acórdão do TCAS de 8/10/2020, prolatado no Processo nº 420/20.4BESNT.
Assim,
Seguindo de perto a jurisprudência citada cuja fundamentação se acolhe nesta decisão, conclui-se que os prazos plasmados nos artigos 169º e 170º do Código de Procedimento e de Processo Tributário obstam ao prosseguimento do processo de execução fiscal, porquanto estando a correr prazo de 15 dias para o executado prestar garantia ou pedir a dispensa da mesma não faria sentido a execução prosseguir, “máxime” para a fase de penhora, na medida em que esvaziaria de conteúdo a norma em causa se a Autoridade Tributária pudesse desapossar os executados de bens ou direitos quando a lei ainda lhes permite prestar garantia ou pedir a dispensa que tem como efeito a suspensão do processo de execução fiscal.
É que “o deferimento de dispensa de prestação de garantia tem os mesmos efeitos que teria a sua prestação relativamente à suspensão da execução, isto é, esta ficará suspensa, apesar de não haver garantia nem penhora de bens que assegurem o pagamento da dívida exequenda, nos mesmos termos em que ficaria se a garantia tivesse sido prestada.
No entanto, em regra, a dispensa de prestação de garantia (aliás, também a própria prestação de garantia), não prejudica penhora que já tenha sido efetuada, não tem como consequência o levantamento desta” - JORGE LOPES DE SOUSA, “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado”, VOL. III, p. 231.
Assim, resulta cristalino que o decurso do prazo previsto no artigo 170º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não exonera a Administração Fiscal de conhecer do pedido de dispensa de garantia, com fundamento na sua extemporaneidade.
Destarte, procede a alegação da Reclamante pelo que importa anular o despacho em crise, sendo certo que não pode apreciar-se o pedido de “aceitação da dispensa total de prestação de garantias” sob pena de invasão da esfera de competência da Autoridade Tributária.
Deste modo, atendendo a que o Órgão de Execução Fiscal não se pronunciou quanto ao mérito do pedido, que indeferiu com fundamento na extemporaneidade do pedido apresentado, na sequência da anulação do despacho em causa, deve a Autoridade Tributária conhecer do mérito do pedido invocado pela Executada, ora Reclamante. »

Antes de avançar, importa, ainda, face à remissão efetuada no ponto 10 dos factos provados, para o documento de fls. 79 a 87 (SITAF), registar que o, aí, mencionado despacho (Do seguinte teor:
«Concordo. Indefiro o pedido nos termos propostos. Notifique. (…). ») é proferido no âmbito de uma informação, com despachos de concordância dos Chefes de Divisão e de Equipa (ambos datados de 14 de abril de 2020), ostentando o primeiro este conteúdo: «
Concordo.
O pedido de dispensa de garantia agora formulado, para ser tempestivo, tinha de ter fundamento superveniente ao termo do prazo de 15 dias contado da apresentação do meio de reação previsto no artigo 169.º do CPPT, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 170.º do mesmo diploma legal.
Os fundamentos legais para a isenção de garantia são os estabelecidos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT e que são o prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência se devem a atuação dolosa do interessado. O elenco dos fundamentos para a isenção de garantia é taxativo, não sendo admitidos outros para além dos referidos.
O fundamento alegado pelo requerente na petição em análise é “A ex-mulher do gerente neste momento recusa-se a dar hipoteca sobre os seus bens imóveis”, bens estes que integram o elenco dos bens oferecidos e aceites como garantia idónea para a suspensão da execução.
O fundamento agora invocado não é nenhum dos referidos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT, motivo pelo qual não é subsumível no n.º 2 do artigo 170.º do CPPT.
O facto de o requerente ter oferecido bens de terceiros para garantia, conjuntamente e em complemento do estabelecimento comercial da executada que integra a totalidade dos bens penhoráveis do executado, é incompatível com o conceito de fundamento superveniente por manifesta falta de meios económicos do executado, nos termos em que se encontra definido no n.º 4 do artigo 52.º da LGT, conjugado com o disposto no n.º 2 do artigo 170.º do CPPT. A alegada recusa da ex-mulher do gerente em hipotecar os imóveis de sua propriedade, pode ser facto superveniente, mas esse facto não é fundamento de isenção de garantia.
As medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, designadamente as tomadas através da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, não alteraram nenhum dos normativos legais acima referidos, continuando a sua interpretação a ser efetuada à luz do estabelecido no artigo 9.º do CC e artigo 11.º da LGT.
Acresce ainda referir que cabia ao requerente provar a superveniência do fundamento que invoca, o que não fez.
Assim, com os fundamentos referidos, proponho o indeferimento do pedido.
(…). »
Impõe-se, também, isolar o seguinte passo final da aludida informação, dos serviços da Direção de Finanças do Porto: «
(…).
Ora, preceitua o art.º 170.º n.º 1, do CPPT, …
Refere o n.º 2 do mesmo artigo que…
Ora, tendo sido oferecida garantia, tendo a mesma sido aceite nos termos propostos, não há qualquer facto superveniente, subsumível no n.º 2 do artigo 170.º do CPPT, que permita o enquadramento do pedido de dispensa de garantia nos termos do artigo 170.º do CPPT.
(…). »

Como decorre das conclusões G. a I. (supra), é no teor (parcial) do despacho, antes transcrito, que a rte se apoia para imputar erro de julgamento à sentença recorrida e defender que, ao invés do entendido em 1.ª instância, o despacho reclamado (concordante e remissivo para o do Chefe de Divisão) se debruçou e decidiu o mérito do pedido de dispensa de prestação de garantia em análise.

Dirimindo, aferida e concatenada, a matéria de facto julgada provada na sentença (A que importa apontar a má prática de dar os documentos por reproduzidos.), verifica-se que a rda (sociedade reclamante), em 22 de outubro de 2019, apresentou requerimento, junto do órgão de execução fiscal competente, com vista à suspensão de processos executivos, mediante prestação de garantia hipotecária, o qual, depois de substituído, por sua iniciativa, em 11 de dezembro de 2019 e 2 de janeiro de 2020, foi deferido (considerando os termos desta última substituição), por despacho, datado de 28 de fevereiro de 2020, o qual, em síntese, aceitou as garantias propostas pela requerente (aqui, rda), mas, condicionou a suspensão da execução “aos seguintes procedimentos: 1 - Registo das hipotecas voluntárias sobre os quatro imóveis propostos; 2 - Constituição do penhor do estabelecimento da Executada;”. Notificada deste despacho, a sociedade executada, apresentou, a 6 de abril de 2020, novo requerimento, destinado, na prática, a informar, a autoridade tributária e aduaneira (AT), de que, afinal, já não iria constituir hipoteca sobre dois dos quatro imóveis que tinha indicado (por a ex-mulher do sócio gerente se opor à constituição desse ónus sobre eles), bem como, a identificar “uma gigantesca dificuldade em realizar registos prediais, pelo que não conseguimos garantir o momento exato em que conseguiremos realizar os registos das hipotecas. O melhor que podemos fazer é provar que enviamos email a uma CRPredial a requerer a realização do registo.”. O versado requerimento termina, da seguinte forma: “Pedimos, muito encarecidamente, que seja dada resposta a esta situação com a maior brevidade possível. Estão diversos postos de trabalho em causa devido a esta situação.”.

No meio deste cenário, de avanços e recuos, com o inerente caos, neste momento, impõe-se, mais do que coligir argumentos jurídicos, resolver o dissídio.
Assim, a melhor via de o conseguir é, assumindo o pressuposto, apoiante da sentença recorrida, de que o despacho reclamado não versou o mérito deste último requerimento da requerente (rda), formalizado a 6 de abril de 2020, concretizar o que é decisivo ser feito, no futuro.
Sendo incontornável a necessidade de ser respeitado o que se passou, em matéria de diligências empreendidas e realizadas, com vista à suspensão dos processos de execução fiscal identificados no ponto 2 dos factos provados (Não referenciamos qualquer pedido de dispensa da prestação de garantia, porque o assunto não foi, desse modo, claramente, identificado pela requerente; nem mesmo no requerimento de 6 de abril de 2020.), desde 22 de outubro de 2019 até 28 de fevereiro de 2020, ou seja, a concessão de tal pretensão, mediante a constituição de hipoteca voluntária sobre quatro imóveis e penhor do estabelecimento comercial da executada, importa, agora, que os competentes serviços, da AT, analisem e decidam, o requerido a 6 de abril de 2020, na perspetiva de saber se a anunciada (e definitiva) recusa da ex-mulher do sócio gerente da sociedade devedora, em constituir hipoteca sobre dois dos quatro imóveis, que a serem hipotecados, já, se tinha assumido como uma condição da suspensão pretendida, determina (ou não) um recuo, por parte da AT, na valoração que fez da capacidade de garantir a dívida exequenda, com base na concretização dessas hipotecas. Por outras palavras, antes de ser rotulado e tratado como, unicamente, um “pedido de dispensa de garantia” (como fez o despacho reclamado), o requerimento versado (de 6 de abril de 2020) tem de ser visto e apreciado, na sequência dos anteriores e com as condicionantes derivadas do despacho de 28 de fevereiro de 2020 (ponto 7 dos factos provados), com o desiderato de ser decidido se a constituição da hipoteca sobre dois (e não quatro) imóveis e de penhor do estabelecimento da executada (de que a requerente se encontra a diligenciar pelos registos) é capaz de consubstanciar garantia idónea e capaz de suportar a suspensão dos processos executivos instaurados ou, se não, em função do que parece, agora, ser a pretensão, inequívoca e expressa (As posições que assumiu nesta reclamação devem ser entendidas como assentimento de que o requerimento de 6 de abril de 2020 seja compreendido, designadamente, quando refere que “… a sociedade não tem ativos para prestar garantias, estando em situação de insuficiência que a permite isentar de o fazer, …”, como solicitando isenção de prestação de garantia, pela quantia não coberta pela hipoteca e penhor que ofereceu.), da rda, estão reunidas condições para ser dispensada/isenta de garantir os valores que excedam a cobertura da hipoteca e penhor em curso.

Aqui chegados a conclusão impõe-se: embora, numa ótica diferente, o despacho reclamado, ao invés do que sustenta a rte, não se debruçou sobre o verdadeiro mérito, o fundo/substrato da pretensão, formulada no requerimento de 6 de abril de 2020, pelo que, por diversa fundamentação, o judiciado em primeira instância tem de manter-se, sobretudo, no segmento em que determina novo conhecimento e veredicto da AT, agora, obviamente, nos moldes traçados neste aresto.
Antes da decisão, uma nota derradeira para referenciar que, sem prejuízo dos argumentos legais e jurisprudenciais, invocados na sentença, para, em tese, suportar a pronúncia no sentido da tempestividade de um, identificado como, pedido de dispensa de garantia, formalizado no requerimento de 6 de abril de 2020, in casu, pressupusemos e entendemos que essa questão, sempre, se teria de considerar ultrapassada, em virtude de este não constituir um ato isolado (a versar nos moldes da decisão recorrida), mas, encadeado numa sequência de requerimentos e despachos (procedimento tributário), nessa medida exigente de pronúncia, pelos serviços competentes da AT, por imposição do estatuído no art. 56.º n.º 1 da LGT.

*******

# III.


Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso.

*

Custas pela recorrente.

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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 7 de abril de 2021. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.