Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0631/14.1BESNT 0289/17
Data do Acordão:12/20/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
INCUMPRIMENTO
RESTITUIÇÃO
Sumário:A invocação vaga e genérica da crise económico-financeira não é suficiente para considerar como justificado o incumprimento do n.º 3 do artigo 34.º do DL n.º 220/2006, de 13.11.
Nº Convencional:JSTA000P24027
Nº do Documento:SA1201812200631/14
Data de Entrada:05/05/2017
Recorrente:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS,IP), devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAS, de 24.11.16, que decidiu “conceder provimento ao recurso, julgando-o procedente, revogar a decisão recorrida e, em substituição, anular o ato administrativo impugnado”.

Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve uma decisão do TAF de Sintra, de 15.10.15, que decidiu nos seguintes termos:

“Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo improcedente a presente acção, e em consequência, decide-se:
1 – Não anular a decisão proferida pela Srª Chefe de Equipa do Núcleo de Prestações de Desemprego, da Unidade de Prestações, do Centro Distrital do Réu, pela qual foi determinada a cessação da prestação de subsídio de desemprego, de que a Autora beneficiou, e que será emitida nota de reposição no valor de € 43.512,96;
2 – Absolver o Réu do pedido formulado”.

2. O R., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 212 a 214v.):

“1. O presente Recurso Excecional de Revista vem interposto do Acórdão proferido em 24/11/2016 nos autos supra referenciados, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pela ora recorrida, A………… da sentença do TAF de Sintra que julgou improcedente a presente Acção Administrativa e absolveu o ora Recorrente do pedido.

2. O Acórdão ora em recurso entendeu ser de revogar a sentença do TAF de Sintra, por considerar, contrariamente a este tribunal, e perante a mesma exata factualidade, que a Recorrida incumpriu de forma justificada a obrigatoriedade de não desenvolver outra atividade normalmente remunerada durante o período inicial de 3 anos de execução do projeto de criação do próprio emprego com recurso ao montante global de prestações de desemprego (artº 34º nº 3 do DL 220/2006 de 03/11 e artº 17º da Portaria 985/2009 de 04/09), não tendo, por conseguinte, que restituir ao Recorrente o montante total do subsídio de desemprego pago – 43.512,96 € (artº 34º nº 4 do DL 220/2006 de 03/11).

3. De acordo com o acórdão recorrido e perante a factualidade dada por provada, que aqui se dá por reproduzida:

«Em síntese, o rendimento tirado pela Autora da execução deste projeto aprovado pelo Réu não dava para ela viver com normal dignidade, sem se demonstrar a sua culpabilidade em tal situação. Aliás, embora não provado como causa (e, portanto, irrelevante para análise de uma alegada alteração substancial das circunstâncias ‘contratuais’), podemos afirmar aqui um contexto evidente: a crise económica-financeira nacional desde 2011. O exercício a título parcial e não permanente, da segunda atividade (de formação profissional), durante cerca de ano e meio, foi motivado pela necessidade de a Autora se manter a si própria, ao seu agregado familiar e à referida empresa ‘B............’.
Portanto, sem o segundo trabalho, ou segunda atividade profissional a autora não teria tido condições para viver, nem para evitar o fecho da empresa criada.
Isso quer dizer, necessariamente, que o incumprimento (a segunda atividade profissional em horário parcialmente coincidente com a da empresa subsidiada) foi justificada».

4. Contrariamente ao concluído pelo TAF de Sintra, que perante a mesma factualidade entendeu nomeadamente que: «Competia à A. apresentar a justificação, os motivos justificativos para o incumprimento, já que o projeto foi aprovado, entre o mais, por ser económica e financeiramente viável, sendo recebido, de entrada, o subsídio de desemprego na totalidade. A prestação da referida atividade cumulativa da C…………, Lda, pela A., em nosso entender, não constitui motivo de justificação do incumprimento daquela obrigação. No que respeita às razões pessoais ou familiares da A., que a A. alega, o legislador não deu relevo a este ponto, pois o subsídio visa a criação do próprio emprego, através da empresa objecto do projeto, e não acudir a outras situações, para as quais estabeleceu outros mecanismos legais e assistenciais».
Assim,

5. Perante a mesma exata factualidade, o incumprimento foi considerado injustificado por sentença proferida pelo TAF de Sintra (na sequência do entendimento do Recorrente) e justificado pelo Acórdão ora recorrido.

6. Atentas as diferentes interpretações do conceito de ‘incumprimento injustificado’ patente no artº 34º nº 4 do DL 220/2006 de 03/11 efetuadas por parte do TAF de Sintra e do Recorrente, por um lado, e por parte do TCASul, por outro lado, entende o Recorrente que para além de tal questão se revestir de grande relevância jurídica e social, a admissão do recurso será necessária a uma melhor aplicação do direito, motivo pelo qual se justifica, salvo melhor opinião, uma reapreciação excecional por esse Venerando Tribunal, de acordo com o art. 150º nº 1 do CPTA.

7. O pagamento por uma só vez do montante global das prestações de desemprego depende da apresentação de um projeto que origine a criação do próprio emprego a tempo inteiro do promotor destinatário (artº 1º nº 2 b) da referida Portaria e artº 34º/1 do DL 220/2006, de 03/11), devendo o projeto ser apresentado no IEFP, IP, juntamente com o requerimento do pedido de pagamento antecipado da prestação de desemprego dirigido ao ISS, IP.

8. Nos termos do Despacho 2087/2009 de 17/09, o IEFP, IP, analisa a viabilidade económico-financeira do projeto e remete a análise, juntamente com o requerimento subscrito pelo promotor e beneficiário da prestação de desemprego, ao Centro Distrital do ISS, IP competente.
Assim,

9. Constitui requisito do deferimento do pagamento do montante global das prestações de desemprego (ou seja, a disponibilização imediata de tal valor pelo Sistema Social de Segurança Social com inerente esforço em termos orçamentais) a existência de um projeto com viabilidade económico-financeira que permita ao promotor criar e manter o seu próprio emprego a tempo inteiro durante pelo menos 3 anos, possibilitando a autonomização de prestações ou subsídios sociais.

10. Do exposto resulta a proibição de exercício de outra atividade profissional remunerada durante o referido período, tendo o DL 64/2012 de 15 de março que entrou em vigor em 1 de abril de 2012 vindo plasmar o que já era inerente à aplicação da referida medida, atribuindo nova redação ao artº 34º nº 3 do DL 220/2006 de 03/11.

11. De acordo com o acórdão recorrido, o facto de a Autora ter exercido, a título parcial e não permanente, uma segunda atividade por necessidade de se manter a si própria, ao seu agregado familiar e à referida empresa ‘B............’, em face de os resultados da execução do projeto não terem sido suficientes para o efeito, constitui um incumprimento justificado daquela obrigatoriedade.

12. Aquilo que no entender do Recorrente e de acordo com a sentença do TAF de Sintra fica por provar é a ocorrência de circunstâncias anormais/extraordinárias justificativas do facto de a ‘B............’ não ter tido os resultados esperados, não bastando, no entender do Recorrente, que se prove uma necessidade de prover ao sustento para justificar o exercício de outra atividade normalmente remunerada.
É que,

13. O projeto apresentado pela Recorrida foi considerado económica e financeiramente viável e as prestações de desemprego foram pagas em montante único com base nesse pressuposto, ou seja, a criação de pelo menos um posto de trabalho.

14. Tendo, aliás, decorrido um curto espaço de tempo entre a aprovação do pagamento das prestações de desemprego em montante único, novembro de 2011, com a consequente aplicação pela Recorrida de 68.512,96€ - 43.512,96€ – de prestações de desemprego a que acresce o valor do capital próprio investido no valor de 25.000,00€ – e o ‘declínio’ da atividade da ‘B............’ que levou logo a que logo em março de 2012 a Recorrida deixasse de receber remuneração (pontos 6, 15, 17, 28, 29, 33 e 34 dos factos provados).

15. Até porque a provada diminuição do consumo privado da área de atividade da ‘B............’ fruto da crise económico-financeira que tem atravessado o país nos últimos anos (ponto 21 dos factos provados), facto abstrato e genérico, nunca poderia justificar, em concreto, o ‘declínio’ do projeto da Recorrida, uma vez que a situação económica nacional foi necessariamente levada em conta pelo IEFP, IP, aquando da aprovação daquele.

16. Não resultando alegada muito menos provada qualquer alteração anormal das circunstâncias entre o momento em que o apoio foi concedido – novembro de 2011 – e a acumulação de atividade profissional por parte da Recorrida, não se pode concluir pela justificação do incumprimento do artº 34º nº 3 do DL 220/2006 de 03/11 (artº 437º do Código Civil, Acórdão desse douto Supremo Tribunal Administrativo datado de 03/02/2011 – Processo 0474/10 e Acórdão do TCAN de 04/02/2010 – processo nº 02553/06.0BEPRT, ambos em www.dgsi.pt).

17. Precisamente porque o projeto foi analisado e aprovado por ter viabilidade económica, só a prova de uma circunstância concreta anómala poderia justificar que decorridos apenas escassos meses já não existisse possibilidade de pagar a remuneração da Recorrida.

18. A não ser exigida esta prova, qualquer beneficiário do requerimento de pagamento de subsídio de desemprego em montante único poderia exercer outra atividade no prazo de 3 anos, não se dedicar ao negócio projetado e vir depois alegar simplesmente que «os resultados não foram os esperados».
Acresce que,

19. Conforme resulta provado, desde pelo menos janeiro de 2011, e mesmo logo em período subsequente à aprovação e início do projeto – novembro e dezembro de 2011, que a Recorrida exerceu funções como formadora na C…………, Lda, pelo que se conclui que o início do projeto não a impediu de dar continuidade a essa outra atividade, que, aliás, não chegou a deixar de exercer, tudo muito antes do motivo justificativo apresentado – o declínio da ‘B............’.

20. O exercício logo em 2011 da referida atividade de formadora, que, como é do conhecimento geral, não implica apenas horas em sala mas também correção de trabalhos e preparação de sessões formativas, apenas prejudicaria o início de uma atividade que se pretendia de dedicação exclusiva.

21. Como bem nota o tribunal de 1.ª instância, tal atividade, exercida pelo menos desde o início de 2011, não se coaduna minimamente com o objeto da ‘B............’.

22. Pelo que, no entender do Recorrente e atenta a factualidade dada como provada, o incumprimento da Recorrida não pode ser qualificado como ‘justificado’, isto sem prejuízo da necessidade da Recorrida prover ao seu sustento, para o qual se encontram previstos os devidos mecanismos legais e assistenciais, como também refere o TAF de Sintra.

23. Tudo para dizer que, acompanhando na íntegra a sentença proferida pelo TAF de Sintra, entende o Recorrente que da análise dos factos e aplicação da legislação e jurisprudência a que supra se fez referência, o incumprimento deve ser qualificado como injustificado (artº 34º nº 3 do DL 220/2006 de 03/11), não padecendo, por conseguinte o ato impugnado de qualquer vício, não violando a lei ou os princípios de justiça e proporcionalidade, sendo, por conseguinte, plenamente válido.

24. Injustificado o incumprimento, determina a lei no artº 34º nº 4 do DL 220/2006 de 03/11, que o beneficiário reponha as prestações de desemprego recebidas, por indevidamente pagas.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente recurso de revista ser admitido como tal e considerado procedente, revogando-se, em consequência, o Acórdão recorrido e confirmando-se a sentença do TAF de Sintra, a qual julgou improcedente a ação proposta pela Recorrida e absolveu o ora Recorrente do pedido, fazendo assim VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objectiva JUSTIÇA!”.


3. A A., a ora recorrida A…………, apresentou contra-alegações, oferecendo as seguintes conclusões (cfr. fls. 243 a 249):

A. Como afirma o Recorrente, "Atendendo às várias interpretações da letra e do espírito da lei aplicável ao caso, importa saber se a factualidade em apreço configura uma situação de incumprimento justificado (...)" como entendeu o Tribunal a quo, sendo este o objecto do recurso interposto.

B. Atente-se, então, na factualidade provada no caso subjudice que, julga-se, "fala por si":

a. Em 18/07/2011, a A. ficou desempregada;
b. Em 19/07/2011, a A. requereu ao R. o pagamento global do subsídio de desemprego para criação do próprio emprego [artigo 34º, do DL 220/2006, de 03/11, na redacção dada pelo DL 72/2010, de 18/06], mediante o "Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego" [PAECPE].
c. Tal projecto não contemplava "(...) cumulativamente à Antecipação do Subsídio de Desemprego nenhuma linha de crédito existente no PAECPE (…)".
d. A ora A. pretendia investir e investiu, pelo menos e no início da sua nova actividade € 25.000.00, com recurso a capitais próprios (...);
e. Contudo, a A. não prescindiu de ajudas externas, tendo recorrido ao apoio da Agência DNA Cascais [DNA Cascais], que se dedica, entre outras, à actividade de consultoria em empreendedorismo para a definição e desenvolvimento do seu PAECPE.
f. Em 09/08/2011, o Réu deferiu o requerimento da A., de 19/07/2011 (...);
g. Foi pago à Autora, pelo R, o remanescente do subsídio acima referido e deferido, de 01/11/2011 a 18/09/2014, num montante global de €43.512,96.
h. A Autora aplicou a totalidade do apoio acabado de referir, que lhe foi atribuído no âmbito do PAECPE, na "B............".
i. A par de tal apoio, a A. investiu capital próprio (...);
j. Nesta sequência, a A avançou com o seu novo projecto de vida – a "B............" – ao qual se dedicou, desde a aprovação da candidatura, exercendo as funções de gerente;
k. A título de retribuição pelo exercício das funções de gerente, a A. deveria receber a quantia mensal de € 800,00.
l. Sucede que a actividade da B............ não veio a corresponder ao projectado, e, logo em 2012, a A começou a sentir dificuldades económicas e financeiras.
m. O consumo privado da área de actividade da B............ tem vindo a diminuir, fruto da crise económico-financeira por que tem atravessado o país nos últimos anos.
n. A "B............" deixou de ter capacidade para pagar à A a remuneração mensal, de gerente (os referidos € 800,00), que, desde Março de 2012, a A. não recebe.
o. A Autora reduziu o seu vencimento mensal de gerente para € 485,00, para diminuir os encargos junto da Segurança Social, já que não o auferia.
p. Fazendo uso da certificação acabada de referir, a A foi formadora em formações profissionais organizadas pela empresa "C…………, Lda" e pela "Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo EPE", entre Maio de 2012 e Novembro de 2013, em parte em horário pós-laboral; sendo o horário do estabelecimento comercial, de que a "B............" é titular, das 9:00 às 20:00.
q. A Autora continuou a dedicar-se à "B............" e a exercer as funções de gerente.
r. A remuneração proveniente da actividade de formação profissional de 7.099,00€ do ano de 2012 e € 2.370.00, do ano de 2013, foi destinada a despesas pessoais da A., por não receber ordenado como gerente, e à "B............".
s. O exercício da actividade de formação profissional acabada de referir foi motivada pelas necessidades de a Autora se manter a si própria e ao seu agregado familiar, bem como a referida "B............".

C. Em face da matéria de facto provada supra transcrita e salvo o devido respeito por melhor opinião, é imperativo concluir que o incumprimento das obrigações decorrentes da aprovação do projecto de criação do próprio emprego, traduzido no desenvolvimento de outra actividade remunerada durante o período inicial de 3 anos, por parte da Recorrida foi integralmente justificado!

D. Da referida factualidade provada resulta, além do mais e desde logo, que não fora o exercício dessa outra actividade remunerada e a própria B............ – a sociedade através da qual a Recorrida criou o seu próprio emprego – estaria posta em causa (vd. alínea s. supra).

E. Perfilhar o entendimento do Recorrente (e do Tribunal de 1ª Instância) e considerar que o aludido incumprimento teria sido injustificado, no presente caso concreto e em face da factualidade provada, era aceitar que o que a Recorrida devia ter feito era conformar-se com as dificuldades da B............ e assistir inerte ao seu declínio e ocaso.

F. Perfilhar o entendimento do Recorrente (e do Tribunal de 1ª instância) seria, assim, contrariar o principal objectivo do legislador dos diplomas legais aqui especialmente em causa – Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, máxime art.º 34º, n.º 3 e 4, do mesmo, e Portaria n.º 985/2009, de 4 de Setembro –, a saber, a manutenção do posto de trabalho criado com recurso ao pagamento global antecipado do subsídio de desemprego.

G. Julga-se que o referido acima é, de per si, suficiente para concluir pela justificação do incumprimento.

H. Não obstante, dir-se-á que de tal matéria de facto resulta também, claramente e à saciedade, que a Recorrida se viu forçada a acumular uma outra actividade com o exercício do cargo de gerente da B............ – cargo este que manteve sempre –, ainda que de forma esporádica e pontual, e as mais das vezes em horário pós-laboral, igualmente porque esta empresa deixou de gerar a rentabilidade esperada como consequência da diminuição do consumo privado da área de actividade da referida empresa fruto da crise económico-financeira que tem atravessado o país nos últimos anos, totalmente imprevisível aquando da decisão da Recorrente de antecipação do subsídio, aquisição e início de actividade da B.............

I. O mesmo é dizer-se que se verificou uma alteração anormal das circunstâncias em que a Recorrente baseou a sua decisão de antecipar o pagamento global do subsídio de desemprego e adquirir a B............, para os efeitos previstos no art. 427º do Código Civil, que a forçou a procurar outra fonte de rendimento para se sustentar a si própria e ao seu agregado familiar, bem como para manter em actividade a própria sociedade.

J. O projecto apresentado pela Recorrida era, efectivamente viável como considerou o IEFP, sendo certo que, recorde-se, a criação do mesmo teve até o apoio da DNA de Cascais (vd. factos provados 11) e 12), sendo que, como se viu, ao invés do que o Recorrente afirma nas suas alegações de recurso, a Recorrida fez prova das circunstâncias justificativas do facto de, ainda assim, a B............ não ter tido os resultados esperados, maxime o facto de O consumo privado na área de actividade da B............ tem vindo a diminuir, fruto da crise económico-financeira por que tem atravessado o país nos últimos anos – vd. facto provado 21).

K. Que outros motivos pretendia o Recorrente que se verificassem? Seria crível para o Recorrente que após ter investido € 25.000,00 de capitais próprios no projecto da sua vida, a Recorrida de alguma forma contribuísse para que o mesmo não tivesse os resultados esperados, nomeadamente não se dedicando ao mesmo (vd. pág. 11, de § 3 das Motivações de Recurso)? É que esta alegação do Recorrente contraria desde logo a factualidade provada na medida em que da mesma resulta que a Recorrida sempre se dedicou ao projecto, exercendo as funções de gerente – vd. factos provados 18) e 30).

L. Perfilhar o entendimento do Recorrente é aceitar que a Recorrida:

a. apesar de ter aplicado a totalidade de tal montante, juntamente com capitais próprios que poupou ao longo da vida de trabalho, no valor de € 25.000,00, na B............, sem recorrer a qualquer outra linha de crédito existente no PAECPE – vd. factos provados 5), 6), 13), 14), 15), 16), 17) e 26);
b. recorrido, ao apoio de uma empresa de consultoria em empreendedorismo, a Agência DNA de Cascais, para efeitos de construir um business plan consistente que lhe desse algumas garantias quanto à rentabilidade do negócio – vd. factos provados 11) e 12);
c. e franchisado a sua marca – vd. factos provados;
d. com vista a contribuir: para a criação de emprego (recorde-se que a B............ dava emprego a mais uma pessoa), para a dinamização do tecido empresarial e da economia, em detrimento do receber o subsídio mensalmente, quedando-se em casa, sem nada fazer;
e. ainda assim tivesse querido, por mera opção pessoal (porque não dizer capricho) e sem levar em consideração as dificuldades financeiras que a B............ sentiu, e o facto de, a partir de Março de 2012, esta ter deixado de ter capacidade para lhe pagar a remuneração mensal de € 800,00 pelo exercício do seu cargo de gerente, obrigando-a a reduzir o seu vencimento mensal para o valor correspondente ao ordenado mínimo – vd. factos provados n.ºs 19), 20), 21), 22), 23), 24) e 25);
f. acumular uma outra actividade remunerada, para retirar dela a quantia de € 7.099,00 (correspondente a cerca de € 591,00/mês) em 2012 e € 2.370,00 (correspondente a € 197.50 /mês) em 2013 – vd. factos provados 31), 32) e 33);
g. não obstante a B............ ser o seu novo projecto de vida, ao qual se dedicou desde a aprovação da candidatura exercendo, as funções de gerente e mesmo durante os esporádicos períodos em que exerceu tal actividade, grande parte deles em horários pós-laboral – vd. factos provados n.ºs 18), 30) e 41);
h. e apesar de aplicar os valores auferidos na aludida actividade nas suas despesas pessoais, por não receber ordenado como gerente, e na B............, e de o exercício de tal actividade de formação profissional ter sido motivada pelas necessidades da Recorrida se manter a si própria e ao seu agregado familiar, bem como à referida B............ – vd. factos provados n.ºs 33) e 34);
i. conformando-se, assim, com a possibilidade de tal conduta ter originado como originou (i) a obrigação de devolução do montante do subsídio de desemprego antecipado, (ii) a perda das poupanças que tinha de uma vida e iii) a perda do direito ao subsídio de desemprego.

M. A justificação foi, obviamente, outra, sendo que resulta dos factos provados: a Recorrida foi obrigada a exercer – ainda que a título esporádico e pontual e grande parte dela em horário pós-laboral pois foi à B............ que a Recorrente se dedicou sempre – uma outra actividade remunerada para se poder sustentar a si, à sua família e à manutenção da própria actividade da B............, que constituía o seu novo projecto de vida, visto que esta, por motivos objectivos externos que lhe foram totalmente alheios e que radicaram na crise económico-financeira interna, na intervenção externa e nas medidas de austeridade que lhe sucederam, deixou de gerar a rentabilidade projectada aquando da sua aquisição.

N. Nestes termos, forçoso se torna concluir, que houve, de facto e salvo o devido respeito, erro de julgamento tanto da decisão proferida pela Senhora Chefe de Equipa do Núcleo de Prestações de Desemprego, da Unidade de Prestações, do Centro Distrital de Lisboa do Recorrente, pela qual foi determinada a cessação da prestação do subsídio de desemprego, de que a Recorrida beneficiou, e que será emitida nota de reposição no valor de € 43.512,96, como da Sentença da 1ª instância, na medida em que, efectivamente, não foi correctamente avaliada a factualidade subjacente ao incumprimento da obrigação de não acumulação de emprego próprio, criado ao abrigo do PAECPE, com outra actividade remunerada.

O. Acresce que, como decidiu e bem o Tribunal a quo, a decisão impugnada, viola o princípio da proporcionalidade administrativa, que se encontra plasmado no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Procedimento Administrativo, desde logo porque, em face da matéria de facto provada - vd., em especial, factos n.ºs 5), 6), 17), 18), 20) a 24), 30), 33), 34) e 41) – tal decisão é manifestamente desproporcionada porque excessiva.

P. Da referida factualidade resulta à evidência que a ora Recorrida viu-se obrigada a, recorrendo às suas habilitações, pontualmente, ministrar sessões de formação profissional para conseguir auferir algum rendimento, tanto para si como para a B............, o que constituiu uma actuação absolutamente justificada e atendível.

Q. Acresce que a decisão sub judice viola o princípio da proporcionalidade administrativa também na vertente da proporcionalidade em sentido estrito, porquanto o sacrifício imposto à ora Recorrida é indiscutivelmente superior a qualquer benefício, do ponto de vista do interesse público, que se possa alcançar com tal medida.

R. Conclui-se, assim, pela manifesta ilegalidade da decisão, por violação do princípio da proporcionalidade administrativa, nas vertentes da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, que se encontra consagrado no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Procedimento Administrativo.

S. Ademais que, quando a Recorrida apresentou candidatura ao PAECPE (19.07.2011), a redacção do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, era absolutamente omissa quanto à proibição de o beneficiário do PAECPE poder prestar, pontualmente, um serviço como trabalhador independente, pelo que a proibição de acumulação e a consequência resultante da respectiva violação – revogação do apoio e restituição – não consubstanciaram uma intenção do legislador originário, sendo certo que quando a Recorrida iniciou o exercício da sua actividade como formadora, não estava a violar qualquer proibição, a que acresce a conclusão de que as formações leccionadas pelo recorrente no decurso do ano de 2011 e até Março de 2012 não podem ser tidas como ilegais.

T. Finalmente, a decisão impugnada e pretendida repristinar pelo Recorrido é manifestamente injusta sendo que, por isso, viola os arts. 20º e 202º da Constituição da República Portuguesa.

U. O Acórdão recorrido que anulou o acto administrativo impugnado não sofre, assim, salvo melhor opinião, qualquer contestação, devendo, por isso, manter-se, o que se requer.
Nestes termos, julgando o recurso improcedente, consequentemente, mantendo o Acórdão recorrido que julgou a acção procedente e anulou o aludido acto administrativo de restituição do subsídio de desemprego antecipado, farão V. Exas., Exmos. Juízes Conselheiros do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, o que é de inteira

JUSTIÇA!”.


4. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 30.03.17 (fls. 278 a 281), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:

“(…)

3.2. A questão colocada neste recurso é a de saber – segundo a própria recorrente – se nas situações de criação do próprio emprego com recurso montante global de prestações de desemprego, o beneficiário pode desenvolver outra actividade normalmente remunerada durante o período em que é obrigado a manter aquele – 3 anos - com fundamento apenas no facto de os resultados da actividade não terem correspondido ao esperado e de ter necessidade de se sustentar a si próprio, ao seu agregado familiar e ao projecto.

3.3. O TAF de Sintra considerou que uma situação deste tipo correspondia ao incumprimento da obrigação de acumular a actividade resultante da criação do próprio emprego com outra actividade normalmente remunerada e, com esse fundamento, julgou a acção improcedente.

3.4. O TCA Sul depois de transcrever as normas aplicáveis colocou a questão de saber se o incumprimento (pacificamente aceite) do previsto no art. 34º, 3 do Dec. Lei 220/2006, foi ou não justificado.

O citado artigo 34º, 3 e 4, do Dec. lei 220/2006, de 3 de Novembro, é do seguinte teor:

3- Nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa actividade com outra actividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela actividade.

4 – O incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projecto de criação do próprio emprego ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinam implica a revogação do apoio concedido, aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagos, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou penal que houver lugar.

Entendeu o TCA Sul que a situação do autor cabia no n.º 3 do citado preceito e portanto não cumpriu o dever ali expresso de não acumular o exercício do emprego criado através do projecto em causa, com outra actividade remunerada.

Todavia considerou que esse incumprimento era justificado, concluindo:

“(…)

Em síntese, o rendimento tirado pela autora da execução deste projecto aprovado pelo réu não dava para ela viver com normal dignidade, sem se demonstrar a culpabilidade em tal situação. Aliás, embora não provado como causa (e, portanto, irrelevante para análise de uma alegada alteração substancial das circunstâncias contratuais) podemos afirmar aqui um contexto evidente: a crise económico-financeira desde 2011. O exercício, a título parcial e não permanente, da segunda actividade (de formação profissional), durante cerca de ano e meio, foi motivado pela necessidade de a autora se manter a si própria, ao seu agregado familiar e à referida empresa “B………”. Portanto, sem um segundo trabalho ou segunda actividade profissional, a autora não teria tido condições para viver, nem para evitar o fecho da empresa criada. Isto quer dizer, necessariamente, que o incumprimento (a segunda actividade profissional em horário parcialmente coincidente com o da empresa subsidiada) foi justificado.

(…)”.

3.5. No recurso para este Supremo Tribunal a entidade recorrente considera não se terem provado “(…) circunstâncias anormais/extraordinárias justificativas do facto de a “B…………” não ter tido os resultados esperados, não bastando, no entender da recorrente, que se prove uma necessidade de prover ao sustento para justificar o exercício de outra actividade normalmente remunerada”.

3.6. Como decorre do exposto a questão que se coloca é de saber em que termos é, ou não, possível o exercício de uma actividade normalmente remunerada em acumulação com a actividade exercida ao abrigo de um projecto de criação de próprio emprego e, consequentemente, em que condições essa acumulação (que no presente caso ocorreu) é geradora da revogação do subsídio de desemprego concedido para aquele fim e consequente dever de restituir as prestações concedidas.

Está em causa saber, portanto, (i) se é possível – ainda que justificadamente – o exercício cumulado de outra actividade remunerada e, na afirmativa, (ii) as condições dessa justificação, designadamente, as que decorrem da necessidade de prover ao sustento próprio e do agregado familiar do interessado.

As referidas questões são relevantes numa perspectiva jurídica e social, na medida em que a sua análise permite clarificar o regime do cumprimento e incumprimento de projectos dependentes de subsídios públicos, com inegável interesse na análise de situações futuras. Estão em causa dinheiros públicos, concedidos com a finalidade de alcançar determinados objectivos, justificando uma clara e objectiva delimitação das regras sobre o cumprimento e incumprimento desses objectivos.

As instâncias divergiram na solução do presente caso, o que também indicia a controvérsia das questões.

As quantias envolvidas são de alguma relevância (43.512,96 euros).

Daí que, tendo em vista uma melhor interpretação e aplicação do Direito se justifique admitir o recurso de revista”.

5. Devidamente notificado para se pronunciar, querendo, sobre o mérito do recurso (art. 146.º, n.º 1, do CPTA), o Digno Magistrado do MP não emitiu qualquer parecer ou pronúncia.

6. Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

O acórdão recorrido manteve os factos provados em 1.ª instância, nos seguintes termos:

“Com interesse para a decisão a proferir, está provado o seguinte quadro factual:

1. A Autora [A], A…………, reside na Praceta de ………, nº ……, ……, Cascais.

2. Em 18/07/2011, a A ficou desempregada.

3. Em 19/07/2011, a A requereu ao R. o pagamento global do subsídio de desemprego para criação do próprio emprego [artigo 34, do DL 220/2006, de 03/11, na redação dada pelo DL 72/2010, de 18/06], mediante o "Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego" [PAECPE].

4. Para o efeito, a A apresentou um "projeto de criação do próprio emprego", que consistiu na aquisição de uma empresa já existente - a “B…………, Lda” [B............] - Formulário de Candidatura entregue, docº 2, fls 43 a 49.

5. Tal projeto não contemplava "(...) cumulativamente à Antecipação do Subsídio de Desemprego nenhuma linha de crédito existente no PAECPE (...)” – cfr. o campo «Objetivos do Projeto» do Formulário referido – docº 2 [por acordo, visto que o formulário foi junto incompleto, pela A, e pelo R no PA], pois,

6. A ora A pretendia investir e investiu, pelo menos e no início da sua nova atividade, € 25.000,00 com recurso a capitais próprios, como fez constar em «7.2 Financiamento do Investimento» do mesmo Formulário de Candidatura – docº 2, fls 45.

7. O objetivo do projeto referido era a "aquisição de um espaço com valência de estética e venda de produtos Homeopáticos e Naturais, com proposta de inclusão de parafarmácia, na Alameda da ………, nº ……, ……, freguesia de Cascais, concelho de Cascais, espaço que se encontrava em atividade, contudo com muito pouca exploração de ambas as valências e consequentemente com baixo rendimento" - docº 2 [e por acordo visto que o formulário foi junto incompleto, pela A, e pelo R no PA].

8. O objetivo do projeto referido, quanto ao «4. Tipo de bens a produzir ou serviços a prestar», era o seguinte: «1) Comércio a retalho de produtos para a saúde designadamente medicamentos não sujeitos a receita médica (MNSRM), produtos de dermocosmética, vitaminas, homeopatia, fitoterapia, produtos naturais, aromoterapia, dentários, capilares, podologia, ortopédicos, óculos, aparelhos de medição e médicos, contracetivos, cosmética, primeiros socorros, alimentares, produtos de bebé e puericultura, literatura para a saúde, informática para a saúde, perfumes, leites e fórmulas, produtos geriátricos, produtos veterinários e químicos em geral.

2) Prestação de serviços nas seguintes áreas: massagens, homeopatia, osteopatia, acupunctura, depilação, aromaterapia, reflexologia e todos os atos médicos e de enfermagem designadamente consultas, exames de diagnóstico, análises clínicas, medicina física e reabilitação, ações de formação.

Serviços novos a incluir:

-Inscrição no INFARMED para autorização de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica (atualmente não existe);

-Criação de mais um gabinete polivalente destinado a ser rentabilizado por novas prestações de serviço a contratar, nomeadamente mais especialidades médicas e novos tratamentos

-Introdução dos novos serviços a partir de outubro de 2011.» - docº 2, fls 44.

9. A Autora exerceu durante vários anos a sua atividade profissional na área de gestão de recursos humanos – por acordo.

10. A Autora considerava-se capaz e habilitada para criar o seu próprio emprego – por acordo.

11. Contudo, a A. não prescindiu de ajudas externas, tendo recorrido ao apoio da Agência DNA Cascais [DNA Cascais], que se dedica, entre outras, à atividade de consultoria em empreendedorismo para a definição e desenvolvimento do seu PAECPE – por acordo.

12. A Agência DNA Cascais é uma associação sem fins lucrativos que tem por objeto contribuir, por todos os meios adequados, para a promoção, incentivo e desenvolvimento do empreendedorismo em geral, com especial incidência para a promoção do empreendedorismo jovem e social no Concelho de Cascais, concelho no qual se localiza o estabelecimento da referida “B............” – acordo das partes.

13. Em 09/08/2011, o Réu deferiu o requerimento da A., de 19/07/2011, acima referido, por concordância com a proposta dos Serviços de fls. 2 do PA anexo, de deferimento, ora se destacando «(…)Propõe-se o deferimento por se verificarem as condições de atribuição, previstas no Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro, alterado e republicado pelo Decreto -Lei nº 72/2010, de 18 de Junho; Decreto-Lei nºs 67/2000, de 26 de Abril; Decreto-Lei nº 320-A/2000, de 15 de Dezembro, alterado pelos Decretos-Leis nº 118/2004, de 21 de Maio e nº 320/2007, de 27 de Setembro:

Estar na situação de desemprego involuntário e inscrito como candidato a emprego no centro de emprego da área de residência (artº 20º).

E ainda as seguintes condições:

Ter 450 dias de trabalho por conta de outrem, com registo de remunerações, no período de 24 meses imediatamente anterior à data do desemprego (nº 1 do artº 22º do Decreto-Lei nº 220/2006, (…)).

Mais se propõe que se notifique o interessado nos termos seguintes:

Foi-lhe atribuído Subsídio de Desemprego no montante diário de €41,92 (…) e será concedido por um período de 102 dias, com início em 2011-07-19, a que corresponde a data de apresentação do requerimento da prestação. (…)».

14. A decisão acabada de referir foi levada ao conhecimento da A. pelo ofício de 09/08/2011, a fls 3 do PA, e pelo ofício 202043 de 21/11/2011, a fls 5 do PA e docº 3 fls 50, de cuja comunicação ora se destaca o seguinte: «Informa-se V. Exª de que o requerimento acima indicado foi deferido, nos termos a seguir indicados:

Pagamento do montante global das prestações de desemprego no valor de € 43.512,96 (…), referente ao período de 2011-11-01 a 2014-09-18, por ter sido considerado viável, pelo respetivo centro de emprego, o projeto de criação do próprio emprego.

Mais se informa, que o emprego deve ser mantido pelo período mínimo de três anos, sendo o pagamento do montante global das prestações de desemprego considerado indevido em caso de incumprimento injustificado, sem prejuízo da aplicação do regime jurídico de contra-ordenações ou penal (alínea b) do nº 9 do artigo 12º da Portaria nº 985/2009 e nº 10 do Despacho nº 7131/2011, acima mencionados). (…)».

15. Foi pago à Autora, pelo R, o remanescente do subsídio acima referido e deferido, de 01/11/2011 a 18/09/2014, num montante global de € 43.512,96.

16. A Autora aplicou a totalidade do apoio acabado de referir, que lhe foi atribuído no âmbito do PAECPE, na “B............” – acordo das partes.

17. A par de tal apoio, a A investiu capital próprio, o que declarou no ponto 7.2 do citado formulário do requerimento.

18. Nesta sequência, a A avançou com o seu novo projeto de vida – a “B............”, ao qual se dedicou desde a aprovação da candidatura, exercendo as funções de gerente – acordo e docº ora junto de fls 86vº a 89.

19. A título de retribuição pelo exercício das funções de gerente, a A deveria receber a quantia mensal de 800,00€.

20. Sucede que a atividade da B............ não veio a corresponder ao projetado, e, logo em 2012, a A. começou a sentir dificuldades económicas e financeiras.

21. O consumo privado da área de atividade da B............ tem vindo a diminuir, fruto da crise económico-financeira por que tem atravessado o país nos últimos anos.

22. A faturação mensal prevista no projeto, para 2012, que sustentava a viabilidade do negócio, correspondia a um valor mínimo mensal entre € 8.000,00 e € 10.000,00.

23. Porém, desde o início de 2012, o valor médio mensal foi de apenas € 6.300,00.

24. A “B............” deixou de ter capacidade para pagar à A a remuneração mensal de gerente (os referidos € 800,00), que, desde março de 2012, a A não recebe.

25. A Autora reduziu o seu vencimento mensal de gerente para €485,00, para diminuir os encargos junto da Segurança Social, já que não o auferia – recibo docº 5, fls 51.

26. Tendo já gasto as suas poupanças no início do projeto, a A “franchisou” a marca, com o acompanhamento da DNA Cascais.

27. Assim, a “B............” tem, desde maio de 2012, um “franchisado” em atividade, tendo aberto outro no passado mês de janeiro de 2014, os quais se dedicam ao exercício da mesma atividade da “B............”, nas referidas áreas.

28. O “franchisado” não foi suficiente e a A recorreu à sua experiência e “know-how” adquiridos ao longo dos anos; sendo titular, desde 04/12/2000, de Certificado de Competências Pedagógicas (CAP), fls 52 docº 6, do Instituto do Emprego e Formação Profissional-IP.

29. Fazendo uso da certificação acabada de referir, a A. foi formadora em formações profissionais organizadas pela empresa “C…………, Lda”, e pela “Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo EPE”, entre maio de 2012 e novembro de 2013, em parte em horário pós-laboral; sendo o horário do estabelecimento comercial, de que a “B............” é titular, das 9:00 às 20:00.

30. A Autora continuou a dedicar-se à “B............” e a exercer as funções de gerente.

31. A Autora recebeu da atividade de formação profissional referida os seguintes valores, num total de 9.469,00€, das seguintes entidades, com as seguintes datas *ora se ressalvando a conclusiva infra de que “são despesas, não são honorários” + – fls 53 a 58:

[Dá-se por integralmente reproduzida a tabela constante de fls. 182 e 183.]

32. Os documentos acabados de referir têm os nºs 7 a 12, de fls. 53 a 58, e de fls. 10 a 15 do PA, e correspondem a «Recibo Verde Eletrónico» os nº 7 a 11, e a «Fatura Recibo» o nº 12, de todos eles constando a menção «Importância recebida a título de honorários», bem como as datas acima mencionadas no quadro, como a respetiva «data de prestação do serviço» e a «descrição» deste, todos referentes a formação cujo tipo e horas ali consta descrito e, no caso dos 144€, «deslocação em serviço».

33. A remuneração proveniente da atividade de formação profissional de 7.099,00€ do ano de 2012 e 2.370,00€, do ano de 2013, foi destinada a despesas pessoais da A., por não receber ordenado como gerente, e à “B............”.

34. O exercício da atividade de formação profissional acabada de referir foi motivado pelas necessidades de a Autora se manter a si própria e ao seu agregado familiar, bem como a referida “B.............

35. Em 11/11/2013, o Réu dirigiu à A. o ofício nº 296003, de 12/11/2013, de fls. 59, docº 13 e fls. 9 do PA, comunicando o propósito de cessar a prestação, por incumprimento injustificado das obrigações, para se pronunciar, do qual ora se destaca o seguinte:

«(…). Pelo presente, fica V. Exª notificado, que analisado o seu processo de pagamento global do subsídio de desemprego para criação do próprio emprego, verifica-se ter havido incumprimento injustificado das obrigações assumidas para atribuição do mesmo.

No que respeita às consequências do incumprimento, a legislação em vigor determina que, nestes casos, o beneficiário perde o direito aos montantes já recebidos e fica obrigado a restituir os referidos valores.

Na situação em análise, V. Exª iniciou outra atividade profissional, antes de decorrido o período supramencionado.

Nestes termos, caso V. Exª não apresente, no prazo de 10 dias, elementos que obstem em sentido contrário, a prestação será cessada, com efeitos à data de atribuição do pagamento global do subsídio de desemprego e emitida a respetiva nota de débito. (…)».

36. Em 28/11/2013, a Autora exerceu a resposta escrita de fls. 60/ss, 34 do PA, docº 14, em termos semelhantes ao alegado na PI.

37. Em 15/01/2014, o Réu, pela Diretora de Núcleo, proferiu o despacho de fls. 37 do PA, do seguinte teor:

«Nos termos da Portaria n° 985/2009, de 04 de setembro, o pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego, é atribuído aos beneficiários das prestações de desemprego que criem o próprio emprego, a tempo inteiro, durante, pelo menos 3 anos.

Considerando que a beneficiária em epígrafe, em 01-04-2012, iniciou atividade profissional como trabalhadora independente, antes de decorrido o referido prazo, deve ser suspensa a prestação e a beneficiária notificada em conformidade. Notifique-se a interessada.» [facto impugnado].

38. Em 27/01/2014, a Diretora de Unidade, do Réu, proferiu o despacho de fls 39 do PA, do seguinte teor: «Considerando que a beneficiária em epígrafe, em fase de audiência prévia, não apresentou elementos que possam obstar à cessação da prestação de desemprego, com efeitos a novembro de 2011, confirmo a decisão da Srª Diretora de Núcleo, de 15-01-2014 e decido sobre a obrigação de a beneficiária restituir o valor que lhe foi pago a título de montante global de prestações de desemprego de €43.512,96. Notifique-se a interessada. (…)» [facto impugnado].

39. Em 23/01/2014, o R. levou ao conhecimento da A. a decisão acabada de referir, pelo ofício nº 026054, Refª 18/2014/NPD, de fls. 42, docº 1, e fls. 38 do PA, do qual ora se destaca o seguinte: «(…). Relativamente à exposição apresentada por V. Exª., sobre o assunto em epígrafe, que mereceu a nossa melhor atenção, cumpre informar o seguinte:

Em 19-07-2011, foi requerido, pela beneficiária supra referenciada, subsídio de desemprego que mereceu despacho de deferimento, pelo período de 1140 dias.

Em novembro de 2011, foi deferido o pagamento global do subsídio para criação do próprio emprego, para criação da empresa “B............, LDA”, tendo sido pago o remanescente do subsídio a que tinha direito, ou seja, de 01-11-2011 a 18-09-2014, num total de 1038 dias a um valor diário de € 41,92, no montante global de € 43.512,96.

O Despacho favorável sobre o projeto de criação do próprio emprego, do Centro de Emprego e a atribuição do montante global das prestações, teve por base o cumprimento das condições previstas no artº 12º da Portaria n° 985/2009, de 04/09 designadamente, a criação do seu próprio emprego, a tempo inteiro durante, pelo menos, três anos.

Sucede que apesar da Sua Constituinte, estar obrigada a manter o seu próprio emprego durante o período de 3 anos em exclusividade, verifica-se que antes de decorrido o referido prazo, em 01-04-2012 iniciou atividade profissional, como trabalhadora independente.

Face ao exposto, encontra-se numa situação de incumprimento injustificado, uma vez que não se confirmou a manutenção da criação do próprio emprego em exclusividade, a tempo inteiro.

Face ao exposto, por decisão proferida pela Srª Chefe de Equipa foi cessada a prestação e será emitida nota de reposição no valor de € 43.512,96. (…)».

40. Em 19/02/2014, o R. dirigiu à A. a Nota de reposição nº 8740163, no valor de eur 43.512,96, de fls. 80/ss, docº 15 e respondeu ao pedido de informação da A., [artigo 60, do CPTA], pelo ofício 097419, de 21/03/2014, de fls. 42 do PA.

41. Em 2011, 2012 e 2013, a Autora prestou a seguinte atividade de formadora na empresa C………… [docº fls 80, 80vº e 81]:

[Dá-se por integralmente reproduzida a tabela constante de fls. 185 e 186.]

42. A presente ação deu entrada em juízo a 29/04/2014 – fls. 2 e 3.

43. Dão-se por reproduzidos todos os documentos juntos, referidos na PI e na oposição”.


2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar a questão suscitada pelo ora recorrente – delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações –, qual seja, a da errada aplicação da legislação (em especial, dos n.os 3 e 4 do art. 34.º do DL n.º 220/2006, de 03.11) e da jurisprudência aos factos.

2.2. No acórdão recorrido, após um breve percurso pelo quadro normativo aplicável ao caso dos autos, afirma-se de forma clara que não era possível à ora recorrida acumular a actividade relacionada com a empresa que criou com as acções de formação profissional.

“2.5.
Com este quadro exposto, podemos regressar ao artigo 34º do Decreto-Lei nº 220/2006:

3 - Nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela atividade.

4 - O incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinam implica a revogação do apoio concedido, aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou penal a que houver lugar.

A lei é clara no nº 3: a autora não podia acumular o exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada durante o período (3 anos) em que são obrigados a manter aquela atividade.

Trata-se de uma norma-regra (antigamente designada apenas como “norma”), clara e imediatamente vinculativa, que não apela a qualquer dever-ser ideal; há apenas um dever-ser real (ou dever de fazer) como referência. Não estamos remetidos para um comando reportado a um dever-ser ideal (que, em última instância, é sempre a justiça).

A interpretação resultante dali é meramente declarativa.

E, em sede de aplicação à realidade da norma-regra por nós apurada, não se admitem ponderações por parte da A.P. ou do Juiz: a aplicação basta-se com a simples subsunção do facto à norma inferida a partir da fonte.

E concluímos que o caso da ora autora cai na previsão do cit. nº 3”.

Não obstante, alerta-se no acórdão recorrido para a circunstância de que a “lei salvaguarda o caso de a violação do nº 3 ter uma justificação aceitável.

É o que decorre do cit. nº 4, também numa interpretação meramente declarativa: se o incumprimento do dever imposto no nº 3 tiver uma justificação aceitável, não haverá lugar às consequências negativas ali previstas, designadamente a restituição da verba recebida.

Há, pois, que saber, agora não em sede de interpretação da fonte de direito, mas já em sede de aplicação/concretização do significado do nº 4 (a norma apurada pelo intérprete), se a justificação apresentada é aceitável ou razoável e adequada, no caso em apreço”.

E, acaba o acórdão recorrido por entender que existe, de facto, essa justificação aceitável ou razoável, e fá-lo com o seguinte raciocínio:

“O nº 4 também é uma norma-regra, no sentido exposto, mas contém um elemento impreciso ou vago, de textura aberta, o qual consiste aqui, não numa norma principial, mas sim na necessidade de apurar em concreto se há ou não uma justificação (aceitável); temos “apenas” de concretizar a expressão “incumprimento injustificado” que está contida na norma-regra apurada a partir do nº 4.

Assim, a norma resultante do artigo 34º/4 implica margem de livre apreciação administrativa para concretização de conceitos indeterminados, sindicável pelos tribunais quanto aos seus aspetos vinculados”.

Com isto, conclui:

“Isso quer dizer, necessariamente, que o incumprimento (a segunda atividade profissional em horário parcialmente coincidente com o da empresa subsidiada) foi justificado.

Esta conclusão impunha-se ainda e impõe-se ao réu sob a égide da submáxima da necessidade em sede do postulado aplicativo da proporcionalidade administrativa; mas também à luz do sub-exame da proporcionalidade em sentido estrito: seria manifestamente excessivo, desequilibrado, irracional e injusto que o Decreto-Lei e a Portaria cits. pudessem tolerar, no juízo ponderativo ou opcional feito pelo legislador dentro da unidade racional do sistema jurídico, que a ora Autora tivesse (i) de encerrar a empresa criada ao abrigo daquela legislação e (ii) de viver sem bem-estar mínimo por causa da exclusividade exigida pela lei, precisamente por causa de tal empresa, onde a autora, aliás, não deixou de trabalhar.
(…)
Portanto, o réu errou, ajuizou mal, porque violou os princípios gerais da justiça e da proporcionalidade administrativa, ao qualificar esta factualidade como um ‘incumprimento injustificado’, isto é, ao concretizar o conceito jurídico-legal de ‘incumprimento injustificado’.

Se tivesse ponderado de facto e expressamente os argumentos invocados na audiência prévia pela autora, talvez o réu não tivesse feito esta incorreta concretização do cit. conceito jurídico indeterminado, concluindo que se tratou de um incumprimento justificado.

É um vício de violação de lei, causa de anulabilidade (cfr. hoje o artigo 163º/1 do Código do Procedimento Administrativo/2015 e, antes, o artigo 135º)”.

2.3. Decorre da leitura destes trechos do acórdão recorrido que, quanto à questão da existência ou não de uma razão que justificasse o incumprimento do n.º 3 do artigo 34.º, aí se entendeu que se tratava de questão que envolvia o preenchimento de conceito indeterminado que concede à Administração alguma margem de liberdade de acção. Mas não liberdade ilimitada porque, desde logo, acção condicionada pelos princípios gerais de direito que se aplicam à mesma Administração. E, justamente, entendeu-se, de igual forma, que a exigência de restituição do valor correspondente ao subsídio de desemprego, dada a factualidade provada, mostrava-se uma medida desproporcionada e, por esse motivo, ilegal.
Em via de recurso de revista, o recorrente questionou este juízo, sustentando que, perante a factualidade provada, não era possível chegar a essa conclusão de que havia uma justificação aceitável ou razoável para o incumprimento.
Vejamos.

Um acto discricionário, mesmo nos seus aspectos não vinculados, pode ser alvo de controlo jurisdicional. E isto, com fundamento em vício de violação dos princípios gerais de direito, princípios que condicionam a Administração na sua actuação, ou com fundamento em erro manifesto de apreciação dos factos. Conforme assinalado, o acórdão recorrido entende que a Administração praticou um acto desproporcionado. Diga-se, desde já, que não acompanhamos este juízo do TCAS. Atentemos na cronologia dos factos.

Em 18.07.11 a A./recorrida ficou desempregada.
Um dia depois, em 19.07.11, requereu o pagamento global do subsídio de desemprego com vista a adquirir uma empresa que, segundo as suas palavras, não gozava de grande saúde financeira. Com vista a desenvolver o seu projecto, recorreu ao apoio da Agência DNA Cascais, que se dedica, entre outras, à atividade de consultoria em empreendedorismo para a definição e desenvolvimento do seu PAECPE. Além disso, de acordo com o legalmente previsto, o projecto empresarial é submetido ao IEFP,IP.
Em 19.08.11 o R. deferiu o requerimento da A.
Em Novembro de 2011 foi-lhe concedido o montante de € 43.512,96 ao qual acrescentou a quantia de € 25.000,00
Segundo a recorrida, desde o início de 2012 que começou a sentir dificuldades económicas e financeiras e em 03.03.12 deixou de ter meios para pagar o montante de € 800,00 que auferia enquanto gerente da B............, baixando o seu vencimento para € 485,00.
Em várias ocasiões no ano de 2012 e 2013, quando já estava em vigor o DL n.º 64/2012, de 15.03 (que procedeu à quarta alteração do DL n.º 220/2006, de 13.11), colaborou em acções de formação profissional, sendo remunerada pela prestação dos seus serviços.

Pretende a recorrida que incumpriu a obrigação a que se vinculou perante o Estado mas de forma justificada. Efectivamente, necessitava do dinheiro que recebeu das acções profissionais em que colaborou para as suas despesas pessoais, familiares e empresariais. Culpa fundamentalmente a crise económica e financeira que o Estado português então atravessava – chega mesmo a mencionar nas suas alegações a crise do subprime de 2008 e o memorando de entendimento com a Troika que fora assinado uns meses antes – para justificar o insucesso da sua empresa, pois essa crise teve particulares repercussões na área de actividade em que a sua empresa prestava serviços. Mais ainda, cita, entre outros, um acórdão do STJ (Acórdão de 10.10.13, Proc. n.º 1387/11.5BBCLG1S1) para argumentar que se viu confrontada com uma alteração anormal das circunstâncias logo após ter tomado a decisão de adquirir a empresa B............, alteração essa que serviria de justificação para o insucesso da empresa. Ora, como afirma, e bem, o recorrente, as dificuldades começaram logo após a concessão do montante correspondente ao subsídio de desemprego. E mais, certamente que a DNA de Cascais e o IEFP,IP, terão tido em conta a crise que o país atravessava – sendo certo que, como se viu, a própria recorrida tinha consciência que essa crise já vinha de trás. Acresce a isso que a invocação da crise económica e financeira que o Estado português então atravessava é vaga e genérica e, por vezes, meramente opinativa, limitando-se a expressar pré-compreensões políticas.
Mas, interessa-nos, sobretudo, averiguar se, como se afirma no acórdão recorrido, a actuação do ora recorrente foi efectivamente desproporcional. Quanto ao primeiro teste – adequação meios/fins –, dúvidas não pode haver de que a medida de restituição do montante único das prestações de desemprego mostra-se apta para a prossecução do fim visado, que é o da reposição da legalidade tendo em vista que o que está em discussão é o incumprimento da obrigação assumida pela ora recorrida. Quanto ao segundo teste – o da necessidade ou da exigibilidade –, o recorrente sustenta que não havia alternativa à sua medida, pois limitou-se a cumprir a lei, enquanto o acórdão recorrido entendeu que havia um meio menos oneroso para o cidadão, que era o de a recorrida não ter de restituir nada. Obviamente que este é um meio menos oneroso para a recorrida, mas será que era viável? O acórdão recorrido entendeu que sim, convocando o argumento do preenchimento de um conceito indeterminado e invocando a factualidade provada. Sucede que a factualidade provada apenas demonstra que a recorrida arriscou, conscientemente, num momento de crise económico-financeira, tendo, além disso, visto caucionado o seu empreendedorismo pela DNA Cascais e pelo IEFP,IP. Mais ainda, não há factualidade que demonstre que o insucesso precoce da B............ – bem vistas as coisas, o insucesso já era anterior à aquisição da empresa pela ora recorrida! – ficou a dever-se à crise económico-financeira e à consequente quebra na procura dos serviços que a empresa da recorrida prestava, antes existem alusões vagas e genéricas. Em suma, podemos concluir que a medida de restituição do montante único das prestações de desemprego imposta pelo recorrente, contrariamente ao que se defende no acórdão recorrido, também passa o teste da necessidade e da exigibilidade, não sendo, por isso, ilegal. E, diga-se ainda, o juízo benefícios/prejuízos – inerente ao teste da proporcionalidade em sentido restrito – realizado pelo ISS, IP, também não merece censura. Se a obrigação de restituição afecta negativamente a recorrida, podendo ver-se aqui um prejuízo ou desvantagem da medida adoptada, a verdade é que traz maior vantagem para o interesse público, pois que, genericamente, visa assegurar o cumprimento, por parte dos cidadãos, das obrigações legais que têm para com o Estado; de forma mais específica, não é do interesse público que o Estado ‘perdoe’ todos os insucessos empresariais daqueles que beneficiaram de uma medida de apoio ao empreendedorismo, a não ser, obviamente, que o consequente incumprimento das obrigações legais assumidas para com o Estado se justifique, o que, segundo entendemos, e pelos motivos expostos, não ocorre no caso vertente.

Invoca ainda a recorrida que parte do dinheiro que obteve com a sua actividade de formadora profissional – que, segundo diz, foi forçada a exercer (v.g., conclusão H. das alegações) – serviu para as suas despesas pessoais e familiares e, ainda, para manter a B............ em actividade, desta forma se justificando o incumprimento da sua obrigação legal de não exercer outras funções durante um determinado período previsto na lei. Ora, como afirma o recorrente, citando, aliás, a sentença do TAF de Sintra, há outros meios assistenciais legalmente previstos para acudir às necessidades das pessoas. Acrescentaríamos que a decisão de manter a empresa em funcionamento, tendo em conta o tal contexto de crise e a constatação, pela recorrida, de que essa crise afectava particularmente a área de actividade em que prestava serviços, foi um grande risco assumido pessoal e conscientemente pela recorrida.

Quanto ao acórdão STJ invocado, trata-se de apenas um aresto deste Supremo Tribunal, pelo que não se pode falar propriamente numa orientação jurisprudencial, mas, fundamentalmente, trata-se de decisão judicial que incide sobre questão bem distinta (a dos contratos de SWAP e das implicações que neles tiveram as abruptas alterações das taxas de juro), sendo que o impacto que a crise económico-financeira teve nesses contratos não se compara à situação do caso sub judice.

Em face de todo o exposto, deve proceder o fundamento de recurso apresentado pelo recorrente.


III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando improcedente a acção, absolvendo o R./recorrente do pedido.


Custas pela recorrida.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2018. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Jorge Artur Madeira dos Santos.