Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:053/18.5BESNT
Data do Acordão:02/13/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPOSTO DE JOGOS
INCONSTITUCIONALIDADE
ILEGALIDADE
Sumário:I - Conforme resulta do disposto no artigo 84.º da Lei do Jogo - Decreto-Lei n° 422/89 de 2/12, alterado sucessivamente por diversos diplomas legais, cujas últimas alterações foram introduzidas pela Lei 114/2017, de 29/12 (Lei do Jogo) -, o Imposto Especial de Jogo assume-se como um imposto “substitutivo” do imposto sobre o rendimento, uma vez que os rendimentos resultantes da atividade do jogo são sujeitos ao Imposto Especial de Jogo e não sujeitos a IRC, cfr. artigo 7.º do Código do IRC, sendo os rendimentos concretamente resultantes dessa atividade que ficam sujeitos àquele imposto e, não as entidades concessionárias relativamente às demais actividades que desenvolvam.
II - Os jogos de fortuna e azar são uma actividade geradora de riqueza sem comparação com as restantes actividades tradicionais que dependem do esforço físico e da inteligência dos homens, que criam empregos, ajudam ao desenvolvimento social e humano e permitem a realização pessoal, conatural à existência do homem social.
III - Todo o regime fiscal que rege esta actividade não pode ser reconduzido ao regime “normal” da tributação dos rendimentos, IRS ou IRC, precisamente porque, enquanto estes visam simplesmente, como definido no art.º 103 da Constituição da República Portuguesa, a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, o Imposto sobre o Jogo tem, também, e, sobretudo, fins diferentes, extrafiscais, de que a arrecadação de receitas está secundarizada relativamente ao desiderato de controlo e contenção de uma actividade socialmente desviante – o jogo de fortuna e azar -.
IV - A formulação constitucional - art.º 104.º da Constituição da República Portuguesa - de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, não impõe que deva incidir exclusivamente sobre o rendimento real destas.
V - Sendo a capacidade contributiva pressuposto dos tributos – art.º 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária - também, essencialmente, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património, aquela capacidade há-de ser, segundo as circunstâncias, articulada, nomeadamente com os princípios do bem-estar comum, da necessidade e do ganho que lhe poderão aportar condicionamentos.
VI - Não se encontrando sujeita ao princípio da capacidade contributiva previsto para o IRC, a tributação em sede de Imposto Especial de Jogo encontra-se sujeita ao princípio da proporcionalidade, permitindo que a entidade concessionária tenha “economicamente” interesse em prosseguir com a sua actividade.
VII - O facto tributário é o exercício da exploração do jogo, em casinos, pelas concessionárias durante o período de duração da concessão – art.º 84º, n.º 1 do DL n.º 422/89, de 02 de Dezembro. A base de incidência do imposto varia consoante o tipo de jogo – constante do elenco do art.º 4.º do DL n.º 422/89.
VIII - O capital em giro inicial é o capital que a impugnante diariamente disponibiliza para a sua actividade. Se disponibilizar muito capital pode perder muito capital se os jogadores conseguirem elevados prémios. Se disponibilizar pouco capital, só poderá perder pouco capital, porque os jogadores só poderão obter prémios menores.
IX - Não há qualquer discricionariedade por parte da Inspecção-Geral de Jogos que se limita a receber, anotar e ter em conta, para efeitos de cálculo do imposto, o número de bancas e de máquinas ou de grupos de máquinas a funcionar, bem como o respectivo capital inicial, nos jogos em que ele deva existir, não sendo liquidado imposto em relação às bancas ou máquinas abertas tempestivamente cujo capital em giro inicial não chegue a ser utilizado por falta de jogadores até ao termo da partida.
X - Não há uma presunção grosseira e inilidível de retorno à impugnante do capital que é mobilizado por ela na abertura das salas de jogo. Não se avalia esse retorno, nem ele serve por qualquer modo para liquidar o imposto devido.
XI - Não existem as presunções grosseiras e inilidíveis de rendimento da impugnante que esta invoca como fundamento da violação do princípio constitucional da proporcionalidade, por, em concreto, o imposto de jogo, tendo em conta a sua natureza extrafiscal, ser uma medida adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, sem qualquer violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
XII - O Serviço de Regulação e Inspecção de Jogos (SRIJ) não tem a possibilidade de determinar arbitrária, ou sequer discricionariamente, e sem critérios legais previamente definidos, o capital em giro inicial nas máquinas que é determinado com referência aos jogos praticados em bancas simples.
XIII - Mostra-se cumprido o princípio da legalidade fiscal na vertente de reserva de lei por estarmos face a uma lei, editada pelo Governo em cumprimento de uma autorização legislativa da Assembleia da República - Lei 14/89 de 30 de Junho - Autorização ao Governo para legislar em matéria de jogos de fortuna ou azar em casinos e de exploração e prática ilícita de jogos de fortuna ou azar – que nela fez incorporar os compromissos contratuais existentes em matéria de incidência e de taxas, e demais elementos essenciais do imposto.
XIV - Tendo em conta os dados disponíveis sobre o desenvolvimento turístico das áreas onde se localizam os diversos casinos, mostra-se legitimada a diferenciação de tributação que se baseia num critério material de tributação da actividade do jogo, assente num juízo de proporcionalidade em que a diferenciação das taxas está alinhada com os objectivos extrafiscais da tributação e de promoção da actividade turística.
Nº Convencional:JSTA000P24216
Nº do Documento:SA220190213053/18
Data de Entrada:01/21/2019
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:TURISMO DE PORTUGAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………, SA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 24 de Outubro de 2018, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra actos de liquidação de Imposto Especial de Jogo relativos aos meses de setembro, outubro e novembro de 2017, no montante de €13.751.996,68.
A recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
1ª) A presente impugnação tem por objecto liquidações do Imposto de Jogo;
2ª) A circunstância de a actividade de jogo exercida pela ora recorrente ser feita ao abrigo de um contrato de concessão celebrado com o Estado, não retira a natureza de imposto ao... Imposto de Jogo;
3ª) O imposto de jogo não possui base contratual — como assinala a doutrina, o regime tributário da actividade do jogo é um regime exclusivamente legal;
4ª) Aliás, a recorrente, na petição inicial da impugnação, não contesta a validade do contrato de concessão, nem a validade de qualquer cláusula de tal contrato;
5ª) A recorrente contesta a legalidade das liquidações do imposto de jogo por este, tal como definido e estruturado no Decreto-Lei n° 422/89, de 2/12 (Lei do Jogo), violar os princípios constitucionais da legalidade, capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da igualdade;
6ª) A recorrente contesta, também, a legalidade das liquidações de Imposto de Jogo por não estarem devidamente fundamentadas e por violarem o disposto na Lei do Jogo;
7ª) Tendo em conta a clássica definição de tributo – “prestação patrimonial estabelecida por lei a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas, com o fim imediato de obter meios destinados ao seu financiamento”, é indiscutível que o imposto de jogo, cujas liquidações se impugnaram, é um tributo e, além disso, dentro da classificação dos tributos, é um imposto;
8.ª) Ao invés do afirmado na douta decisão recorrida, a existência de um contrato de concessão não altera a natureza do tributo em questão, não havendo aqui, como assinalada na doutrina, qualquer “lei contrato”, ou qualquer “tributo contratual”;
9.ª) A impugnada liquidação de Imposto de Jogo é ilegal por ter como fundamento legal o Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, sendo que tal diploma, na parte fiscal, é organicamente inconstitucional, por dizer respeito a matéria da competência da Assembleia da República e a lei de autorização legislativa não indicar os critérios mínimos orientadores de tal autorização;
10.ª) As liquidações impugnadas são, também, ilegais, porque o referido Decreto-Lei n.º 422/89, é inconstitucional quanto a uma outra vertente do princípio da legalidade;
11.ª) Na verdade, o referido diploma atribuiu à autoridade administrativa a competência para fixar, para as máquinas de jogo, um capital em giro, que constitui a incidência real de imposto;
12.ª) Ora, o princípio da legalidade, na sua vertente de reserva de lei, é violado através dessa deslegalização, ao atribuir-se à autoridade administrativa a competência para fixar um elemento essencial do imposto;
13.ª) As impugnadas liquidações são também ilegais por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real;
14.ª) É que o imposto do jogo incide sobre o chamado “capital em giro” dos jogos, sem qualquer relação, nem com a receita bruta obtida pela recorrente nem, muito menos, com o lucro;
15.ª) O imposto de jogo incide sobre verdadeiras e autênticas presunções inilidíveis de matéria colectável, violando o art° 104°, n° 2 da Constituição;
16.ª) E ao invés do defendido na douta sentença recorrida, as características próprias do Imposto de Jogo, não permitem afastar a sua sujeição aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real;
17.ª) A circunstância de o Imposto de Jogo incidir sobre o “capital em giro”, não justifica que a fixação dessa matéria tributável seja feita com ignorância ou desprezo total por um mínimo de correspondência com a capacidade contributiva e o rendimento real da recorrente;
18.ª) A Lei do Jogo é, também, inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade, ao fixar taxas de imposto diferentes para as diversas concessões da actividade de jogo e, portanto, para os diversos contribuintes que se dedicam a essa actividade;
19.ª) As liquidações impugnadas são ilegais por insuficiente fundamentação quanto à fixação, pelo Turismo de Portugal, do “capital em giro inicial”, já que as deliberações das Comissões de Jogos não indicam os concretos critérios que estiveram na base da concreta fixação, para cada concreta máquina, do capital em giro inicial;
20.ª) A liquidação impugnada é também ilegal por esse capital em giro inicial ter sido fixado mensalmente, quando a Lei do Jogo estabelece uma fixação anual;
21.ª) As liquidações impugnadas são, ainda, ilegais, porque o Turismo de Portugal, em violação frontal da subalínea b) da alínea c) do art° 87° da Lei do Jogo, ter fixado o “capital em giro inicial” sem tomar em consideração as características das diversas máquinas de jogo e das circunstâncias concretas verificadas na sua utilização;
22.ª) Sendo que, ao invés do defendido na douta sentença recorrida tendo em conta o princípio da impugnação unitária previsto no art. 54.º do CPPT, essa fixação da matéria tributável não era autonomamente impugnada;
23.ª) Assim, a douta sentença recorrida fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação das normas e princípios aplicáveis.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e anulando-se as liquidações impugnadas, como é de JUSTIÇA

2 – Contra-alegou o Instituto de Turismo de Portugal, I.P., concluindo nos termos de fls. 335 a 337, verso, dos autos.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o douto parecer de fls. 347 a 350 dos autos, concluindo no sentido do não provimento do recurso, conforme jurisprudência uniforme e reiterada deste STA primariamente expresso em julgamento ampliado do recurso no processo 01457/15 – cfr. Acórdão de 5 de Dezembro de 2018.

Foram dispensados os vistos, atendendo à simplicidade das questões decidendas, em razão do julgamento ampliado do processo 01457/15, no Acórdão de 5 de Dezembro de 2018.
- Fundamentação –

4 – Questões a decidir
As questões a decidir no presente recurso são substancialmente idênticas às que foram objecto de julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art. 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), no processo n.º 2224/13.1BEPRT (1457/15), pelo Acórdão de 5 de Dezembro de 2018.
Embora a questão da alegada inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 422/89, não tenha surgido, naquele recurso, autonomizada, como surge no presente recurso, foi nele igualmente tratada a propósito da violação do princípio da legalidade-
Assim, e porque o julgamento ampliado do recurso se fundamentou no facto de em causa estar “litigiosidade persistente e estruturalmente repetitiva, com valor económico muito avultado, em que são suscitadas questões de direito de elevada complexidade, mas substancialmente idênticas ou com grande similitude problemática”, visando “garantir a uniformidade de jurisprudência perante a possibilidade de decisões de sentido divergente ou, pelo menos, com variação substancial do tratamento das questões submetidas e de fundamentação da decisão (…)” a ela acrescendo “a não despicienda vantagem de, por essa via, se obter maior celeridade e segurança jurídica na resolução global desta significativa pendência processual” impõe-se o respeito pela orientação jurisprudencial nele fixada, subscrita aliás pela generalidade dos conselheiros em funções neste STA.

5 – Matéria de facto
Dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o probatório fixado na sentença recorrida (fls. 265 a 270 dos autos).

6. Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
Como se disse já, as questões a decidir no presente recurso são substancialmente idênticas às que foram objecto de julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art. 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), no processo n.º 2224/13.1BEPRT (1457/15), pelo Acórdão de 5 de Dezembro de 2018, que julgou improcedente o respectivo recurso.
Visando aquele julgamento ampliado “garantir a uniformidade de jurisprudência perante a possibilidade de decisões de sentido divergente ou, pelo menos, com variação substancial do tratamento das questões submetidas e de fundamentação da decisão (…)”, importa na decisão do presente recurso contribuir para tal fim.
Assim, porque concordamos com o que ficou decidido naquele acórdão e porque, em face do disposto no art. 8.º, n.º 3, do Código Civil, se nos impõe o respeito pela orientação jurisprudencial nele fixada, cumpre julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida, com a fundamentação expendida naquele aresto, para a qual ora remetemos, ao abrigo da faculdade que nos é concedida pelo n.º 5 do art. 663.ºdo Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

7. Da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça

Uma vez que a presente decisão foi proferida por remissão para o referido acórdão proferido em formação ampliada, o que preenche o requisito de “menor complexidade” a que alude o n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais ou, pelo menos, porque o montante da taxa de justiça devida se afigura manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos presentes autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, decide-se dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

- DECISÃO –
8. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da secção de Contencioso Tributário do STA, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2019. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Dulce Neto.