Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01252/05
Data do Acordão:05/17/2006
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:ACÇÃO PARA RECONHECIMENTO DE DIREITO.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
JUROS MORATÓRIOS.
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
EXECUÇÃO DE JULGADO.
CONVOLAÇÃO.
Sumário:I — A acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária prevista no art° 145° do CPPT constitui um meio complementar dos restantes meios contenciosos tributários conferidos por lei ao contribuinte para a sua defesa.
II — O meio processual mais adequado para, pedir a condenação da Administração Fiscal no pagamento de juros indemnizatórios e moratórios, na sequência de anulação judicial do acto tributário de liquidação, em que não foi apreciado tal pedido, é a impugnação judicial ou o pedido de execução de sentença.
III — A convolação da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em processo de declaração de inexistência de causa legítima de inexecução, ou em acção administrativa especial ou em impugnação judicial só é admissível desde que a petição inicial daquela não tenha sido apresentada depois de decorrido o prazo legal de interposição destes meios processuais.
Nº Convencional:JSTA00063174
Nº do Documento:SA22006051701252
Data de Entrada:12/12/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:DIRGER DOS IMPOSTOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOULÉ PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - RECONHECIMENTO DIRINT LEGIT / IMPUGN JUDICIAL EXEC JULGADO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART98 N4 ART102 N1 A ART145 N3.
LPTA85 ART69 N2.
CONST97 ART268 N5.
CPTRIB91 ART165 N2.
LGT98 ART197 N3.
CPTA02 ART58 N2 N3 ART176 N1 N2.
Jurisprudência Nacional:AC TC PROC435/98 DE 1998/07/16 IN DR IIS DE 1998/12/10.; AC STA PROC33290 DE 1994/03/03.; AC STA PROC38367 DE 1996/03/12.; AC STA PROC47063 DE 2002/10/01.; AC STAPLENO PROC41915 DE 2000/06/05.; AC STA PROC23829 DE 2001/05/02.; AC STA PROC1693/03 DE 2004/01/14.; AC STA PROC607/05 DE 2005/10/06.; AC STA PROC1152/05 DE 2006/01/18.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 4ED PAG621 PAG627 PAG628.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo tribunal Administrativo:
1 – A… -, pessoa colectiva nº …, com sede em Cerro …, Lote …, Albufeira, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que rejeitou a acção de reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, por não ser o meio processual adequado para que a Administração Fiscal fosse condenada a pagar-lhe os juros que peticionava, julgando, assim, verificada a nulidade de todo o processo e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª A douta sentença recorrida enferma, salvo o devido respeito e melhor opinião, de erro de julgamento ao ter decidido pela impropriedade do meio processual seguido nos autos (acção para reconhecimento de direito), com a consequente absolvição da instância da R. FP, porquanto;
2ª Quanto aos valores de € 3.322,01 e € 396.684,42 de custas e imposto, pagos pela R. AF em Dezembro de 2004 e 26/4/2005, deve a presente acção ser julgada procedente e provada, ou, se assim não se entender, deve ser aceite a concomitante redução do pedido, sem custas para a A. por a elas não haver dado causa;
3ª Por força da procedência da impugnação judicial e do efeito ultraconstitutivo a FP ficou obrigada à reconstituição da situação actual hipotética. tendo sido em execução dessa obrigação que praticou os actos expressos de pagamento das referidas quantias de € 3.322,01 e € 396.684,42;
4ª No caso vertente, dúvidas não restam que a reconstituição teria de passar, para além da devolução em singelo dos valores pagos (acima identificados), pelo pagamento de juros indemnizatórios e, ultrapassado o prazo de execução espontânea do julgado anulatório das liquidações, de juros moratórios;
5ª A douta sentença recorrida enferma de erro ao decidir que o direito a juros indemnizatórios teria de ter constado do pedido e condenação na decisão anulatória (impugnação judicial), uma vez que a jurisprudência pacífica do STA há muito que interpreta o art° 24° da CPT no sentido de que o pedido de juros indemnizatórios não têm de estar contemplado de forma expressa no pedido ou decisão da anulação contenciosa do acto tributário, bastando, para que sejam devidos pela AF, que esta os processe oficiosamente em sede de execução de sentença, seja posteriormente, pelo particular, em sede de acção judicial destinada a obter o cumprimento da sentença anulatória, uma vez que a simples procedência da impugnação judicial preenche o requisito da existência de erro dos serviços mencionada no art° 24° do CPT, em consonância com o estabelecido pelo art° 6° do DL 48051 em matéria de culpa funcional — cfr. por todos Ac. STA, 2ª Secção, de 10/07/2002, Proc. 0725/02 (in vww.dgsi.pt); 6ª Não tendo a AF praticado os actos de pagamento das quantias acima identificadas mais de 4 anos depois do trânsito em julgado da sentença judicial em cumprimento de uma obrigação natural, mas em sede de cumprimento do dever de execução e/ou do disposto no art° 35° do DL 155/92, de 28/7, a tal obrigação terá de corresponder o correspondente direito da A. e o respectivo meio de tutela judicial (art° 2° do CPC);
7ª Tal meio de tutela judicial apenas poderá ser, na perspectiva da A., a presente acção, uma vez que o meio previsto no art° 256-A/77 (declaração de causa legítima de inexecução) não se mostra apto a suprir a inércia prolongada da Administração, nem parece ser aplicável aos casos de cumprimento defeituoso do dever de execução, cumprindo lançar mão da verdadeira “acção de reconhecimento de direitos” de que aquele meio é uma versão abreviada (cfr. Vieira de Andrade, lições, op. Cit. P. 230);
8ª Subsidiariamente e sem conceder, o princípio da tutela judicial efectiva e uma interpretação dos meios adjectivos pro actione imporia analisar a convolação da acção no meio processual adequado, se tivermos em conta que à obrigação da AF, cumprida pelos pagamentos efectuados, há-de corresponder um direito da A. e o respectivo meio processual, o qual apenas poderá ser, salvo o devido respeito pela douta sentença recorrida, o presente meio residual;
9ª Se assim não se entendesse, o que se admite por cautela de patrocínio e sem conceder, então, tratando-se do controlo da forma como, em actos expressos a AF procedeu a um cumprimento alegadamente defeituoso do dever de execução de sentença, então pareceria que inexistem obstáculos processuais a que este processo de acção para um reconhecimento de um direito possa ser conformado, convertido ou convolado em processo de declaração de inexistência de causa legítima de inexecução (para controlo de actos expressos de execução), ou acção administrativa especial, ou impugnação judicial;
10ª Não tendo a douta sentença recorrida apreciado os pedidos formulados, em matéria de juros, a procedência do presente recurso importará a baixa do processo ao tribunal de 1ª instância, para apreciação, a fim de permitir o cumprimento do duplo grau de jurisdição consagrado constitucionalmente, decidindo-se quanto ao direito da A. aos juros indemnizatórios e moratórios peticionados.
A Fazenda Pública contra-alegou nos termos que constam de fls. 102 e segs., que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, para concluir pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, uma vez que “para se obter a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, o contribuinte, que teve ganho de causa em impugnação judicial de acto tributário, tem ao seu dispor aquela impugnação judicial e, ainda, a execução de sentença, conforme os casos.
Ora, esses meios processuais asseguram efectiva tutela jurisdicional dos direitos do contribuinte, pelo que, como reiteradamente ensinam a doutrina e a jurisprudência, meio processual adequado não é a acção para reconhecimento de direito”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
- A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto principal a construção e exploração turística hoteleira.
- Em Dezembro de 1996, a Autora deduziu junto dos tribunais tributários a impugnação judicial da liquidação adicional de IRC e juros, respeitante ao exercício de 1992, a qual lhe fora efectuada pela Administração Fiscal, em resultado da correcção da matéria colectável por via de métodos indiciários.
- A impugnação judicial correu os seus termos no (já extinto) Tribunal Tributário de 1 Instância de Faro, sob o nº 7/97.
- Por via da correcção da matéria colectável por via de métodos indiciários efectuada pela administração fiscal, o lucro tributável declarado no Modelo 22 respeitante ao exercício de 1992 foi acrescido do valor de 12.168.833$00, para 96.941.583$00.
- Em virtude daquela alteração de matéria colectável, a Administração Fiscal efectuou em 8/11/1996 a liquidação adicional n° 831.002.5117, no montante de 62.827.325$00, sendo 34.684.681$00 de IRC, 3.489.987$00 de derrama e 24.438.458$00 de juros compensatórios.
- A Autora veio a proceder ao pagamento da quantia liquidada (62.827.325$00) e de juros moratórios (16.700.760$00), num total de 79.528.085$00 a que corresponde o contravalor em euros de € 396.684,42, em 14/8/1998, no âmbito do processo de execução fiscal 1007971059289.
- A ora Autora não pagou em 14/8/1998 as custas do processo executivo nº 1007971059289, o que apenas veio a fazer em 27/12/2002 no âmbito do previsto no Decreto-Lei n° 248-A/2002, tendo então pago a quantia de € 3.322,01.
- Por sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Faro, nos autos de impugnação no 7/97, foi atendida totalmente a impugnação deduzida e, em consequência, determinada a anulação da matéria colectável e liquidações impugnadas.
- Da referida sentença interpôs o Digno Representante da Fazenda Pública recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo, o qual, por acórdão de 14/11/2000, notificado aos Representantes da FP e MP em 16/11/2000, se veio a considerar incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do recurso.
- Desta última decisão não foi interposto recurso, nem requerida a remessa a outro tribunal, pelo que a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Faro, nos autos de impugnação nº 7/97 transitou em julgado em 28/11/2000, tendo o processo sido remetido ao P Instância de Faro em 7/3/2001 e aos Serviços da Administração Fiscal (Serviço de Finanças de Albufeira) em 11/7/2001.
- A Autora encontra-se até esta data desembolsada da quantia de € 400.006,43 (€ 396.684,42, desde 14/8/1998 + € 3.322,01 desde 27/12/2002).
- As quais não foram, até esta data, pagas pela Administração Fiscal.
3 – A pretensão que a recorrente quer ver judicialmente reconhecida com a presente acção é a de que, tendo sido anulada a liquidação adicional de IRC e juros, respeitante ao exercício de 1992, determinada por decisão judicial proferida em processo de impugnação judicial por si intentada e transitada em julgado no ano de 2000, tem o direito de receber da Administração Fiscal juros indemnizatórios e moratórios.
Tem sido jurisprudência uniforme deste STA que a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo constitui um meio complementar dos restantes meios contenciosos previstos no contencioso tributário, destinados a servir aqueles casos em que a lei não faculta aos administrados os instrumentos processuais adequados à tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legítimos. Daí que se recuse a este meio processual a função de uma segunda garantia de recurso aos tribunais, perdida a primeira pela preclusão do respectivo prazo.
O que, aliás, resulta do artº 145º, nº 3 do CPPT, aqui aplicável, que tem um teor idêntico ao nº 2 do artº 69º da LPTA e ao artº 165º, nº 2 do CPT, ao dispor que as acções para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido.
É o que se tem vindo a designar por teoria do alcance médio (vide Jorge Sousa, in CPPT anotado, 4ª ed., pág. 621 e segs.).
Também no sentido da constitucionalidade deste entendimento, se pronunciou já o Tribunal Constitucional no Ac. de 16/ 7/98, in rec. nº 435/98, DR, II Série, de 10/12/98.
Aí se refere que “o legislador constitucional pretendeu assim criar, no quadro da justiça administrativa, um modelo garantístico completo, de forma a facultar ao administrado uma tutela jurisdicional adequada sempre que esteja em causa um interesse ou direito legalmente protegido....
Porém, não pode afirmar-se que o legislador constitucional tenha pretendido uma duplicação de mecanismos contenciosos utilizáveis. Com efeito, o que decorre do n.º 5 do artigo 268º da Constituição é que qualquer procedimento da Administração que produza uma ofensa de situações jurídicamente reconhecidas tem de poder ser sindicado jurisdicionalmente. É nesta total abrangência da tutela jurisdicional que se traduz a plena efectivação das garantias jurisdicionais dos administrados”.
Neste sentido, pode ver-se, entre outros, os Acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo de 3/3/94, in rec. nº 33.290; de 12/3/96, in rec. nº 38.367 e de 1/10/02, in rec. nº 47.063 e do Pleno de 5/6/00, in rec. nº 41.915 e desta Secção de 2/5/01, in rec. nº 23.829; de 14/1/04, in rec. nº 1.693/03; de 6/10/05, in rec. nº 607/05 e de 18/1/06, in rec. nº 1.152/05.
Voltando ao caso dos autos e como vimos, o que está em causa é a pretensão da recorrente em receber da Administração Fiscal juros indemnizatórios e moratórios em consequência de ter sido anulada, por decisão transitada em julgado, a liquidação do tributo em causa, em acção de impugnação judicial por si, oportunamente, intentada.
Ora, não se pode dizer que, no caso em apreço, a presente acção seja o meio mais adequado para a recorrente assegurar a tutela efectiva do seu direito, já que dispunha de outros meios processuais para obter a condenação da Administração Fiscal e, consequentemente, obter o pagamento dos juros agora peticionados.
Desde logo e como bem salienta o Exmº Procurador-Geral Adjunto, podia ter deduzido impugnação judicial, mas não o fez.
Podia ainda ter recorrido a juízo para obter a execução da sentença anulatória e requerer, então, que a Administração fosse condenada a pagar os referidos juros, mas também não o fez.
Como refere Jorge Sousa, in ob. cit., págs. 627 e 628, a “possibilidade de utilizar a acção para obter o reconhecimento judicial de um direito não reconhecido, por força da referida regra da complementaridade, estará condicionada à inexistência de outro meio contencioso, que permita assegurar adequadamente a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos…
Assim, à face do preceituado no n.º 3 do art. 145.º, só quando por estes meios não for possível obter uma tutela judicial efectiva, nos termos atrás indicados, poderá utilizar-se a acção para obter a tutela judicial do direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
Se a recorrente não usou desses meios não se pode queixar de falta de tutela legal.
Pelo que a acção que intentou está, assim, votada ao insucesso.
Neste sentido, pode ver-se, também, os acórdãos desta Secção do STA de 6/10/05, in rec. nº 607/05 e de 18/1/06, in rec. nº 1.152/05.
4 – Requere, porém, a recorrente, na conclusão 9ª da sua motivação do recurso, que, a não se entender assim, se convole a presente acção de reconhecimento de um direito e interesse legítimo “em processo de declaração de inexistência de causa legítima de inexecução (para controlo de actos expressos de execução), ou acção administrativa especial, ou impugnação judicial”.
Mas carece de razão.
Com efeito, dispõe o artº 97º, nº 3 da LGT que deverá ordenar-se “a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”.
Por outro lado, estabelece o artº 98º, nº 4 do CPPT que “em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei”.
Todavia, tem vindo esta Secção do STA a entender que a convolação é admitida sempre desde que não seja manifesta a improcedência ou intempestividade desta, além da idoneidade da respectiva petição para o efeito.
Ora, dos elementos recolhidos nos autos resulta com toda a evidência que não é possível agora proceder à requerida convolação, uma vez que vão já decorridos os prazos para o efeito fixados nos artºs 176º, nºs 1 e 2 e 58º, nºs 2 e 3 do CPTA, aqui aplicável e 102º, nº 1, al. a) do CPPT, respectivamente, pelo que a petição agora deduzida não era tempestiva para os processos supra referidos.
E tanto basta para que o recurso também improceda nesta parte.
5 - Nestes termos, se acorda em negar provimento ao presente recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 17 de Maio de 2006. – Pimenta do Vale (relator) – Baeta de Queiroz – Brandão de Pinho.