Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0432/13.4BEAVR 0719/17
Data do Acordão:05/22/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:LIQUIDAÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL
DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS
Sumário:I – Ao abrigo do disposto nas alíneas a) e e) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC (actual artigo 69.º), as sociedades pertencentes a um grupo fiscal que sejam dissolvidas e liquidadas antes do último dia de cada período de tributação do grupo ficam automaticamente dele excluídas, uma vez que é apenas no último dia do exercício fiscal que se verifica o facto gerador de imposto e se constitui a relação jurídica tributária.
II - Ocorrendo a saída de uma sociedade do grupo fiscal (o que acontece, designadamente, quando uma das sociedades dominadas é dissolvida e liquidada), os prejuízos fiscais que essa sociedade tenha gerado no âmbito do grupo e que ainda não tenham sido deduzidos até à data da sua saída / liquidação não podem continuar disponíveis para dedução na esfera do grupo fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P24580
Nº do Documento:SA2201905220432/13
Data de Entrada:06/14/2017
Recorrente:A.... II, SGPS, SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório -

1 – A………….. II, SGPS, S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro a 30 de Agosto de 2016, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico relativo ao pedido de revisão oficiosa referente à liquidação de IRC do exercício de 2005, no montante de EUR 3.808.845,03, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:

AA situação em recurso é o enquadramento legal da dissolução e liquidação de uma sociedade no mesmo exercício, para efeitos de tributação em RETFS;

B – O artigo 63º, nº 4, alínea a) do CIRC, não se aplica às sociedades no exercício em que ocorre a sua dissolução e a sua liquidação;

C – A exclusão prevista na parte final do artigo 63º, nº 4, alínea a) do CIRC só opera, relativamente às sociedades que tenham sido dissolvidas, no período tributário seguinte àquele em que ocorre a dissolução da sociedade;

D – Enferma, assim, a Douta Sentença recorrida de:

a) Errado enquadramento legal da situação de dissolução e liquidação de uma empresa no mesmo exercício tributário;

b) Consequentemente, errada aplicação do artigo 63º, nº 4, alínea a) do CIRC, à situação em recurso;

c) E por inerência, ilegal a sua aplicação à situação aqui recorrida”.

“Com o douto suprimento de Vas. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser a Douta Sentença, de que ora recorre, revogada pelos motivos acima melhor expostos.

Em tudo, e essencialmente, se pede e se espera, JUSTIÇA”

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 243/244 dos autos, pronunciando-se pela improcedência do recurso por haver concluído que “o tribunal “a quo” fez uma correta interpretação e aplicação da lei ao caso concreto, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação e o recurso ser julgado improcedente”.

4 – Notificadas as partes daquele parecer, nada vieram dizer.

5 – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


- Fundamentação -

6 – Questão a decidir

É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar que em resultado da dissolução e liquidação da sociedade B……….... .com ocorrida a 15.12.2005, esta sociedade se encontrava fora do perímetro fiscal do grupo dominado pela A……….. II, SGPS, S.A. no dia 31.12.2005, com a consequente impossibilidade de dedução dos prejuízos fiscais gerados pela sociedade dissolvida na declaração de rendimentos do grupo referente ao exercício de 2005.

7 – Matéria de facto

Na sentença objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos:

1 – A impugnante é uma sociedade dominante de um grupo de sociedades autorizado a ser tributado pelo “Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades”, facto admitido por acordo.

2 – A impugnante apresentou a declaração de rendimentos respeitante ao exercício de 2005 em 01.06.2006, (facto admitido por acordo).

3 – No exercício de 2005, mais concretamente em 15.12.2005 a sociedade B…………. .com cessou a actividade por ato de dissolução com liquidação por transmissão global de ativos e passivos, (facto admitido por acordo).

4 – A B……. .com em 06.01.2006 apresentou a declaração de rendimentos modelo 22 respeitante ao exercício de 2005 assinalando na mesma o regime geral de tributação.

5 – A B………. .com à data de 15.12.2005 era dominada a 100% pela sociedade B……….. Desenvolvimento, SGPS, SA, (facto admitido por acordo).

6 – A sociedade B……….. .com e a sociedade B……… Desenvolvimento integravam um grupo de sociedades tributado pelo RETGS, (facto admitido por acordo).

7 – Em 20.11.2009 a impugnante apresentou um pedido de revisão oficiosa relativamente ao IRC do ano de 2005 nos termos do artº 78º da LGT, cfr. fls.34 e 35 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.

8 – Com data de 30 de Maio de 2011 a impugnante foi notificada para o exercício do direito de audição ao abrigo do artº 60º da LGT relativamente ao projeto de decisão que recaiu sobre o pedido de revisão nos termos constantes de fls. 36 a 42 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.

9 – Por carta datada de 06.09.2011 foi a impugnante notificada da decisão definitiva que recaiu sobre o pedido de revisão identificado em 7), cfr. fls 44 a 47 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.

10 – Em 10.10.2011 a ora impugnante apresentou recurso hierárquico dirigido ao Exmo. Ministro das Finanças solicitando a revogação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, cfr. fls. 50 a 56 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.

11 – O recurso hierárquico referido em 10), foi indeferido por despacho proferido 25.01.2013, cfr. fls. 18 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.

12 – A petição inicial foi apresentada em 06 de Maio de 2013, cfr. fls. 2 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.

8 – Apreciando
8.1. Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida

A sentença recorrida, a fls. 157 a 174 dos autos, julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente, por considerar que a disposição legal prevista no artigo 63.º, n.º 4, alínea a) do CIRC à data dos factos (hoje alínea a) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC – redacção dada pela Lei 64-B/2011, de 30.12) “é muito clara, ou seja, não podem fazer parte do grupo as sociedades que no início ou durante a aplicação do regime” especial de tributação dos grupos de sociedades hajam sido dissolvidas. Consequentemente, concluiu o Tribunal a quo que, a 31.12.2005, a B………. .com “já não se encontrava no perímetro do grupo e como tal já não fazia parte do mesmo, porquanto havia sido dissolvida e liquidada em 15.12.2005 o que determinou a sua exclusão do perímetro fiscal do grupo relativamente ao exercício de 2005”.

A Recorrente discorda do decidido e imputa à sentença sob recurso erro de julgamento, traduzido num errado enquadramento legal da operação de dissolução e liquidação de uma empresa no mesmo exercício tributário e, bem assim, numa errada e ilegal aplicação do artigo 63º, nº 4, alínea a) do CIRC à situação em recurso. Para a Recorrente, o “artigo 63º, nº 4, alínea a) do CIRC, não se aplica às sociedades no exercício em que ocorre a sua dissolução e a sua liquidação”, só operando “relativamente às sociedades que tenham sido dissolvidas, no período tributário seguinte àquele em que ocorre a dissolução da sociedade”.

Não foram apresentadas contra-alegações e o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Vejamos.

Conforme decorre do probatório fixado na sentença recorrida, a Recorrente é a sociedade dominante de um grupo de empresas tributado em IRC pelo “Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades”.

De acordo com a declaração periódica de rendimentos relativa a este grupo fiscal e submetida pela Recorrente no dia 01.06.2006, o exercício fiscal de 2005 correspondeu ao ano civil, tendo decorrido entre 01.01.2005 e 31.12.2005. Como tal, e ao abrigo do disposto no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC, o facto gerador de imposto ocorreu apenas no dia 31 de Dezembro de 2005, sendo nesta data que se constituiu a relação jurídica tributária nos termos do artigo 36.º n.º 1 da LGT.

Sucede que a 15.12.2005, uma das sociedades pertencentes ao perímetro daquele grupo fiscal – a B……… .com – cessou a sua actividade por acto de dissolução com liquidação por transmissão global de ativos e passivos - cfr. os n.ºs 3 e 6 do probatório fixado. E sendo a sociedade dissolvida e liquidada no decurso do exercício fiscal de 2005, não podemos senão concordar com o Tribunal a quo quando este conclui que a 31.12.2005 a sociedade “já não se encontrava no perímetro do grupo e como tal já não fazia parte do mesmo (…) o que determinou a sua exclusão do perímetro fiscal do grupo relativamente ao exercício de 2005”.

Em primeiro lugar, por força do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC que, em 2005, dispunha que “não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes: (…) estejam inactivas há mais de um ano ou tenham sido dissolvidas” (sendo que a redacção deste preceito legal, introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, mantém-se inalterada actualmente, constando da alínea a) do n.º 4 do artigo 69.º do Código do IRC). Ora, tendo a dissolução e liquidação da sociedade B…….. .com ocorrido no dia 15.12.2005, esta sociedade não pode fazer parte do grupo fiscal por referência ao exercício de 2005 porque no dia 31 de Dezembro, data em que se verificou o facto gerador de imposto, a sociedade já havia cessado a respectiva actividade. Ou seja, no momento em que se constituiu a relação jurídica tributária relativamente ao exercício de 2005 a sociedade B………. .com já não existia, razão pela qual não podia naturalmente integrar o perímetro do grupo fiscal relativamente a 2005.

Em segundo lugar, esta solução é também a que se impõe pelo facto de o período de tributação da B………. .com em 2005 não coincidir com o período de tributação da Recorrente, enquanto sociedade dominante do grupo fiscal, naquele mesmo exercício. Com efeito, enquanto o período de tributação da Recorrente se estendeu até 31.12.2005, o período de tributação da B……….. .com terminou na data da respectiva dissolução e liquidação, ou seja, a 15.12.2005 - cfr. o n.º 4 do probatório e a declaração que consta de fls. 90 a 92 do PA junto aos autos -, verificando-se uma discrepância patente entre os exercícios fiscais das duas sociedades, apta a inquinar a possibilidade de aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades à B………… .com. Com efeito, e de acordo com o disposto na alínea e) do n.º 4 do artigo 69.º do Código do IRC, “não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes: (…) adoptem um período de tributação não coincidente com o da sociedade dominante” (sendo que a redacção deste preceito legal, introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, mantém-se inalterada actualmente, constando da alínea a) do n.º 4 do artigo 69.º do Código do IRC).

Sendo claro, pelo que antecede, que a B……….. .com se encontrava excluída do perímetro do grupo fiscal por referência ao exercício de 2005, é também evidente que os prejuízos fiscais gerados por esta sociedade em exercícios anteriores não podiam ser utilizados / deduzidos na Declaração de Rendimentos do grupo fiscal submetida por referência àquele período de tributação (ao contrário do que pretende a Recorrente).

Com efeito, a alínea d) do n.º 1 do artigo 65.º do Código do IRC (actual artigo 71.º do Código) previa expressamente, à data dos factos, que “quando houver continuidade de aplicação do regime após a saída de uma ou mais sociedades do grupo, extingue-se o direito à dedução da quota-parte dos prejuízos fiscais respeitantes àquelas sociedades”, de onde decorre à saciedade que sempre que ocorra a saída de uma sociedade do grupo fiscal (o que acontece, designadamente, quando uma das sociedades dominadas é dissolvida e liquidada), os prejuízos fiscais que essa sociedade tenha gerado no âmbito do grupo e que ainda não tenham sido deduzidos até à data da sua saída / liquidação são perdidos, não podendo continuar disponíveis para dedução na esfera do grupo fiscal.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.


- Decisão -

8 – Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 22 de Maio de 2019. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Francisco Rothes - Dulce Neto.