Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01142/12.5BELRA
Data do Acordão:06/26/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24730
Nº do Documento:SA12019062601142/12
Data de Entrada:06/03/2019
Recorrente:A.....
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE TOMAR
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………. intentou, no TAF de Leiria, contra o Município de Tomar, acção administrativa especial pedindo a declaração de nulidade ou anulação do ato do Vice-presidente da Entidade Demandada, de 19/12/2011, que ordenou a demolição de uma piscina e plataforma de apoio edificadas na moradia do Autor
O TAF julgou a acção improcedente, decisão que o TCA Sul confirmou.

É desse Acórdão que o Autor vem recorrer com fundamento na errónea aplicação do direito (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Em 27/08/1998, a Câmara Municipal de Tomar deferiu o pedido de licenciamento de uma moradia unifamiliar, sita na freguesia da Serra, daquele concelho, o qual foi averbado em nome do Autor, no dia 30/10/1998, seguindo-se a emissão do respectivo alvará e da licença de utilização.
Em data não apurada o Autor edificou uma piscina e uma plataforma de apoio na referida moradia, implantadas em zona da protecção e reserva de albufeira e área de uso agrícola, o que, por se tratar de obras não regularizáveis, determinou a elaboração de informação por parte dos serviços da Câmara onde se propôs a demolição daquelas construções e a reposição dos terrenos afectados na forma anterior, sob pena de ser determinada a posse administrativa do imóvel e de se proceder, por conta do infractor, à execução coerciva daquela medida.
Informação que foi acolhida o que determinou a prolação do acto impugnado e a sua consequente impugnação.

O TAF julgou a acção improcedente
E o TCA, para onde o Autor apelou, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida pelas razões que se destacam:
“…
(i) Da omissão de pronúncia/erro de julgamento sobre a matéria de facto:
........
Enfim, na tese do recorrente há um facto essencial, ainda por provar - a data da construção da obra cuja demolição foi ordenada, facto essencial para determinar o regime jurídico que a tal obra é aplicável - pelo que o tribunal não averiguou, permitindo às partes a respectiva produção de prova quanto a factos essenciais, não estando por isso em condições de proferir sentença.
......
Na motivação da decisão recorrida justifica-se porque não se atendeu à factualidade/meios de prova que o recorrente alega que foram postergados ou ignorados, quando, por terem sido alegados, se impunha que sobre os mesmos houvesse pronúncia do Tribunal.
Independentemente da maior ou menor validade desta argumentação, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia porque não se acha em causa o conhecimento de questão de que o tribunal devesse conhecer, mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso a atinente à data da construção da piscina.
Não se verifica, pois, a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, sem prejuízo do errado julgamento em que a sentença terá incorrido quanto à questionada factualidade e que adiante se analisará.

(ii) Da falta de fundamentação.
...........
Ora, analisado a sentença recorrida, constata-se que todas as questões, que se colocaram à consideração do tribunal, foram devidamente ponderadas, aduzindo-se, se não uma profícua e exaustiva fundamentação, pelo menos uma fundamentação bastante em face da comedida dificuldade da lide, de modo que a decisão recorrida não pode ser havida por não motivada. Designadamente quanto à questão essencial que se colocava perante o tribunal «a quo», que era a questão relativa à legalização do edificado nos termos pretendidos pelo recorrente.
E a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo, ao contrário do que alega o Recorrente, não se configura como uma fundamentação por mera referência para os factos e normas que os subsumam, antes se mostra suficientemente arrazoada, com utilização do silogismo judiciário, onde a conclusão se estriba em premissas explanadas, pelo que se trata de uma fundamentação cabal das normas que a exigem, na interpretação que é feita pela doutrina acima citada.
Não incorre, pois, a decisão recorrida no vício de falta de fundamentação.

(iii) Do erro de julgamento sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito.
Do que vem dito, impõe-se-nos aquilatar até que ponto e respeitando a tese do recorrente foi incorrectamente julgada a matéria de facto, por não ter o tribunal seleccionado, nem julgou sequer, os factos elencados pelos recorrentes e que estes consideram ser factos essenciais manifestamente imprescindíveis para a boa decisão da causa .......
E tudo isso porque o regime jurídico aplicado na sentença supõe que a obra em causa foi construída após a entrada em vigor do POACB, o que é contrariado por diversos factos invocados na p.i., não impugnados na contestação e que, portanto, deviam ter sido considerados provados.
..........
Nenhuma censura no merece o assim fundamentado e decidido, em especial no que tange ao erro de julgamento sobre a matéria de facto mediante a alteração, após a produção da prova atinente, do conteúdo do ponto 8 do probatório em que se consignou:
"Em data não concretamente apurada foi edificada uma piscina e uma plataforma de apoio na moradia objeto do licenciamento melhor descrito em 2, implantada em zona da proteção e reserva de albufeira e em área de uso agrícola...."
É que a determinação da data da edificação não tem qualquer relevo perante a demonstrada e justificada impossibilidade de legalização da piscina polemizada.
......
Um dos aspectos fundamentais que não pode ficar à margem desta regulação é o referente às situações, jurídicas ou de facto, constituídas ou criadas em momento anterior à entrada em vigor do plano municipal, mas que projectam os seus efeitos no tempo, tendo sempre presente a CRP e o art. 67º do RJUE.
Entendemos que decorre do referido artigo 67º uma impossibilidade de expectativas jurídicas poderem conduzir ao licenciamento sempre que, entretanto, entre a sua emissão e o acto de licenciamento/autorização tenham entrado em vigor normas legais e regulamentares que assim o impeçam.
.......
E objectivam os autos que essas diligências foram tomadas, não podendo o licenciamento ser concedido por não estarem demonstrados os pressupostos de norma de aplicação vinculada, sendo irrelevante a imprecisão da data de construção da piscina e da plataforma de apoio, pois que, independentemente do dia em concreto, sempre estas edificações, implantadas em zona de protecção de albufeira e área de uso agrícola, violaram o Plano de Ordenamento da Albufeira do Castelo de Bode e do RJUE.
....
Por assim ser, é forçoso concluir, em sintonia com a sentença e o recorrido, que no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se verifica qualquer erro que possa impor ou justificar a modificação da decisão sobre a matéria de facto, tendo sido feita uma escrupulosa subsunção dos factos ao direito.

(iv) Da inconstitucionalidade.
.......
Ora, havendo a Sra. Juíza recorrida fundamentado que a Administração alegou e demonstrou os factos que demonstram a inviabilidade da legalização com base na adopção de um procedimento prévio e que, por isso, se encontrava devidamente fundamentada e provada a necessidade de demolição, ficou implícito que a aquela agiu de forma vinculada actuando justificadamente, não colhendo objectivamente razões de que o haja feito de forma parcial e discriminatória, maxime desproporcionada.
.................
O certo é que, como se demonstrou, a opção do órgão não é equívoca e claramente despropositada ou errónea que uma qualquer pessoa conclui facilmente, que o comportamento escolhido não é, de modo nenhum, ostensivamente desproporcionado à satisfação do fim legal dada a imparcialidade manifestada.
.......
Mas também pode analisar-se na proibição do excesso que impõe que na actuação administrativa se escolha dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes aquelas que sejam menos gravosas, ou seja, que causem menos danos - ou seja, prevê-se intervenção mínima em perfeita consonância com o princípio de favor libertatis.
.........
Ora, como bem se considerou na decisão recorrida ancorada em jurisprudência e doutrina que mais se ajustam ao tipo de situações como a dos autos, a declarada nulidade do licenciamento da habitação não determinava - necessária e automaticamente - a demolição do edificado porquanto, também entendemos, ....., que "a demolição, como reacção última, sempre é possível e devida quando não possa concluir-se pela possibilidade de legalização da obra carecida de licença."
..........
Assim, baseando-se a ordem de demolição na violação das regras urbanísticas ao nível do PDM das regras urbanísticas, mas ao nível do POACB, na esteira do MP, também entendemos que o poder de demolição, como medida de tutela da legalidade urbanística, outorgado pelo art.106° do RJEU, é um poder-dever cumprindo-lhe respeitar e fazer respeitar as regras de direito público do urbanismo e construção, não se violando o princípio da proporcionalidade e o direito de propriedade consagrado no artigo 62°, n°1,da Constituição da República Portuguesa.

3. O Autor não se conforma com esse julgamento pelo que pede a admissão desta revista, para que reapreciem as seguintes questões:
1 Pode um acto ser considerado ilegal sem prova de que o mesmo ocorreu na vigência dos normativos que se dizem violados?
2 E a impossibilidade de legalização pode ser apreciada sem que previamente se determine se há ilegalidade?
Questões que decorrem da circunstância do Acórdão recorrido ter entendido que o acto que ordenou a demolição da piscina e da plataforma de apoio edificadas na moradia do Autor não estava inquinado por nenhuma ilegalidade apesar de, na alegação do Recorrente, as regras legais em que essa decisão se fundou não estarem em vigor na data da edificação daqueles equipamentos.
Acrescia que aquele Aresto também decidira erradamente quando entendera que a ordem de demolição não violava o princípio de proporcionalidade.

4. Como acaba de ver, o Recorrente construiu, sem qualquer licenciamento, uma piscina e uma plataforma de apoio na sua moradia o que veio provocar a prolação do acto impugnado - a ordem de demolição daquelas construções.
O Acórdão recorrido, sufragando a sentença do TAF, considerou que esse acto não sofria dos vícios que o Recorrente lhe imputara uma vez que as mencionadas construções foram implantadas em zona de protecção de albufeira e área de uso agrícola e, por essa razão, violarem não só o Plano de Ordenamento da Albufeira do Castelo de Bode como o RJUE.
Contra essa decisão se insurge o Recorrente fundando a sua crítica no facto de se desconhecer a data em que as referidas obras tiveram lugar e daquele Plano ter entrado em vigor após a sua conclusão e que, por ser assim, não se podia concluir que tais obras eram ilegais já que a nova legislação era, em certos aspectos, substancialmente diferente da que foi revogada e não era aplicável. Ou seja, e dito de forma diferente, o acto era ilegal por a sua fundamentação ter sido colhida em legislação que, ainda, se não encontrava em vigor na data em que as obras em causa em causa foram executadas e concluídas.
Todavia, o Acórdão sob censura rechaçou essa crítica com a invocação do princípio "tempus regit actum" o qual manda aferir a legalidade do acto pela situação de facto e de direito existente à data da sua prolação, daí concluindo que a legalidade das referidas edificações teria de ser avaliada de harmonia com as normas do citado Plano, pois só na sua vigência é que a legalidade das mesmas pôde ser apreciada. Também por essa razão era inútil a produção de prova sobre a data da conclusão das citadas obras.
Ora, tudo indica que este entendimento não merece censura razão pela qual se não se justifica admitir o recurso para a reapreciação dessa questão.
Por outro lado, também não parecem ser justificadas as críticas dirigidas ao Acórdão no tocante à apreciação dos restantes vícios apontados ao acto impugnado, nomeadamente à violação do princípio da proporcionalidade, por a legalização da construção não se mostrar possível.
Impõe-se, assim, concluir pela desnecessidade da admissão da revista.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir o recurso.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 26 de Junho de 2019. - Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.