Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0975/09 |
Data do Acordão: | 11/25/2009 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | VALENTE TORRÃO |
Descritores: | IRS MAIS VALIAS BENS DA HERANÇA IMPUGNAÇÃO RECLAMAÇÃO GRACIOSA |
Sumário: | I – Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram. II – Assim, porque a alienação (no caso dos autos, permuta com outros bens de terceiro) de quinhão hereditário, mesmo que a herança seja apenas constituída por bens imóveis, não pode considerar-se “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, não estão sujeitos a IRS os eventuais ganhos resultantes dessa alienação. III – A impugnação judicial deduzida na sequência de indeferimento de reclamação graciosa e com o mesmo fundamento desta, tem por objecto a anulação do acto tributário. IV – Deste modo, julgando o juiz procedente a impugnação por ilegalidade do acto tributário, deve anular esse acto e não anular o despacho de indeferimento da reclamação graciosa e ordenar a sua substituição por outro que, reconhecendo a ausência de norma de incidência acima exposta, decida a reclamação”. |
Nº Convencional: | JSTA000P11177 |
Nº do Documento: | SA2200911250975 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Braga, que julgou improcedente a impugnação deduzida por A…, contribuinte fiscal nº 132 303 108, residente no Lugar …, freguesia de …- Braga, contra a liquidação adicional de IRS do ano de 1999, no montante de 20.7812,25 euros, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui: 1ª) - A douta decisão em recurso violou os artigos 9°, n° 1 e 10°, n°1, alínea a), do CIRS. 2ª)- Ao direito fiscal interessa mais as situações de facto e o seu significado económico do que propriamente as situações de direito, dado que o objecto de tributação é iminentemente económico e não jurídico. 3ª)- No plano do direito fiscal interessa, para efeito de tributação a título de mais-valias, a transmissão de bem imóvel que se opera com a entrada desse bem no património do adquirente. 4ª) - A transmissão do quinhão hereditário de herança ilíquida e indivisa integrada tão só por bens imóveis, em certos e determinados casos - como é o caso dos autos e dos exemplos enunciados a fls. 6 e 7 da motivação deste recurso - em nada se distingue, de facto, da transmissão do direito de propriedade que o comproprietário detém sobre bens imóveis pois em qualquer um dos casos verifica-se, de facto, a transmissão de uma quota parte ideal do direito de propriedade dos imóveis. 5ª)-No caso dos autos, o ganho obtido com a transmissão do quinhão hereditário deve ser objecto de tributação, a título de mais-valias, porquanto com a transferência do direito de propriedade operada, por força da lei, com o óbito do de cujus (artigo 1317°, alínea b) e 2031°, ambos do Cód. Civil) e com a intervenção dos herdeiros acompanhados dos respectivos cônjuges na Escritura Pública celebrada em 14 de Outubro de 1999 (artigo 1682°-A, n°1, alínea a), do Cód. Civil), herdeiros e cônjuges transmitiram o direito de propriedade que incidia sobre os imóveis da herança, na proporção da quota ideal que cabia a cada herdeiro nessa herança. 6ª) - No caso dos autos, o ganho obtido com a transmissão do quinhão hereditário deve ser tributado, a título de mais-valias, uma vez que com a Escritura Pública celebrada em 14 de Outubro de 1999, o adquirente recebeu e passaram a fazer parte do seu património, uma quota parte ideal dos bens que integravam a herança ilíquida e indivisa (apenas bens imóveis), concretamente, a quota parte ideal que cabia a cada herdeiro na herança. 7ª) - Caso se entenda o contrário, o que por mera cautela se admite, a douta decisão em recurso violou o artigo 111°, n° 3, do CPPT ao determinar a pratica de acto administrativo, concretamente, a substituição do despacho impugnando (decisão proferida em sede de reclamação graciosa) por outra a proferir em conformidade com a decisão judicial. 8ª) - Apensado o processo administrativo (reclamação graciosa) ao processo de impugnação judicial e neste proferida decisão, transitada em julgado, a anular a liquidação, a decisão proferida em processo administrativo deixa de subsistir. Nestes termos e nos mais de direito que serão doutamente supridos por Vs. Excs., deve o presente recurso obter provimento. 2. O MºPº emitiu o parecer constante de fls. 109/110, defendendo a manutenção da decisão recorrida, uma vez que, não estando prevista no artº 10º do CIRS a tributação de mais valias resultante da alienação de quinhão hereditário, a liquidação efectuada resulta de “uma inaceitável interpretação analógica da norma, com violação do princípio da tipicidade, vigente no domínio da incidência tributária (artº 103º, nº 2 da CRP e artº 11º, nº 4 da LGT)”. 3. Colhidos os vistos legais, cabe agora decidir. 4. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos: l- Por Escritura Pública celebrada em 14 de Outubro de 1999, no 2° Cartório Notarial de Braga, o Impugnante, sua mulher B… e C… e mulher … receberam da sociedade comercial D…, os seguintes bens: a. Fracção autónoma designada pela letra O, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, da freguesia de Real, do concelho de Braga, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 609; b. Prédio urbano, da freguesia de Dume, do concelho de Braga, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 628; c.Quantia de trinta e dois (32) mil contos, actualmente equivalente a €159.613,33. 2- Em troca, o Impugnante, sua mulher B… e C… e mulher … entregaram à referida sociedade comercial os quinhões hereditários que lhes pertenciam na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de E…. 3- E… faleceu em 6 de Maio de 1989, no estado de viúva, 4- Não deixou testamento, doação ou qualquer outra disposição de bens, 5- Pelo que sucederam-lhe seus filhos (herdeiros legítimos) C…, B… e …. 6- O Impugnante não era herdeiro da falecida E… mas cônjuge de um dos herdeiros. 7- Do património da referida E... faziam parte os bens que se passam a indicar, todos da freguesia de Palmeira, concelho de Braga: a. prédio rústico inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 58; b. prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 81; c. prédio rústico inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 85; d. prédio rústico inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 88; e. prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo 106. 8- No dia 26 de Dezembro de 2002 apresentou o impugnante, no Serviço de Finanças de Braga 2, a declaração de IRS relativa ao ano de 1999, na qual fez constar, indevidamente, no anexo G, a alienação do quinhão hereditário. 10 -Em 18 de Julho de 2003, na sequência da recepção da nota de liquidação de IRS 2003-5130067382, apresentou no mencionado serviço de finanças uma declaração de substituição de IRS, da qual deixou de constar o anexo G, 11-Requerendo a anulação da nota de liquidação e elaboração de outra nota, de acordo com a declaração de substituição apresentada, pretensão esta que foi indeferida pela Administração Fiscal. V. A questão a apreciar no presente recurso, de acordo com as conclusões das alegações (v. fls. 100/101), é a de saber se os ganhos resultantes da alienação de quinhão hereditário constituído apenas por imóveis, está abrangido pela incidência do artº 10º, nº 1, alínea c) do CIRS. A tese da recorrente Fazenda Pública em defesa da sujeição a imposto é a seguinte: a) Ao direito fiscal interessa mais as situações de facto e o seu significado económico do que propriamente as situações de direito, uma vez que o objecto da tributação é imediatamente económico e não jurídico. b) No caso dos autos, o ganho obtido com a transmissão do quinhão hereditário deve ser tributado a título de mais valias, uma vez que com a escritura pública de 14.10.1999 o adquirente recebeu e passou a fazer parte do seu património uma parte ideal dos bens que integravam a herança ilíquida e indivisa, concretamente a quota parte ideal que caberá a cada um dos herdeiros. c) Dito por outras palavras, a transmissão do quinhão hereditário de herança líquida e indivisa integrada tão só por bens imóveis, em nada se distingue de facto do direito de propriedade que o comproprietário detém sobre bens imóveis pois, em qualquer dos casos, se verifica a transmissão da quota ideal do direito de propriedade de imóveis. d) Assim sendo, a situação enquadra-se no artº 10º, nº 1, alínea a) do CIRS. Diferente entendimento manifesta o impugnante, louvando-se nos seguintes argumentos: a) A alienação de um quinhão hereditário é coisa distinta da alienação ou constituição de um direito real sobre imóvel, embora da massa da herança possa fazer parte um ou mais prédios. b) Com efeito, até à partilha e enquanto se mantiver o estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre certos e determinados bens, nem um direito real sobre os bens em concreto da herança nem sequer uma quota parte de cada um deles, mas apenas uma fracção ideal do conjunto. c) Deste modo, porque apenas se procedeu à alienação do direito e acção à herança por óbito de E… e não à transmissão de um direito real sobre imóvel, não é aplicável o artº 10º do CIRS. A sentença recorrida decidiu em sentido favorável ao impugnante utilizando argumentação semelhante à por este invocada. Vejamos então se os factos dados como provados permitem ou não concluir pela aplicação do disposto no artº 10º, nº 1, alínea a) do CIRS. V.1 A referida norma estabelece o seguinte: “1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;” Resulta do probatório que: |