Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0218/16.4BESNT
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28397
Nº do Documento:SA2202110270218/16
Data de Entrada:07/27/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A……………., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A representação da Fazenda Pública (rFP) recorre de sentença, proferida, em 31 de março de 2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que julgou procedente impugnação judicial, apresentada por A………………., S.A., …, visando decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), referentes ao ano de 2011.
Alegou e concluiu: «


18.º
Ponderados e analisados todos os elementos dos autos, bem como os argumentos invocados para a procedência da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, cremos ter deixado bem claro que as pretensões da Impugnante, ora Recorrida, são outrossim, totalmente improcedentes e que as liquidações contestadas e mantidas em sede de procedimento, são legitimas e legais, não nos merecendo as mesmas, qualquer reparo.
19.º
Nesta conformidade, deverá a sentença recorrida ser revogada em todos os seus segmentos, e substituída por acórdão que analise cabalmente as questões de direito suscitadas, em cumprimento das normas legais em vigor, e se pronuncie sobre o pedido formulado pela Fazenda Pública, no sentido de ser dado provimento ao recurso, tudo com as devidas consequências legais.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, por provado, e em consequência, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que analise cabalmente todas as questões suscitadas pela ora recorrente, com as devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada justiça. »
*

A recorrida (rda) formalizou contra-alegações, que integram o seguinte quadro conclusivo: «

[IMAGEM]


*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto (Pga) emitiu parecer, onde suscitou, em exclusivo e a título de questão prévia, a incompetência, no segmento da hierarquia, da Secção de Contencioso Tributário, do STA, para conhecer deste apelo.

Notificadas as partes, a rda pronunciou-se e concluiu “pela improcedência da questão prévia suscitada e pelo prosseguimento dos presentes autos”.


*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos apreciar e decidir a coligida exceção.

*******


# II.

Na sentença recorrida, mostram-se elencados os seguintes factos, dados como provados, com interesse para a decisão: «

a) A Impugnante, « A……………….., S.A.», é uma sociedade comercial com sede em território nacional, que tem por nomeadamente por objeto a importação de veículos e a sua distribuição em território português (facto não controvertido e parcialmente confirmado a fls. 120 do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

b) À Impugnante foram emitidas liquidações de IUC e dos respetivos juros compensatórios, referentes a 2011, que deram origem aos seguintes documentos únicos de cobrança:


(…)

(provado pelos documentos n.ºs 6 juntos aos pedidos de revisão oficiosa apresentados pela Impugnante, os quais correram termos sob os números 3522201502000431 e 352220150200059);
c) Os documentos únicos de cobrança foram pagos pela Impugnante (provado por documento, de fls. 121 a 157 do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

d) Durante o último trimestre de 2010 e o ano de 2011, a Impugnante vendeu à «B…………. S.A.», atualmente denominada por «B………………, S.A.», parte dos veículos identificados na alínea anterior, tendo, para o efeito, emitido faturas com os seguintes elementos:


(…)

(factos não controvertidos, confirmados pelo documento n.º 7 junto à petição inicial, e no que se refere à atual denominação da compradora, por consulta às publicações on-line de atos societários do Portal da Justiça);
e) Durante o ano de 2011, a Impugnante vendeu à «A…………… Distribuição, S.A.» parte dos veículos identificados na alínea b), tendo, para o efeito, emitido faturas com os seguintes elementos:

(…)

(factos não controvertidos e confirmados pelo documento n.º 7 junto à petição inicial);
f) O primeiro registo do direito de propriedade sobre os veículos melhor identificados na alínea b) do probatório, no ano de atribuição da matrícula, encontrava-se à data da ocorrência dos respetivos factos tributários, em nome da Impugnante (facto não controvertido, alegado pela Impugnante nos artigos 5.º e 6.º da petição inicial, que remetem para os atos identificados no pedido de revisão oficiosa e respetivas listas, e pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública, no artigo 44.º da contestação, além de ser confirmado pelos serviços da AT, no artigo 66.º do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º 3522201502000431)

g) Em 03-08-2015, deu entrada, no serviço de finanças de Oeiras 3, de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação que deram origem aos documentos de cobrança identificados nos pontos 1 a 267 da alínea b) do probatório, o qual correu termos sob o n.º 3522201502000431 (provado por documento, de fls. 2 a 57 do respetivo procedimento de revisão oficiosa, apenso aos autos);
h) Através do ofício n.º 3331, de 26-10-2015, da Unidade dos Grandes Contribuintes, a Impugnante foi notificada, para exercer o direito de audição prévia, do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa identificado na alínea anterior, com os seguintes fundamentos:


(…)

(provado por documento, de fls. 62 a 94 do procedimento de revisão oficiosa n.º 3522201502000431, apenso aos autos)
i) A Impugnante não exerceu o direito de audição prévia no procedimento de revisão oficiosa n.º 3522201502000431 (provado por consulta aos autos e aos procedimentos apensos aos mesmos);

j) Através do ofício n.º 3507, de 11-11-2015, a Impugnante foi notificada do despacho de 10-11-2015, proferido pela Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, a indeferir do pedido de revisão oficiosa n.º 3522201502000431, em concordância com a informação que o precedeu e que manteve o projeto de decisão (provado por documento, de fls. 96 a 99 do procedimento de revisão oficiosa n.º 3522201502000431, apenso aos autos, e a fls. 96 do procedimento de revisão oficiosa n.º 3522201502000598);
k) Em 24-09-2015, deu entrada, no serviço de finanças de Oeiras 3, de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação que deram origem aos documentos de cobrança identificados nos pontos 268 e 269 da alínea b) do probatório, o qual correu termos sob o n.º 3522201502000598 (provado por documento, de fls. 1 a 53 do respetivo procedimento de revisão oficiosa, apenso aos autos);

l) Através do ofício n.º 0023, de 05-01-2016, da Unidade dos Grandes Contribuintes, a Impugnante foi notificada, para exercer o direito de audição prévia, do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa identificado na alínea anterior (provado por documento, de fls. 59 a 75 do procedimento de revisão oficiosa n.º 3522201502000598, apenso aos autos);

m) A Impugnante não exerceu o direito de audição prévia no procedimento de revisão oficiosa n.º 3522201502000598 (provado por consulta aos autos e aos procedimentos apensos aos mesmos);

n) Através do ofício n.º 0221, de 20-01-2016, da Unidade dos Grandes Contribuintes, a Impugnante foi notificada do despacho de 20-01-2016, proferido pela Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, a indeferir do pedido de revisão oficiosa n.º 3522201502000598, com os seguintes fundamentos:
«(…) »

***

Nos termos (entre outros normativos, vertidos no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), que apontam no mesmo sentido ( Arts. 26.º alínea b) e 38.º alínea a).) do disposto no art. 280.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), das decisões dos tribunais tributários (de 1.ª instância) cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os, dois, Tribunais Centrais Administrativos, “salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito”, caso em que tal apelo tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do STA.

A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do art. 16.º n.º 1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal, a que é, indevidamente, dirigido o recurso.

Versando a delimitação de competências entre o STA e o/s TCA/s para o conhecimento de recursos visando decisões dos tribunais tributários, o Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa ( Cf. Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), anotado, 4.ª edição, Vislis, pág. 144 segs.) dá nota das posições que sobre a matéria o STA tem vindo a adotar (há longo tempo), de forma unânime e reiterada.

Assim, em síntese, é inquestionável e perfeitamente percetível, dever entender-se que um recurso “não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações (…), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm sequer suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa” ( Nos específicos termos utilizados pelo acórdão, do STA, de 15 de novembro de 2006 (461/06), “…, o que há a fazer para decidir a questão da competência hierárquica, é apenas verificar se o recorrente pede a alteração da matéria de facto ou invoca factos que não vêm dados como provados (…)”.).

E, também, não tem esse imprescindível e específico fundamento “… se em recurso for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências (de) prova ou sua determinação”. Acresce o ditame de que “a questão da competência (…) tem de ser decidida em face do quid disputatum ou quid decidendum e não em face daquilo que, na sequência da actuação do tribunal competente, será mais tarde o quid decisum”.


Na situação julganda, como, cirurgicamente, identifica o Exmo. Pga, da conjugação do conteúdo da conclusão 18.º com o dos pontos 10.º e 14.º da alegação correspondente

(« 10.º
Conforme decorre dos autos, a impugnante não logrou em momento algum demonstrar de forma cabal a venda dos pressupostos veículos.)

14.º
Ambos os documentos surgem na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador, assim não fazendo prova do pagamento do preço pelo mesmo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda (somente a emissão de fatura/recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação - cfr. artigo 787.º do Código Civil) – vide que em momento algum destes autos, a ora Recorrida, logrou juntar tais documentos inviabilizando assim que a compra e venda se tornasse clara e efectiva para esta Administração. »), decorre a constatação de que a rte “Está a emitir juízos sobre questões probatórias, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida, supostamente, violados na sua determinação.”. E, acrescenta o apontamento de que tais conclusões “contrariam a factualidade dada como provada nas alíneas d) a f) dos factos provados”; o que, a rda, aliás, também, entende, nos termos vertidos na conclusão III das suas contra-alegações.
Neste cenário, sem prejuízo de, eventualmente ( Circunstância que, somente, um tribunal de recurso com competência em matéria de facto poderá avaliar.), a rte não haver questionado de forma direta, ou melhor, relevante do ponto de vista processual, a factualidade julgada provada pelo tribunal recorrido, é indiscutível o seu propósito de que o sentido do julgado, na sentença sob crítica, seja reavaliado e firmado em sentido contrário (julgando as pretensões da impugnante totalmente improcedentes), mediante a operação (pelo tribunal ad quem) de diferente valoração de determinada prova por documentos, com o funcionamento, concertado, de específicas regras de repartição do ónus da prova ( Cf., complementarmente, pontos 15.º a 17.º da alegação.).
Destarte, sendo preciso (independentemente do resultado final) desenvolver atividade, judicial, com matriz factual/probatória, não estamos perante recurso que tem em matéria de direito o seu único, exclusivo, fundamento.

*******

# III.

Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos declarar, este, incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional.


*

Custas pela recorrida, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

*

Oportunamente, remeta-se o processo, ao Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) - art. 18.º n.º 1 do CPPT.

*****
[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 27 de outubro de 2021. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (Relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.