Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01046/05
Data do Acordão:02/07/2007
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IRC.
CUSTO FISCAL.
Sumário:Não constituem custos de uma sociedade, nos termos do artigo 23.º do CIRC, os encargos por si suportados com empréstimos bancários contraídos para fazer face a prestações acessórias efectuados a uma sociedade sua associada pelos quais não cobrou quaisquer juros.
Nº Convencional:JSTA00063880
Nº do Documento:SA22007020701046
Data de Entrada:10/18/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF VISEU.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CIRC88 ART23.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
I – A…, com sede na …, …, Aveiro, veio impugnar as liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 1994 a 1996.
Por sentença do Mmo. Juiz do TAF de Viseu foi a impugnação julgada improcedente.
Não se conformando com tal decisão, dela vem agora interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
I. A sentença proferida pelo tribunal “a quo” não considerou como custos fiscais (art.º 23.º CIRC) os encargos financeiros suportados pela ora Recorrente, nos anos de 1994, 1995, 1996, resultantes de empréstimos bancários contraídos para fazer face a “prestações acessórias”, efectuadas à sua associada “B...”, pelas quais esta não pagou juros.
II. E, para concluir pela improcedência do pedido da ora Recorrente, baseou-se essencialmente nos seguintes argumentos: 1.º) que tais encargos financeiros “não têm qualquer relação com a actividade para que a Impugnante está colectada”; 2.º) que “o carácter gratuito para a B… de tais empréstimos é condição diferente da que seria normalmente estabelecida se se tratassem de empresas independentes (…). A A... teria forçosamente de apurar um resultado superior ao declarado”; 3.º não foi feita a prova da conversão das prestações acessórias em capital da B…; 4.º no Acórdão do STA 0246/02, de 10/07/2002, “a propósito das relações entre empresas do mesmo grupo” não foram considerados como custos fiscais a assumpção de prejuízos de uma participada por uma SGPS. No entanto,
III. Em primeiro lugar, a “ratio legis” do art.º 23.º do CIRC e o conceito de rendimento tributável subjacente remete-nos para o princípio da universalidade do rendimento (n.º 5 do Preâmbulo e art.º 20.º CIRC), que dita que todo o rendimento de uma qualquer aplicação que uma sociedade comercial faça dos meios financeiros de que disponha integra o rendimento tributável. Portanto,
IV. O facto de esses encargos estarem ou não relacionados com a actividade da ora Recorrente é irrelevante.
V. Por outro lado, quanto ao requisito constante no art.º 23.º do CIRC, isto é, à exigência de um nexo de causalidade entre o custo e a manutenção da fonte produtora, encontra-se verificado no caso concreto. De facto,
VI. No que concerne a encargos financeiros, esse nexo verificar-se-á sempre que os correspondentes meios sejam utilizados na aquisição de bens susceptíveis de gerar rendimentos ainda que futuros.
VII. Por isso, nada impede que esses meios financeiros sejam aplicados em prestações acessórias a uma participada, ainda que formalmente gratuitas. Efectivamente,
VIII. Em primeiro lugar, essa aplicação reforça a estrutura financeira da participada e, por consequência, a sua capacidade de gerar riqueza, sendo essa riqueza susceptível de produzir rendimento futuro da participante.
IX. Em segundo lugar, o argumento da gratuitidade de tais empréstimos para a B... ser condição diferente daquela que resultaria se estivessem em causa empresas independentes faz emergir o verdadeiro fundamento deste processo.
X. E a ponderação que neste processo é dada à questão das relações especiais entre a Recorrente e a B... tornando-se evidente na formulação da douta sentença recorrida conduz necessariamente a um vício insanável.
XI. É que a fundamentação que o suporta daria azo apenas a correcção do lucro tributável nos termos do artigo 57.º do Código do IRC e não à liquidação adicional resultante da desqualificação dos encargos financeiros como custos fiscais para efeitos do artigo 23.º do mesmo Código.
XII. Estamos, portanto, perante a aplicação analógica de normas de procedimento e processo tributário, aplicação vedada pelo princípio da legalidade tributária.
XIII. Dessa aplicação analógica decorre a própria nulidade do acto de liquidação da Administração Fiscal, por
XIV. Ofender o conteúdo essencial dos direitos de propriedade (art.º 62.º da CRP), igualdade (art.º 13.º CRP) e de defesa do sujeito passivo (art.º 133.º, n.º 2, alínea d) do CPA), ao inviabilizar-se a possibilidade de recurso hierárquico para o Ministro das Finanças
XV. E por carecer em absoluto de forma legal, dado que uma liquidação adicional não poderá nunca ter como fundamento questões que dariam origem à correcção do lucro tributável (art.º 133.º, n.º 2, alínea f) do CPA);
XVI. Em terceiro lugar, a falta de prova da conversão das prestações acessórias em capital da B... é absolutamente irrelevante na ponderação da consideração como custos fiscais dos encargos financeiros suportados pela Recorrente. E isto porque as prestações acessórias implicam não uma variação do património líquido do sujeito passivo, mas uma mutação qualitativa no património (situação distinta da criada pela assumpção de prejuízos).
XVII. Em quarto e último lugar, ao socorrer-se do Acórdão do STA de 10/07/2002 relativo à assumpção de prejuízos de uma participada por uma SGPS, está a louvar-se em jurisprudência que não tem aplicação ao caso. De facto,
XVIII. Na assumpção de prejuízos de uma participada, tal como alguma prática contabilística a vem tratando, opera-se uma redução do património da participante, enquanto que
XIX. Na concessão de prestações acessórias, verifica-se apenas uma mutação qualitativa no património da participante, isto é, uma “troca” de meios financeiros por direitos de crédito sobre a participada, sem que dessa “troca” resulte uma qualquer variação do património líquido do sujeito passivo.
XX. Estamos, pois, perante a aplicação analógica de uma decisão a uma situação que não se subsume naquela que foi objecto dessa mesma decisão.
Não houve contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:
A) A Impugnante A…, contribuinte n.º …, com sede na …, …, em 06-10-98, nos termos dos artigos 95.º e seguintes do Código de Processo Tributário, apresentou Reclamação porque a Administração Fiscal lhe efectuou correcções à matéria colectável por ter concluído que suportou os encargos de natureza financeira, nos anos de 1994, 1995 e 1996, nos montantes, respectivamente, de Esc. 1 500 608$00, 74 792 238$00 e 68 846 237$00, resultantes de empréstimos bancários e outros contraídos a partir de finais de 1994 para fazer face a “prestações acessórias” efectuados à sua associada B..., pelos quais não cobrou quaisquer juros.
B) Reclamação Graciosa que terminou em despacho de indeferimento proferido em 10-12-99, notificado à Impugnante em 23-12-99.
C) A Impugnante, não se conformando com o indeferimento, veio a deduzir a presente impugnação, datada de 31-12-99, com data de entrada de 03-01-2000.
D) As correcções aqui impugnadas tiveram como fundamentação, no essencial, o seguinte: tais encargos não poderiam ser contabilizados como custos “uma vez que não têm qualquer relação com a actividade para que a Impugnante está colectada”, “o carácter gratuito para a B... de tais empréstimos é condição diferente da que seria normalmente estabelecida se se tratasse de empresas independentes. A A... ao não debitar juros à B... conduziu a que o resultado apurado ao longo dos exercícios fosse diferente do que se apuraria se não existisse aquela condição. A A... teria forçosamente de apurar um resultado superior ao declarado.
E) A Impugnante tem como objecto a fabricação de produtos minerais não metálicos, mais concretamente a fabricação de azulejos.
F) O Conselho de Administração da B..., em 16-06-98, “deliberou por unanimidade que o montante de Esc. 1 261 125 000$00 referente a prestações acessórias da accionista A…, inseridas na conta n.º 57.8 Reserva Acessória, pudesse vir a ser convertida em capital social, logo que o momento adequado surja.
III – Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Mmo. Juiz do TAF de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra as liquidações adicionais de IRC dos anos de 1994 a 1996.
Na referida sentença o Mmo. Juiz “a quo” não considerou como custos fiscais os encargos financeiros suportados pela recorrente resultantes de empréstimos bancários contraído para fazer face a “prestações acessórias”, efectuadas à sua associada “B...”, pelas quais esta não pagou juros.
Para concluir pela improcedência do pedido da recorrente, o Mmo Juiz “a quo” entendeu que tais encargos não podiam ser contabilizados como custos por não terem qualquer relação com a actividade para que a recorrente está colectada, por não se provar a sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora e por não haver uma relação directa entre os custos da recorrente e os custos da sua associada.
Por seu turno, vem a recorrente defendendo que tais encargos para serem considerados como custos fiscais, à luz do artigo 23.º do CIRC, não têm que estar relacionados com a sua actividade e que o financiamento a uma sua associada indirectamente lhe pode trazer proveitos no futuro.
A questão em apreço é, pois, a de se saber se os encargos suportados pela recorrente resultantes de empréstimos bancários contraídos para fazer face a prestações acessórias efectuados a uma sua associada pelos quais não cobrou quaisquer juros devem ser ou não considerados custos fiscais à luz do artigo 23.º do CIRC.
Dispõe este normativo que se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Assim, os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.
A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.
As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.
Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é a fabricação de azulejos e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.
Por outro lado, não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada.
Em conclusão, se dirá, pois, que as verbas em causa não constituem custos para efeitos fiscais.
A sentença que nesse sentido decidiu deve, por isso, ser mantida.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 60%.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2007. – António Calhau (relator) – Baeta de Queiroz - Brandão de Pinho.