Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01194/13
Data do Acordão:03/06/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CASO JULGADO
Sumário:Podendo o responsável subsidiário deduzir impugnação judicial contra a liquidação nos mesmos termos da devedora originária, não ocorre caso julgado se, já julgada improcedente impugnação judicial deduzida pela devedora originária, o responsável subsidiário invoca factos semelhantes mas oferecendo novos meios de prova, uma vez que, não tendo tido intervenção nesta impugnação não é abrangido pelos limites do caso julgado.
Nº Convencional:JSTA00068615
Nº do Documento:SA22014030601194
Data de Entrada:07/02/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPC96 ART493-498 N2 ART673.
CPPTRIB99 ART99 ART129 N1 B.
CONST76 ART20 ART263 ART268 N4.
LGT08 ART22 N4 ART24.
Referência a Doutrina:LIMA GUERREIRO - LGT ANOTADA PAG127.
JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED PAG401.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………………, com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Viseu que julgou verificada a exceção dilatória da caso julgado na impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de IRC e juros compensatórios referentes a 2003 no montante de 19.110,08 euros, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

Iª) A sentença de que ora se recorre, mui doutamente proferida nos autos supracitados, enferma de irregularidades, incorreu em erro de julgamento, aplicou mal o Direito, sendo injusta.

IIª). Incorreu em erro de julgamento ao referir que “analisados estes autos, conjuntamente com a impugnação 1553/05.2BEVIS verifica-se que há identidade de pedido, causa de pedir e também de partes.
E consequentemente julgou verificada a exceção de caso julgado, determinando a extinção da instância. Pois,

IIIª). Não há a “identidade de sujeitos” a que se reporta o nº 2 do artigo 498º do CPC

IVª). O ora recorrente, é apenas um responsável, subsidiário, pagamento e não um sucessor da sociedade originária devedora.

Vª). Aliás, conforme se alcança do teor da alínea b) do artº 129º, nº 1 do CPPT, responsável subsidiário e contribuinte (originária devedora) são partes
distintas, com qualidades jurídicas distintas.

VIª). Como forma de garantir a impugnação dos atos tributários lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos (cfr. o artº. 268º, 4, da CRP) e a tutela jurisdicional efetiva dos direitos legalmente protegidos dos cidadãos, dispõe o artº. 22°, n° 4 da LGT que, o responsável subsidiário, citado em processo de execução fiscal, pode usar os mesmos meios graciosos e contenciosos que o devedor originário, isto é, deduzir reclamação ou impugnação judicial com fundamento em qualquer ilegalidade, quer as referidas no elenco do artigo 99° do CPPT, quer outras que inquinem o ato de liquidação do tributo.

VIIª). A lei não estabelece qualquer limitação ao exercício dos citados direitos, pelos responsáveis subsidiários, mormente, quando originária devedora já tenha impugnado a liquidação que deu origem à divida exequenda para cujo pagamento o gerente está a ser responsabilizado.

VIIIª). Pelo que, podem sempre, exercer os direitos que a lei no artº. 22º, 4 da LGT lhes confere.

IXª). O responsável subsidiário, ora recorrente, não teve intervenção na impugnação judicial deduzida pelo sujeito passivo originário, pelo que, a sentença proferida naquele processo não produz caso julgado relativamente a ele, pois, a sentença só constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, vinculando apenas as partes no processo.

Xª). Acresce ainda que, também, não se verifica total identidade na causa de pedir invocada nas duas ações, com efeito, o ora impugnante invoca, na presente ação, fundamentos de facto, factos e meios de prova diferentes dos invocados pela originária devedora na impugnação que deduziu.

A douta sentença recorrida violou os artºs. 498º, 495º, 494º, 493º do CPC, artº. 22º, nº 4 da Lei Geral Tributária, artigo 20º, nº 1, e artº. 263º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos melhores de direito, com o sempre mui douto suprimento de Vªs Ex.cias deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, devendo o processo prosseguir os seus termos, para conhecimento do mérito da impugnação assim fazendo Vªs Ex.cias a costumada e habitual justiça

2. O MºPº emitiu o parecer que constitui fls. 1707/71, no qual defende a procedência de recurso, uma vez que o caso julgado produzido na ação deduzida pela sociedade originária não produz efeitos quanto ao recorrente.

Isto, pelas seguintes razões:

Desde logo, do previsto no artº. 24º. da L.G.T. resulta que o gerente é apenas subsidiariamente responsável relativamente à sociedade originária devedora, segundo o regime de conjunção, entre os gerentes seja aplicável a solidariedade.
Por essa razão ao mesmo é reconhecido o direito de impugnar também a liquidação a qual, aliás, lhe tem de ser notificada, conforme previsto no artº. 22º, nº. 4 da L.G.T..
De tal decorre que os efeitos do caso julgado só vinculariam o recorrente se tivesse tido intervenção na anterior impugnação, o que, aliás, também seria possível de acordo com o previsto no artº. 129º. do C.P.P.T..
Só que não tendo intervindo na mesma, a sentença proferida não produz quanto a si caso julgado formal, como em face do anteriormente referido não é de reconhecer que produza caso julgado material quanto ao defende com aquela ocorrer, erro sobre os pressupostos e errónea determinação da matéria coletável.
Assim sendo, e não sendo de reconhecer limites decorrentes do caso julgado produzido na ação em que apenas aquela sociedade foi interveniente e que apenas à mesma vincula, o caso julgado não produz quanto a si efeitos - art. 498º, nºs 1 e 2 do CPC.

3. Na decisão recorrida, constante de fls. 107/107-vº, não foi fixado qualquer probatório, limitando-se o Mmº Juiz recorrido a invocar factos quer da petição inicial, quer da impugnação nº 1553/05 deduzida pela devedora originária.

Nesta última impugnação, foram dados como provados os seguintes factos:

1º). A impugnante não apresentou a declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2003.

2º). A Administração Fiscal remeteu para o domicílio fiscal da impugnante, a nota de demonstração da liquidação oficiosa de IRC, datada de 22/7/2005, referente ao exercício de 2003, elaborada com base na matéria coletável do exercício anterior, no valor de € 12.110,02, que admitia pagamento voluntário até 31 de agosto de 2005, de que esta foi notificada no decurso de 2005.

3º). Dá-se por integralmente reproduzido o teor do documento de fls. 23/24.

4º). O estabelecimento comercial explorado pela impugnante, sito em ………….., foi encerrado em 11/6/2001, em cumprimento de deliberação do Infarmed, publicada na II Série do DR de 4/7/2003.

5º). A impugnante não solicitou ao Infarmed o acesso ao interior do estabelecimento encerrado com vista a obter os elementos da contabilidade que se encontravam no seu interior.

6º). A presente impugnação foi apresentada em 29 de novembro de 2005.

4. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

5. A única questão a conhecer no presente recurso é a de saber se o caso julgado que se formou relativamente à impugnação deduzida pela sociedade originária se projeta também sobre o responsável subsidiário, impedindo-o, por isso, de impugnar a dívida judicialmente.

5.1. A decisão recorrida entendeu que, no caso concreto, estamos perante a verificação da exceção dilatória do caso julgado, porquanto, “conjugadamente com a impugnação 1553/05.2BEVIS verifica-se que há identidade de pedido, causa de pedir e também de partes”

E escreveu-se ainda na decisão recorrida o seguinte:

“Sobre a identidade das partes a ela não obsta o facto de nestes autos ser impugnante o responsável pela via da reversão e na impugnação 1553/05 a impugnante ser a originária devedora.
No que respeita ao pedido e à causa de pedir a identidade também se verifica apesar de a impugnante referir que há novos factos. No essencial o que se pede é a anulação da liquidação por alegado erro na quantificação decorrente da não consideração de só ter exercido atividade até 11 de julho de 2013. Na aludida impugnação onde já há decisão transitada em julgado apreciou-se a referida argumentação tendo-se concluído que a não consideração dos elementos de escrita se deveu a ato imputado à impugnante que nada fez para apresentar os referidos elementos”.

5.2. O recorrente, por sua vez, alega que não há a “identidade de sujeitos” a que se reporta o nº. 2. do artigo 498º do CPC, uma vez que é apenas um responsável, subsidiário pelo pagamento e não um sucessor da sociedade originária devedora.
Conforme se alcança do teor da alínea b) do artº. 129º, nº 1 do CPPT, responsável subsidiário e contribuinte (originária devedora) são partes distintas, com qualidades jurídicas distintas.

Por isso mesmo, como forma de garantir a impugnação dos atos tributários lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos (cfr. o artº 268º, 4, da CRP) e a tutela jurisdicional efetiva dos direitos legalmente protegidos dos cidadãos, dispõe o artº. 22°, n° 4 da LGT que, o responsável subsidiário, citado em processo de execução fiscal, pode usar os mesmos meios graciosos e contenciosos que o devedor originário, isto é, deduzir reclamação ou impugnação judicial com fundamento em qualquer ilegalidade, quer as referidas no elenco do artigo 99° do CPPT, quer outras que inquinem o ato de liquidação do tributo.

Ora, a lei não estabelece qualquer limitação ao exercício dos citados direitos, pelos responsáveis subsidiários, mormente, quando originária devedora já tenha impugnado a liquidação que deu origem à divida exequenda para cujo pagamento o gerente está a ser responsabilizado, pelo que, podem sempre, exercer os direitos que a lei no artº. 22º, 4 da LGT lhes confere.

Assim, dado que o responsável subsidiário, ora recorrente, não teve intervenção na impugnação judicial deduzida pelo sujeito passivo originário, a sentença proferida naquele processo não produz caso julgado relativamente a ele, pois, a sentença só constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, vinculando apenas as partes no processo.

Finalmente, também, não se verifica total identidade na causa de pedir invocada nas duas ações, porque o ora impugnante invoca, na presente ação, fundamentos de facto, factos e meios de prova diferentes dos invocados pela originária devedora na impugnação que deduziu.

5.3. Também o MºPº, como se referiu, entende que, não tendo o recorrente tido intervenção na impugnação deduzida pela devedora originária, não são de reconhecer os limites decorrentes do caso julgado produzido na ação em que apenas aquela sociedade foi interveniente e que apenas à mesma vincula (v. parecer de fls. 170).

Vejamos então qual destes entendimentos colhe o apoio legal.

6. O artº 22º, nº 4 da LGT determina que “As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais”.

A questão que aqui se coloca é a de saber se, tendo pela devedora originária sido impugnada a liquidação e a impugnação for julgada improcedente, pode o responsável subsidiário, após a citação deduzir impugnação judicial com fundamentos idênticos ou se, pelo contrário, tal direito só existirá se forem invocados fundamentos diversos, sob pena de eventual violação de caso julgado.

Tal como ao recorrente e ao MºPº, também nos parece que, sendo entidades distintas a sociedade e os responsáveis subsidiários, a decisão proferida na impugnação deduzida por aquela não pode constituir caso julgado relativamente a estes.

Se a devedora originária não impugnou, mantém-se o direito à impugnação por parte do responsável subsidiário.

Neste sentido, escreve Lima Guerreiro - LGT Anotada – Rei dos Livros, pág. 127 que “O número 4, por outro lado, garante o acesso à justiça dos responsáveis solidários ou subsidiários, que dispõem do direito de reclamar ou impugnar a liquidação da dívida exequenda, mesmo quando esse direito já tenha precludido para o devedor principal.
Por esse motivo, o prazo de reclamação ou impugnação conta-se a partir da citação”.

Também com alguma relação para a questão em apreço, Jorge Lopes de Sousa - CPPT Anotado e Comentado - 6º edição 2011, pág. 401, escreveu o seguinte:
“Assim, por exemplo, um responsável subsidiário que tenha tido intervenção numa impugnação judicial deduzida pelo sujeito passivo originário, ficará obrigado por uma decisão que julgue improcedente um pedido de anulação da liquidação com o fundamento invocado pelo impugnante, mas não perderá o direito de impugnar a liquidação, quando for citado como responsável subsidiário (artº. 22.°-, nº 4, da LGT), com outro qualquer fundamento que seja suscetível de afetar a validade do ato tributário.
Com efeito, a sentença constitui caso julgado apenas nos precisos limites e termos em que julga (art. 673.°- do CPC), pelo que o caso julgado abrange apenas a causa de pedir invocada no processo respetivo.
A causa de pedir em processos com finalidade de obter uma anulação ou uma declaração de nulidade é o fundamento específico de invalidade que se invoca para obter o efeito pretendido (artº. 498º, nº 4, do CPC).
Assim, julgado improcedente, por decisão transitada em julgado, um pedido de anulação de um ato tributário com fundamento em incompetência do autor do ato, por exemplo, não está impedido quem estiver abrangido pelo alcance daquele caso julgado, de pedir a sua anulação com qualquer outro fundamento, se tiver legitimidade para impugnar o ato e estiver em tempo para o fazer”.

No caso concreto dos presentes autos, tendo a devedora originária impugnado a liquidação, foi a mesma, para além do mais, julgada improcedente por não ter provado “ter efetuado alguma diligência junto do Infarmed com vista a obter autorização para recuperar tais documentos” (v. fls. 114).

Na petição inicial de impugnação o recorrente vem invocar também a mesma dificuldade na obtenção dos documentos comprovativos do tempo de atividade da devedora, mas acrescenta que “após uma delonga ação judicial, foi recentemente autorizada a reabertura do estabelecimento da originária devedora” a qual já teve acesso aos documentos contabilísticos que se encontravam nas suas encerradas instalações, sendo possível proceder-se ao apuramento e quantificação da matéria coletável do exercício de 2003.

Temos então que, quer porque são distintas as pessoas da sociedade devedora e do responsável subsidiário, conferindo a lei a este o direito de impugnar nos mesmos termos daquela, quer porque, no caso concreto, o recorrente invoca factos que a provarem-se podem conduzir à anulação da impugnação, não pode aqui invocar-se caso julgado (na verdade, apenas aqui ocorrerá a identidade do pedido e não os outros requisitos enunciados no artº 498º, nº 1 do CPC).

7. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para prosseguimento da impugnação.

Sem custas.

Lisboa, 6 de março de 2014. – Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes Dulce Neto.