Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0359/14.2BEAVR
Data do Acordão:02/12/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:TAXA MUNICIPAL
POSTO DE ABASTECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS
CONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA
Sumário:I - As taxas previstas no disposto nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Estarreja (RMTLORMME), devidas por “bombas abastecedoras de carburantes líquidos e bombas de ar ou de água” não assentam em qualquer atribuição ou competência para licenciar o posto de abastecimento de combustíveis, mas antes no poder de tributar os particulares beneficiários de utilidades prestadas ou geradas pela actividade do município, designadamente pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil ou sobre a realização de actividades dos particulares que oneram permanentemente o ambiente do município, aspectos estes não valorados no quadro do licenciamento.
II - Tais taxas são legítimas à luz do artº 3º do RGTAL, e não padecem de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade tributária no sentido de reserva de lei formal, ínsito nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2 da CRP e também no artigo 8.º da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P25595
Nº do Documento:SA2202002120359/14
Data de Entrada:07/05/2019
Recorrente:A.......,S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE ESTARREJA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A…….., S.A., devidamente sinalizada nos autos, visando a revogação da sentença de 24-04-2019, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou totalmente improcedente a impugnação que intentara contra o MUNICÍPIO DE ESTARREJA - na qual peticionava a anulação do acto de liquidação das taxas relativas a licenças de bombas abastecedoras de combustíveis e de ar do posto de abastecimento do área de serviço de Antuã A1, km 262, do ano de 2014 e no total de € 3.064,06.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente A………, S.A. as seguintes conclusões:

a) Entre o Estado Português e a B…….., SA, foi celebrado um contrato de concessão para a construção e exploração, em regime de portagem, da auto-estrada do norte, desde Vila Franca de Xira até aos Carvalhos (cfr. ponto 1 da matéria assente). Por contrato celebrado, em 28/10/1985, ao abrigo da Base I, anexa ao D.L. n.· 467/72, de 22111, na redacção dada pelo Decreto-Regulamentar n.? 5/81, de 23/01, a B………., SA cedeu à aqui impugnante, mediante o pagamento de uma remuneração, a exploração da área de serviço da Antuã, cabendo àquela, enquanto entidade concessionária das auto-estradas, fiscalizar os serviços a prestar pela impugnante naquela área de serviço (cfr. ponto 2 da matéria assente).
b) Pelo que, outra conclusão não poderá extrair-se que não seja a de que o posto de abastecimento da área de serviço onde se encontram instaladas as bombas de abastecimento de combustíveis e as tomadas de ar e água em apreço, incluindo os imóveis nele implantados, pertencem ao domínio público do Estado e integram o estabelecimento da concessão à B……
c) Assim, constituindo prerrogativa da entidade concessionária a cedência de exploração das áreas de serviço a outra entidade e sendo as auto-estradas bens do domínio público do Estado e não das autarquias locais, não compete ao Município de Estarreja a cobrança de taxas pela instalação de bombas de abastecimento de combustíveis em áreas de serviço, como sucede nos presentes autos.
d) Donde resulta que todas as competências em matéria de licenciamento, fiscalização ou outras sobre a área de serviço em referência, pertencente ao domínio Público do Estado, são da competência exclusiva da B………., S.A., enquanto entidade concessionária da Auto-Estrada do norte, estando fora da alçada das atribuições e competências cometidas à administração local.
e) Pelo que, atento acima exposto, fácil se torna concluir que os actos de liquidação de taxa impugnados se mostram feridos do vício de incompetência absoluta, sancionado com o desvalor da nulidade (cfr. art. 103°/2 do CPA). Ao não ter assim concluído, incorreu a douta sentença em violação do disposto no citado artigo 103°/2 do CPA.
f) Analisando o tributo em questão nos presentes autos, fácil se mostra concluir que o mesmo não apresenta a natureza de taxa, já que não se vislumbra qualquer "(...) prestação concreta de um serviço do domínio público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares"
g) Com efeito, os postos de abastecimento em questão nem utilizam para o seu funcionamento, quaisquer bens do domínio público ou semi-público da autarquia, inexistindo qualquer contra prestação da Câmara Municipal de Estarreja face ao pagamento da referida "taxa" pela ora recorrida, resultante da utilização privada de bens do domínio público e/ou privado camarário.
h) E nem se diga que a mencionada taxa se mostra justificada, por força da prestação de serviços públicos locais no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil, tendo sido intenção do Município de Estarreja "(...) criar uma espécie de "taxa de protecção civil", incidente sobre a instalação física (número de bombas ou aparelhos distribuidores de combustível ou ar) (...)".
i) É certo que, entre o enunciado exemplificativo das taxas municipais, a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro, figura a «prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil», (artigo 6.°, n.º 1, alínea f)). Mas não é menos certo que estes serviços têm de assentar na prestação concreta de um serviço (artigo 3.°). É que o serviço concreto exige utilidades divisíveis (artigo 5.°, n.º 2).
j) Porém, tal como resulta da matéria assente, "ao posto de abastecimento de Antuã não foram concretamente efectuadas (...) quaisquer diligências de fiscalização ou inspeção por parte dos serviços do Município de Estarreja, que não tenham contrapartida outras taxas que não as discutidas nos presentes autos. (...) não foram efectuadas inspeccões pelos bombeiros ou pela Protecção Civil".
k) Nem se diga, que o tributo em questão possui a natureza de taxa, porquanto se integra no conceito de "poluidor/pagador".
l) Com efeito, a ser admitido tal entendimento, não poderia deixar de se considerar que a norma contida nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do citado regulamento violaria os princípios do exclusivismo e da determinação a que se encontram sujeitas as taxas, porquanto não se mostram, plena e cabalmente, definidos todos os elementos do tributo.
m) Na verdade, se o valor do tributo se encontra dependente do desgaste ambiental produzido, a verdade é que a partir do teor da supra referida norma o contribuinte não se mostra capaz de conseguir perceber de que forma é medido o alegado desgaste ambiental por parte da Edilidade (v.g., considerando a dimensão do posto ou o n.º de automóveis diário), nem tão pouco o modo pelo qual o proprietário pagador poderá exigir a realização concreta de despesas, designadamente de conservação dos troços por si utilizados.
n) De todo o modo, não poderá deixar de se referir que o impacto ambiental de um posto de abastecimento de combustíveis não é especial nem gravemente intenso. Se fosse de outro modo, a instalação de postos de revenda de combustíveis encontrar-se-ia sujeita a avaliação do impacto ambiental, nos termos do Decreto-lei n.º 69/2000, de 3 de maio e a verdade é que não está.
o) A que acresce que o cumprimento das múltiplas regras técnicas a que devem obedecer os postos de abastecimento de combustíveis, no essencial, as da Portaria n.º 131/2002, de 9 de fevereiro, permite justamente que a lesão dos recursos naturais tenha uma expressão mínima, razoável e sustentável.
p) Por outro lado, no caso em apreço, a recorrida não beneficiou da remoção de qualquer obstáculo jurídico à actividade por si desenvolvida, bastando, para tanto, atentar na própria previsão do tributo.
q) Conforme se deixou acima dito, a Câmara Municipal de Estarreja não possui qualquer competência no que toca ao licenciamento para exploração do mencionado posto de abastecimento, porquanto o mesmo não se acha implantado numa rede viária municipal (não tendo, como tal, aquela Edilidade quaisquer poderes de licenciamento e/ou fiscalização), nem tão pouco em terreno do domínio público camarário.
r) E nem se diga, como faz o recorrente, que a taxa impugnada integra uma componente de desincentivo às actividades poluidoras, componente essa que respeita o princípio da proporcionalidade porquanto distingue os postos de abastecimento que prestam abastecimento na via pública ou em prédio privado.
s) É certo que a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro, veio admitir que, embora o valor da taxa esteja condicionado pelo custo da atividade pública ou pelo benefício auferido pelo particular (artigo 4.°, n.º 1), possa «ser fixado com base em critérios de desincentivo à prática de certos atos ou operações» (n.º 2).
t) Algo que o município de Estarreja parece a aplicar não apenas ao cálculo do valor da taxa, como também aos pressupostos da criação da taxa - tal qual mais um novo pressuposto - numa interpretação desconforme com a reserva constitucional do regime geral das taxas à lei parlamentar (artigo 165.°, n.º 2, da Constituição).
u) Importa, no entanto, reforçar o cuidado na aferição da conformidade constitucional da norma contida no artigo 4°, n.º 2 da Lei n.º 53-E/2006 - demasiado aberta, quando aplicada sem mais - para evitar o arbítrio e não perder de vista o pressuposto necessário das taxas: a bilateralidade.
v) Quando estas mesmas atividades de impacto ambiental já se encontram sujeitas à remoção de um obstáculo jurídico e a uma taxa devida por essa remoção - como sucede no caso dos presentes autos - nada consente ao regulamento presumir um especial impacto ambiental negativo (ao contrário do que sucede com as normas legislativas de incidência dos impostos).
x) Não deve, pois, ser tratada como possuindo um impacto ambiental negativo a tributar, pois o que é de presumir é que a licença ou a autorização só foram deferidas, depois de garantido o cumprimento das prescrições que minimizam o impacto ambiental negativo e que já foi liquidada uma taxa pela licença ou autorização, cujo valor compreende o cálculo de externalidades ambientais a suportar pelo município.
z) Finalmente, sempre se diga que o tributo criado pelo Município de Estarreja e aqui impugnado, à semelhança do que sucede com tributo de idêntica natureza criado pelo Município de Oeiras, insere-se "(...) numa constelação tributária em matéria de «unidades de abastecimento de combustível e tomadas de ar» que compreende vários tributos incidentes sobre diferentes parcelas ou equipamentos de um posto de abastecimento de combustíveis" (vide acórdão do Plenário do TC n.º 379/2018).
aa) Pelo que, em face do supra exposto, outra conclusão não poderá retirar-se que não seja a de que a norma regulamentar aplicada pela Câmara Municipal de Estarreja (pontos 7.1.2 e 7.2.2 da tabela de taxas do Regulamento Municipal de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja), aplicável a postos de combustível inteiramente instalados em domínio privado (ou domínio público do Estado) padece de inconstitucionalidade orgânica e formal, por violação do disposto nos artigos 103°, 2 e 165°, n.º 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa.
bb) O que significa que, sofrendo os referidos pontos 7.1.2 e 7.2.2 da tabela de taxas do Regulamento Municipal de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja (em que se fundaram as liquidações impugnadas) de inconstitucionalidade orgânica, não poderão deixar de se reputar de ilegais as liquidações efectuadas à sua sombra.
cc) Ao não ter assim decidido, incorreu a douta sentença recorrida em erro de julgamento.
Termos em que, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser o presente recurso julgado procedente, com as legais consequências.

Houve contra-alegações em que o recorrido MUNICÍPIO DE ESTARREJA conclui da seguinte forma:

“1- Sendo a B…… uma empresa privada que apenas detém uma concessão do Estado não detém poderes de fiscalização e licenciamento, sendo que no contrato de exploração da estação de serviço outorgado com a recorrente está expresso que as taxas devidas a autarquias e decorrentes da exploração da estação de serviço são obrigação da recorrente.
2- Numa taxa o sinalagma que a caracteriza não exige que a prestação do serviço seja contemporâneo com o pagamento e que o pagamento seja uma rigorosa contraprestação do serviço.
3- A prestação do serviço subjacente à taxa pode estar expresso e dividido por várias acções promovidas pela autarquia em função do caso concreto da recorrente.
4- O recorrido presta vários serviços específicos à recorrente.
5- A taxa paga pela recorrente aquando da emissão do licenciamento, taxa paga ao poder central, destina-se a pagar o serviço de apreciação do pedido de licenciamento. A fiscalização acometida à autarquia e as exigências que em termos de prevenção e Plano de Emergência o posto de abastecimento determina exigem a prática de actos por parte do recorrente os quais devem ser pagos através da taxa em questão.
6- Houve a preocupação por parte do recorrido em obediência ao princípio da proporcionalidade ajustar a taxa a valores distintos consoante o abastecimento de combustíveis decorra em prédio privado ou na via pública.
7- Estando perante uma actividade notoriamente poluente e geradora de perigos ao abrigo do principio do poluidor pagador deve o recorrente contribuir através do pagamento da taxa para as despesas que obriga o recorrido a ter, nomeadamente na monitorização da poluição no Rio Antuã que passa junto à estação de serviço em causa (Estação de serviço do Antuã).
TERMOS EM QUE JULGANDO O RECURSO IMPROCEDENTE SE FARÁ JUSTIÇA.”

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. Mediante contrato celebrado entre o Estado Português e a B……….., SA, o Estado atribuiu à B…… a concessão da construção e exploração, em regime de portagem, da auto-estrada do norte (A1), desde Vila Franca de Xira até aos Carvalhos – alínea a) do nº 1 do Base I do Decreto nº 467/72, de 22 de Novembro, cujas bases foram sucessivamente alteradas pelo Decreto Regulamentar n.º 5/81, de 23 de Janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 458/85, de 30 de Outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 315/91, de 20 de Agosto, e Decreto-Lei nº 294/97, de 24 de Outubro;
2. Por contrato celebrado em 28/10/1985, posteriormente sujeito a alterações, a B……. SA cedeu à C……, SARL, que posteriormente cedeu à agora Impugnante, mediante pagamento de uma remuneração, a exploração da área de serviço da Antuã, situada ao quilómetro 262 da auto-estrada do norte (A1), freguesia de Salreu, concelho de Estarreja – fls. 69 a 112 dos autos e testemunhas;
3. As instalações da área de serviço de Antuã situam-se em terreno pertencente à concessão da B……., em regime de subconcessão à A…….., no território integrado no Concelho de Estarreja – acordo e fls. 69 do processo físico;
4. A área de serviço de Antuã está localizada fora dos aglomerados urbanos mais próximos – testemunhas;
5. A área de serviço de Antuã presta serviços 24 horas por dia – testemunhas;
6. À área de serviço de Antuã acedem diariamente vários milhares de veículos, cujos condutores e ocupantes utilizam as bombas de combustível, restaurantes, casas de banho e zonas de descanso, consomem água e geram lixos, efluentes e poluição – acordo e facto público e notório;
7. Ao serviço da Impugnante, trabalham na área de serviço de Antuã 8 a 10 pessoas por cada turno – testemunhas;
8. Esses trabalhadores entram e saem da área de serviço pela auto-estrada ou pelo acesso exterior que dá para a rede viária municipal – testemunhas;
9. Ao posto de abastecimento de Antuã não foram concretamente efectuadas, durante os anos de 2009 a 2012, quaisquer diligências de fiscalização ou inspecção por parte dos serviços do Município de Estarreja, que não tenham como contrapartida outras taxas que não as discutidas nos presentes autos – testemunhas;
10. No mesmo período e às mesmas instalações não foram feitas inspecções pelos bombeiros ou pela Protecção Civil – testemunhas;
11. Não foram efectuadas alterações no plano de tráfego ou acessibilidades aos postos de abastecimento de Antuã - testemunhas;
12. Existe uma unidade de tratamento de resíduos de abastecimentos e outra de tratamento de águas sanitárias, licenciada pela APA – Agência Portuguesa de Ambiente – testemunhas;
13. Na área do posto de abastecimento usa-se água para rega dos jardins proveniente de furo próprio e usa-se água da rede pública, mediante pagamento de retribuição específica diversa da taxa em causa nos presentes autos – testemunhas;
14. Os resíduos sólidos gerados na estação de serviços, incluindo a área de restauração e outras, são recolhidos pelos serviços do Município, mediante retribuição específica diversa da taxa em causa nos presentes autos – testemunhas;
15. O posto de abastecimento de Antuã vende anualmente vários milhões de litros de combustível e é abastecido por camiões cisterna que lá vão regularmente de 3 em 3 dias – testemunhas;
16. Os camiões cisterna de abastecimento do posto de combustível circulam pela autoestrada- testemunhas;
17. Os vapores de combustível são geralmente recuperados pela Impugnante e transformados novamente em combustível - testemunhas;
18. Os reservatórios de combustível têm paredes duplas, com sensores que detectam fugas, e sujeitos a inspecção e manutenção regular - testemunhas;
19. A inspecção ao funcionamento e aferição das bombas de abastecimento é feita pela Direcção Geral da Energia – testemunhas;
20. No Município de Estarreja existe um plano de emergência de proteção civil – testemunhas;
21. Do Plano Municipal de Emergência de Estarreja extracta-se:
“3. IDENTIFICAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DOS RISCOS
3.1. RISCOS DE ORIGEM NATURAL (…) 3.2. RISCOS PROVOCADOS PELO HOMEM
3.2.1. ACIDENTE INDUSTRIAL
A perigosidade pode revelar-se pela emissão de substâncias tóxicas, inflamáveis ou de outra forma contaminantes, bem como por incêndios ou explosões susceptíveis de desenvolvimento encadeado.
Em Estarreja o tecido industrial é composto maioritariamente por pequenas/médias empresas inseridas em áreas industriais, e outras, pelas suas características, inseridas na malha urbana, não constituindo um risco elevado.
Existem ainda pontos sensíveis ao nível do comércio e serviços que constituem pontos de risco de acidente, como por exemplo os postos de abastecimento de combustíveis.
Para além do referido, a presença de um conjunto de empresas do Sector de Química de Base no Complexo Industrial de Estarreja, constitui um risco de importância considerável.
A descrição deste risco encontra-se expressa em plano específico - Plano de Emergência Externo de Estarreja - (PEEE).
3.2.2. TRANSPORTE DE MATÉRIAS PERIGOSAS
O intenso tráfego rodo e ferroviário de transporte de mercadorias perigosas na área do Município obriga a uma atenção específica inerente ao risco, meios envolvidos e às zonas de circulação, algumas delas em locais de considerável densidade populacional. O perigo pode revelar-se pela emissão de substâncias tóxicas, inflamáveis ou contaminantes do ar, água e solo, bem como por incêndios ou explosões susceptíveis de desenvolvimento encadeado.
O risco de transporte de mercadorias perigosas de e para o Complexo Químico de Estarreja está abrangido pelo Plano de Emergência Externo de Estarreja (PEEE).
3.2.3. ACIDENTES GRAVES DE TRÁFEGO
O Concelho é atravessado por várias vias importantes (especialmente a A1, A 29, E.N.109 e linha de Caminho de Ferro do Norte), pelo que existe o risco de ocorrência de acidentes graves de tráfego, rodoviário e/ou ferroviário.” – disponível ao público em http://www.cm-estarreja.pt/pdf/PMEE_SECUR-Ria_Versao_on-line.pdf;
22. Do referido Plano de Emergência Externo de Estarreja extracta-se:
“3 - IDENTIFICAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DOS RISCOS
3.1 - COMPLEXO INDUSTRIAL
A presença de um conjunto de empresas do Sector de Química de Base no complexo Industrial de Estarreja constitui um risco que, desde cedo, começou a ser equacionado. Os perigos resultantes da presença deste Complexo Industrial estão directamente relacionados com a quantidade e características químicas, físicas e toxicológicas dos produtos armazenados e processados.
Da análise destes produtos, evidenciam-se alguns que, pelas suas características e atendendo também à sua distância das zonas habitadas, podem, em caso de acidente no complexo, ter um impacto adverso na população e, como tal, exigir medidas de emergência junto desta.
Os riscos resultantes para a população podem ser caracterizados em duas situações tipo: - Emissão acidental de gás(es) tóxico(s), resultante da rotura de equipamento ou de um incêndio no Complexo Industrial;
- Emissão de produto inflamável, tendo como possíveis consequências:
• Asfixia, quando priva o organismo do oxigénio do ar, atacando ou não as vias respiratórias.
• Envenenamento, quando absorvido pelo organismo, por ingestão ou contacto, paralisa ou destrói os centros vitais.
• Explosão, quando em mistura com o ar, em determinadas proporções, provoca um rebentamento, normalmente seguido de incêndios.
• Vesicação, quando em contacto com a pele, provoca a sua destruição ou feridas graves de difícil cicatrização.
As acções a desenvolver junto da população devem ter em consideração as concentrações verificadas junto desta, as quais são resultantes da quantidade de produto emitido, das condições de dispersão e da duração do evento. (…)
3.2 - TRANSPORTE DE MATÉRIAS PERIGOSAS
3.2.1 - TRANSPORTE VIÁRIO DE MATÉRIAS PERIGOSAS
Pela existência de um Complexo Químico Industrial, o acidente com transporte de matérias perigosas é um risco importante a considerar. Os acidentes decorrentes do transporte de matérias perigosas são, na sua natureza, idênticos aos que podem ocorrer no Complexo Químico de Estarreja:
- Derrame de produtos tóxicos;
- Fuga de gás;
- Incêndio e/ou explosão.
O que diferencia este tipo de risco dos do Complexo é a variabilidade do local onde pode ocorrer o acidente, com consequências ambientais e impacto sobre as populações muito diferentes para o mesmo produto e uma resposta mais demorada das forças de socorro. Tentando minimizar as consequências de um acidente deste género, os percursos dos produtos manipulados no Complexo estão pré-estabelecidos, tendo em conta o afastamento das populações e a probabilidade de acidente. Para os transportes rodoviários de e para o Complexo Industrial, o itinerário seguido é o de acesso à auto-estrada. (…)
4 - ORGANIZAÇÃO DE EMERGÊNCIA
O Centro Municipal de Operações de Emergência de Protecção Civil de Estarreja (C.M.O.E.P.C.) é organizado da seguinte forma:


(…) – disponível ao público em http://www.pacopar.org/index.php?option=com_content&view=article&id=214&Itemid=69;”
23. No posto de abastecimento há extintores de incêndio e o pessoal tem formação para o seu uso, para combate a incêndios e para actos de primeiros socorros - testemunhas;
24. A Impugnante tem seguro de responsabilidade civil e de responsabilidade ambiental - testemunhas;
25. Por ofícios nº 10868 a 10875, de 28/11/2013, efetivamente recebidos em 2/12/2013, foi a agora Impugnante notificada, por carta registada com aviso de receção, para proceder aos pagamentos das seguintes quantias:
a) € 265,76, referente a uma “licença” prevista no ponto 7.1.2 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja, relativa ao processo nº 21/12, Tipo: 17 – Bomba Abastecedora de Gasóleo, instalada no posto de abastecimento sito na área de serviço de Antuã, autoestrada A1, sentido Sul/Norte;
b) € 1.063,04, referente a uma “licença” prevista no ponto 7.1.2 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja, relativa ao processo nº 22/12, Tipo: 25 – Quatro Bombas Abastecedoras de Gasolina98, Gasolina95 e Diesel, instaladas no posto de abastecimento sito na área de serviço de Antuã, autoestrada A1, sentido Sul/Norte;
c) € 46,90, referente a uma “licença” prevista no ponto 7.2.2 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja, relativa ao processo nº 23/12, Tipo: 19 – Duas Tomadas de Água, instaladas no posto de abastecimento sito na área de serviço de Antuã, autoestrada A1, sentido Sul/Norte;
d) € 23,45, referente a uma “licença” prevista no ponto 7.2.2 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja, relativa ao processo nº 24/12, Tipo: 20 – Tomada de Ar, instalada no posto de abastecimento sito na área de serviço de Antuã, autoestrada A1, sentido Sul/Norte;
e) € 531,52, referente a uma “licença” prevista no ponto 7.1.2 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja, relativa ao processo nº 25/12, Tipo: 17 – Duas Bombas Abastecedoras de Gasóleo, instaladas no posto de abastecimento sito na área de serviço de Antuã, autoestrada A1, sentido Norte/Sul;
f) € 1.063,04, referente a uma “licença” prevista no ponto 7.1.2 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja, relativa ao processo nº 26/12, Tipo: 25 – Quatro Bombas Abastecedoras de Gasolina98, Gasolina95 e Diesel, instaladas no posto de abastecimento sito na área de serviço de Antuã, autoestrada A1, sentido Norte/Sul;
g) € 46,90, referente a uma “licença” prevista no ponto 7.2.2 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja, relativa ao processo nº 27/12, Tipo: 19 – Duas Tomadas de Água, instaladas no posto de abastecimento sito na área de serviço de Antuã, autoestrada A1, sentido Norte/Sul;
h) € 23,46, referente a uma “licença” prevista no ponto 7.2.2 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja, relativa ao processo nº 28/12, Tipo: 20 – Tomada de Ar, instalada no posto de abastecimento sito na área de serviço de Antuã, autoestrada A1, sentido Norte/Sul; - fls. 40 a 56 do PA;
26. O Município de Estarreja liquidou o tributo em causa com base em normas (verba 7.1.2 e 7.2.2 da Tabela Geral das Taxas. Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja) que incidem sobre:
“Instalações abastecedoras de carburantes líquidos, ar e água:
7.1 – Bombas de carburantes líquidos:
7.1.1 – Bombas ou aparelhos abastecedores de carburantes instalados ou abastecendo na via pública (…)
7.1.2 – Instaladas em propriedade particular e abastecendo no interior dela – por cada, por ano ou fracção --- valor € ;
7.2 – Bombas de ar ou água:
7.2.1 – Bombas, aparelhos ou tomadas de ar ou de água, instaladas ou abastecendo na via pública (…)
7.2.2 – Instaladas inteiramente em propriedade particular e abastecendo no interior dela – por cada uma e por ano ou fracção --- Valor €” - fls. 51 a 57 do PA Vol.II;
27. Em 2/1/2014 a agora Impugnante reclamou graciosamente das referidas liquidações, alegando incompetência e inconstitucionalidade – fls.32 a 41 do processo físico e 31 e 110 do PA;
28. Por ofício nº 668, datado de 28/1/2014 e recebidos em 29/1/2014 foi a agora Impugnante notificada da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa acima referida – fls. 42 e 43 do processo físico e 122 e 123 do PA;
29. Da referida notificação da decisão de indeferimento consta:
“Tendo por base o despacho do Senhor Presidente datado de 8 de janeiro de 2014, somos a notificar V. Exa:
A reclamação apresentada pela A…….., SA, é tempestiva, pois sendo o ofício desta Câmara a reclamar o pagamento da taxa em questão datado de 28/11/2013 e tendo a reclamação dado entrada nesta Câmara Municipal em 2/1/2014 está dentro do prazo de 30 dias prescrito no artigo 16º da Lei nº 53-E/2006.
Nesta medida e respondendo à reclamação apresentada tomo desde já a liberdade de recordar que esta Autarquia já tomou decisões sobre casos iguais de cobrança de taxas à A……. e que tais casos já mereceram decisões judiciais, como é do vosso conhecimento (Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte), que se junta.
Impendendo sobre o Município um dever legal de atuação e prevenção no que toca à poluição e proteção civil e tendo o município de Estarreja serviços organizados que prestam tal apoio e têm previstas atuações em caso de acidente na estação de serviço da recorrida, devem tais serviços ser pagos por quem deles beneficia. Mesmo ocorrendo o abastecimento integralmente em terreno privado, essa atividade não deixa de gerar os riscos que o plano de emergência de Estarreja procura acautelar, que o serviço municipal de proteção civil deve prever e responder. Mais gerando poluição que o serviço municipal de ambiente previne e combate. Para além dos serviços disponibilizados outros há, tal como os bombeiros locais, que são financiados pelo município e que se integram na cadeia de serviços prestados à reclamante.
A Lei nº 75/2013 prevê expressamente no seu artigo 23º - 2 alíneas g), j), k) a atuação da autarquia, sendo que a Lei nº 65/2007 faz recair no município a obrigação de prevenir os riscos, de fazer o levantamento, previsão, avaliação e prevenção dos riscos coletivos, o planeamento de situações de emergência, a criação do serviço de proteção civil. O atual Regime geral das taxas das autarquias: Lei nº 53-E/2006, vem expressamente traduzir os princípios constitucionais já supra abordados prevendo a criação de tais taxas.
Pelo exposto, resulta que a contrapartida que o município presta e que está na origem da cobrança da taxa, se traduz num dever legal de atuação e prevenção no que toca à poluição e proteção civil.
a) A cobrança da taxa reporta - se ao ano de 2014;
b) A base em que assenta a referida taxa é o Regulamento Municipal de Taxas, licenças e outras receitas desta Câmara;
Em conclusão e face ao supra exposto considera-se improcedente e como tal indeferida a reclamação apresentada no ato de liquidação.” – fls. 42 e 43 do processo físico e 122 do PA;
30. A presente Impugnação foi remetida em carta registada ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 31/3/2014 – vinheta colada no canto superior direito de fls. 2 dos autos;
3.2 – Matéria de facto dada como não provada:
Não há factos a considerar como não provados com relevância para a boa decisão da questão.
4 – Motivação de facto
A convicção do tribunal teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respectivos articulados e a análise global dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que, por não estarem impugnados, se dão como integralmente reproduzidos, bem como os depoimentos das testemunhas inquiridas que, não obstante a sua dependência laboral da Impugnante, se mostraram credíveis, coerentes e assertivos, conforme se indica em cada um dos números de 3.1 supra.
Em resultado do conjunto de provas trazidas aos autos, e tendo em conta os factos que não carecem de ser provados por serem públicos e notórios, formou-se a convicção de que a área de serviço de Antuã, localizada na auto-estrada A1, em zona muito povoada e muito industrializada, é muito utilizada por condutores e ocupantes dos veículos que circulam naquela via concessionada e que recorrem aos serviços de venda de combustíveis, aos serviços de restauração e à área de descanso e que desse facto resulta grande pressão geradora de poluição resultante dos gases provocados pelas paragens, estacionamentos e arranques dos veículos e pelos resíduos e efluentes remanescentes dos serviços prestados em Antuã, matéria em que não ocorre litigio de que cumpra conhecer.
É público que o Município de Estarreja fez estudos e planos de emergência para o caso de acidente industrial, visando o planeamento da actuação pública no caso de a especial perigosidade das instalações industriais/comerciais em causa (incluindo os postos de abastecimento de combustível, entre os quais se inclui o da Impugnante) deixar de ser uma hipótese virtual e se transformar num evento presente que solicite a activação dos meios previstos e cuja prontidão se exige.
Não vem invocado nem está provado que alguma parte do dispositivo de emergência previsto nos planos do Município de Estarreja (para além da parte relativa ao próprio planeamento e organização) tenha sido activado, nos anos de 2009 a 2012 (nem nos anos 2013 e 2014), para acorrer ao concreto posto de abastecimento de combustível da área de serviço da A1 em Antuã.
A divergência consiste no facto de o Município de Estarreja considerar que foram planeados e se encontram prontos a actuar, em caso de necessidade, os meios necessários para controlar os danos, nomeadamente ambientais, resultantes de eventual sinistro que possa ocorrer na área de serviço de Antuã, ou no transporte relacionado com ela, em resultado da especial perigosidade da actividade exercida naquele posto de abastecimento de carburantes e que “a contrapartida que o município presta e que está na origem da cobrança da taxa, se traduz num dever legal de atuação e prevenção no que toca à poluição e proteção civil”- facto 29 de 3.1 supra – e a Impugnante não reconhecer a existência de qualquer concreta prestação municipal e considerar, por isso, que a designada “taxa” constitui um imposto.
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação, padece de erro de julgamento, por errónea interpretação, desde logo por os actos de liquidação da taxa se mostrarem feridos do vício de incompetência absoluta, acrescendo que ao tributo em causa não lhe seria reconhecida a natureza de taxa, pelo que sofreria de inconstitucionalidade orgânica e formal, por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP.
Vejamos.
A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente antes de mais por não reconhecer a invocada incompetência absoluta do Município de Estarreja para o acto de liquidação em causa.
Substanciando essa causa de pedir, a Impugnante alegou que o referido Município não possui atribuições legais nem competência para a liquidação dos tributos em causa, na medida em que o posto de abastecimento se situa em terreno que excluído do domínio municipal, abrangido pela concessão feita pelo Estado à B…….., SA e cedido em subconcessão à agora Impugnante (artigo 23 a 33 da p.i.), acrescendo que o Decreto-Lei nº 167/2002, de 26 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 195/2008, de 6 de Outubro, que define as competências de licenciamento e fiscalização dos postos de abastecimento, estabelece (alínea b) do artigo 5º) que é da competência das Câmara Municipais o licenciamento de postos de abastecimento que não estejam localizados nas redes viária regional e nacional, o que exclui essa competência no caso dos autos.
O certo é que, como bem se refere na sentença e objectivam os autos, o Município de Estarreja não se arroga o direito de fiscalizar ou licenciar o funcionamento ou instalação dos postos de abastecimento em geral, radicando a ajuizada pretensão tributária no dever legal de actuação e prevenção no que toca à poluição e protecção civil no âmbito do planeamento do combate e prevenção de acidentes industriais e inerentes perigos ambientais provocados pelo homem.
Em reforço desse ponto de vista, o Município de Estarreja ainda aduz que subjacentes ao plano de emergência estão implicados serviços públicos, exigidos pelo dever de protecção civil, provocados por alguns agentes que exercem actividades especialmente perigosas, nomeadamente os postos de abastecimento de combustível. Esse serviço administrativo será provocado, nesta tese, pelo simples facto de existirem postos de abastecimento de combustível, e haver transporte desses carburantes, dentro do território sob competência administrativa (em matéria de protecção civil) do Município. A exigência de protecção e da inerente suficiência, prontidão e organização desses meios justificaria, assim, a existência de taxas incidentes sobre o causador/provocador, desses serviços, ainda quando a respectiva utilização efectiva se encontra latente.
Em suma: o facto gerador do tributo em causa (seja ele de qualificar como taxa ou como imposto, ou até como contribuição) não assenta, na tese do Município, em qualquer atribuição ou competência para licenciar o posto de abastecimento de combustíveis mas, antes, no poder de tributar o “utilizador”/causador/poluidor em função do impacto ambiental negativo suscitado pelo exercício dessa actividade, considerada especialmente perigosa para os direitos e interesses (principalmente os ambientais) da comunidade municipal.
Enfrentando a questão da incompetência absoluta e para decretar a sua inverificação, adoptou-se na sentença recorrida a seguinte fundamentação:
“(…)
O poder tributário das autarquias locais, no âmbito do qual se insere o poder de criar taxas, encontra-se constitucionalmente garantido, nos artigos 238.º e 288.º/n) da CRP, segundo os quais “As receitas próprias das autarquias locais incluem obrigatoriamente as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços” e “As autarquias locais podem dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na lei”
Nos termos da Lei das Finanças Locais (artigo 15º da Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro, revogada pelo regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais aprovado pela Lei nº 13/2013, de 3 de Setembro, em vigor desde 1/1/2014 – seu artigo 20º), os municípios podem criar taxas nos termos do regime geral das taxas das autarquias locais.
As partes estão de acordo que o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), aprovado pela lei nº 53-E/2006, de 29 de Dezembro, atribui aos Municípios poder tributário para criar taxas que visem a satisfação das necessidades financeiras das autarquias locais e a promoção de finalidades sociais e de qualificação urbanística, territorial e ambiental (nº 1 do artigo 5º do RGTAL) ou para financiamento de utilidades geradas pela realização de despesas publicas locais, quando desta resultem utilidades divisíveis que beneficiem um grupo certo e determinado de sujeitos, independentemente da sua vontade (nº 2 do mesmo artigo).
As taxas das autarquias locais só podem resultar de um dos seguintes factos (artigo 3º do RGTAL):
a) – da prestação concreta de um serviço público local;
b) – da utilização privada de bens do domínio (público ou privado) das autarquias locais;
c) – da remoção de um obstáculo jurídico legitimo ao comportamento dos particulares.
Por outro lado, as taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela actividade do Município, designadamente, pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil (alínea f) do nº 1 do artigo 6º do RGTAL) ou sobre a realização de actividades dos particulares geradoras de impacto ambiental negativo (nº 2 do mesmo artigo).
Com tal intenção o Município liquidou o tributo em causa com base em normas (verba 7.1.2 e 7.2.2 da Tabela Geral das Taxas. Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja) que incidem sobre:
“Instalações abastecedoras de carburantes líquidos, ar e água:
7.1 – Bombas de carburantes líquidos:
7.1.1 – Bombas ou aparelhos abastecedores de carburantes instalados ou abastecendo na via pública (…)
7.1.2 – Instaladas em propriedade particular e abastecendo no interior dela – por cada, por ano ou fracção --- valor € ;
7.2 – Bombas de ar ou água:
7.2.1 – Bombas, aparelhos ou tomadas de ar ou de água, instaladas ou abastecendo na via pública (…)
7.2.2 – Instaladas inteiramente em propriedade particular e abastecendo no interior dela – por cada uma e por ano ou fracção --- Valor € (…).
Da posição assumida pelo Município de Estarreja resulta que era sua intenção criar uma espécie de “taxa de protecção civil”, incidente sobre a instalação física (número de bombas ou aparelhos distribuidores de combustível ou ar) onde é exercida a actividade causadora do impacto ambiental negativo que se pretende hostilizar.
O poder tributário das autarquias locais é um poder constitucionalmente garantido, mas legalmente modelado em função dos restantes princípios constitucionais - princípio da proporcionalidade, princípio da intangibilidade do núcleo da autonomia financeira local - e ainda aos princípios da equivalência jurídica, da justa repartição dos encargos públicos e da publicidade, incidindo sobre utilidades prestadas aos particulares, geradas pela actividade dos municípios ou resultantes da realização de investimentos municipais (nº 2 do art.º 15.º LFL).
A questão de saber se o Município fez bom uso do poder de tributar contende com a legalidade do concreto acto e já não com a competência para o praticar.
Pelo exposto, não se reconhece a invocada incompetência absoluta do Município de Estarreja para o acto de liquidação em causa.”
A bem elaborada sentença ainda evoca em abono da tese da competência o vertido em Acórdão deste STA em caso absolutamente idêntico, com única diferença de se tratar da mesma tributação relativa aos anos 2009 a 2012, concretamente o Acórdão de 15/11/2017, recurso 0173/15, proferido no âmbito do processo nº 952/12.8BEAVR cuja sentença foi proferido pelo mesmo juiz titular dos presentes autos, considerando que:
“I - As taxas previstas no disposto nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Estarreja (RMTLORMME), devidas por ―bombas abastecedoras de carburantes líquidos e bombas de ar ou de água não assentam em qualquer atribuição ou competência para licenciar o posto de abastecimento de combustíveis, mas antes no poder de tributar os particulares beneficiários de utilidades prestadas ou geradas pela actividade do município, designadamente pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil ou sobre a realização de actividades dos particulares que oneram permanentemente o ambiente do município, aspectos estes não valorados no quadro do licenciamento.”
Aderindo inteiramente a esse ponto de vista e sem necessidade de mais considerações, inclinamo-nos pela improcedência das conclusões recursórias atinentes ao vício da incompetência.
*
Sobre os demais fundamentos do presente recurso concernentes a não dever ser reconhecida a natureza de taxa ao questionado tributo e, por isso, padecer de inconstitucionalidade orgânica e formal, por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, também foram sobejamente tratadas no citado douto aresto do STA em termos que plenamente merecem a nossa concordância, para cuja fundamentação, data venia, nos limitamos a remeter, pontificando, a respeito, também os acórdãos do TCAN e do TC que pertinentemente são citados na bem produzida sentença recorrida.
“(…)
Da análise decisão recorrida e dos fundamentos invocados pelo Município de Estarreja para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso é a da constitucionalidade (na perspectiva de saber se foi lesada a reserva parlamentar fixada no artº 165º, nº1, al. i) da CRP) das taxas previstas nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Estarreja (RMTLORMME), relativas a licenças de bombas abastecedoras de combustíveis, ar e água.
A sentença recorrida julgou procedente impugnação judicial interposta contra o indeferimento de reclamações graciosas, por sua vez deduzidas contra as liquidações de taxas, ao abrigo do disposto nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Estarreja RMTLORMME), dos anos de 2009 a 2012, relativas a licenças de bombas abastecedoras de combustíveis, ar e água da área de serviço de ………….., no entendimento de que o Município não presta qualquer serviço concreto à recorrente, pelo que o tributo em causa é um imposto e não uma taxa, sendo organicamente inconstitucionais os normativos dos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do RMTLORMME, por violação do disposto nos artigos 165, nº 1, al. i) e 103.° nº 2 da CRP.
Para tanto, considerou a sentença que a suposta utilidade da referida taxa (pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos de poluição e da protecção civil) cobrada pelo município de Estarreja consistiria num dever geral de proteção à comunidade da autarquia que aproveita a generalidade dos munícipes dessa mesma autarquia, a qual “…não logrou provar a existência de uma acção concreta e individualizada de análise ou inspecção, de formação ou aconselhamento ou qualquer outra prestação administrativa causada ou aproveitada individualmente pela impugnante.”
Em suma considerou que a prestação em causa não é divisível, efectiva e concreta, pelo que não poderá ser qualificada como taxa, por ausência de bilateralidade.
Não conformado com o assim decidido o Município de Estarreja alega neste recurso que a taxa por si cobrada valora aspectos não contidos no licenciamento emitido pela entidade nacional nomeadamente a obrigação passiva do recorrente em ter de suportar uma actividade nociva ao ambiente;
Mais alega que a taxa em causa pode também prosseguir objectivos, não financeiros desincentivado determinadas práticas (artigo 4°-2 do RGTAL), bem como podem as autarquias criar taxas pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil. E que a entidade recorrente possui serviços de protecção civil e no plano de emergência estão previstos os riscos criados pelo posto de abastecimento da recorrida e bem assim do transporte de combustíveis que para aí é realizado periodicamente.
Conclui que «a taxa em questão não viola qualquer norma legal ou principio nomeadamente o invocado na douta sentença recorrida».
7.1 Da invocada inconstitucionalidade das taxas previstas nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do RMTLORMME, por violação do disposto nos artigos 165, nº 1, al. i) e 103.º nº 2 da CRP.
Como decorre da fundamentação da sentença recorrida a questão da inconstitucionalidade das taxas em causa foi analisada sob a perspectiva do princípio da equivalência jurídica ou seja pretendeu-se apurar a relação comutativa que nas referidas taxas se estabelece entre a obrigação tributária e a provocação ou o aproveitamento de uma prestação administrativa, tendo em vista a saber se foi lesada a reserva parlamentar fixada no artº 165º, nº 1 da CRP.
A questão suscitada pela recorrente pressupõe assim, antes de mais, a análise do conceito de taxa e do seu carácter bilateral e sinalagmático.
Segundo a doutrina fiscal enquanto que os “impostos são prestações pecuniárias, coactivas, unilaterais e definitivas, sem carácter de sanção, exigidas a detentores de capacidade contributiva por entes que exercem funções públicas, com vista à realização destas”, nas taxas, “à prestação do particular corresponde uma contraprestação específica, uma actividade do Estado ou de outros entes públicos especialmente dirigida ao respectivo obrigado, actividade esta que se há-de concretizar na prestação de um serviço público, no acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares” (veja-se José Casalta Nabais, in “Contratos Fiscais”, Coimbra, 1994, pág. 236).
Refere Nuno Sá Gomes, no seu Manual de Direito Fiscal, vol. I, pág. 76, que «a única característica distintiva das taxas em face ao imposto não está na utilidade, nem na voluntariedade nem na solicitação dos serviços pelos particulares, mas apenas no carácter sinalagmático das primeiras em termos de equivalência jurídica mas não também económica da prestação devida».
Essa relação sinalagmática, como se sublinha no Acórdão Tribunal Constitucional 365/03 «há-de ter um carácter substancial ou material, e não meramente formal; isso não implica, porém, que se exija uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatível com a natureza sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser “superior (e, porventura, até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado»”.
O que não pode é ocorrer uma «desproporção intolerável» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1140/96, in DR II Série, de 10/2/97)”, ou seja, “manifesta” e comprometedora, “de modo inequívoco, da correspectividade pressuposta na relação sinalagmática”, sendo certo que a sua aferição há-de tomar em conta, não apenas o valor da quantia a pagar, mas também a utilidade do serviço prestado».
É assim pela natureza da contraprestação da entidade pública que se há-de aferir a correspectividade característica da taxa.
Ora vista a questão sob a perspectiva do princípio da equivalência jurídica, que é o que está em causa no presente recurso, importa proceder à análise das taxas em causa sob os seguintes aspectos:
a) Incidência objectiva
b) Estrutura e montante das taxas, nomeadamente apurar se adequam tanto quanto possível ao custo e ao valor das prestações do município ou do benefício auferido pelo particular e se não se verifica excesso.
As taxas impugnadas são as previstas nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Estarreja (RMTLORMME), publicado no DR, IIª série de 26 de Março de 2010), o qual indica como diplomas habilitantes o artigo 241.º da Constituição da República Portuguesa, o n.º 1 do artigo 8.° da Lei nº 53-E/2006, de 29 de Dezembro (Lei das Taxas das Autarquias Locais), as alíneas a), e) eh) do nº 2 do artigo 53.º e da alínea j) do n.º 1 do artigo 64.° da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, e os artigos 10.°, 11.°, 12.°, 15.°, 16.°, 55.° e 56.° da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro (Lei das Finanças Locais).
No caso vertente resulta dos autos que o posto de abastecimento (área de serviço de …………..) se situa em terreno pertencente à concessão da B………, em regime de subconcessão à A………., e não ocupa qualquer porção de território integrado no domínio público ou semi-público do Município de Estarreja – vide ponto 2 do probatório.
Por outro lado dispõe o artº 5º, nº 1, al. b) do Decreto-lei 267/2002 que apenas é da competência das Câmaras Municipais o licenciamento de postos de abastecimento de combustíveis não localizados nas redes viárias regional e nacional. Sendo que o licenciamento de postos de abastecimento de combustíveis localizados nas redes viárias regional e nacional é da competência das Direcções Regionais de Economia – artº 6º, nº 3, al. a) do referido diploma legal.
Assim, uma vez que as bombas de abastecimento de combustíveis, ar e água não estão implantados no domínio público do município, nem se trata de uma licença para remoção de um obstáculo jurídico, porque o licenciamento do referido posto abastecedor não compete à Câmara Municipal mas sim à Administração Central, o tributo em causa apenas poderia consubstanciar uma taxa administrativa, como contrapartida da prestação de um concreto serviço público local – na redacção da al. a) do referido artº 4, nº 1 do Regulamento.
Importa também sublinhar que pese embora se refira no probatório (ponto 25) que a impugnante foi notificada para proceder aos pagamentos de taxas alegadamente devidas pelas licenças de bombas abastecedoras de carburantes líquidos, tomadas de ar e água, não está aqui em causa a remoção a um obstáculo jurídico, no sentido de se licenciar o funcionamento ou a instalação dos postos de abastecimento.
Não é isso que está em causa nem é esse o fundamento das taxas impugnadas.
Na fundamentação das taxas em análise, constante da tabela geral de taxas, licenças e outras receitas, publicada no DR, IIª série de 26 de Março de 2010, e que consta de fls. 317/325 dos presentes autos, a designação/descrição adoptada é a de “instalações abastecedoras de carburantes líquidos, ar e água”
No ponto 7.1.2 prevê-se a taxa devida por “bombas abastecedoras de carburantes líquidos: instaladas inteiramente em propriedade particular e abastecendo no interior dela, no montante de 241,29, especificando-se que corresponde ao critério de incentivo desincentivo o valor de 220,00 € e ao «referencial superior (€), Lei 53-E/2006 de 29.12, artº 4º nº 1», o valor de 21,29 €.
No ponto 7.2.2 prevê-se a taxa devida por «bombas de ar ou de água: bombas ou aparelhos abastecedores de ar ou de água instaladas inteiramente em propriedade particular e abastecendo no interior dela”, no montante de 21,29 €, especificando-se como «referencial superior (€), Lei 53-E/2006 de 29.12, artº 4º nº 1», o valor de 21,29 €.
No que concerne ao enquadramento legal das taxas em questão há ainda que ter em conta as seguintes disposições legais:
- o artigo 4º, nº 1 do referido regulamento que, fundado na redacção do artº 3.º da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro, dispõe que as «taxas são tributos fixados no âmbito das atribuições das autarquias locais, de acordo com os princípios previstos na lei que aprovou o Regime das Taxas das Autarquias Locais e na Lei das Finanças Locais, que, traduzindo o custo da actividade pública, incidem sobre as utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela actividade do Município: (a) na prestação concreta de um serviço público local; (b) na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais; ou (c) na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
- e o artº 6º do RGTAL (Lei 53-E/2006 de 29 de Dezembro) que dispõe que as taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela actividade dos municípios, designadamente pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil ( al. f) do nº 1) ou sobre a realização de actividades dos particulares geradoras de impacto ambiental negativo ( nº 2 do mesmo normativo).
Na tese da entidade recorrente o tributo é uma taxa porque o Município presta um serviço, independentemente da vontade do sujeito passivo, que consiste em planear e organizar a protecção civil em caso de acidente no posto de abastecimento de combustíveis da área de serviço de ………….. Portanto, tal bilateralidade resulta do “dever legal de atuação e prevenção no que toca à poluição e protecção civil” que recai sobre o Município e que esta cumpre efectivamente através da implementação dos planos municipais de emergência civil, sendo certo que tem competência e atribuições na área da protecção da saúde, protecção civil e protecção do ambiente que lhe exigem investimentos para prevenção dos riscos colectivos, no território municipal, que de outro modo não teria de suportar.
Em suma, não estando em causa a invocação formal de uma licença tendo em vista a remoção de uma obstáculo jurídico, ou a utilização de um bem público ou semi-público, a questão que cumpre analisar – tendo em conta os fundamentos da decisão recorrida e as razões de discordância alinhadas pela recorrente, como contraponto a tal fundamentação - é a de saber se o tributo em causa tem como contrapartida a prestação concreta de um serviço público.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou expressamente, e por diversas vezes, sobre a constitucionalidade de disposições análogas, emanadas de outros Municípios, em que estavam em causa normas que impunham a cobrança de “taxas” a postos de abastecimento de combustíveis totalmente localizados em propriedade privada, e noutros casos, em que o posto de abastecimento, por qualquer dos seus elementos, se serve de terrenos públicos.
Em conformidade com tal jurisprudência constitucional, aquela diferença é essencial, pois o tributo em causa aplica-se a todos os postos independentemente da sua localização.
Assim, nos casos em que haja ocupação do domínio público, tem o Tribunal Constitucional decidido que a previsão genérica da norma permite sustentar que se trata de uma taxa, no entendimento de que “o tributo devido resulta da utilização individualizável do domínio público viário, estando nessa medida, preenchido o núcleo essencial do conceito de taxa” – neste sentido se decidiu nos Acórdãos 20/2003, 204/2003 e 441/2003
Pelo contrário, quando o posto abastecedor de combustível se situar em propriedade privada já o Tribunal Constitucional decidiu pela sua inconstitucionalidade, por não serem divisáveis os elementos constitutivos da taxa – assim se decidiu assim nos acórdãos n.ºs 515/2000, 113/2004, 339/2004, 536/2005 e 24/09.
Porém, mais recentemente, em revisão da anterior jurisprudência, os Acórdãos 581/12 de 05.12.2012 e 316/14, de 01.04.2014 (Do Plenário do Tribunal Constitucional), julgaram não inconstitucional, mesmo quando aplicável a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente localizados em propriedade privada, a taxa prevista no artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008, no entendimento de que o que releva é o tipo de instalação e não a natureza pública ou privada em que a mesma se encontra instalada.
No caso em apreço o posto de abastecimento (área de serviço de ………..) situa-se em terreno pertencente à concessão da B………… em regime de subconcessão à A………., e não ocupa qualquer porção de território integrado no domínio público ou semi-público do Município de Estarreja.
E o Tribunal recorrido considerou que o Município de Estarreja não logrou provar a existência de qualquer acção concreta e individualizada de análise ou inspecção, de formação ou de aconselhamento ou qualquer outra prestação administrativa causada ou aproveitada individualmente pela Impugnante.
Ponderando por um lado que «os "planos" de protecção civil resultam dum dever geral de protecção à comunidade da autarquia, cuja prestação é uma incumbência do Estado enquanto garante da segurança dos cidadãos (artigo 27°, alínea d) do artigo 9° e n° 1 do artigo 12° da CRP) que aproveita à generalidade dos cidadãos desse município ou visitantes dele, não divisível, e que deve ser, em regra, financiada - num "Estado tributário" como o português - através de verbas do Orçamento Geral do Estado obtidas essencialmente da cobrança de impostos».
E que, por outro lado “é irrelevante, para o caso, que na área de serviço seja gerado impacto ambiental negativo em resultado da concentração anormal de gases dos veículos dos clientes.” (….) Até porque os resíduos e efluentes desses serviços são tributados por outro meio que não está em discussão nos presentes autos. Só poderia não ser assim se o Município alegasse e provasse que presta serviços efectivos relacionados com esse facto fazendo, por exemplo, análises do ar.»
Mas será que é exactamente assim?
Será que estando em causa a exploração de posto de abastecimento de combustível, que implica o armazenamento e o manuseamento de materiais altamente inflamáveis e que envolve inequivocamente riscos para a segurança e para a saúde das pessoas e, além do mais, interfere com a qualidade do ambiente, sendo as taxas impugnadas fundamentadas pelo dever que incumbe aos municípios de prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil e de defesa do ambiente, se justifica e é razoável impor aos municípios que estes, para cobrarem tais taxas, tenham de fazer a prova de todas e cada uma das acções realizadas em cumprimento de tal dever.
A resposta, a nosso ver, deve ser negativa.
De facto a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem admitido que possa não existir um acto concreto de prestação a justificar a cobrança da taxa, desde que os índices ou presunções em que a mesma assenta sejam razoáveis e permitam identificar a ocorrência da prestação de um serviço provocado ou aproveitado pelo seu sujeito passivo.
Como se evidencia no Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional proferido no recurso 316/2014, «o simples funcionamento e a exploração de postos de abastecimento de combustíveis envolve riscos para a segurança e a saúde das pessoas e interfere com a «qualidade do ambiente» (no sentido dado a esta expressão no artigo 5.º, n.º 2, alínea e), da Lei n.º 11/87, de 7 de abril – a Lei de Bases do Ambiente: “a adequabilidade de todos os seus [do ambiente] componentes às necessidades do homem”), razões que levaram o legislador a estabelecer um quadro normativo técnico com caráter preventivo e a consagrar um sistema de fiscalização destinado a fazê-lo respeitar. Estas ações do legislador configuram por isso – ao menos, também – uma concretização do dever de proteção do ambiente. Na verdade, os postos de abastecimento de combustíveis, em si mesmos enquanto depósitos, e o seu funcionamento, representam uma fonte de poluição, em especial para os componentes ambientais ar, água, solo e subsolo nas suas imediações (cfr. o artigo 21.º da Lei de Bases do Ambiente). É também a proibição de poluir que justifica os condicionamentos normativos e os termos concretos da ação fiscalizadora a desenvolver (cfr. o artigo 26.º da Lei de Bases do Ambiente).
A partir do início de vigência do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, os municípios adquiriram um papel central na operacionalização do sistema de fiscalização (cfr. o respetivo artigo 25.º). A importância dos municípios e da fiscalização por eles exercida é tanto mais de sublinhar, desde logo, porque é o ambiente de cada município em que se localizam postos de abastecimento de combustíveis que é degradado. Por outro lado, atenta a duração longa das licenças de exploração deste tipo de instalações – até 20 anos, sendo esta a situação normal, de modo a amortizar os investimentos vultosos realizados pelos seus promotores (cfr. o artigo 15.º do Decreto n.º 29034, de 1 de outubro de 1938 e o artigo 15.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro) – frequentemente é apenas ao nível da fiscalização que os municípios podem intervir em defesa dos seus interesses e dos seus munícipes.
(…) Ou seja, incumbe aos municípios o dever de proteção dos interesses acautelados na legislação e regulamentação própria dos postos de abastecimento de combustíveis. E esse dever legal é permanente e específico, porque dirigido à garantia de regras especiais, de modo a, por exemplo, detetar situações de “perigo grave para a saúde, a segurança de pessoas e bens, a higiene e a segurança dos locais de trabalho e o ambiente” e “tomar imediatamente as providências que em cada caso se justifiquem para prevenir ou eliminar a situação de perigo” (cfr. o artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro); ou situações de infração às regras de exploração de postos de abastecimento (cfr. o artigo 45.º e seguintes do Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis).
Há aqui manifestamente um plus, relativamente aos deveres gerais de polícia administrativa. Com efeito, não é indiferente para um qualquer município, ter ou não ter postos de abastecimento de combustíveis localizados na sua circunscrição, já que, em caso de acidente, a omissão de uma fiscalização diligente pode ser considerada como tendo contribuído para o mesmo e, assim, ser causa de danos para o próprio município e fonte de obrigações de indemnização de danos de terceiros (Sublinhado nosso.)
É a existência deste dever legal de fiscalização especificamente imposto às câmaras municipais com referência aos postos de abastecimento de combustíveis, para mais pautado por requisitos técnicos especiais previstos em legislação própria, que torna menos plausível – para não dizer completamente implausível – a inexistência de atividades de fiscalização e a adaptação das estruturas e serviços municipais nos planos da proteção civil e da defesa do ambiente.»
Ora é indubitável que a exploração de um posto de abastecimento de combustível, como o que está em causa nos autos, configura por si só, e independentemente da natureza pública ou privada do local onde se encontre, uma situação de risco e geradora de impactos ambientais negativos.
Implicando, necessariamente, a utilização de recursos naturais (ar, solo e água), ocasionando forte desgaste ambiental, determinando condicionantes urbanísticas e de aproveitamento dos solos, causando riscos ambientais, que incumbe à autarquia inspecionar, fiscalizar e prevenir, para além de colocar delicados problemas de planeamento e prevenção em termos de segurança civil. Isto tudo, para além de implicar o armazenamento e manipulação de materiais altamente inflamáveis (Cf. Acórdão 581/12 do Tribunal Constitucional, de 05.12.2012.) .
E, como se disse no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 329/03, mesmo no que concerne a bombas de ar ou água, não deixam de existir factores incidentes sobre o meio ambiente, comos os derivados do ruído de compressores e infiltrações ou gasto inútil de um líquido essencial à vida e que deve ser preservado e racionalmente gerido.
Riscos que o município é obrigado a prever e a avaliar estando igualmente obrigado a um planeamento e soluções de emergência no âmbito da protecção civil e do ambiente.
Com efeito, nos termos da Lei 159/99, de 14 de Setembro (Em vigor à data dos factos e posteriormente revogada pela Lei 75/2013 de 12 de Setembro,), diploma que na data definia as atribuições e competências das autarquias locais, eram atribuições dos municípios os domínios da saúde, protecção civil, ambiente e saneamento básico (artº 13º, nº 1, als. g), j) e l)), sendo que no âmbito da protecção civil competia aos órgãos municipais a realização de investimentos nos seguintes domínios: a) Criação de corpos de bombeiros municipais; b) Construção e manutenção de quartéis de bombeiros voluntários e municipais, no âmbito da tipificação em vigor; c) Apoio à aquisição de equipamentos para bombeiros voluntários, no âmbito da tipificação em vigor; d) Construção, manutenção e gestão de instalações e centros municipais de protecção civil.
Ainda, no âmbito da protecção civil, a Lei 65/2007 de 12 de Novembro, que define o enquadramento institucional e operacional da protecção civil no âmbito municipal, estabelece a organização dos serviços municipais de protecção civil e determina as competências do comandante operacional municipal, identificando como domínios e objectivos de actuação, entre outros, os seguintes: Prevenir no território municipal os riscos colectivos e a ocorrência de acidente grave ou catástrofe deles resultante; Levantamento, previsão, avaliação e prevenção dos riscos colectivos do município; Planeamento de soluções de emergência, visando a busca, o salvamento, a prestação de socorro e de assistência, bem como a evacuação, alojamento e abastecimento das populações presentes no município; g) Previsão e planeamento de acções atinentes à eventualidade de isolamento de áreas afectadas por riscos no território municipal; (artº 2º, nº 1, al. a) e 2, als. a) d) e g)).
Isso mesmo é referido pela entidade recorrente ao invocar e alegar que:
- as instalações de abastecimento de combustíveis líquidos constituem «um factor de potencial desgaste ambiental e risco de uma vida humana sadia e ecologicamente equilibrada»;
- À área de serviço de ……….. acedem diariamente vários milhares de veículos, cujos condutores e ocupantes utilizam as bombas de combustível, restaurantes, casas de banho e zonas de descanso, consomem água e geram lixos, efluentes e poluição (ponto 6 do probatório);
- O posto de abastecimento de ………..vende anualmente vários milhões de litros de combustível e é abastecido por camiões cisterna que lá vão regularmente de 3 em 3 dias — (ponto 15, probatório);
- o serviço de protecção civil, beneficiando a generalidade dos cidadãos, prevê riscos específicos dos postos de abastecimento e equaciona medidas de resposta a esses riscos;
- no município de Estarreja existe um plano de Emergência e Protecção Civil onde foram tidos em consideração os postos de abastecimento de combustíveis e os riscos que os mesmos geram para a comunidade (pontos 20 a 23 do probatório);
- e ainda que impende sobre o município o dever legal de actuação e prevenção no que toca à poluição e protecção civil, tendo o município de Estarreja serviços organizados que prestam tal apoio;
Ora é precisamente considerando estes domínios de actuação, atribuídos por lei aos municípios, que o Tribunal Constitucional sublinha, no já citado aresto, que « (…..) o dever legal de fiscalização dos postos de abastecimento de combustíveis por parte das câmaras municipais cria uma presunção suficientemente forte no sentido de que a simples localização daqueles postos em determinada circunscrição concelhia é causa de uma atividade de vigilância e de ações de prevenção por parte do município correspondente, não só para dar cumprimento à lei, como principalmente para evitar que os riscos quanto à segurança de pessoas e bens, os riscos para a saúde pública e os riscos ambientais associados à existência e funcionamento daquelas instalações se materializem (Sublinhado nosso.). É, pelo menos «normal», e é seguramente expectável da parte de autoridades públicas jurídica, social e ambientalmente responsáveis, que o significado e importância dos bens postos em perigo pela existência e funcionamento de postos de abastecimento de combustíveis, em articulação com as obrigações legais dos municípios, que estes desenvolvam em relação aos postos de abastecimento localizados nas respetivas circunscrições todas as ações a que legalmente estão obrigados, entre as quais se inclui a mencionada vigilância permanente com intuitos de prevenção. Assim sendo, não parece que lhes deva ser exigido que, para justificar a fixação de uma taxa como contrapartida de tais ações realizadas em cumprimento da lei, façam prova de cada uma dessas ações junto dos destinatários das mesmas.»
Estas considerações, que se reiteram, são perfeitamente transponíveis para o caso vertente.
É certo que na hipótese ao Acórdão 316/2014 estava em causa o pagamento de uma taxa municipal como contrapartida da implantação de instalações de abastecimento de combustíveis situada em terreno particular, cujo licenciamento era da competência da Câmara Municipal, o que não sucede no caso subjudice, em que o licenciamento cabe à Direcção Regional de Energia.
Mas, como igualmente se refere naquele aresto, mesmo em relação aos postos cuja exploração foi licenciada pela Administração central há que sublinhar a circunstância de, serem afectados pela prossecução do interesse económico particular do titular da licença os bens da «segurança» e «qualidade ambiental» do Município e dos seus munícipes, e mais em geral, todo do «espaço público municipal».
Há, pois, todo um conjunto de bens ambientais e de riscos colectivos inerentes à actividade de exploração do posto e combustíveis, que são afectados pelo interesse económico particular da recorrida e que ao Município incumbe proteger.
Sendo que é todo este conjunto de actividades no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil ou do ambiente do município, não valorado no quadro do licenciamento, que justifica e confere legitimidade às taxas impugnadas.
Acresce que, como igualmente sublinha o Tribunal Constitucional, «não se justifica distinguir, para efeitos de taxação referente aos condicionamentos do tráfego e acessibilidades e aos impactes ambientais negativos nos recursos naturais – ou seja, relativamente à obrigação do município de suportar atividades que interferem permanentemente com aqueles bens – entre a emissão de licenças de exploração ou suas renovações pela Administração central e a emissão de licenças de exploração ou suas renovações pela câmara municipal. Com efeito, tanto num caso, como no outro, as atividades licenciadas projetam-se da mesma forma e de modo negativo sobre o espaço público municipal»
Mas há, ainda, outro aspecto relevante a considerar.
É que o licenciamento dos postos de abastecimento de combustíveis, quer pela Câmara Municipal quer pelas Direcções Regionais de Economia, removendo embora um obstáculo jurídico, não toma em consideração a obrigação passiva do Município de se conformar com a influência modeladora da actividade licenciada.
E este aspecto é determinante: existe um comportamento sujeito a licenciamento que constitui o Município numa dada obrigação de suportar impactes negativos da actividade licenciada que pura e simplesmente não são considerados na licença.
E a taxa em causa é também a contrapartida específica de tal obrigação passiva- ( cf. Acórdão 316/2014 do Tribunal Constitucional)
Neste contexto poderemos concluir que os tributos impugnados resultam do dever legal, que recai sobre o Município, de actuação e prevenção no que toca à protecção civil e ao ambiente, e que derivam das suas competências e atribuições naquelas áreas de actuação, os quais lhe exigem investimentos para prevenção dos riscos colectivos no território municipal.
O que confere legitimidade à cobrança das taxas em questão e conduz à procedência dos argumentos invocados pelo Município de Estarreja no sentido de que não se verifica a carência de sinalagma.
Daí que, com base em tal fundamentação se conclua, que as taxas previstas no disposto nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Estarreja RMTLORMME), são legitimas à luz do artº 3º do RGTAL, e não padecem de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade tributária no sentido de reserva de lei formal, ínsito nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2 da CRP e também no artigo 8.º da LGT.”
Improcedem a essa luz as conclusões recursórias sob análise, devendo a sentença recorrida ser mantida na ordem jurídica.

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3. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
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Lisboa, 12 de Fevereiro de 2020. – José Gomes Correia (relator) – Joaquim Condesso – Gustavo Courinha.