Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0242/11.3BELLE 0449/14
Data do Acordão:09/30/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26424
Nº do Documento:SAP202009300242/11
Data de Entrada:07/05/2017
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


A…………. e B………….., melhor identificados nos autos, vêm interpor recurso por oposição de acórdãos, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 2, e 284°, ambos do CPPT, do Acórdão n.º 0449/14, de 15/03/2017, deste Supremo Tribunal, considerando que perfilhou decisão oposta à tomada no acórdão também deste Tribunal de 17/12/2014, proferido no processo n° 0454/14.

Apresentaram alegações que concluíram nos termos seguintes:
“A) O douto Acórdão proferido nos presentes autos e aqui recorrido está em manifesta oposição com o douto Acórdão proferido em 17 de Dezembro de 2014, pelo Supremo Tribunal Administrativo – Secção de Contencioso Tributário, no Processo nº 0454/14, em que foi Relator o Venerando Conselheiro Aragão Seia;
B) Ademais os dois acórdãos em oposição foram proferidos em recurso jurisdicionais interpostos pela Fazenda Pública de decisões proferidas em primeira instância em duas impugnações judiciais deduzidas pelos aqui ora Recorrentes contra as liquidações de IRS de 2006 e 2007, respectivamente;
C) Sendo certo que ambas liquidações de IRS de 2006 e 2007 se alicerçavam nos mesmos fundamentos invocados pela Administração Tributária, como por outro lado, as impugnações deduzidas pelos aqui ora Recorrentes também assentavam nos mesmos fundamentos de facto e de direito em que sustentavam a ilegalidade dessas mesmas liquidações e as duas sentenças objecto dos referidos recursos jurisdicionais pronunciaram-se pela procedência das impugnações com os mesmos fundamentos de facto e de direito.
D) Sendo inquestionável a oposição verificada nos dois citados Acórdãos, a questão aqui sub judice é a de saber se o acto de reforma do acto administrativo que decidiu a reclamação graciosa foi ou não extemporâneo.
E) Ora, salvo melhor opinião e sempre com o devido respeito que é muito, ao contrário do que se decidiu nos presentes autos de recurso, o prazo de recurso de contencioso a que se refere o nº 1 do artigo 141º do CPA não pode, no caso concreto da revogação do deferimento de reclamação graciosa nos termos do CPPT, ser outro que não o dos 15 dias a que se referia o nº 2 do artigo 112º do mesmo Código (na redacção à data dos factos).
F) Desde logo, porque estamos no âmbito de um procedimento fiscal especial, o da reclamação graciosa e, por seu lado, do recurso contencioso a interpor da decisão de indeferimento desta reclamação a que corresponde o processo de impugnação judicial que se encontra regulado no CPPT e cujo prazo de interposição se encontra prevista no artigo 102º deste Código.
G) E é este prazo especial (que era de 15 dias à data dos factos) previsto para o recurso contencioso específico da decisão da reclamação administrativa que deve ser considerado no âmbito da aplicação do nº 1 do artigo 141º do CPA;
H) E não qualquer outra norma de carácter mais geral como sejam as regras do CPTA que apenas se aplicam ao processo tributário de forma supletiva e sempre que para um determinado processo fiscal não se encontre norma aplicável na legislação especial que o regula (designadamente, o CPPT).
I) Ora, o prazo de 1 ano (que é o prazo relativo ao Ministério Público) a que se refere o artigo 58º, nº 2, alínea a) do CPTA, não é aplicável no âmbito do recurso de contencioso a deduzir contra as decisões da reclamação graciosa;
J) Sendo certo que o Ministério Público não em qualquer intervenção no âmbito do recurso a interpor destas decisões administrativas proferidas em sede de reclamação graciosa de âmbito tributário.
K) Termos em que o despacho de reforma da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa é ilegal por ser extemporâneo e violar o disposto no artigo 141º do CPA, sendo consequentemente ilegal a liquidação oficiosa que dai resultou, a qual, como tal deve ser anulado.
Nos termos sobreditos, verificada a alegada oposição de acórdãos e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser anulada a douta decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que, advogando o entendimento vertido no douto Acórdão proferido no Processo nº 0454/14, julgue ilegal o despacho de reforma em causa e, consequentemente, julgue improcedente o recurso interposto pela Fazenda Pública e mantenha a decisão da primeira instância que mandou anular a liquidação oficiosa do IRS de 2006 impugnada, como é de inteira JUSTIÇA TRIBUTÁRIA.”

Não foram produzidas contra-alegações.

O exm.º Magistrado do Ministério Público teve “vista”, pronunciando-se no sentido de ser adoptado o entendimento vertido no acórdão recorrido.

Cumpre apreciar e decidir, começando por verificar se ocorrem os requisitos de que depende o recurso por oposição de acórdãos, e passando a seguir a conhecer da dita oposição e consequentemente da decisão ainda a proferir.

Dos requisitos do recurso por oposição de acórdãos.
O recurso por oposição de acórdãos, interposto nos termos do artigo 284.º do C.P.P.T., identifica que o proferido nos presentes se encontra em oposição com o proferido pelo S.T.A. a 17-12-2014, no processo n.º 0454/14.
Não se concretizando em que consiste a dita oposição, consideramos na linha do que vem sendo decidido há muito pelo STA que inserindo o recurso em causa entre os de uniformização de jurisprudência, deve obedecer aos requisitos previstos quanto ao mesmo no CPTA.
Assim, depende, nomeadamente, de se existir contradição expressa quanto a idêntica questão fundamental de direito, no quadro de idêntica regulamentação jurídica aplicável e de idênticas situações de facto, e ainda da decisão proferida não estar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada, tal como resulta dos artigos 27.°, n.°1, b), do E.T.A.F. e 152.°, n.°s 1 e 3, do C.P.T.A. – nesse sentido, entre outros, acórdãos de 26-9-07 e de 2-5-2012, proferidos pelo Pleno nos processos 0452/07, 0307/11 e 0895/11 (estes 2 últimos com a data de 2-5-2012).
Ora, vejamos se se verificam tais requisitos, começando pela matéria de facto constante em ambos os acórdãos.
No acórdão recorrido n.º 449/14, de 15/03/2017 foi reputada como relevante a seguinte matéria de facto:
A) Relativamente aos rendimentos obtidos no ano de 2006 os Impugnantes não apresentaram a declaração modelo 3 de IRS no prazo legalmente previsto — cfr. fls. 2 do processo de Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apenso e por acordo.
B) Em 12.10.2009 a Administração Tributária elaborou Boletim de Alteração Oficiosa (BAO) em relação ao Impugnante marido preenchendo o quadro 10 — “Enquadramento” com o Regime de Contabilidade Organizada (art. 28° do CIRS) desde 01.01.2005, com fundamento na seguinte informação, descrita no quadro 28 do BAO:
«O presente BAO destina-se a enquadrar o sujeito passivo no regime de contabilidade organizada com referência aos anos de 2005 e 2006 em virtude dos seguintes volumes de vendas (...):
2004—€826.049,42
2005—€754.498,17
— cfr. fls. 58 a 61 da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
C) A Administração Tributária elaborou declaração oficiosa para cada um dos ora Impugnantes, nas quais fez constar os rendimentos de cada um, individualmente, não levando em consideração o seu estado civil de casado e considerando a totalidade do rendimento líquido da categoria B no ano mais próximo que se encontrava determinado e de acordo com as regras do regime simplificado de tributação
— cfr. a informação de fls. 79 da Reclamação Graciosa 1082201004000765 apensa, e por acordo.
D) Em 05.02.2010 foi efectuada, em relação ao sujeito passivo marido, a liquidação oficiosa de IRS n° 2010 5000038819, que apurou imposto no valor de € 79.853,67, e juros compensatórios no montante de € 8.694,92 — cfr. fls. 28 da Reclamação Graciosa 1082201004000765 apensa.
E) Em 03.02.2010 foi efectuada, em relação ao sujeito passivo mulher, a liquidação oficiosa de IRS n° 2010 5000038821, que apurou imposto no valor de € 30.504,02, e juros compensatórios no montante de € 3.349,59 — cfr. fls. 14 a 16 da Reclamação Graciosa 1082201004000773 apensa.
F) Em 15.03.2010 os Impugnantes apresentaram, ambos, reclamação graciosa alegando, em síntese, que a liquidação efectuada não corresponde aos rendimentos obtidos; que se encontravam impossibilitados de apresentar a declaração de rendimentos porque o sujeito passivo marido se encontrava mal enquadrado quanto ao regime de tributação, que os rendimentos obtidos foram enviados à Administração Fiscal através de declaração apresentada em 12.03.2010, e que são casados, devendo ser considerado o seu estado civil — cfr. fls. 2 e 3 dos processos de Reclamação Graciosa apensos 1082201004000773 e 1082201004000765 apensos.
G) Em 17.06.2010 foi proferido pelo Director de Finanças Adjunto de Faro despacho de deferimento da reclamação graciosa com os fundamentos que, em síntese, se transcrevem:
«(...) constata-se que os reclamantes não conseguiam proceder à entrega das declarações de rendimentos em falta, por divergência de regime de tributação, por causa que não lhes era imputável. Pelo que, o Serviço de Finanças procedeu à elaboração do BAO, em 03-11-2009, tendo o sujeito passivo A para o ano de 2006 ficado enquadrado no regime de contabilidade organizada (doc. fls. 58 a 61 dos autos).
Relativamente ao sujeito passivo B, B…………, verifica-se que no ano de 2006 se encontrava enquadrada no regime simplificado de tributação (fls. 84 dos autos), contudo, à data em que a Administração Fiscal elaborou o respetivo DC (26-10-2010), já detinha em seu poder, não só os elementos declarados nas declarações periódicas de IVA referentes ao ano de 2005, atempadamente entregues, cuja base tributável ascendeu ao montante global de € 143.099,22 (fls. 86 a 91), assim como a declaração anual rececionada em 27-02-2009, que indica um montante total de prestações de serviços no valor de € 188.278,51 (fls. 96 a 102).
Determinava o então em vigor art. 28°, n° 2 do CIRS que ficavam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo optado pelo regime de contabilidade organizada, não tenham ultrapassado na sua atividade, no período imediatamente anterior, um dos seguintes limites: € volume de vendas de € 149.639,37, ou o valor líquido dos restantes rendimentos da categoria B de € 99.759,58.
De acordo com o estipulado no então art. 76º, nº 1, al. b) do CIRS, quando o S.P. não apresentou declaração de rendimentos, o apuramento dos rendimentos da categoria B deveria corresponder à totalidade do rendimento coletável do ano mais próximo (ano 2005), pelo que o regime a aplicar ao ano de 2006 relativamente ao primeiro reclamante, deveria ser o de contabilidade organizada, porquanto foi ultrapassado o limite de vendas de € 149.639,37.
Pelos factos supra expostos, e atentos os documentos que lhe servem de suporte, assim como a legislação aplicável, será de atender à pretensão do reclamante, devendo ser considerados os rendimentos declarados pelos sujeitos passivos A e B na declaração de rendimentos que integra os presentes autos.
(…)
Assim, pelo supra exposto, e no uso da competência que me é conferida pelo n° 1 do art. 75° do CPPT, DEFIRO o pedido, com todas as consequências legais. (...)» — cfr. fls. 104 a 106 do processo de Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.

H) Por ofício expedido sob registo em 18.06.2010 os Impugnantes foram notificados do despacho que antecede — cfr. fls. 107 e 108 da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
I) Por despacho de 18.06.2010 do Director de Finanças de Faro, proferido no processo de reclamação graciosa n° 1082201004000773, e notificado à Impugnante mulher por ofício sob registo postal de 21.06.2010, foi determinado o arquivamento do processo com fundamento na inutilidade superveniente da lide, pelo facto de a pretensão da reclamante ter sido atendida com base no despacho de deferimento proferido no processo de reclamação graciosa n° 1082201004000765 — cfr. fls. 88 a 90 da Reclamação Graciosa n° 1082201004000773 apensa.
J) Em 17.09.2010 foi proferido pelo Director de Finanças de Faro despacho de reforma da decisão proferida em 17.06.2010, identificada em G), dando procedência parcial à reclamação graciosa, no sentido de considerar o estado civil de casado, determinando a sua improcedência no mais, com os fundamentos que, em síntese, se transcrevem:
«(...) após análise mais detalhada dos factos, constata-se que os reclamantes A………… e B………., no ano de 2007, foram notificados para proceder à entrega da declaração de rendimentos de 2006 em falta (conforme “print” retirado do programa informático MGIT - controlo de faltosos), e nada fizeram. Nada tendo feito, a Administração Tributária agiu de acordo com a lei e efetuou a liquidação oficiosa, nos termos do artigo 76º, n° 3 do CIRS.
Os reclamantes alegaram que não entregaram a declaração de rendimentos do ano em causa, por divergência no enquadramento do regime de tributação. Contudo, a alegada divergência foi originada pela falta de entrega, dentro dos prazos legalmente estabelecidos, das declarações de IRS dos anos de 2003, 2004 e 2005. Portanto, a facto imputável aos próprios reclamantes.
Ora, dispõe o n° 2 daquele artigo 76º, com a redação dada pela Lei 53-A/2006 de 29.12 que, não tendo sido apresentada a declaração, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n° 2 do artigo 31°. E o n° 3 daquele dispositivo legal determina que a liquidação oficiosa não atenderá ao disposto no artigo 70.º (mínimo de existência), devendo apenas ser considerada as deduções do sujeito passivo (artigo 79º, n° 1, al. a), assim como as retenções na fonte e pagamentos por conta.
Também de acordo com o Ofício-Circulado n° 20142 de 03-12-2009 da DSIRS, foi sancionado o entendimento segundo o qual, quando esteja em causa uma reclamação graciosa de liquidação efetuada com base em pressupostos e condicionalismos especiais previstos (parte final do n° 3 do artigo 76° do CIRS), somente poderão ser objeto de revisão o estado civil do sujeito passivo, rendimento bruto e correspondente dedução específica, com exceção dos rendimentos da categoria B, aos quais se aplica sempre o coeficiente mais elevado previsto no n° 2 do artigo 31º, conforme disposto no artigo 76º n° 2, e as retenções na fonte e pagamentos por conta.
Por conseguinte, atentas as normas legais e o ofício-circulado supra mencionados, REFORMA-SE o despacho proferido nestes autos, em 17-06-2010, observando-se os condicionalismos supra descritos legalmente impostos para estas situações, expurgando-se assim os vícios de que padecia aquele ato anterior.
Assim, porque o ato administrativo em matéria tributária, consubstanciado na decisão anteriormente proferida nos presentes autos, é inválido, é suscetível de REFORMA porque ainda está em tempo, face ao previsto nos artigos 137°, 138º, 141°, 142º, n° 1, 145º, n° 2 e 146º, todos do Código de Procedimento Administrativo) por remissão da al. c) do artigo 2° da Lei Geral Tributária.
Para produção de efeitos decorrente do presente despacho de reforma, elabore-se o Boletim de Alteração Oficiosa (ano 2006) (...) e o competente Documento de Correção.»
— cfr. fls. 127 a 130 da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
K) Em 27.09.2010 os Impugnantes foram notificados do despacho que antecede — cfr. fls. 131 e 133 da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
L) Em 27.09.2010 os Impugnantes apresentaram recurso hierárquico da decisão identificada em J), invocando, em síntese, a ilegalidade da reforma da decisão de anteriormente proferida de deferimento da reclamação graciosa pelo facto de ter sido praticado para além do prazo em que tal decisão era contenciosamente recorrível, e que se impõe a correção da liquidação nos termos do disposto no n° 4 do art. 76° do CIRS, de acordo com o regime de contabilidade organizada — cfr. fls. finais, não numeradas da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
M) Ato Impugnado: Em cumprimento do despacho identificado em J), em 14.12.2010 foi emitida a liquidação n° 2010 5005121267, no valor total de € 121.516,29, sendo € 109.764,03 referentes a imposto e € 11.752,26 de juros compensatórios — cfr. fls. 51, do PAT apenso.
N) Em 20.12.2010 a Diretora de Serviços do IRS proferiu despacho negando provimento ao recurso hierárquico com os fundamentos que, em síntese, se transcrevem:
«(...) 14. No caso concreto o ato de deferimento da reclamação graciosa foi notificado ao recorrente em 21.06.2010 e a reforma desse acto foi-lhe notificada em 27.09.2010. Assim e dispondo a al. a) n° 2 do referido art. 58º do CPTA o prazo de um ano para a impugnação de atos anuláveis, a Administração Fiscal dispunha deste prazo para o fazer, devendo concluir-se portanto que a reforma do despacho de deferimento é tempestiva e mantendo-se válida com todos as consequências legais daí decorrentes. (…)
17. Importa sublinhar que o sujeito passivo nunca entregou a declaração Mod. 3 de IRS relativamente aos rendimentos obtidos nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006. Relativamente ao ano de 2006, estando enquadrado no regime simplificado de tributação, também não a entregou;
(...)
19. Não tendo sido apresentada a declaração, impõe o n° 2 do art. 76°, que o rendimento líquido da categoria B seja determinado em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n° 2 do art. 31° do CIRS e, faz-se notar, independentemente do regime de tributação; (...)
21. Ora o prazo legalmente estabelecido para entregada declaração Mod. 3 de IRS do ano de 2006 expirou em 30 de abril de 2007 sem que o contribuinte o tenha feito. Qualquer dos ora recorrentes foi notificado em 23.07.2007 (data do registo CTT), para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias e nenhum deles o fez. Só em 12.03.2010, após ter recebido a liquidação que deu origem aos presentes autos veio submeter uma declaração Mod. 3 que nunca viria a ser validada exatamente por divergências quanto ao enquadramento;
22. Assim, a Administração Fiscal não podia deixar de processar a liquidação oficiosa conforme dispõe a al. b) do n° 1 art. 76º do CIRS (…);
(…)
24. Ora, tratando-se de uma liquidação efetuada com base em pressupostos e condicionalismos especiais (parte final do n° 3 do art. 76º do CIRS), também a reclamação terá necessariamente de se cingir às especificidades dessa mesma liquidação. Assim a revisão da liquidação só pode ser fundamentada em erro na sua situação pessoal, bem como nos elementos tidos em consideração na própria liquidação (rendimento, dedução pessoal imputável, retenções na fonte e pagamentos por conta) sem ter em consideração o mínimo de existência bem como o regime de tributação pois para determinar os rendimentos da categoria B se aplica sempre o coeficiente mais elevado previsto no n° 2 do art. 31º do CIRS.
Em face do exposto, deverá concluir-se que não colhem os argumentos invocados quer porque a reforma do despacho em referência foi praticada dentro do prazo legalmente concedido para o efeito quer porque o regime de tributação (de regime simplificado para o de contabilidade organizada) não pode ser alterado à luz do n° 4 do art. 76° do CIRS, pelo que, sou de parecer que deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida e a liquidação vigente que se encontra correta.»
— cfr. fls. finais, não numeradas da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
O) Por ofício de 04.01.2011 da Direção de Finanças de Faro os Impugnantes foram notificados do despacho que antecede — cfr. fls. finais, não numeradas da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
P) O ato de liquidação identificado em M) foi também objeto de reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n° 1082201104000374, e que foi de objeto indeferimento por despacho do Diretor de Finanças de Faro de 17.02.2011, notificado aos ora Impugnantes em 23.02.2011 — cfr. fls. 2 e 45 a 50 da Reclamação Graciosa n° 1082201104000374 apensa.
Q) Em 25.03.2011 os Impugnantes recorreram hierarquicamente da decisão de indeferimento identificada na alínea que antecede — cfr. fls. finais não numeradas da Reclamação Graciosa n° 1082201104000374 apensa.
R) Em 07.04.2011 os Impugnantes remeteram a presente impugnação judicial a este TAF, sob correio registado — cfr. fls. 42 dos autos.
S) Em 15.06.2011 a Diretora de Serviços do IRS proferiu despacho negando provimento ao recurso hierárquico que antecede com os mesmos fundamentos constantes do despacho identificado em N) — cfr. fls. finais não numeradas da Reclamação Graciosa n° 1082201104000374 apensa.
T) Por ofício de 28.06.2011 da Direção de Finanças de Faro os Impugnantes foram notificados do despacho que antecede - cfr. fls. finais, não numeradas da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
O acórdão fundamento n.º 454/14, de 17/12/2014 contém a seguinte matéria factual:
A) Relativamente aos rendimentos obtidos no ano de 2007 os Impugnantes não apresentaram a declaração modelo 3 de IRS no prazo legalmente previsto - cfr. fls. 2 do processo de Reclamação Graciosa apenso e por acordo.
B) Em 03.11.2009 a Administração Tributária elaborou Boletim de Alteração Oficiosa (BAO) em relação ao Impugnante marido preenchendo o quadro 10 - “Enquadramento” - com o Regime de Contabilidade Organizada (art. 28.° do CIRS), desde 01.01.2007, com fundamento na seguinte informação, descrita no quadro 28 do BAO:«O presente BAO destina-se a enquadrar o sujeito passivo no regime de contabilidade organizada com referência ao ano de 2007 e no regime simplificado com referência aos anos de 2008 a 2010 inclusive, em virtude dos seguintes volumes de vendas e prestações de serviços (...):
2006 - Vendas € 281.639,23
2007 - Prestação de serviços € 13.049,63
2008 - Vendas € 1.167,24
Prestações de serviços € 21.261,85
- cfr. fls. 58 e 59 do processo de Reclamação Graciosa apenso.
C) Em 28.01.2010 a Administração Tributária elaborou declaração oficiosa (DC tipo F7 n.° 0005 85), na qual fez constar apenas os rendimentos do sujeito passivo marido, não levando em consideração o seu estado civil de casado, procedendo à tributação de acordo com o enquadramento no regime simplificado
- cfr. fls. 33 e 36 do processo de Reclamação Graciosa apenso.
D) Ato impugnado: Em 30.01.2012 efetuada a liquidação oficiosa de IRS n.° 2010 5000044313, que apurou o valor de € 85.436,86 a pagar, sendo € 79.853,67 de imposto e € 5.583,19 a título de juros compensatórios, com data limite de pagamento de 17.03.2010 - cfr. doc. 3 junto com a petição inicial.
E) Em 15.03.2010 os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa na qual alegaram, em síntese, que a liquidação efetuada não corresponde aos rendimentos obtidos; que se encontravam impossibilitados de apresentar a declaração de rendimentos porque o sujeito passivo marido se encontrava mal enquadrado quanto ao regime de tributação, e que, os rendimentos obtidos foram enviados à Administração Fiscal através de declaração apresentada em 12.03.2010 - cfr. fls. 2 e 3 do processo de Reclamação Graciosa apenso.
F) Em 18.06.2010 foi proferido pelo Diretor de Finanças de Faro despacho de deferimento da reclamação graciosa com os fundamentos que, em síntese, se transcrevem:
«(...) constata-se que os reclamantes não conseguiam proceder à entrega das declarações de rendimentos em falta, por divergência de regime de tributação, por causa que não lhes era imputável. Pelo que, o Serviço de Finanças procedeu à elaboração do BAO, em 03-11-2009, tendo o sujeito passivo A para o ano de 2007, ficado enquadrado no regime de contabilidade organizada (doc. Fls. 58 e 59 dos autos).
Relativamente ao sujeito passivo B, B…………., verifica-se que no ano de 2007 se encontrava enquadrada no regime de contabilidade organizada, por opção (fls. 76 dos autos).
Quanto ao sujeito passivo A, à data em que a administração fiscal elaborou o respetivo DC (28-01-2010), já detinha em seu poder a declaração anual recepcionada em 31-10-2009, que indica um montante total de vendas no valor de € 281.639,23 (fls. 84 e 85). Determinava o então em vigor art. 28.º, n.º 2 do CIRS que ficavam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo optado pelo regime de contabilidade organizada, não tenham ultrapassado na sua atividade, no período imediatamente anterior, um dos seguintes limites: € volume de vendas de € 149.639,37, ou o valor líquido dos restantes rendimentos da categoria B de € 99.759,58.
De acordo com o estipulado no então art.° 76.º n. 1, al b) do CIRS, quando o S.P. não apresentou declaração de rendimentos, o apuramento dos rendimentos da categoria B deveria corresponder à totalidade do rendimento coletável do ano mais próximo (ano 2006), pelo que o regime a aplicar ao ano de 2007 relativamente ao primeiro reclamante, deveria ser o de contabilidade organizada, porquanto foi ultrapassado o limite de vendas de € 149.639,37.
Pelos factos supra expostos, e atentos os documentos que lhe servem de suporte, assim como a legislação aplicável, será de atender à pretensão do reclamante, devendo ser consideradas os rendimentos declaradas pelos sujeitos passivos A e B na declaração de rendimentos que integra os presentes autos, devendo a pretensão dos reclamantes ser atendida.
(…)
Assim, pelo supra exposto, e no uso da competência que me é conferida pelo n°1 do art. ° 75.º do CPPT, DEFIRO o pedido, com todas as consequências legais. (…)»
- cfr. fls. 87 a 89 do processo de Reclamação Graciosa apenso.
G) Em 23.06.2010 os Impugnantes foram notificados do despacho que antecede - cfr. fls. 90 e 91 do processo de Reclamação Graciosa apenso.
H) Em 17.09.2010 foi proferido pelo Diretor de Finanças de Faro despacho de reforma da decisão proferida em 18.06.2010, identificada em F), dando procedência parcial à reclamação graciosa, no sentido de considerar o estado civil de casado, determinando a sua improcedência no mais, com os fundamentos que, em síntese, se transcrevem:
«(...) após análise mais detalhada dos factos, constata-se que, em 2009, o reclamante A……….. foi notificado para proceder à entrega da declaração de rendimentos em falta (conforme “print” retirado do programa informático MGIT - controlo de faltosos), e nada fez.
Nada tendo feito, a Administração Tributária (AT) agiu de acordo com a lei e efetuou a liquidação oficiosa, nos termos do artigo 76.°, n.° 3 do CIRS, relativamente ao reclamante A……….. Quanto à reclamante B…….., a AT não efetuou a notificação exigida no n.° 3 do artigo 76.° do CIRS aditada pela Lei n.° 53-A/2006, de 29.12, pelo que não efetuou a respetiva liquidação oficiosa.
Os reclamantes alegaram que não entregaram a declaração de rendimentos do ano em causa, por divergência no enquadramento do regime de tributação. Contudo, a alegada divergência foi originada pela falta de entrega, dentro dos prazos legalmente estabelecidos, das declarações de IRS dos anos de 2003, 2004 e 2005. Portanto, a facto imputável aos próprios reclamantes.
Ora, dispõe o n.° 2 daquele artigo 76.º que, não tendo sido apresentada a declaração, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n.° 2 do artigo 31.º: E o n.º 3 daquele dispositivo legal determina que a liquidação oficiosa não atenderá ao disposto no artigo 70.º (mínimo de existência), devendo apenas ser considerada as deduções do sujeito passivo (artigo 79.º, n.º 1, al a), assim como as retenções na fonte e pagamentos por conta.
Também de acordo com o Oficio-Circulado n.° 20142 de 03-12-2009 da DSIRS foi sancionado o entendimento segundo o qual, quando esteja em causa uma reclamação graciosa de liquidação efetuada com base em pressupostos e condicionalismos especiais previstos (parte final do n.º 3 do artigo 76.º do CIRS), somente poderão ser objecto de revisão o estado civil do sujeito passivo, rendimento bruto e correspondente dedução específica, com exceção dos rendimentos da categoria B, aos quais se aplica sempre o coeficiente mais elevado previsto no n°2 do artigo 31.º, conforme disposto no artigo 76.º n.° 2, e as retenções na fonte e pagamentos por conta.
Por conseguinte, atentas as normas legais e o oficio-circulado supra mencionados, REFORMA-SE o despacho proferido nestes autos, em 18-06-2010, na parte em que contraria o disposto na lei, ou seja, na parte em que considerou que os rendimentos da categoria B do sujeito passivo A……… deveriam ser tributados de acordo com a contabilidade organizada. Assim, será de considerar o estado civil de casado dos reclamantes, mantendo-se no entanto, a determinação dos rendimentos da categoria B de acordo com as regras do regime simplificado para aquele reclamante.
Assim, porque o ato administrativo em matéria tributária, consubstanciado na decisão anteriormente proferida nos presentes autos, é inválido, é suscetível de REFORMA porque ainda está em tempo, face ao previsto nos artigos 137º, 138º, 141º, 142º, n.º 1, 145º, n.° 2 e 146°, todos do Código de Procedimento Administrativo, por remissão da al. c) do artigo 2.° da Lei Geral Tributária.
Para produção de efeitos decorrente do presente despacho de reforma, elabore-se o Boletim de Alteração Oficiosa (ano 2007) relativamente ao contribuinte A………… e o competente Documento de Correção.» - cfr. fls. 93 a 96 do processo de Reclamação Graciosa apenso.
I) Em 27.09.2010 os Impugnantes foram notificados do despacho que antecede - cfr. fls. 101 e 103 do processo de Reclamação Graciosa apenso.
J) Em 27.09.2010 os Impugnantes apresentaram recurso hierárquico da decisão identificada em H), invocando, em síntese, a ilegalidade da reforma da decisão de anteriormente proferida de deferimento da reclamação graciosa pelo facto de ter sido praticado para além do prazo em que tal decisão era contenciosamente recorrível, e que se impõe a correção da liquidação nos termos do disposto no n.° 4 do art. 76.° do CIRS, de acordo com o regime de contabilidade organizada - cfr. fls. finais, não numeradas do processo de Reclamação Graciosa apenso.
K) Em 24.01.2011 a Diretora de Serviços do IRS proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico com os fundamentos que, em síntese, se transcrevem:
«(…) 10. No caso concreto o ato de deferimento da reclamação graciosa foi notificado ao recorrente em 23.06.2010 e a reforma desse acto foi-lhe notificada em 27.09.2010. Assim e dispondo a al. a) n.° 2 do referido art. 58.° do CPTA o prazo de um ano para a impugnação de atos anuláveis, a Administração Fiscal dispunha deste prazo para o fazer, devendo concluir-se portanto que a reforma do despacho de deferimento é tempestiva e mantendo-se válida com todos as consequências legais daí decorrentes.
(…)
13. Importa sublinhar que o sujeito passivo nunca entregou a declaração Mod 3 de IRS relativamente aos rendimentos obtidos nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006. Relativamente ao ano de 2007, estando enquadrado no regime simplificado de tributação, também não a entregou;
(…)
15. Não tendo sido apresentada a declaração, impõe o n°2 do art.° 76°, que o rendimento líquido da categoria B seja determinado em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n.° 2 do art.° 31.º do CIRS e, faz-se notar, independentemente do regime de tributação;
(…)
17. Ora o prazo legalmente estabelecido para entrega da declaração Mod 3 de IRS do ano de 2007 expirou em 30 de abril de 2008 sem que o contribuinte o tenha feito. O recorrente foi notificado em 07.03.2009 (data do registo CTT, para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias e nenhum deles o fez, Só em 12.03.2010, após ter recebido a liquidação que deu origem aos presentes autos veio submeter uma declaração Mod 3 que nunca viria a ser validada exatamente por divergências quanto ao enquadramento;
18. Assim, a Administração Fiscal não podia deixar de processar a liquidação oficiosa conforme dispõe a al. b) do n.° 1 art.° 76.° do CIRS tendo por base os elementos de que dispunha;
(…)
20. Ora, tratando-se de uma liquidação efetuada com base em pressupostos e condicionalismos especiais (parte final do n.° 3 do art.° 76.º do CIRS), também a reclamação terá necessariamente de se cingir às especificidades dessa mesma liquidação. Assim a revisão da liquidação só pode ser fundamentada em erro na sua situação pessoal bem como nos elementos tidos em consideração na própria liquidação (rendimento, dedução pessoal imputável, retenções na fonte e pagamentos por conta) sem ter em consideração o mínimo de existência bem como o regime de tributação pois para determinar os rendimentos da categoria B se aplica sempre o coeficiente mais elevado previsto no n° 2 do art.° 31º do CIRS.
Em face do exposto, deverá concluir-se que não colhem os argumentos invocados quer porque a reforma do despacho em referência foi praticada dentro do prazo legalmente concedido para o efeito quer porque o regime de tributação (de regime simplificado para o de contabilidade organizada) não pode ser alterado à luz do n.º 4 do art. 76.° do CIRS, pelo que, sou de parecer que deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.»
- cfr. fls, finais, não numeradas do processo de Reclamação Graciosa apenso.
L) Por ofício de 01.03.2011 da Direção de Finanças de Faro os Impugnantes foram notificados do despacho que antecede - cfr fls. finais, não numeradas do processo de Reclamação graciosa apenso.
M) Em 24.05.2011 os Impugnantes remeteram a presente impugnação judicial a este TAF, sob correio registado - cfr. fls. 3 dos autos.

No caso dos autos a liquidação era relativa ao ano de 2006 e no do acórdão fundamento ao ano de 2007, tendo ocorrido a reforma dos atos em ambos os casos em 2010, com fundamento em invalidade a qual foi fundamentada na aplicação do art. 76.º n.º 2 do CIRS na redacção dada pela Lei n.º 53-a/2006, de 29/12 e em ofício-circulado n.º 20142, de 3-12-2009, emitido a respeito do n.º3 desse mesmo art. 76.º.
Os factos são, pois, idênticos, manifestando-se contradição quanto ao decidido relativamente ao prazo a aplicar à revogação, ainda que parcial, de uma anterior decisão, de deferimento, de reclamação graciosa apresentada quanto a liquidação de IRS, num mesmo quadro legal.
No acórdão recorrido, julgou-se tempestiva a revogação que veio a ser posteriormente efetuada no ato que determinou a reforma do anterior ato tributário, fazendo aplicação dos artigos 136.º n.º 1, 141.º do C.P.A. e 58.º n.º 2, a), do C.P.T.A., por força dos artigos 2.º, c), da L.G.T. e 2.º, d), do C.P.P.T..
Julgou-se aí aplicável à revogação o prazo de 1 ano - e por referência à data de notificação da decisão proferida quanto à reclamação graciosa. Mais levou em conta que a mesma pudesse ter lugar, posteriormente, até à resposta da entidade recorrida, conforme previsto no dito art. 141.º n.º1.
No acórdão fundamento julgou-se subsidiariamente aplicável o dito art. 141.º do CPA por força das referidas normas constantes da L.G.T. e do C.P.P.T., mas foi afastada a aplicação dos prazos previstos no art. 58.º do C.P.T.A. e, fazendo-se aplicação do art. 102.º n.º 2 do C.P.P.T., julgou-se aplicável à dita revogação o prazo de 15 dias, previsto para se deduzir impugnação judicial do indeferimento de reclamação graciosa, contado a partir da data da notificação do indeferimento.
Em fundamento de tal aplicação foram convocados vários argumentos, entre os quais o disposto no art. 9.º n.º4 do C.P.P.T. e o princípio da segurança jurídica.
A jurisprudência não se mostra consolidada, nomeadamente, face ao acórdão fundamento.
Verificam-se, pois, os requisitos para que se conheça do recurso interposto.

Da questão fundamental em contradição.
A questão fundamental em contradição pode resumir-se em saber qual o prazo a aplicar à revogação, ainda que parcial, de uma anterior decisão, de deferimento, de reclamação graciosa relativa a uma liquidação de IRS, para efeitos de se proceder à reforma do ato de liquidação.
No acórdão fundamento escreveu-se quanto a esta questão:
Neste recurso a Fazenda Pública coloca a questão de saber se o prazo de revogação (ainda que parcial) de uma decisão de deferimento de reclamação graciosa pode ocorrer no prazo de 1 ano, nos termos do disposto no art. 141º do CPA e 58º, n.º 1 do CPTA, ou, tal como se decidiu na sentença recorrida, no prazo de 15 dias estabelecido no artigo 102º, n.º 2 do CPPT.
Vejamos, então.
Dispõe o artigo 79.º da LGT, no seu n.º 1, que o acto decisório pode revogar total ou parcialmente acto anterior ou reformá-lo, ratificá-lo ou convertê-lo nos prazos da sua revisão.
“Mas nem esse diploma legal nem o CPPT contém qualquer norma sobre o prazo para a aludida revogação, pelo que tal prazo só pode ser o constante das regras do CPA - diploma que constitui legislação complementar e subsidiária ao direito tributário [art.ºs 2º, alínea c), da LGT e 2º, alínea d), do CPPT] - e que devem ser aplicadas no direito tributário de acordo com a natureza do caso omisso, mais precisamente as regras que directamente regulam a revogação dos actos administrativos nos art.ºs 136º e segs.”, cfr. acórdão deste STA, datado de 15/05/2013, recurso n.º 0566/12.
E quanto ao prazo de revogação dos actos pelos seus autores, ou pelos superiores hierárquicos, cfr. art. 142º do CPA, dispõe o artigo 141.º, sob a epígrafe “Revogabilidade dos actos inválidos”:
1 - Os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.
2 - Se houver prazos diferentes para o recurso contencioso, atender-se-á ao que terminar em último lugar.
Da conjugação destas duas regras, retira a recorrente que havendo vários prazos para a dedução de recurso contencioso, hoje acção administrativa especial, cfr. artigo 191º do CPTA, a revogação pode sempre ocorrer dentro do prazo mais longo que esteja previsto.
Dispõe o artigo 58.º do CPTA, sob a epígrafe “Prazos”:
1 - A impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo.
2 - Salvo disposição em contrário, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
(…)
Ou seja, a Fazenda Pública entende que o órgão da AT poderá proceder à revogação do acto inválido dentro do mesmo prazo de um ano que a lei concede ao Ministério Público para impugnar actos anuláveis.
Acontece, porém, que a intervenção do Ministério Público no âmbito da impugnação de actos tributários ou de actos administrativos em matéria tributária difere de forma substancial da sua intervenção no âmbito da impugnação de actos ou contratos administrativos.
Enquanto que o legislador atribuiu ao Ministério Público no âmbito do CPTA uma intervenção pró-activa na defesa da legalidade, cfr., entre outros os artigos 9º, n.º 2 (independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais), 40º, n.º 1, al. b) (os pedidos relativos à validade, total ou parcial, de contratos podem ser deduzidos pelo Ministério Público e pelas demais pessoas e entidades mencionadas no n.º 2 do artigo 9.º), 62º, n.º 1 (O Ministério Público pode, no exercício da acção pública, assumir a posição de autor, requerendo o seguimento de processo que, por decisão ainda não transitada, tenha terminado por desistência ou outra circunstância própria do autor), 68º, n.º 1, al. c) (o Ministério Público em legitimidade para pedir a condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido, quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de qualquer dos valores e bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º) e 73º, além da intervenção processual em representação de pessoas e entidades e da intervenção processual dentro do próprio processo quando não é ele o promotor da acção, cfr., entre outros, artigos 85º, 141º, n.º 1 e 146º, já no âmbito do CPPT a intervenção do Ministério Público é mais limitada e restringe-se, na prática, à representação de pessoas ou entidades e à intervenção processual dentro do próprio processo, cfr. artigos 9º, n.º 4 (que atribui legitimidade no processo judicial tributário ao Ministério Público e à Fazenda Pública), 14º, 16º, n.º 2, 121º, 124º, n.º 2, al. b), 280º, n.º 1 e 289º, n.º 1 e ainda a intervenção própria no processo de contra-ordenação.
“As suas intervenções em matéria tributária restringem-se ao processo judicial tributário (art. 9.°, n.° 4, deste Código) e, mesmo neste âmbito, não lhe são atribuídas todas as funções compatíveis com o seu Estatuto, pois a defesa dos interesses patrimoniais da administração tributária é confiada ao respectivo representante (arts. 53.° do ETAF de 2002 e 15.° do CPPT).
Assim, as tarefas desempenhadas, genericamente, pelo Ministério Público no processo judicial tributário são as defesa da legalidade e promoção do interesse público em matéria tributária, controlando a aplicação da lei pelos tribunais tributários e promovendo a boa aplicação da justiça, emitindo pareceres e requerendo o que tiver por conveniente.
Nos casos especiais em que no processo judicial tributário haja necessidade de intervenção de ausentes, incertos ou incapazes, é atribuída ao Ministério Público a sua representação processual, situação em que lhe caberá a defesa dos interesses patrimoniais destes.
Em qualquer dos casos, a actuação do Ministério Público deve ser norteada por critérios de legalidade e objectividade, como lhe é imposto pelo n.° 2 do art. 2.° do seu Estatuto.”, cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, 6ª edição, vol. 1, pág. 189.
Face a estas competências mais limitadas do que no âmbito do contencioso administrativo, não se estabeleceu na lei um prazo especial para que o Ministério Público possa deduzir impugnação, em defesa da legalidade, de liquidação que sofra de ilegalidades geradoras de mera anulabilidade, cfr. artigo 102º do CPPT (de resto não é liquido que o possa fazer contra a vontade do contribuinte interessado que é o sujeito da relação jurídica tributária e que o possa fazer sem intervir na qualidade de representante legal, portanto, na qualidade de parte).
Portanto, o Ministério Público ao promover uma acção de impugnação judicial terá que o fazer dentro dos prazos estabelecidos naquele artigo 102º, sob pena de caducar o seu direito de acção.

Ou seja, ao contrário do acórdão recorrido, afastou-se a possível ponderação daquele prazo de um ano uma vez que não ocorre qualquer relação de conexão entre o mesmo e o processo judicial tributário, quer por via da qualidade dos intervenientes, quer por via dos meios processuais ao dispor das partes e é, de facto, a melhor solução para a resolução da questão que vem colocada uma vez que a interpretação das normas relevantes deve ser feita por referência ao CPPT que regula a tramitação do processo judicial tributário.

Afastada que está a aplicação ao caso concreto do prazo de um ano a que anteriormente nos referimos, poder-se-ia, também, ponderar não só a consideração, face à matéria de facto disponível, do referido prazo de 15 dias a que aludia o artigo 102º, n.º 2 do CPPT, bem como igualmente do prazo de 90 dias a que aludia, à data, o artigo 102º, n.º 1 do mesmo CPPT.
Porém, tendo, o ato inicial (do Diretor de Finanças de Faro), deferindo a reclamação graciosa, apresentada pelos contribuintes/recorrentes, sido notificado em 21 de junho de 2010, quando, aos mesmos, no dia 27 de setembro de 2010, veio a ser comunicada a decisão (datada de 17 de setembro), no sentido da reforma/revogação parcial desse ato inicial, com o consequente indeferimento parcial daquela reclamação, mostravam-se, já, decorridos quer estes 90 dias, quer os 15 dias, seguidos, disponíveis para o autor do ato (administrativo-tributário) inicial levar a cabo a respetiva revogação.
Assim, não há dúvida, que à data em que o acto impugnado foi praticado já se havia esgotado o prazo para o efeito, quer se considerasse quer um prazo, quer o outro, pelo que, o recurso sempre terá que proceder.

Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e manter a sentença que vinha sindicada.
Custas pela recorrida neste STA.
D.n.
Lisboa, 30 de Setembro de 2020. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator por vencimento e sorteio) – Paulo José Rodrigues Antunes (vencido com a declaração que segue) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso (vencido nos termos da declaração de vencimento elaborada pelo Sr. Conselheiro Paulo Antunes) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.

Voto de vencido de acordo com a declaração que segue:

Defende a posição que fez vencimento a aplicação ao ato de revogação, ainda que parcial, de decisão de reclamação graciosa, do prazo de 15 dias previsto no art. 102.º n.º2 do C.P.P.T., quanto à impugnação judicial de ato de indeferimento de reclamação graciosa, bem como que se poderia ponderar a aplicação do prazo de 90 dias previsto no anterior n.º1, afastando-o ainda por o mesmo ter já decorrido.
Com o devido respeito, não vejo razões para acompanhar o entendimento aí tido.
Primeiro, porque a norma contida no art. 141.º n.º 1 do C.P.A. de 1991 é a subsidiariamente aplicável, nos termos do art. 2.º, c), da L.G.T., ao prazo de revogação de ato em matéria tributável e à reforma parcial que foi operada quanto ao ato tributário em 2010, e que tem de ser complementada por outra norma que não pode ser a considerada do art. 102.º n.º2 do C.P.P.T..
Segundo, porque a norma contida no art. 102.º n.º 2 do C.P.P.T., em que se previa, enquanto vigorou, o prazo de 15 dias para ser apresentada impugnação judicial de ato de indeferimento de reclamação que não ao ato praticado, de deferimento de reclamação.
Terceiro, porque o dito art. 102.º n.º2 se encontra atualmente revogado, não sendo de afastar a intenção do legislador de excluir a sua aplicação relativamente a situações incongruentes – cfr., Jorge Lopes de Sousa em Código de Procedimento e Processo Tributário Comentado e Anotado, Volume II, 6.ª ed. Áreas Ed., pág. 151 sobre a incongruência da aplicação do prazo contido na dita norma, face a outros prazos mais longos possíveis ainda de aplicar.
Quarto, porque a solução de fazer aplicar o referido art. 102.º n.º2 do C.P.A. de 1991 – bem como o seu n.º1, em que se contém o referido prazo de 90 dias - com o art. 141.º n.º2 do C.P.P.T., implica a integração de uma lacuna de regulamentação, a qual diz ainda respeito à liquidação, matéria que, de acordo com o previsto no art. 8.º n.º 1 a) da L.G.T., está sujeita ao princípio da legalidade e a reserva de lei formal – cfr. a existência de um lacuna de regulamentação, Lima Guerreiro em Lei Geral Tributária anotada, pág. 350 e Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Sousa em Lei Geral Tributária Anotada Comentada, 4.ª ed., 2012, pág. 724, citados no acórdão recorrido, bem como Casalta Nabais em Direito Fiscal, 7.ª ed. Almedina de 2012, pág. 344 e, ainda, Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, 4.ª ed. 2019, pág. 341.
Quinto, porque a aplicação do prazo previsto no art. 141.º n.º 2 do C.P.P.T. não concilia o interesse na estabilidade do ato proferido em matéria tributária com o dito princípio da legalidade, e ainda o da igualdade, a que interessa ainda os fundamentos utilizados para a revogação – entre outros, consta ter-se aplicado entendimento vertido em “ofício-circular”, pelo qual era afastada a possibilidade de se transitar do regime simplificado de tributação para o regime de contabilidade organizada, sendo tal vinculativo para os funcionários da A. T. que não o podem deixar de aplicar, enquanto se mantiver ou até que seja proferida decisão judicial de que resulte o contrário.
Sexto, porque ao prazo de revogação não pode deixar de se aplicar o “prazo mais longo” previsto para a impugnação, de acordo com o art. 141.º n.º 1 do C.P.A. de 1991 que é de aplicação subsidiária, nos termos do referido art. 2.º c) da L.G.T., norma que apelida de “complementar” a legislação que consagra na sua previsão e que se aplica às relações jurídico-tributárias.
Sétimo, porque tal só pode ser o C.P.T.A., em que no art. 58.º, a), se consagra o prazo mais longo de 1 ano, ainda que quanto ao Ministério Público, conforme vinha entendendo a demais jurisprudência do S.T.A. – cfr., para além do acórdão recorrido, de 15-3-2017, os acórdãos do S.T.A. proferidos a 15-5-2013 no recurso n.º 0566/12 e a 21-11-2011, no recurso n.º 0590/11, acessíveis em www.dgsi.pt. Também a doutrina defende idêntica posição (cfr. Lima Guerreiro em Lei Geral Tributária anotada, pág. 350, em anotação ao artº.79; Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Sousa em Lei Geral Tributária Anotada Comentada, 4.ª ed., 2012, pág. 724, igualmente em anotação ao artº.79; José Maria Fernandes Pires e Outros, LGT comentada e anotada, 2015, pág.855 e seg.).
E, sendo de solucionar a oposição de acórdãos de acordo com o anteriormente referido, não se pode concordar com a posição que fez vencimento, antes se defendendo a manutenção do julgado constante do acórdão recorrido.
Paulo José Rodrigues Antunes