Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:096/20.9BALSB
Data do Acordão:01/26/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
CRÉDITO FISCAL
INVESTIMENTO
COLECTA
IRC
JURISPRUDENCIA CONSOLIDADA
Sumário:I – As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste.
II – Para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei, designadamente, está excluída a possibilidade de dedução dos montantes apurados a título do benefício fiscal CFEI (Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento), aprovado pela Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho.
Nº Convencional:JSTA000P28854
Nº do Documento:SAP20220126096/20
Data de Entrada:09/18/2020
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO A........, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações


I. A DIRECTORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada com a decisão arbitral proferida no processo nº 687/2019-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), julgou procedente o pedido de pronuncia quanto à autoliquidação de IRC do exercício de 2014 deduzido pelo BANCO A…………, S.A., vem dela apresentar Recurso para Uniformização de Jurisprudência, para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no art. 152.º, n.º 1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do nº 2, do art. 25º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro), com a alteração introduzida pela Lei nº 119/2019, de 18/09, por considerar que a referida decisão arbitral recorrida colide com a decisão arbitral proferida no processo nº 733/2016-T do CAAD, – datado de 21 de julho de 2017, o qual transitou em julgado.

II. Por despacho a fls. 348 do SITAF, o Ex.º Relator junto deste Supremo Tribunal ordenou notificação da recorrida para contra alegar e do Ministério Público para emissão de Parecer.

III. A recorrente Fazenda Pública, veio apresentar alegações de recurso a fls. 4 a 51 do SITAF, no sentido de demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
A. In casu a questão em dissenso formula-se nos seguintes moldes: Podem os créditos gerados por benefícios fiscais (in casu, CFEI) ser deduzidos à colecta produzida pelas tributações autónomas, em caso de insuficiência de colecta de IRC?
B. Os sujeitos passivos pretendiam/pretendem in casu a dedução dos créditos gerados por benefícios fiscais (SIFIDE, CFEI, RFAI), em caso de insuficiência de colecta de IRC, à colecta produzida por tributações autónomas.
C. A posição do tribunal arbitral divergia.
D. Em face desta divergência jurisprudencial quanto à mesma questão fundamental de direito, foi interposto Recurso para Uniformização de Jurisprudência nos termos do n.º 1 do art.º 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e nº 2 do art.º 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro).
E. O processo n.º 10/20.1BALSB, de 08/07/2020, proferido pelo pleno da secção de contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo veio uniformizar a jurisprudência no que respeita à seguinte questão fundamental de direito, decorrente do artigo 88.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC):
F. Por decisão de 08.07.2020, no âmbito do processo supra mencionado, o STA aderindo à posição e entendimento que a AT sempre teve nesta temática, concluiu que:
“I - As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste.
II - Para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei, designadamente, está excluída a possibilidade de dedução dos montantes apurados a título do benefício fiscal SIFIDE II, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010.
III - Esta interpretação normativo-legal dos preceitos tributários do CIRC e do Regime legal do SIFIDE II não foi alterada com a introdução do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC por efeito da aprovação da Lei n.º 7-A/2016.”
G. tendo sido proferida a seguinte decisão: “Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam tomar conhecimento do mérito do recurso, conceder-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida, absolver a Fazenda Pública do pedido e fixar jurisprudência no sentido de que não são admitidas deduções à colecta das tributações autónomas relativas aos montantes apurados a título do benefício fiscal SIFIDE II, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010.” (negrito e sublinhado nossos)
H. Em face do exposto, o STA fixou jurisprudência no que se refere à questão fundamental de direito, decorrente do artigo 88.º do CIRC - “Podem os créditos gerados por benefícios fiscais (in casu, CFEI) ser deduzidos à colecta produzida pelas tributações autónomas, em caso de insuficiência de coleta de IRC?” – no sentido de que não são admitidas deduções à colecta produzida por tributações autónomas de créditos apurados e gerados a título de benefício fiscal.
I. Assim, sem necessidade de maiores lucubrações, encontrando-se a questão fundamental de direito expressa nos autos já dirimida, aqui remetemos para o aludido Acórdão de Uniformização, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consultável em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/941442b2062cf485802585a40048e9bd?OpenDocument&Highlight=0,tributa%C3%A7%C3%B5es,aut%C3%B3 nomas
J. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto nos termos do n.º 1 do art.º 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e nº 2 do art.º 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro), e tem por objecto a Decisão Arbitral proferida no processo nº 687/2019 – T CAAD pelo Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por se encontrar em contradição com a decisão fundamento, proferida pelo Tribunal Arbitral CAAD no Processo nº 733/2016 – T CAAD, no segmento decisório que se reporta ao entendimento que à colecta produzida pelas tributações autónomas, são insusceptíveis de serem deduzidos os créditos gerados por benefícios fiscais.
K. Ora, a decisão arbitral sob recurso entendeu que:
«Do exposto, resulta a ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da auto liquidação de IRC do exercício de 2014 com a sua consequente anulação, bem como a ilegalidade parcial a mesma autoliquidação concretamente na parte em que não permitiu ao Requerente a dedução do benefício fiscal de que dispunha. no valor de € 1 000 000.00, à coleta resultante das tributações autónomas apuradas naquele exercício. o que justifica a sua anulação parcial.»
L. Por seu turno, na Decisão arbitral proferida no Processo nº 733/2016-T, convocado como fundamento, entendeu o seguinte:
« conclui-se, desta forma, pela ilegalidade da dedutibilidade do CFEI e do RFAI à coleta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao artigo 21.º do artigo 88.º do Código do IRC, nos termos do qual “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”
Assim sendo, deixa de fazer sentido a invocada inconstitucionalidade do nº 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7.º-A/2016, de 30 de março, por violação do princípio da retroatividade da lei, proibida pelo artigo 103.º, nº3, da CRP, na medida em que tal normativo não é convocado sequer na resolução do caso em apreço. O mesmo se diga quanto às demais inconstitucionalidades alegadas pela Requerente. Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não assiste razão à Requerente, pelos fundamentos acima invocados, no que respeita à possibilidade de dedução dos benefícios fiscais em causa (relativos ao CFEI e ao RFAI) à coleta das tributações autónomas relativas ao IRC dos exercícios de 2013 e 2014.
Termos em que, improcede o pedido da Requerente, sendo de manter o indeferimento da reclamação graciosa ora impugnada.»
M. Os dois arestos divergem no entendimento do enquadramento da seguinte questão: É, sobre a colecta produzida pelas tributações autónomas, suspectível de efectuar qualquer dedução, em concreto dos créditos gerados pelos benefícios fiscais?
N. O entendimento vertido na Decisão recorrida colide com a Decisão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito que se prende com saber se é admissível tal dedutibilidade à coleta das tributações autónomas.
O. Como tem sido afirmado de forma constante pela jurisprudência do STA, a identidade da questão fundamental de direito reporta-se, concomitantemente, aos preceitos ou princípios jurídicos aplicados e às situações de facto que eles concretamente disciplinaram. E que essa identidade não necessita de ser formal ou absoluta, mas uma identidade essencial.
O que se verifica in casu.
P. Ambas as decisões se reportam ao art.º 88.º e art.º 90.º do CIRC, com as posteriores alterações.
Q. Sendo que a identidade da questão de direito passa, necessariamente, e antes do mais, pela identidade da questão de facto subjacente, na exacta medida em que aquela pressupõe que as situações de facto em que assentaram as soluções jurídicas contenham elementos que as identifiquem como “questões” merecedoras de tratamento jurídico semelhante, conforme refere o Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo número 0485/02 de 08-05-2003.
R. A decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento versam sobre situações fácticas substancialmente idênticas e discutidas sob as mesmas normas legais, conforme salienta Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, Volume IV, p.475 809.
S. Está em causa a decisão da mesma questão em ambos as decisões e os factos também são substancialmente idênticos, pois tratam-se de saber se é admissível quaisquer deduções – nomeadamente benefícios fiscais, in casu, CFEI - à colecta produzida por tributações autónomas.
T. Enquanto na Decisão recorrida se considerou que é admissível a dedutibilidade dos benefícios fiscais à colecta produzida pelas tributações autónomas na decisão fundamento o entendimento foi exactamente o contrário, ou seja, considerou-se sobre a colecta das tributações autónomas não são susceptíveis de operar quaisquer deduções.
U. O que caracteriza e confere identidade às duas situações é que os factos são em tudo semelhantes e as normas jurídicas também.
V. Nessa medida mostram-se verificados os pressupostos previstos no art.º 152.º do CPTA, para admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
W. Desde já adiante-se que, desde a criação das Tributações Autónomas, no início da década de 90, e a sua evolução legislativa, sempre foi pacífico por parte de todos os operadores no mundo fiscal que as tributações autónomas não admitiam qualquer dedução.
X. Ora, na temática que aqui nos ocupa, estamos perante uma controvérsia que nunca existiu, aliás, só passou a existir a partir do momento em que diversos sujeito passivos, promoveram junto do CAAD teses que desafiavam a estabilidade interpretativa que sempre existiu em torno do tema, teses às quais o CAAD, embora muito minoritariamente, deu acolhimento.
Y. Veja-se que desde o nascimento das Tributações Autónomas, não foi questionada a não dedutibilidade das mesmas à colecta de IRC, até que desde finais de 2013, começaram a surgir massivamente interpretações que punham em causa uma estabilidade de décadas, e não consta que tenham havido contribuintes que impugnassem a interpretação vigente e pacífica até àquela data (2013).
Z. Altura em que, foi ensaiada a interpretação de que os valores pagos a título de tributação autónoma seriam dedutíveis à colecta do IRC. Pretensão que falhou por unanimidade, pois que o CAAD não acolheu tal interpretação.
AA. Neste ensejo, e vetada ao insucesso de que as tributações autónomas não poderiam ser dedutíveis à colecta do IRC, novamente com a intervenção do tribunal arbitral (não há conhecimento destas temáticas serem discutidas junto dos tribunais judiciais) é que surgiu uma nova leva de processos, pugnando então, desta feita, pela dedução do PEC e dos benefícios fiscais à coleta produzida por tributações autónomas, o que levou a que em 2014 e 2015 - decisões do CAAD, umas no sentido de que o PEC e os benefícios fiscais podiam ser deduzidos à colecta das tributações autónomas e outras em sentido contrário.
BB. O tribunal arbitral entendeu que a questão a apreciar era a seguinte: «A principal questão a decidir nos autos é a de saber se o montante de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) na titularidade do Requerente. sujeito passivo de IRC é ou não dedutível à coleta das tributações autónomas por este autoliquidadas e, subsidiariamente, caso o não seja, por estas não erem consideradas IRC e, não havendo norma específica para a sua liquidação, se deverão as mesmas ser consideradas indevidas e, consequentemente, anuladas, por violação do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) segundo o qual a liquidação e a cobrança dos impostos se fazem nos termos da lei. »
CC. Entendeu o tribunal arbitral que:
«Do exposto, resulta a ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da auto liquidação de IRC do exercício de 2014 com a sua consequente anulação, bem como a ilegalidade parcial a mesma autoliquidação concretamente na parte em que não permitiu ao Requerente a dedução do benefício fiscal de que dispunha. no valor de € 1 000 000.00, à coleta resultante das tributações autónomas apuradas naquele exercício. o que justifica a sua anulação parcial.»
DD. Por seu turno, a decisão fundamento, vertida no processo n.º 473-2017-T CAAD, decide em sentido diametralmente oposto:
“Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não assiste razão à Requerente, pelos fundamentos acima invocados, no que respeita à possibilidade de dedução dos benefícios fiscais em causa (relativos ao CFEI e ao RFAI) à coleta das tributações autónomas relativas ao IRC dos exercícios de 2013 e 2014.»
EE. Tal como foi referido na Decisão fundamento,
«(…) tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à coleta das tributações autónomas, incentivos fiscais, como a Requerente pretende, porquanto essa possibilidade resultaria num duplo efeito estranho, ou seja, de um lado poderia, no limite, eliminar a coleta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo benefício fiscal (no caso em concreto, está em causa o “SIFIDE”, pelo cumprimento dos objetivos ou adoção das condutas fixadas na norma consagradora do direito ao benefício fiscal) a imposto que tem uma função especificamente anti abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.
Da conjugação destas possibilidades resultaria um resultado contraditório, ilegal e antiético, justamente porque a mesma lei fiscal permitiria, no quadro do mesmo sistema fiscal, desonerar o contribuinte do encargo do pagamento de um imposto que é justamente devido pela adoção de condutas abusivas, indesejadas e desincentivadas (relevação como gastos das despesas previstas no art.º 88.º do Código do IRC).»
FF. Salvo melhor entendimento, é o entendimento expendido na decisão fundamento suportado nas mesmas normas jurídicas da decisão recorrida, i.e., art.º 88.º e art.º 90.º (incluindo o n.º 2) do CIRC.
GG. Razão por que o entendimento da Recorrente deverá prevalecer, na medida em que à colecta produzida pelas tributações autónomas, são insusceptíveis de serem deduzidos os créditos gerados por benefícios fiscais, em concreto o CFEI.
HH. Porém, perpassemos, com a atenção devida pelo entendimento propugnado pela Requerente e que vem vertido na decisão fundamento:
II. impõe-se desde já fazer 3 ressalvas,
1) Não obstante a convergência na forma de liquidação regulada nos artigos 89.º e 90.º do CIRC, a montante as tributações autónomas e o IRC stricto sensu provêm de geografias profundamente distintas;
2) Divergências que se reflectem nas soluções a jusante ou seja a de inexistência de unicidade de IRC e TA;
3) As tributações autónomas evidenciam disparidade teleológica e funcional
JJ. Os erros de julgamento apontados à decisão recorrida assentam em premissas inquinadas por erros ao nível dos conceitos, mormente de benefício fiscal, e erros de interpretação das normas fiscais relevantes e da interacção entre o regime dos benefícios fiscais aqui em dissídio e o Código do IRC.
KK. Da concatenação do estabelecido nestes normativos (CFEI) resulta que a dedução a que se referem opera nos termos em que as deduções, previstas no n.º 2 do art.º 90.º operam, atenta a subsunção dos créditos de imposto por benefícios fiscais.
LL. com a inserção das tributações autónomas no Código do IRC, pela Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, mediante o aditamento do art.º 69.º-A (actual art.º 88.º) passaram a coexistir, neste Código, dois sistemas de tributação com natureza e finalidades distintas, sem que o legislador haja introduzido as necessárias adaptações que tais diferenças impunham, não obstante tal inclusão ter constituído, “um entorse à luz das características próprias do IRC, enquanto imposto direto que incide sobre o rendimento das pessoas coletivas” (cfr., HELENA MARTINS, “O imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, in Lições de Fiscalidade, Almedina, 2012, pág. 280). Negrito nosso
MM. Ou seja, a transmutação do regime legal do IRC numa realidade jurídica complexa e multifacetada acabou por relegar para o intérprete a tarefa de indagar quais as normas do CIRC que contendem com a especial forma de incidência e finalidades das tributações autónomas, socorrendo-se das normas sobre interpretação e aplicação das leis, conforme prescreve o n.º 1 do art.º 11.º da LGT ao fazer uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.
NN. A assunção de propósito é expressa na decisão fundamento, porquanto, em ordem a obter aquilo que seja a leitura juridicamente mais correcta do texto, seja necessário realizar determinados testes ao nível do edifício sistemático onde a norma interpretanda se enquadra, de modo a validar, face ao mesmo, e à luz dos critérios de racionalidade, congruência e razoabilidade que necessariamente norteiam aquela estrutura normativa, a interpretação literalmente sugerida.
OO. Sendo as tributações autónomas, uma forma especial de tributação, especialidade que advém da delimitação dos factores geradores, regras de quantificação, taxas aplicáveis, e finalidades associadas, é redutor concluir, como base numa interpretação meramente literal e simplificadora, como sucede na decisão arbitral fundamento, que, por partilharem as regras de liquidação, definidas no art.º 89.º e n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, as respectivas colectas devem ter o mesmo destino da colecta do IRC stricto sensu.
PP. Enquanto a liquidação da colecta do IRC consiste na aplicação das taxas previstas no art.º 87.º à matéria colectável determinada segundo as regras constantes do Capítulo III do CIRC, a liquidação das tributações autónomas assenta nas taxas e nos valores tributáveis das diversas realidades contempladas no art.º 88.º do mesmo Código, dualidade que reflecte necessariamente a diferente natureza e finalidades do IRC stricto sensu e das tributações autónomas.
QQ. Ou seja, embora integrando o mesmo edifício legislativo - o CIRC – e partilhando de algumas regras comuns, a unicidade não é completa, conforme, aliás, afirma o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 197/2016.
RR. A coexistência do IRC stricto sensu e das tributações autónomas no mesmo Código conduziu à edificação de uma estrutura de natureza dual ou híbrida, compreendendo um núcleo principal correspondente ao IRC tradicional, e uma parte adjacente, conexionada com aquele e fazendo parte da mesma realidade normativa global, com especificidades próprias das quais resulta um afastamento, em vários e substanciais aspectos, do regime principal, em termos de os princípios e soluções gerais, não obstante, por vezes, se aplicarem, por outras vezes, serem contraditórios, e como tal, inaplicáveis, com a natureza própria dessa tal “normação adjacente” que se consubstancia nas designadas tributações autónomas. SS. Estrutura dual da qual decorre o afastamento da aplicação às tributações autónomas das normas próprias do sistema base, sempre que tal se justifique à luz da coerência do próprio sistema e das razões que justificam o seu tratamento autónomo e que, leva a qualificar as tributações autónomas como IRC, mas apenas em sentido lato, constituindo um sistema periférico da tributação do rendimento das pessoas colectivas, com teleologia, finalidades e mecânicas próprias, que justificam, em determinadas situações, a sua autonomia, em relação ao referido sistema de IRC stricto sensu.
TT. Finalidades que manifestamente são inconciliáveis com a natureza das deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º, mormente com as referentes aos benefícios fiscais em geral e ao CFEI em particular, senão vejamos.
UU. O n.º 1 do art.º 2.º do EBF, define benefícios fiscais como «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem», conceito que encerra como características essenciais a derrogação de natureza excepcional à tributação-regra e a prossecução de finalidade extrafiscal com relevante interesse público.
VV. Deste modo, deve estar subjacente a qualquer benefício fiscal ao investimento – como o CFEI – o reconhecimento económico e social justificativo da perda de receita fiscal que o mesmo implica, in casu, as despesas de investimento estão associados à prossecução do objectivo de incremento da produtividade e consequente reforço da competividade das empresas.
WW. Existe, portanto, uma ligação indissociável entre o benefício fiscal – CFEI – e as regras de determinação da matéria colectável do IRC, pelo método directo, que tomam como base o lucro revelado pela contabilidade e para cuja formação concorrem as chamadas “despesas elegíveis”.
XX.Com efeito, cabe lembrar que estão afastados deste benefício fiscal, pelo art.º 2.º do Regime do CFEI, (e art.º 39.º do Código Fiscal do Investimento) os sujeitos passivos cujo lucro tributável seja determinado por métodos indirectos, regra que denuncia bem que se o legislador tivesse concebido o CFEI por forma a que o crédito de imposto fosse deduzido às colectas das tributações autónomas, não faria qualquer sentido esta regra de exclusão.
YY. Sendo de acrescentar que o próprio legislador extraiu consequências a jusante do apuramento de duas colectas distintas, em diversos normativos que remetem para o «montante apurado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º” ou para o “o imposto liquidado nos termos do art.º 90.» sinalizando sempre de forma explícita ou implícita que a referência abrangia apenas a colecta do IRC stricto sensu, o que, aliás, só suscitou controvérsia desde há meia dúzia de anos, na sequência de pronúncias dos tribunais arbitrais sobre a não dedutibilidade ao lucro tributável das colectas das tributações autónomas.
ZZ. Uma leitura holística das normas do CIRC revela a coexistência de um sistema de tributação com base no rendimento com o regime especial das tributações autónomas, como já antes referido, circunstância que coloca um esforço exigente ao legislador para destrinçar os normativos que regulam aspectos que colidem com a natureza e características das tributações autónomas.
AAA. Na verdade, o próprio CIRC fornece pistas orientadoras que auxiliam nesse esforço interpretativo, como se dará conta de seguida. BBB. É assim, no n.º 1 do art.º 92.º, ao reportar-se ao imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais (...)» indica de modo expresso que se refere à colecta do IRC stricto sensu, porquanto as deduções das alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 90.º, por força do disposto no número 1 dos artigos 91.º e 91.º-A que impõem a inclusão dos rendimentos obtidos no estrangeiro na matéria colectável que serve de base à liquidação.
CCC. Igualmente, o n.º 1 do art.º 105.º do CIRC estabelece que «Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º (…)», Ora, é consabido que o cálculo dos pagamentos por conta não pode senão ter por referência o apuramento do IRC baseado nas regras de determinação do lucro tributável e da matéria colectável (do Capítulo III do CIRC) e, nunca, o apuramento feito com base nas regras de incidência das taxas de tributação autónoma (do art.º 88.º do CIRC).
DDD. A norma do n.º 5 do artigo 90.º do Código do IRC resulta que uma vez que as entidades transparentes estão sujeitas a tributações autónomas (cf. art.º 12.º do Código do IRC) e apenas imputam aos respectivos sócios a matéria colectável determinada com base no lucro, o entendimento adoptado pela Decisão fundamento de que as deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º são efectuadas à colecta do IRC que inclui as tributações autónomas, então os sócios ou membros das entidades transparentes estariam impedidos, por via do referido artigo 90.º, n.º 5, de deduzir aos montantes liquidados a título de tributação autónoma, as deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo, limitação que não resulta da lei.
EEE. Faz sentido aludir também ao disposto no n.º 6 do art.º 90.º, ora, o «montante apurado relativamente ao grupo» só pode respeitar à colecta determinada com base na matéria colectável do grupo em conformidade com o disposto nos artigos 70.º e 71.º do CIRC, porquanto as tributações autónomas são apuradas, individualmente, por cada sociedade do grupo na declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 6 do art.º 120.º, ainda que o cálculo possa ser corrigido por força do n.º 20 do art.º 88.º.
FFF. Os exemplos apresentados bastariam para sustentar a conclusão de que a expressão contida no corpo do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC «o montante apurado nos termos do número anterior» a que reportam as deduções enunciadas nas alíneas deste número, em que se inclui a dedução por benefícios fiscais (alínea b), actual alínea c)) e expressões equivalentes utilizadas noutros artigos quer do Código do IRC, quer de outros institutos legais (e.g., Regime do CFEI ou Código Fiscal do Investimento) devem ter um sentido unívoco e coerente, que é o do corresponder à colecta do IRC stricto sensu apurada com base na matéria colectável que tem como ponto de partida o lucro.
GGG. Por conseguinte, a interpretação literal propugnada pela decisão recorrida encerra em si mesma uma limitação insanável, porquanto, aparentemente, apenas seria válida para as deduções no CFEI, bem como na alínea b) (ou alínea c)) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, abstraindo por completo de uma análise de todas as consequências sistemáticas decorrentes de tal entendimento.
HHH. O que vale por dizer que, à luz dos critérios de interpretação que convocam os elementos de interpretação histórico, sistemático e teleológico, as expressões «Ao montante apurado nos termos do número anterior», ou «o montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» a que faz referência o n.º 2 do art.º 90.º e o n.º 1 e o n.º 3 do art.º 4.º do Regime do SIFIDE, só pode ser entendido como respeitando ao IRC liquidado mediante a aplicação das taxas previstas nos números 1 e 2 do art.º 87.º à matéria colectável determinada segundo as regras enunciadas no capítulo III do CIRC e não ao montante apurado a título de tributações autónomas, assim se devolvendo à norma o seu sentido original, que era o que correspondia à sua redacção textual antes da introdução das tributações autónomas no CIRC.
III. A interpretação estritamente literal daquela expressão conduziria a resultados absurdos e perversos, do ponto de vista da natureza e objectivos associados a um benefício fiscal, porquanto abriria a porta a que sujeitos passivos com prejuízos fiscais mas com tributações autónomas sobre despesas não documentadas ou despesas com veículos de elevado valor ou despesas de representação, usufruíssem da dedução a título do CFEI.
JJJ. Sendo, assim, de rejeitar a tese interpretativa vertida na decisão recorrida porque se atém em exclusivo ao elemento literal das normas e abstrai das repercussões da mesma no quadro mais amplo da relação entre o IRC stricto sensu e as tributações autónomas nesse imposto.
KKK. Posto isto, e porque a arquitectura do sistema de apuramento do IRC não sofreu alterações significativas desde a sua criação em 1989, impõe-se concluir que a norma clarificadora aditada ao artigo 88.º pela Lei n.º 7-A/2016, de 30/03 e alterada pela lei n.º 114/2017, de 29/12, veio no fundo explicitar o que já resultava da interpretação da lei, e que foi objecto de entendimento pacificamente aceite até à litigância em sede de arbitral, sobre a não dedutibilidade das tributações autónomas ao lucro tributável, conforme, aliás, tem sido reconhecido por várias decisões arbitrais.
LLL. Sintetizando, que da interpretação da expressão contida no corpo do n.º 2 do art.º 90.º do CIRC à luz dos critérios gerais enunciados no art.º 9.º do Código Civil, resulta a não dedução às colectas das tributações autónomas de benefícios fiscais, incluindo a título do crédito de imposto do CFEI, porquanto aquelas colectas de tributações autónomas não admitem outras deduções que não sejam a prevista no n.º 12 do art.º 88.º do CIRC.
MMM. Importa ainda, e quanto ao efeito interpretativo conferido pelo artigo 135.º constante da Lei do Orçamento de Estado para 2016, apelemos à boa jurisprudência exarada, entre inúmeros outros, nos processos arbitrais n.ºs 722/2015 –T CAAD; 727/2015 – T CAAD; 785/2016 T CAAD e, bem assim, no voto vencido lavrado pela insigne Conselheira Fernanda Maçãs no processo n.º 5/2016 T CAAD.
NNN. E mais importante ao Acórdão do TC n.º 107/2018 de 22 de Fevereiro que se pronuncia, manifesta e esclarece sobre esta temática e sobre entendimento vertido no Acórdão do TC n.º 267/2017 sobre o carácter interpretativo atribuído pelo art.º 135.º da Lei n.º 7-A/2016 ao disposto no n.º 21 do art.º 88.º.
OOO. Posto isto, resulta que o próprio efeito interpretativo conferido por aquela Lei é, per si, desnecessário, porquanto, conforme se demonstrou, nenhuma outra interpretação seria passível de ser efectuada tendo em consideração a teleologia e hermenêutica jurídica das normas em apreço.
PPP. como aliás resulta expressamente dos acórdãos supra citados.
QQQ. Por fim, liste-se, novamente, a título meramente exemplificativo, as decisões arbitrais que à questão que ora nos ocupa, i.e., se são admissíveis quaisquer deduções à colecta produzida pelas tributações autónomas?, decidiram em sentido negativo e, por conseguinte, diverso da decisão que ora se recorre 697/2014-T; 113/2015-T; 669/2015-T; 535/2015-T; 781/2015-T; 736/2015-T; 745/2015-T; 780/2015- T; 722/2015-T; 767/2015-T; 769/2015-T; 783/2015-T; 670/2015-T; 750/2015-T; 779/2015-T; 785/2015-T; 746/2015-T; 752/2015-T; 639/2015-T; 34/2016-T; 727/2015-T; 19/2016-T 774/2015-T; 122/2016-T; 174/2016-T; 443/2016-T; 567/2016-T; 629/2016-T; 504/2016-T; 524/2016-T; 302/2016-T; 506/2016-T; 612/2016-T; 587/2016-T; 670/2016-T; 575/2016-T; 627/2016-T 638/2016-T; 578/2016-T; 605/2016-T; 749/2016-T; 505/2016-T; 668/2016-T; 704/2016-T; 671/2016-T; 733/2016-T; 83/2017-T; 66/2017-T; 99/2017-T; 384/2017-T; 203/2017-T; 241/2017-T; 192/2017-T; 385/2017-T; 473/2017-T; 511/2017-T; 641/2017-T; 525/2017-T; 542/2017-T; 7/2018-T; 13/2018-T; 41/2018-T; 124/2018-T; 9/2018-T; 229/2018-T; 111/2018-T; 242/2018-T; 402/2018-T; 353/2018-T; 363/2018-T e 406/2018-T.

I.2 – Contra-alegações
Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância com o seguinte quadro conclusivo, a fls. 354 a 397 do SITAF:
a) A improcedência do argumentário específico da decisão arbitral fundamento
A) A decisão arbitral fundamento esquece-se que o artigo 88.º do Código do IRC se limita à especificação da matéria tributável e das taxas das tributações autónomas, do mesmo modo que os artigos 87.º, e anteriores, do CIRC, recortam a matéria colectável e taxas do IRC sobre o lucro, e bem assim a matéria colectável e taxas da derrama estadual.
B) Daí que para todas as parcelas da colecta de IRC (as resultantes dos artigos até ao 87.º, e a resultante do artigo 88.º), seja incontornável a aplicação dos artigos 89.º e seguintes, incluindo, por conseguinte, o artigo 90.º do CIRC, ou de outra forma não haveria modo procedimental (e isso é reserva de lei) de proceder à liquidação das tributações autónomas.
C) Daí que, isso é incontornável, quando os artigos 89.º e 90.º do CIRC se referem ao IRC, designadamente ao seu apuramento, à liquidação da respectiva colecta, se estejam necessariamente a referir a todo o IRC, incluindo o gerado pelas tributações autónomas.
D) Citando e aderindo para o efeito ao que se raciocinou no acórdão arbitral proferido no processo n.º 134/2017-T (Conselheiro José Baeta de Queiroz, Dr. Luís Pereira da Silva e Dra. Eva Dias Costa), que se passa a transcrever (sublinhados nossos):
“Há uma liquidação de IRC única que comporta duas partes: a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC, cada uma com matéria coletável determinada de modo próprio e com taxas de tributação próprias, mas ambas liquidadas nos termos do artigo 90.º do CIRC. Havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da coleta que provém das tributações autónomas é parte integrante da coleta de IRC. Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. (...) Aceitar que a liquidação das tributações autónomas está fora do artigo 90.º n.º 1 do CIRC e, portanto, afastar da sua coleta a dedutibilidade do PEC prevista na alínea c) do n.º 2, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação se não faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do artigo 103.º da CRP e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu artigo 8º, n.º 2, alínea a), estabelece. Se a Autoridade Tributária e Aduaneira assumiu que a coleta das tributações autónomas se calculou fora do artigo 90.º do CIRC, deveria indicar a norma com base em que fez a liquidação. Não havendo norma sobre liquidação das tributações autónomas separada, parece ter de aceitar-se que a coleta de IRC a engloba, incluindo-se no artigo 90º, n.º 1 do CIRC, sendo, portanto, dedutível o pagamento especial por conta referido na alínea c) do n.º 2.”.
E) Este trecho diz muito. Sobretudo, para o que aqui agora interessa, mostra as fragilidades e falta de resposta da decisão arbitral fundamento para esta questão: se não considera que no artigo 90.º se fala da liquidação do IRC como um todo, onde estão então as normas que lidariam com a liquidação das tributações autónomas em IRC em especial?
F) Normas que se não confundem com as normas de incidência e taxas, que essas sabemos bem onde estão para as tributações autónomas (artigo 88.º do CIRC), e para as outras parcelas de IRC (artigos 87.º e anteriores do CIRC), nem isso alguma vez foi controvertido.
G) Um intérprete-tipo como o da decisão arbitral fundamento pode ir tão longe quanto quiser, pode ignorar as leis que quiser, bastando-lhe para tanto invocar a finalidade da tributação e corolários que daí subjectivamente lhe pareça ser de retirar, para afastar lei aplicável e pôr no seu lugar norma especial em matéria de reserva de lei, por si erigida em substituição da lei.
H) A este intérprete-tipo seria igualmente possível, por exemplo, assentar em que a derrama estadual foi criada para acudir a uma crise financeira e orçamental (e isso é inteiramente verdade), e por conseguinte não faz sentido aplicar-se-lhe deduções à colecta, ou, dito eufemisticamente, não seria de lhes aplicar o regime geral de liquidação do IRC, e por conseguinte não o aplicar, impedindo as deduções à colecta previstas por quem de direito, sem qualquer excepção até 2015 inclusive.
I) Faz algum sentido ir por aí? Isso não é um claro e grave erro de julgamento? Não configura isto uma substituição do legislador por potenciais dezenas ou centenas de aplicadores da lei e respectiva casuística de cada um?
J) Com a agravante de no caso da tributação autónoma não haver sequer aquela desculpa que se poderia arranjar para efeitos da derrama estadual.
K) Há aqui um equívoco, e grande.
L) O objectivo, seja das tributações autónomas em IRC, seja de outras parcelas do IRC (IRC de base e derramas), seja em especial de quaisquer normas anti-abuso, especiais ou gerais, fica preenchido com a sua aplicação e consequente geração adicional de imposto.
M) Estejamos a falar das regras de preços de transferência e imposto adicional por elas promovido, ou das regras que afastam a dedução de custos caso o destinatário das despesas esteja situado em offshore (e imposto adicional assim conseguido), ou da tributação das despesas com frota de automóveis que o legislador receie seja em parte usada também extraempresa, e imposto adicional nesse âmbito gerado pela tributação autónoma em IRC.
N) O evento verificou-se, a disposição anti-abuso ou anti-evasão aplicou-se, por via disso gerou-se imposto adicional a favor do Estado. Fim de conversa.
O) O que se passa a seguir em nada anula este efeito anti-elisivo da tributação adicional aplicada.
P) Com efeito, se o contribuinte tem um crédito de IRC sobre o Estado, seja porque pagou imposto em excesso em sede de pagamentos especiais por conta, seja porque, como no caso, tem direito a determinados benefícios fiscais (CFEI) que geraram a seu favor um crédito de IRC, vai usar esse crédito de IRC contra IRC, seja ele IRC (i) de base, (ii) na modalidade de tributação autónoma ou (iii) na modalidade de derrama estadual.
Q) Porque a lei, a lei que rege unitariamente a liquidação de todo o IRC após a fase da aplicação das diversas taxas às diversas matérias colectáveis, assim o prevê, sem excluir (até 2016) coisa alguma (só com as mudanças operadas pelos artigos 133.º e 135.° da LOE 2016, cuja aplicação retroactiva foi já julgada inconstitucional, isso se alterou).
R) Estamos agora no plano distinto da liquidação financeira do imposto gerado adicionalmente pela disposição anti-elisão A, B, C, D, ou por qualquer outra disposição em sede de IRC de base, derrama estadual ou tributação autónoma em IRC.
S) Pagamento via acerto de contas com crédito de IRC sobre o Estado (seja ele crédito adveniente de PEC, da aplicação do CFEI, ou qualquer outro), pagamento via abatimento do montante deste crédito à colecta apurada (vulgo deduções à colecta).
T) Pagamento este que, evidentemente, não anula o efeito da aplicação da disposição dita anti-elisiva, ou de qualquer outra geradora de (colecta de) IRC de base, derrama estadual ou tributação autónoma em IRC.
U) Não ficou por pagar o imposto gerado ou adicionalmente gerado. Foi pago, a contrapartida é que pode ter sido uma diminuição do saldo bancário, ou uma diminuição ou extinção de crédito de IRC sobre o Estado (os créditos por PEC resultaram por sua vez de uma diminuição no passado, a favor do Estado cobrador de impostos, do saldo bancário; e os créditos de CFEI resultaram de um compromisso legal de atribuição dos mesmos pelo Estado Fiscal em contrapartida da realização dos investimentos previstos na lei).
V) Sobre a aplicabilidade da previsão normativa do artigo 90.º, n.º 2, incluído, do IRC, à colecta das tributações autónomas em IRC, é de recordar o eloquente voto de vencido do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa na decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º 649/2018-T, onde se faz uma magnífica síntese e demonstração do que se vem falando.
b) Improcedência dos argumentários utilizados ao longo do tempo, excludentes da dedução de créditos de IRC à colecta da tributação autónoma em IRC
W) A conclusão de que a norma do Código do IRC que prevê as deduções à colecta em IRC (artigo 90.º, n.º 2) abrange a colecta em IRC das tributações autónomas, é uma exigência, em primeiro lugar, da própria letra da lei, tal como entendida pela própria AT e por avassaladora jurisprudência tributária: conforme relatado supra, quer a AT, quer os tribunais arbitrais em dezenas de decisões arbitrais que deram razão à AT, entendem que a colecta da tributação autónoma em IRC é IRC, inclusive nos propósitos ou função que aquela serve (combate, através de tributação compensatória, a despesas e encargos de duvidosa empresarialidade, pelo menos na sua totalidade).
X) E é também uma exigência do princípio da coerência e da interpretação sistemática: não se pode simultaneamente concluir (sem lei que, previamente, crie a dissonância) que quando o Código do IRC se refere à colecta do IRC no seu artigo 45.º, n.º 1, alínea a) (na redacção e numeração em vigor até 2013), aí se inclui, sem necessidade de nomeação própria, a colecta da tributação autónoma em IRC (e assim concluiu avassaladora jurisprudência tributária, a pedido da AT, conforme supra relatado),
Y) e nuns artigos mais à frente (artigo 90.º, n.º 2, do Código do IRC) concluir, em oposição, que a colecta do IRC não abrange a colecta da tributação autónoma em IRC.
Z) E a natureza anti-abuso da tributação autónoma em IRC em nada é capaz de alterar esta conclusão. Não se pode, designadamente, pegar acriticamente no chavão “função anti-abuso da tributação autónoma em IRC”, para se negar a dedução de créditos fiscais em IRC a esta colecta, sem que se seja capaz de explicar por que razão o substituto do IRC de base (a tributação autónoma) haveria de ter um regime diferente para a sua colecta.
AA) Se se substitui colecta de IRC de base, que se presume ter sido indevidamente diminuída, por tributação autónoma em IRC, que razão há, atingido esse objectivo (geração de colecta de IRC substitutiva via tributação autónoma) para travar a dedução de créditos fiscais utilizáveis contra a colecta de IRC?
BB) A este evidente impedimento lógico ao afastamento de deduções de créditos fiscais à colecta da tributação autónoma, não se dá qualquer resposta, nem se tenta dá-la. Reproduz-se mecanicamente o pregão da AT, “medida anti-abuso”, e abracadabra, fez-se magia!
CC) Sublinha-se ainda que sendo a tributação autónoma IRC, porque visa atingir substitutivamente o rendimento real, não é pelo facto de ser deduzida a esta colecta da tributação autónoma em IRC um crédito por benefício fiscal (ou um pagamento por conta de IRC), que a tributação autónoma deixou de ser suportada. O imposto é suportado, o que há é paralelamente um crédito fiscal, adquirido por razões acolhidas pelo sistema fiscal, que opera por dedução à colecta do IRC. A colecta da tributação autónoma em IRC, sempre devida, é paga por acerto de contas com o crédito fiscal.
DD) Como se mostrou supra ainda, as restantes tentativas argumentativas usadas desgarrada e caoticamente, e com recurso a acidentes (por oposição à estrutura e à essência), para afastar a colecta da tributação autónoma em IRC da norma que prevê as deduções à colecta, não são persuasivas. Falham na tentativa de justificar a dissonância interpretativa que procuram sustentar, falham na tentativa de justificar o rompimento com o que é exigido pelo princípio da coerência e da interpretação sistemática, e as particularidades que de vários ângulos tentam invocar para distinguir, não resistem também ao exame.
EE) Improcedem pois, como se analisou supra, a invocação (i) de um putativo âmbito restrito da colecta a que se dirigiriam os benefícios fiscais, a invocação (ii) da existência de várias colectas constitutivas de IRC, a invocação (iii) da base de cálculo dos pagamentos por conta, a invocação do (iv) âmbito de aplicação dos créditos por dupla tributação internacional, e a invocação (v) de considerações em torno da transparência fiscal.
FF) Finalmente, mais entende o recorrido que a atribuição pelo artigo 135.º da LOE 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março) de natureza interpretativa também à parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, isto é, também ao segmento normativo “não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global [de tributação autónoma em IRC] apurado”, introduzido pela mesma LOE 2016 (pelo seu artigo 133.º), (ii) e consequente atribuição de carácter retroactivo a esta nova norma fiscal, GG) configura uma inconstitucionalidade material do referido artigo 135.º da LOE 2016, por violação da proibição de retroactividade em matéria de impostos prevista no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, quer se tenha concluído, quer não (e entende-se que não), estar-se perante uma lei materialmente interpretativa.
HH) E por violação, também, do princípio da separação entre poderes legislativo e judicial e do princípio da independência do poder judicial, reforçados que são sempre que se esteja perante matéria sujeita à proibição constitucional de retroactividade de novas leis.
II) Violação, pois, também, em articulação com a proibição de retroactividade, do artigo 2.º (Estado de direito democrático, e separação e interdependência de poderes, sendo que quanto a este último aspecto no caso está em causa a perspectiva da interdependência – e por conseguinte negação de excessos e de ocupação de espaço que não lhe pertence – do poder político-legislativo face ao poder judicial), do artigo 111.º, n.º 1 (separação e interdependência dos órgãos de soberania, que é ainda um limite material de revisão – artigo 288.º, alínea j), da Constituição), e do artigo 203.º (independência dos tribunais, outro limite material de revisão – artigo 288.º, alínea m), da Constituição), todos da Constituição.
JJ) Sobre isto já se pronunciou o supra citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31 de Maio de 2017, que julgou inconstitucional a norma aqui em causa, e este juízo de inconstitucionalidade foi já reafirmado num outro processo, na decisão sumária do Tribunal Constitucional n.º 11/2018, confirmada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2018.
KK) Da mesma inconstitucionalidade padece a atribuição pelo artigo 233.º da LOE 2018 (Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro) de natureza interpretativa, rectius retroactiva, ao aditamento ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, do segmento normativo “ainda que essas deduções resultem de legislação especial”, introduzido pela mesma LOE 2018 (pelo seu artigo 231.º).
LL) Finalmente, o recorrido requer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, em virtude do valor da causa ser superior a € 275.000,00, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, atenta a inconstitucionalidade já afirmada pelo Tribunal Constitucional de se fixarem custas unicamente em função do valor da causa e sem os limites co-naturais ao princípio da proporcionalidade.

I.3 – Parecer do Ministério Público
Foi apresentado Parecer do Ministério Público, a fls. 400 e seguintes do SITAF, com o seguinte teor:
O presente recurso vem interposto pela Diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira inconformada, com a decisão final proferida no processo de pedido de pronúncia arbitral tributária que correu seus termos no Centro de Arbitragem Administrativa registado sob o n.º 687/2019-T, em que foi requerida, o que faz nos termos do art.º 25.º, n.º 2 e 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011.
Nos termos do art.º 25.º n.º 3 do RJAT ao recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA. É recorrido o BANCO A………., S.A..
Segundo a recorrente é objeto do recurso, a decisão final proferida, em 7 de julho de 2020, por Tribunal Arbitral coletivo, em matéria tributária, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa, na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 e supra identificado (Processo n.º 687/2019-T).
Nos termos do acórdão recorrido, foi decidido:
a. Declarar a ilegalidade e anular a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2019..., que teve por objeto a autoliquidação de IRC do exercício de 2014;
b. Declarar a ilegalidade e anular a autoliquidação de IRC do exercício de 2014, na parte em que não permitiu a dedução do CFEI, no montante de € 1 000 000,00, à coleta resultante das tributações autónomas;
c. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar ao Requerente o montante que vier a ser liquidado em execução de julgado; d. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido de juros indemnizatórios.
De acordo com o previsto no art.º 25.º n.º 2 do RJAT, “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é … suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”
No pedido de pronúncia arbitral, o objeto do pedido é o seguinte “… o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2014 e, em termos finais ou últimos, a apreciação da ilegalidade e consequente anulação parcial da mesma autoliquidação, na medida correspondente à não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, dos incentivos fiscais em IRC, referentes ao benefício fiscal apurado no âmbito do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), no valor de € 1 000 000,00.”
A recorrente defende que a decisão proferida colide frontalmente com a jurisprudência firmada na Decisão arbitral proferida no processo n.º 733/2016-T, de 21 de julho de 2017, o qual invoca como fundamento do recurso para uniformização de jurisprudência. No acórdão fundamento foi decidido:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade das autoliquidações de IRC relativas a 2013 e 2014, objeto de impugnação, absolvendo-se a Requerida deste pedido;
b) Manter a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa;
c) Absolver a Requerida dos demais pedidos.
Discorda, a Recorrente, da decisão do Tribunal Arbitral e bem assim da análise efetuada, submetendo-a a reapreciação deste Supremo Tribunal Administrativo e pretendendo “uniformização de jurisprudência”.
Como vem alegado pela recorrente, é certo que são requisitos de admissibilidade desta espécie de recurso, previsto no art.º 25.º n.º 2 do RJAT que se verifique a oposição de decisões arbitrais, de mérito, sendo necessário que (i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas, (ii) haja identidade na questão fundamental de direito (iii) se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e (iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.
Importa, então, desde já, averiguar se aqueles requisitos se verificam cumulativamente, sendo certo que a não verificação de um deles faz sufragar o pedido e torna desnecessária a averiguação de existência dos demais.
A factualidade apurada, é idêntica na decisão recorrida e na decisão fundamento, como resulta da análise dos factos provados em ambas as decisões, concluímos, assim, como a recorrente que as situações fácticas são substancialmente idênticas.
Também, como alega a recorrente entre a “decisão arbitral recorrida” e a “decisão arbitral fundamento” verifica-se contradição quanto à mesma questão fundamental de direito.
Na verdade, como defende a recorrente as soluções jurídicas encontradas são opostas, sendo que no acórdão recorrido foi decidido:
“…
b. Declarar a ilegalidade e anular a autoliquidação de IRC do exercício de 2014, na parte em que não permitiu a dedução do CFEI, no montante de € 1 000 000,00, à coleta resultante das tributações autónomas;
c. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar ao Requerente o montante que vier a ser liquidado em execução de julgado;” Por seu lado, no acórdão fundamento foi decidido:
“a) Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade das autoliquidações de IRC relativas a 2013 e 2014, objeto de impugnação, absolvendo-se a Requerida deste pedido;”
Sendo as situações de facto substancialmente idênticas e as soluções jurídicas encontradas quanto à mesma questão fundamental de direito, opostas, torna-se imperioso analisar o mérito da questão de direito objeto do litígio tendo em vista o destino do recurso.
A questão que constitui o objeto do recurso é a de saber se o montante de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) na titularidade do Requerente, sujeito passivo de IRC, é ou não dedutível à coleta das tributações autónomas por este autoliquidadas e, subsidiariamente, caso o não seja, por estas não serem consideradas IRC e, não havendo norma específica para a sua liquidação, se deverão as mesmas ser consideradas indevidas e, consequentemente, anuladas, por violação do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), segundo o qual a liquidação e a cobrança dos impostos se fazem nos termos da lei.
Esta questão não é líquida e a jurisprudência encontra-se dividida. Quanto à diferenciação de natureza entre as figuras da tributação autónoma e do IRC, a jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, vai no sentido de que as tributações autónomas, são um imposto sobre a despesa diferente e distinto do IRC, que é um imposto sobre o rendimento, veja-se entre outros, o Ac. nº 18/11.
Esta jurisprudência tem sido reafirmada, no Acórdão n.º 617/2012, processo n.º 150/12, de 31/1/2013 e, recentemente, no Acórdão n.º 197/2016, proferido no âmbito do processo n.º 465/2015.
No mesmo sentido tem decidido o Supremo Tribunal Administrativo, entre outros, no Acórdão de 21/3/2012, processo 830/11, de 21/3/2012, que defende que: “A tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas) ”.
Parece assim, que as realidades são diferentes, porque os objetivos são diferentes.
No IRC visa-se a tributação do rendimento sob o escrutínio da capacidade contributiva. Já a tributação autónoma teve, dois objetivos bem diferentes.
O primeiro o de tributar na esfera das empresas o que não se consegue tributar em sede de IRS.
O segundo o de desincentivar a realização de certas despesas ou de certos comportamentos.
Aqui chegados, é nosso entendimento que a recorrente tem razão, sendo de assumir a corrente maioritária vertida no acórdão fundamento, na medida em que considera não poder ser admissível a dedução dos benefícios fiscais à coleta das tributações autónomas relativas a IRC. Nestes termos, sendo admitido o presente recurso por se verificarem os necessários pressupostos, contradição de julgados entre duas decisões arbitrais, a decisão recorrida e a decisão fundamento relativamente a uma mesma questão fundamental de direito, sendo idêntica a questão de facto, deve ser-lhe dado provimento.
Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da procedência do recurso.

I.4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II. 1 – De facto
A decisão arbitral sob recurso, considerou como provados os seguintes factos:
1. Relativamente ao exercício de 2014, o Requerente apresentou a declaração modelo 22 de IRC, em 29.05.2015 (declaração n.º...) e, subsequentemente, as declarações modelo 22 de substituição identificadas com os n.ºs..., de 05.06.2015, ..., de 22.04.2016 e ..., de 31.05.2016. [cfr. Docs. 1, 2, 3 e 4 juntos ao PPA e ao PA]
2. Em todas as declarações modelo 22 de IRC apresentadas, o Requerente apurou prejuízo fiscal, assim como coleta de tributações autónomas no valor de € 2 444 398,40, referentes às despesas indicadas no respetivo 13, então previstas no artigo 88.º, n.ºs 3, alíneas a), b) e c), 7 e 9, do Código do IRC. [cfr. Docs. 1, 2, 3 e 4 juntos ao PPA e ao PA]
3. No quadro 07, campo 722 – Deduções à coleta – Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (Lei n.º 49/2013, de 16/07), do anexo D de qualquer das declarações identificadas, o Requerente inscreveu a quantia de € 1 000 000,00. [cfr. Docs. 1, 2, 3 e 4 juntos ao PPA e ao PA]
4. O montante de € 1 000 000,00, equivalente ao Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) disponível no exercício de 2014, transitou do exercício de 2013 e mantinha-se ainda disponível no final dos exercícios fiscais de 2015 a 2018, inclusive. [cfr. Docs. 6 a 15 e 16 a 19 juntos ao PPA]
5. À data dos factos, o Requerente tinha a sua situação fiscal e contributiva regularizada. [Doc. 20 junto ao PPA]
6. O sistema informático da AT assinala divergências (“erros”) que impediram o Requerente de inscrever o valor relativo às taxas de tributação autónoma em IRC do exercício de 2014, expurgadas dos montantes de benefício fiscal reconhecido à empresa ao abrigo do CFEI. [facto admitido por ambas as Partes]
7. O Requerente procedeu, em 29.05.2015, ao pagamento da quantia de € 1 436 714,42 a título do IRC autoliquidado na declaração modelo 22 n.º..., da mesma data. [cfr. Docs. 1 e 25 juntos ao PPA]
8. Em 29.05.2019, foi autuado, no Serviço de Finanças de Porto ..., o procedimento de revisão oficiosa n.º ...2019..., com base no requerimento em que, com fundamentos idênticos aos do presente pedido de pronúncia arbitral, o Requerente peticionou a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC do exercício de 2014, tendo por referência a última declaração de substituição apresentada para aquele período (..., de 31.05.2016), na qual apurou prejuízo fiscal de € 1 347 629 156,94 e coleta de tributações autónomas de € 2 444 398,49, de que resultou um montante total de € 1 940 486,36 a pagar, por não lhe ter sido possível deduzir àquela coleta o montante de € 1 000 000,00 de CFEI disponível. [cfr. PA]
9. Na informação n.º 163-AIR1/2019, prestada pela Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), no procedimento de revisão oficiosa n.º ...2019..., que aqui se dá por inteiramente reproduzida, consta, além do mais, o seguinte: “(…) no que se refere ao CFEI, o valor declarado pela Requerente para efeitos de dedução à coleta ascende efetivamente a € 1 000.000,00, conforme (…) consta[r] na liquidação n.º 2017..., de 13.09.2017 – última liquidação existente para o período em causa – promovida pela Autoridade tributária (…) a Requerente, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013, juntou ao processo de documentação fiscal informação relativa às despesas de investimento relevantes, o respetivo montante. (…) conclui-se no sentido da titularidade da Requerente de um crédito de imposto relativo a CFEI de € 1.000.000,00.”. [cfr. PA]
10. Termina a referida informação, com argumentação semelhante à da resposta transmitida pela AT ao processo arbitral, por propor o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC de 2014, cujo projeto de decisão foi notificado ao Requerente, para efeitos de audição prévia, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alínea b), da LGT. [cfr. Doc. 5 junto ao PPA]
11. Decorrido o prazo para exercício do direito de audição, viria o projeto de decisão a ser convertido em definitivo e elaborada, para o efeito, a informação n.º 164-AIR1/2019, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, sobre a qual foi proferido despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, pelo Senhor Chefe de Divisão da UGC, em 15.07.2019, tendo essa decisão sido notificada ao Requerente pelo ofício n.º..., da mesma data, da referida unidade orgânica da AT. [cfr. Doc. 5 junto ao PPA]
12. O pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo deu entrada no CAAD em 11.10.2019. [cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD].

A decisão arbitral fundamento, proferido pelo Centro de Arbitragem Administrativa no âmbito do processo nº 733/2016-T datado de 21 de julho de 2017, deu como provado a seguinte factualidade:
a) A Requerente era, em 2013 e 2014, a sociedade dominante de um grupo de sociedades (o Grupo B…) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS);
b) A Requerente entregou, no dia 30-05-2014, a sua declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2013, tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano de 2013, no montante de € 108.597,73 (cfr. a declaração de rendimentos junta como doc. n.º 1 com o pedido de pronúncia arbitral);
a) A Requerente entregou, no dia 31.05. 2015, a declaração de IRC Modelo 22 do seu Grupo Fiscal referente ao exercício de 2014, tendo nesse momento procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano de 2014, no montante € 186.970,91 (cfr. a declaração de rendimentos junta como doc. n.º 4 com o pedido de pronúncia arbitral).
b) Nos exercícios de 2013 e 2014, a Requerente dispunha de um crédito em sede de CFEI no total de € 303.373,55 (cf. doc. n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
c) Nos exercícios de 2013 e de 2014, a Requerente dispunha de um montante de RFAI de € 74.101,07 e de € 543.642,78, respetivamente (cf. doc. n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
d) Aplicando os limites de dedução à coleta, quer do CFEI, quer do RFAI, ficaram por deduzir os seguintes montantes à coleta em IRC da tributação autónoma:
2013: € 27.149,43 em RFAI4 e € 34.019,43 a título de CFEI, num total de € 61.168,87;
2014: € 42.860,20 em RFAI5 e € 70.075,14 a título de CFEI, num total de € 112.935,34
e) O modelo de declaração de IRC que constava do sistema informático da AT à data dos factos não permitiu à Requerente abater € 61.168,87 (2013) e € 112.935,34 (2014) à coleta das tributações autónomas em IRC;
f) A Requerente apresentou reclamação graciosa dos referidos atos de autoliquidação, a qual foi indeferida através de despacho que lhe foi notificado em 09.10.2016 (cf. doc n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
g) O valor do IRC autoliquidado, incluindo tributações autónomas, encontra-se pago (cf. docs. 1, 4 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral);
h) As empresas integrantes do grupo fiscal na origem do RFAI não eram, nos exercícios em questão, entidades devedoras ao Estado ou à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições (cfr. certidões juntas como doc. n.º 9 com o pedido de pronúncia arbitral).

II.2 – De Direito
I. São três as questões que importa dirimir:

a) Ocorre efetiva oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral que configura acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de Direito?

b) Sendo afirmativa a resposta à questão anterior, pode considerar-se, ainda assim, que o presente recurso não deve ser admitido pelo facto de a orientação perfilhada na decisão recorrida corresponder à jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal?

c) Sendo afirmativa a resposta às duas questões anteriores, deve ser provido o recurso?

II. Importa recordar os requisitos de admissibilidade previstos para o presente recurso de uniformização de jurisprudência:

- que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 do RJAT;

- que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral (acórdão fundamento), nos termos do mesmo artigo, na sua redacção à data da interposição do presente recurso;

- que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, para o qual o n.º 3 do artigo 25.º do RJAT remete;

- que o acórdão ou decisão arbitral que configura o acórdão fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPPT.

III. Entende-se que é idêntica a questão fundamental de Direito quando:

- as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

- o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;

- quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.

IV. Vertendo ao caso concreto presente nas decisões em confronto, parece inevitável concluir que nos encontramos diante situações de facto e de Direito que são efectivamente idênticas.

V. Esta conclusão, que é tomada por assente quer pelo Recorrente, quer pela Recorrida, quer ainda no douto Parecer do Ministério Público junto aos presentes autos, é vislumbrável quando confrontada, desde logo, a factualidade apurada nos respectivos autos das decisões em confronto:
- na decisão arbitral recorrida, pode ler-se que “8. Em 29.05.2019, foi autuado, no Serviço de Finanças de Porto ..., o procedimento de revisão oficiosa n.º ...2019..., com base no requerimento em que, com fundamentos idênticos aos do presente pedido de pronúncia arbitral, o Requerente peticionou a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC do exercício de 2014, tendo por referência a última declaração de substituição apresentada para aquele período (..., de 31.05.2016), na qual apurou prejuízo fiscal de € 1 347 629 156,94 e coleta de tributações autónomas de € 2 444 398,49, de que resultou um montante total de € 1 940 486,36 a pagar, por não lhe ter sido possível deduzir àquela coleta o montante de € 1 000 000,00 de CFEI disponível.
9. Na informação n.º 163-AIR1/2019, prestada pela Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), no procedimento de revisão oficiosa n.º ...2019..., que aqui se dá por inteiramente reproduzida, consta, além do mais, o seguinte: “(…) no que se refere ao CFEI, o valor declarado pela Requerente para efeitos de dedução à coleta ascende efetivamente a € 1 000.000,00, conforme (…) consta[r] na liquidação n.º 2017..., de 13.09.2017 – última liquidação existente para o período em causa – promovida pela Autoridade tributária (…) a Requerente, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013, juntou ao processo de documentação fiscal informação relativa às despesas de investimento relevantes, o respetivo montante. (…) conclui-se no sentido da titularidade da Requerente de um crédito de imposto relativo a CFEI de € 1.000.000,00.”; ” (sublinhados nossos);
- na decisão arbitral fundamento, pode ler-se que “a) A Requerente entregou, no dia 30-05-2014, a sua declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2013, tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano de 2013, no montante de € 108.597,73 (cfr. a declaração de rendimentos junta como doc. n.º 1 com o pedido de pronúncia arbitral);
a) A Requerente entregou, no dia 31.05. 2015, a declaração de IRC Modelo 22 do seu Grupo Fiscal referente ao exercício de 2014, tendo nesse momento procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano de 2014, no montante € 186.970,91 (cfr. a declaração de rendimentos junta como doc. n.º 4 com o pedido de pronúncia arbitral).
b) Nos exercícios de 2013 e 2014, a Requerente dispunha de um crédito em sede de CFEI no total de € 303.373,55 (cf. doc. n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
c) Nos exercícios de 2013 e de 2014, a Requerente dispunha de um montante de RFAI de € 74.101,07 e de € 543.642,78, respetivamente (cf. doc. n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral); “(sublinhados nossos).
Assim, com exceção da dimensão das verbas envolvidas, assim como do número de exercícios fiscais em causa – elementos diferenciadores é certo, que são irrelevantes para o presente efeito recursivo – é patente a semelhança entre as decisões em confronto em tudo o mais: imposto envolvido, modalidade de quantias a deduzir e natureza da verba objecto de dedução à coleta.
Há, é certo, uma outra divergência factual – na decisão recorrida, encontra-se envolvidas apenas a quantias a deduzir à coleta correspondente ao CFEI, ao passo que na decisão fundamento estão em causa quantias relativas a CFEI e RFAI – mas esta divergência não é de molde a impedir o conhecimento da oposição entre as decisões quanto à questão fundamental de Direito a decidir.

VI. Do ponto de vista do enquadramento de Direito envolvido, ocorre igualmente uma manifesta identidade entre as situações sob análise nas duas decisões em confronto: trata-se da possibilidade de dedução das quantias acima identificadas à coleta apurada nos termos dos artigos 89.º e 90.º do Código do IRC, e muito em particular a alínea c) do n.º 2 deste artigo 90.º deste Código.
Como vimos, integrando as verbas acima identificadas tal alínea, a questão que se discute em ambas as decisões é a de saber se a coleta à qual tais verbas são dedutíveis engloba ou não a parte apurada por referência às tributações autónomas. E a resposta produzida nas decisões em confronto é, efectivamente, completamente distinta e contrastante numa e noutra decisão.

VII. Admite-se, portanto e por todo o exposto, que ocorre uma oposição entre as decisões em confronto quanto à mesma questão fundamental de Direito, acabada de identificar.
Assim sendo, a resposta à primeira das perguntas que acima colocámos é, forçosamente, afirmativa. E, por conseguinte, importa em seguida apenas apurar se a orientação perfilhada na decisão recorrida corresponde à jurisprudência mais recentemente consolidada por este Supremo Tribunal, caso em que não se pode admitir o recurso da decisão ora em crise, pelo facto de a eventual correcção da mesma ser contrária ao desígnio do próprio recurso uniformizador.
Na verdade, e em linha com a jurisprudência já firmada a este respeito, importa recordar os termos em que o Pleno da Secção Tributária deste Supremo Tribunal, na decisão proferida em 12 de Dezembro de 2012, no Processo n.º 932/12, teve oportunidade de esclarecer este requisito de recorribilidade neste género de recursos: “I - O recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após a entrada em vigor do ETAF de 2002 depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
II - …
III - É de julgar findo o recurso, por falta de verificação do 2.º requisito, se o acórdão recorrido perfilhou a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão, decidindo que só o pedido de revisão oficiosa efectuado pelo contribuinte dentro do prazo de reclamação administrativa, quando associado à constituição ou prestação de garantia idónea, pode provocar a suspensão da execução fiscal.” E, mais recentemente, a propósito de recursos de uniformização envolvendo decisões arbitrais, igualmente esclareceu o Pleno da Secção deste Supremo Tribunal, no Acórdão proferido em 20 de Janeiro de 2021, no Processo n.º 71/20, em termos que aqui sufragamos, que: “Não há que conhecer do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência de decisão arbitral se, não obstante a existência de contradição entre as decisões, a orientação perfilhada na decisão recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável “ex vi” do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).” – na mesma linha, vd, ainda, o Acórdão do Pleno, proferido na mesma data, no âmbito do Processo n.º 108/20 (todos os acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt).

VIII. Ora, não é isto que sucede no caso, mas exatamente o contrário: a decisão recorrida choca frontalmente com a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal a respeito da questão fundamental de Direito que aqui é trazida à consideração.
Com efeito, este Supremo Tribunal, por acórdão proferido a 8 de Julho de 2020, pelo Pleno da Secção Tributária, no Processo n.º 10/20, já teve oportunidade de responder, peremptoriamente, a esta exata questão, em termos que reproduzimos, designadamente pelas seguintes conclusões:
I - As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste.
II - Para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei, designadamente, está excluída a possibilidade de dedução dos montantes apurados a título do benefício fiscal SIFIDE II, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010.
III - Esta interpretação normativo-legal dos preceitos tributários do CIRC e do Regime legal do SIFIDE II não foi alterada com a introdução do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC por efeito da aprovação da Lei n.º 7-A/2016.
Tal leitura tem sido, entretanto, reiterada em várias decisões, como sucede, por exemplo, no Acórdão do Pleno da Secção Tributária deste Supremo Tribunal, lavrado em 30 de Junho de 2021, no âmbito do Processo n.º 98/19, ou no Acórdão da Secção Tributária deste Tribunal, lavrado em 28 de Abril de 2021, no âmbito do Processo n.º 1060/16 (igualmente disponível em www.dgsi.pt).
Tudo ponderado, importa responder à segunda questão no sentido de que a decisão recorrida não decide em termos paralelos àquela que é, ao menos por ora, a jurisprudência manifestamente consolidada deste Supremo Tribunal, pelo que se impõe admitir o presente Recurso e passar à resposta à terceira das perguntas acima colocada: deve ser provido o recurso?

IX. Ora, por tudo o que acima deixámos exposto, parece por demais evidente que a resposta a esta questão só pode ser afirmativa, importando apenas reiterar os termos em que esta questão já foi extensa e devidamente tratada pelo Pleno da Secção deste Supremo Tribunal, no supra referido acórdão proferido a 8 de Julho de 2020, no âmbito do Processo n.º 10/20, para o qual ora expressamente se remete.
São termos suficientemente eloquentes e dos quais não vemos boas razões para ora divergir, pelo que se impõe conceder provimento ao recurso.


III. CONCLUSÕES
I – As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste.
II – Para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei, designadamente, está excluída a possibilidade de dedução dos montantes apurados a título do benefício fiscal CFEI (Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento), aprovado pela Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho.


IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em tomar conhecimento do mérito do Recurso e conceder provimento ao mesmo, anulando a decisão arbitral recorrida.
Custas pela Recorrida, com dispensa do remanescente da taxa de Justiça.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa 26 de Janeiro de 2022. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira de Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.