Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0394/18
Data do Acordão:08/08/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:PEDIDO
INTIMAÇÃO
INFORMAÇÃO
ACESSO
TERCEIRO
Sumário:I - A informação de saúde abrange todo o tipo de informação directa ou indirectamente ligada à saúde;
II - A informação de saúde é propriedade da pessoa a que respeita, sendo as «unidades do sistema de saúde» os depositários dessa informação;
III - O proprietário, ou titular da informação de saúde, tem direito a tomar conhecimento da mesma - salvo circunstâncias excepcionais devidamente justificadas, e em que seja inequivocamente demonstrado que isso lhe possa ser prejudicial - ou de o fazer comunicar a quem seja por si indicado mediante «autorização escrita que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder»;
IV - No caso de acesso por terceiros com consentimento do titular, deve ser comunicada apenas a informação expressamente abrangida pelo instrumento de consentimento;
V - O acesso à informação de saúde por parte do seu titular ou de terceiro «com o seu consentimento», é feito através de médico escolhido pelo titular da informação, se este o solicitar;
VI - Na impossibilidade de apuramento da vontade do titular quanto ao acesso, o mesmo é sempre realizado com intermédio de médico;
VII - Nos outros casos de acesso por terceiro, este terá de demonstrar fundamentalmente ser titular de «um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante - após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta - que justifique o acesso à informação;
VIII - E, neste último caso, só poderá ser transmitida ao terceiro a informação estritamente necessária à realização do interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido que fundamenta o acesso;
IX - As unidades do sistema de saúde devem «impedir o acesso indevido de terceiros aos processos clínicos», cumprindo as «exigências estabelecidas na legislação que regula a protecção de dados pessoais».
Nº Convencional:JSTA000P23550
Nº do Documento:SA1201808080394
Data de Entrada:05/24/2018
Recorrente:UNIDADE DE SAÚDE A......../ SCM....
Recorrido 1:B........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório

1. UNIDADE DE SAÚDE A…………. - SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE ………. [US/SCM…….] interpõe «recurso de revista» do acórdão proferido a 31.01.2018 pelo Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS] que negou provimento ao recurso de «apelação» que interpusera da sentença pela qual o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [TAF/S] «julgou procedente» o pedido formulado por B………….. e a intimou a «no prazo de quinze dias, proceder à reprodução e ao envio ao requerente, por mensagem de correio electrónico, dos seguintes elementos:
- Informação relativa à data e hora de registo de entrada do Dr. ………., nas instalações da entidade requerida, no dia 25.08.2016 [data em que a intervenção cirúrgica de extracção de uma unha ao pai do requerente teve início e fim], e indicação da data e pessoa que obteve as fotografias enviadas ao Dr. ………., e comprovativo do dia, hora e meio [e-mail, telemóvel ou fax] em que as mesmas foram enviadas ao profissional indicado;
- Registos médicos, registos de enfermagem, e fotografias que foram enviadas pela entidade requerida ao Dr. ………., todos relacionados com o procedimento médico realizado no dia 25.08.2016, que conduziu à extracção de uma unha ao pai do requerente, com intermediação médica.

Concluiu assim as suas alegações:
A- O presente recurso de revista excepcional deve ser admitido pois as questões ora trazidas, além de terem forte importância jurídica e social - com interesse para outras situações semelhantes à apresentada e que vão sendo submetidas a Tribunal - necessitam claramente de uma melhor aplicação do direito, pelo que se mostram preenchidos os requisitos para a admissão do presente recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA;
B- São duas as questões trazidas que se relacionam com o douto acórdão ora posto em crise, a saber:
1. A decisão de não verificação da violação do artigo 7º, nº4, da Lei nº26/2016, conjugada com o artigo 6º, nº5, confirmando que o requerente, terceiro, filho do titular dos dados, tem interesse compósito directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido, e que fundamenta o acesso por justificar tal interesse compósito com a salvaguarda de direitos fundamentais como o de responsabilizar terceiros por danos sofridos e o de dar notícia para procedimentos disciplinares ou criminais em defesa ou a favor do seu pai;
2. Condena a ré, ora recorrente, SCMem custas, concluindo que «Este tipo de processo, regulado nos artigos 104º e seguintes do CPTA e concretizador do artigo 268º, nº2, da CRP, nada tem a ver com os fins estatutários prosseguidos pela requerida na área da saúde ou noutra». Pelo que, conclui, não cabe na previsão do artigo 4º, nº1, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais;
C- Encontram-se preenchidos os requisitos do artigo 150º do CPTA, na medida em que resulta das situações apresentadas no ponto I supra a importância fundamental para melhor aplicação do Direito, e bem assim, pela sua relevância jurídica e social, vejamos:
D- A questão principal, trata-se de questão relevante para uma melhor aplicação do direito e é de relevância jurídica de importância fundamental, não apenas num plano meramente teórico mas também com relevo no plano prático em termos de utilidade da revista, vejamos:
1. O facto de o tribunal recorrido ter mantido a decisão de primeira instância, que intima a entidade requerida a, no prazo de 15 dias, proceder à reprodução e ao envio ao requerente, terceiro, a saber, filho do titular dos dados de saúde que não está declarado incapaz, por mensagem de correio electrónico, da informação, nomeadamente dos registos médicos, registos de enfermagem, [...], todos relacionados com o procedimento médico realizado no dia 25.08.2016, que conduziu à extracção de uma unha ao pai do requerente, com intermediação médica,
2. E mais concretamente o facto de o TCAS ter concluído que não se encontra violado o disposto nos artigos 7º, nº4, da Lei nº26/2016, em conjugação com o artigo 6º, nº5, na medida em que requerente, terceiro, filho do titular dos dados [não declarado incapaz], alega que a informação recolhida se destina a poder ajuizar e accionar ou não, eventuais responsabilidades civil, disciplinar ou criminal do caso,
3. Ou seja, o TCAS defende que o direito de intentar acções de responsabilidade civil, entre outras, por causa do ocorrido com o seu pai corresponde a um interesse compósito que visa salvaguardar direitos fundamentais, com mais peso concreto do que o previsto no artigo 26º, nº1 da CRP - como o direito fundamental de responsabilizar civilmente terceiros por danos próprios sofridos [483º CC] e o direito de dar notícia para procedimentos disciplinares ou criminais em defesa ou a favor de seu pai,
4. Concluindo que a afectação do sigilo do processo clínico do pai do requerente [titular dos dados] e ao segredo médico é baixa quando está em causa intentar acções de responsabilidade [civil/disciplinar/criminal];
5. É efectivamente uma aplicação do artigo 7º, nº4, da Lei nº26/2016 que cumpre escrutinar;
E- Relativamente a esta questão principal, decidida pelo tribunal a quo no sentido de se permitir o acesso por terceiro, não expressamente autorizado pelo titular dos dados, desde que alegue para tal o poder ajuizar e accionar eventuais responsabilidades [civis, disciplinares ou criminais do caso] trata-se de uma questão com forte importância jurídica e social que necessita claramente de uma melhor aplicação do direito e que é de importância fundamental para outras situações semelhantes à apresentada e que vão sendo submetidas a tribunal;
F- As questões que se pretendem ver respondidas na presente revista são as seguintes:
1. Pode, ou não, um terceiro, ainda que filho do titular dos dados, que não expressamente autorizado, e sem que o pai esteja declarado incapaz, aceder a registos médicos de enfermagem do pai?
2. O facto de tal terceiro não expressamente autorizado pelo titular dos dados de saúde pode aceder aos dados de saúde deste pelo facto de invocar a finalidade da informação pretendida o poder ajuizar e accionar, ou não, eventuais responsabilidades [civil, disciplinar ou criminal]? Tal questão tem associada a questão de saber se tal interesse consubstancia, como defendeu o tribunal recorrido, um interesse compósito que visa salvaguardar direitos fundamentais com mais peso concreto do que o previsto no artigo 26º, nº1, como o direito fundamental de responsabilizar civilmente terceiros por danos próprios sofridos [483º do CC] e o direito de dar notícia para procedimentos disciplinares ou criminais em defesa ou a favor de seu pai, com «baixa afectação do artigo 26º, nº1»;
G- Relativamente à condenação em custas da recorrida, que, no caso, alegara pela aplicação do regime de isenção, tal decisão colide com a jurisprudência e merece uma melhor aplicação do direito, com utilidade para outras acções;
H- Mostram-se, assim, plenamente preenchidos os requisitos para a admissão do presente recurso de revista excepcional por as questões ora trazidas, além de terem forte importância jurídica e social - com interesse para outras situações semelhantes à apresentada e que vão sendo submetidas a Tribunal - necessitarem claramente de uma melhor aplicação do direito atenta a contradição das decisões proferidas acerca das mesmas.

DOS VÍCIOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO
Sobre a violação do artigo 7º, nº4, da Lei nº26/2016
I- O TCAS manteve a decisão de primeira instância, que intima a entidade requerida a, no prazo de 15 dias, proceder à reprodução e ao envio ao requerente, terceiro, a saber, filho do titular dos dados de saúde [o qual não se encontra declarado incapaz], por mensagem de correio electrónico, da informação, nomeadamente dos registos médicos, registos de enfermagem, e fotografias que foram enviadas pela entidade requerida ao Dr. ………., todos relacionados com o procedimento médico realizado no dia 25.08.2016, que conduziu à extracção de uma unha ao pai do requerente, com intermediação médica;
J- A recorrente, em reacção à decisão de 1ª instância, havia já imputado o «erro de julgamento por errada aplicação do artigo 7º, nº4, da Lei nº16/2016» porquanto no presente processo está em causa o acesso a documentos administrativos nominativos, alguns dos quais relativos a dados de saúde, de que o requerente não é titular nem tem autorização escrita dos titulares dos dados que permita o acesso;
K- Efectivamente, nestas situações, como resulta do artigo 6º da Lei nº26/2016, e também, do artigo 3º da Lei nº12/2015, de 26.01, só terá direito de acesso se demonstrar ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, dos direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação;
L- Foi concluído na sentença que existe interesse directo e pessoal por o pai do requerente se encontrar incapacitado e caber a este tomar as decisões relativas a esta matéria;
M- A ora alegante não se conformou com o decidido, na medida em que o requerente não logrou demonstrar a existência de um interesse legítimo e constitucionalmente protegido pelo requerente;
N- Tendo por base a alegação do requerente, de que terão sido cometidas irregularidades, incongruências e omissões, e que a informação solicitada pode resultar a decisão de apresentar procedimento disciplinar junto da Ordem dos Médicos e instaurar procedimento civil e/ou criminal contra as pessoas envolvidas, o tribunal de 1ª instância concluiu que está em causa o acesso a informação relacionada com uma intervenção médica e a saúde de uma pessoa que está em situação de incapacidade, e que o pedido do requerente/filho tem como finalidade verificar se foram prestados os cuidados médicos adequados ao doente e, em caso negativo, adoptar as providências necessárias para reagir contra esse incumprimento;
O- Ora, não deve proceder este argumento invocado pelo requerente, ora recorrido, na medida em que, este não é titular de conhecimentos médicos, e, mesmo sem os elementos solicitados, poderia requerer à Ordem dos Médicos o que tivesse por conveniente, assim como, em sede do invocado procedimento civil e/ou criminal é certo que a informação ora solicitada poderia ser acedida pela competente entidade judicial;
P- Ou seja, a finalidade invocada pelo requerente é meramente aparente e desproporcional face às normas legais que protegem o segredo médico e sigilo do processo clínico, não dependendo da presente intimação nem da informação solicitada uma vez que o requerente, ora recorrido, poderia alcançar a invocada finalidade mesmo sem aceder a esta informação;
Q- Contudo, não só o tribunal de 1ª instância deu procedência ao requerente, como também o tribunal ora recorrido o fez;
R- Veio o tribunal recorrido colmatar a falta de, citando-se «expresso e racional sopesamento» do tribunal de 1ª instância, e confirmar que não se encontra violado o disposto nos artigos 7º, nº4, da Lei nº26/2016, concluindo que o direito de intentar acções de responsabilidade civil, entre outras, por causa do ocorrido com o seu pai corresponde a um interesse compósito que visa salvaguardar direitos fundamentais, com mais peso concreto do que o previsto no artigo 26º, nº1, da CRP - como o direito fundamental de responsabilizar civilmente terceiros por danos próprios sofridos [artigo 483º do CC] e o direito de dar notícia para procedimentos disciplinares ou criminais em defesa ou a favor de seu pai;
S- Pelo que o tribunal recorrido concluiu que a afectação do sigilo do processo clínico do pai do requerente [titular dos dados] e ao segredo médico é baixa quando esteja em causa intentar acções de responsabilidade civil/disciplinar/criminal;
T- Ou seja, entende o tribunal que é permitido o acesso por terceiro, que não expressamente autorizado pelo titular dos dados, desde que alegue para tal o poder ajuizar e accionar eventuais responsabilidades [civis, disciplinares ou criminais do caso];
U- Do iter argumentativo do TCAS resulta que a invocação da finalidade da informação pretendida relacionada com o poder ajuizar e accionar, ou não, eventuais responsabilidades [civil, disciplinar ou criminal] é suficiente para demonstrar verificado um interesse compósito que visa salvaguardar direitos fundamentais com mais peso concreto do que o previsto no artigo 26º, nº1, como o direito fundamental de responsabilizar civilmente terceiros por danos próprios sofridos [483º CC] e o direito de dar notícia para procedimentos disciplinares ou criminais em defesa ou a favor de seu pai, com «baixa afectação do artigo 26º, nº1»;
V- Ora, tal argumento não deve proceder, na medida em que a finalidade invocada em nada depende do processo de intimação. Vejamos:
1. O poder ajuizar e accionar eventuais responsabilidades criminais não depende do resultado da presente intimação, na medida em que o requerente poderia ter obtido tal resultado mediante a apresentação de queixa-crime ou mesmo de queixa junto da ordem dos Médicos;
2. A entidade requerida, ora recorrente, ao abrigo do dever geral de colaboração, em eventual instrução, cumpriria com as demandas entendidas por convenientes;
3. Não se justifica, nem é o meio adequado, nem se compreende, que proceda o argumento de que para apurar de eventual direito compósito do artigo 7º, nº4, basta a afirmação de que se pretende apurar/ajuizar e accionar, ou não, eventuais responsabilidades. Acresce que o prazo para exercitar o eventual direito já terá prescrito;
W- Assim sendo, não se conforma a ora recorrente que se dê por verificado os pressupostos do artigo 7º, nº4, da Lei nº26/ 2016, conjugado com o artigo 6º, nº5, na medida em que não se verifica demonstrado fundamentado a titularidade do um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido após ponderação, na medida em que o autor da presente intimação teria obtido os fins motivacionais perante a efectiva apresentação de queixa, à qual, uma vez apresentada, seguir-se-ia a respectiva instrução;
X- Ao dar procedência ao requerido pelo requerente, outro não pode ser o entendimento senão o de que o tribunal recorrido incorreu em «erro de julgamento na aplicação do direito [nº4 do 7º da Lei nº26/2016]» na medida em que concluiu pela adequação, necessidade e não excessividade, isto é, pela proporcionalidade do acesso à informação solicitada;
Y- A qual não resulta, nem pode resultar demonstrada na medida em que o requerente podia apresentar junto da Ordem dos Médicos/Ministério Público/Tribunal, o que tivesse por conveniente, sendo estas as autoridades competentes para procederem às respectivas investigações;
Z- Pelo devia ter sido improcedente o invocado interesse concreto apresentado pelo requerente, e que se toma indispensável nos termos do nº4 do artigo 7º da Lei nº26/2016, e, em conformidade, devia ter sido julgada totalmente improcedente esta intimação, o que desde já se requer seja reconhecido pelo tribunal de revista.

DA ISENÇÃO DE CUSTAS
AA- A sentença recorrida não reconheceu a isenção de custas à SCMpor entender que nos presentes autos «está em causa o cumprimento pela entidade requerida do dever de facultar o acesso a documentos administrativos e não uma actuação da entidade requerida no âmbito das suas especiais atribuições;
AB- A recorrida alegou que no cerne do presente processo de intimação está a prestação de cuidados de saúde ao pai do requerente na Unidade de Saúde A……….. É no decurso da referida prestação de cuidados de saúde, que, diga-se, decorre das suas especiais atribuições estatutárias, que surgiu a relação controvertida;
AC- Assim sendo, e independentemente da procedência, ou não, da presente intimação, pelo facto de a informação solicitada corresponder a factos ocorridos pela prestação de cuidados de saúde na Unidade de Cuidados Continuados e Integrados A........... - Unidade esta que presta cuidados de saúde prolongados, nas diferentes fases da evolução da doença, graças ao apoio de uma equipa multidisciplinar, outra não devia ser a conclusão senão a de que a prestação de serviços de saúde objecto da presente intimação resulta do cumprimento da obrigação estatutária;
AD- Segundo o nº1 do artigo 4º dos Estatutos da SCM, é fim estatutário desta «...a melhoria do bem-estar das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos... abrangendo as prestações de saúde…»;
AE- Aliás, a alínea c) do nº3 do artigo 4º determina mesmo que para a realização dos seus fins estatutários, a SCM…. «desenvolve e prossegue actividades de promoção de saúde, prevenção e tratamento de doença, reabilitação, e prestação de cuidados continuados»;
AF- Pelo que não se vislumbra outra conclusão que não a de que a prestação de serviços de saúde que motivou o presente processo de intimação é decorrente das especiais atribuições da SCM, uma vez que foi realizada no cumprimento das obrigações estatutárias citadas;
AG- Recorde-se que Salvador da Costa - in Regulamento das Custas Processuais, Editora Almedina, Coimbra, Maio de 2011, na página 155 - considera que, não obstante o condicionalismo da isenção às acções que decorram das especiais atribuições ou dos interesses confiados pelos seus Estatutos, estão igualmente abrangidas pela isenção de custas as acções cujo objecto for instrumental em relação aos fins estatutários. É pois também o caso, uma vez que o pagamento pelos serviços de saúde efectuados reverte para a prossecução dos fins estatutários supra mencionados;
AH- As actuações desenvolvidas pela SCM respeitam à prossecução dos seus fins estatutários, uma vez que a sua natureza não consente na distribuição de lucros, os quais, permanecem no património da SCM….., com vista à sua utilização no âmbito das actividades decorrentes dos respectivos Estatutos [no mesmo sentido, vide SALVADOR DA COSTA, in Regulamento das Custas Processuais, Anotado e comentado, Almedina, 2011, 3ª edição, página 152];
AI- Aliás, tal é reconhecido na decisão da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 14.03.2013, que no âmbito do processo 1967/12.1TVLSB-A.L1, que julgou procedente o recurso e revogou o despacho que negava a atribuição da isenção de custas processuais à SCM, onde se pode ler que «face ao estatuto da Santa Casa da Misericórdia de ………., todos os rendimentos que possa conseguir têm que ser destinados aos fins humanísticos plasmados do citado artigo 4º do DL nº235/2008, de 03.12 e que reflectem a sua identidade história […]», pelo que também o juiz desembargador considerou a SCM…… abrangida pela isenção de custas quando o objecto da acção é instrumental em relação aos fins estatutários;
AJ- Recentemente, o Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão proferido no âmbito do processo n.º 842/15.2T8SNT.L2, datado de 27.09.2017, autos onde se discutia [e condenou] a ora ré a reconhecer a ajudante familiar o contrato de trabalho [e não de prestação de serviços], reconheceu a isenção de custas à ré SCM……, entidade empregadora;
AK- O Tribunal da Relação de Lisboa fundamentou a sua decisão, citando Salvador da Costa - in Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, 4ª edição, páginas 188 e 189 - nos seguintes termos e justifica a concordância com a propensão para o entendimento do referido autor, por o contrato objecto do litígio ter sido celebrado ao abrigo do regime jurídico das ajudantes familiares, sendo a SCM reconhecida como instituição de suporte para a actividade que no âmbito da acção social, procede à prestação de serviços de apoio domiciliário, concluindo, citando-se: «dúvidas não há de que o mesmo é instrumental à realização de um dos fins estatutários da SCM……» [como é a acção social que consiste na prestação de apoio domiciliário às famílias, fazendo por isso sentido que se considere verificada a previsão do artigo 4º, nº1, alínea f) do RCP, aprovado pelo DL nº34/2008, de 26.02, considerando por conseguinte a SCM……. isenta de custas na acção];
AL- O TCAS foi mais longe ao afirmar que, citando-se, o «objecto desta acção [instaurada por outrem...]» e o «tipo de processo», «nada tem a ver com os fins estatutários prosseguidos pela requerida na área da saúde ou outra»;
AM- No iter argumentativo de que se socorre para suportar a confirmação da condenação em custas da SCM……. e a não violação do artigo 4º, nº1, alínea f), do RCP, encontramos a seguinte declaração «Cumprir o artigo 268º, nº2, da CRP, e a Lei nº26/2016, não faz parte dos fins estatutários de ninguém das atribuições legais de qualquer entidade»;
NA- Ora, parece o tribunal recorrido concluir que a entidade requerida, uma vez ré, e ainda para mais em sede de intimação, já não pode alegar que actua na defesa das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto;
AO- A isenção de que beneficia a recorrente é analisada independentemente da procedência, ou não, do mérito da acção, e que resulta dos autos que na génese do conflito ora presente, está a prestação de cuidados de saúde ao pai do requerente na Unidade de Cuidados Continuados e Integrados A………. - unidade esta que presta cuidados de saúde prolongados, nas diferentes fases da evolução da doença, graças ao apoio de uma equipa multidisciplinar, e que a SCM…….. cumpre no seguimento dos seus fins estatutários;
AP- Ora, não é por se tratar de uma intimação, instaurada por outrem, que se deve concluir que a SCM……… não estava a actuar no exercício das suas especiais atribuições ou a defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto quando a relação que é controvertida tem origem no exercício de cuidado de saúde prestado em unidade de cuidados de saúde prolongados da SCM………;
AQ- Pelo que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que reconheça a isenção de custas da ré.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, com todas as consequências legais.
2. O recorrido não apresentou contra-alegações.
3. O recurso de revista foi admitido por este Supremo Tribunal [Formação a que alude o artigo 150º, nº6, do CPTA].
4. O Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento do recurso de revista, e consequente manutenção do decidido pelas instâncias [artigos 146º, nº1, do CPTA].
5. Sem vistos [artigo 36º, nº1 alínea d), e nº2, do CPTA], dado tratar-se de processo urgente, cumpre apreciar e decidir a «revista».

II. De Facto
São os seguintes os factos provados que nos vêm das instâncias:
1.C…………. é pai do requerente - admitido por acordo;
2. Na Nota de Alta elaborada pelos serviços da entidade requerida, com data de 17.11.2016, refere-se que o pai do requerente teve um diagnóstico de traumatismo crânio-encefálico grave, ocorrido em Junho de 2014, «com sequelas no quadro neuromotor de tetrapésia de predomínio esquerdo, alterações cognitivo comportamentais, do discurso e da deglutição», tendo o mesmo sido internado em estabelecimento da entidade requerida durante o qual, entre o período de 25.07.2015 e 17.11.2016, foi registado como intercorrência «[a]presentou evolução motora e funcional condicionada pela reduzida colaboração [por vezes com recusa de participação nos tratamentos] e alterações cognitivo-comportamentais sequelares» - documento nº 9 junto ao requerimento inicial;
3. Desde o referido traumatismo crânio-encefálico, as decisões relativas à saúde de C…………. são tomadas pela sua mulher D………… e pelo requerente - admitido por acordo;
4. No dia 25.08.2016 foi extraída pelo Dr. ………….. uma unha ao pai do requerente em estabelecimento da entidade requerida - documento nº6 junto ao requerimento inicial e admitido por acordo;
5. Por mensagem de correio electrónico, enviada em 22.09.2016 à Directora Clinica da Entidade Requerida, o requerente e D…………….., através de mandatária judicial, solicitaram o envio, por correio electrónico, dos registos médicos e de enfermagem incluindo fotografias, atinente ao episódio clínico que culminou na intervenção cirúrgica - documento nº1 junto ao requerimento inicial;
6. Em 30.09.2016, o requerente apresentou na CADA - Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, em conjunto com D………….., indicando serem ambos residentes na «Praceta ……………, 2720 Alfragide», «queixa contra a Unidade Saúde A..........», por esta não ter enviado, como solicitado, os registos médicos e de enfermagem [incluindo fotografias] do seu pai C………….., pretendendo que lhes seja enviado, em formato electrónico, os seguintes elementos, relativos a uma intervenção cirúrgica de extracção de uma unha: «registos médicos»; «registos de enfermagem»; «data e hora de registo do médico que intervencionou o paciente»; e «fotografias que foram enviadas pela reclamada ao médico […]» - documento nº1 junto ao requerimento inicial;
7. Em 17.01.2017 a CADA emitiu o Parecer nº23/2017, sobre a queixa de D…………. e B……….contra a Unidade de Saúde A……..…, no qual se conclui o seguinte: «[…] deve a entidade requerida facultar o acesso aos documentos estritamente necessários à realização do interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido, com intermediação médica» - documento nº2 junto ao requerimento inicial;
8. O parecer nº23/2017 da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos foi remetido a D…………. e ao requerente, por carta registada em 20.01.2017 - documento junto aos autos pelo requerente em 10.08.2017;
9. O parecer nº23/2017 da CADA foi remetido à entidade requerida por carta registada em 20.01.2017 - documento junto aos autos pelo requerente em 10.08.2017;
10. A entidade requerida por ofício com a referência nº25/CDG/2017, datado de 30.01.2017, dirigido a D………….., comunicou, na «sequência da recepção do Parecer/Relatório nº23/2017, da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos [CADA], aprovado em sessão de 17.01.2017, referente à queixa apresentada […], após indeferimento de pedido de reprodução da documentação constante do processo clinico do Sr. C………….., utente internado na Unidade de Cuidados Continuados Integrados A……………» que considera que «a validade da referida decisão está irremediavelmente viciada por deficiências graves da fundamentação que lhe serve de suporte», «que o aludido parecer não faz nenhuma menção à análise sobre a natureza e legitimidade do interesse concreto que preside ao acesso à documentação, requisito que se revelava indispensável para a aplicação do nº4 do artigo 7º, da Lei nº26/2016, de 22.08», e que «a argumentação expendida no parecer não permite afastar o cumprimento dos deveres impostos pela legislação específica respeitantes aos dados de saúde, cuja aplicação prevalece sobre a mencionada Lei nº26/2006, de 22.08» e sublinhando o «facto de já ter dispensado, por intermédio de médico, todas as informações pertinentes relativas ao estado de saúde do utente» reafirmou a «impossibilidade de procederem à reprodução e envio de registos clínicos do utente nomeado, por estarem sujeitas ao dever legal, e deontológico, de protegerem a confidencialidade dos dados de saúde dos utentes, e de impedir o acesso indevido de terceiros a essa informação, em conformidade com o disposto no regime de protecção de dados pessoais, previsto na Lei nº67/98, de 26.10, e no regime de informação de saúde, previsto na Lei nº12/25, de 26.01» - documento nº3 junto ao requerimento inicial;
11. No dia 06.02.2017, o requerente enviou, por fax, documento escrito dirigido à entidade requerida, no qual solicitou o envio, por e-mail, dos seguintes elementos: «registos médicos»; «registos de enfermagem»; «data e hora de registo de entrada do Senhor Dr. ………….., nesta Unidade de Saúde, no dia 25.08.16, e data em que a operação cirúrgica do meu pai teve início e fim»; e «cópia das fotografias que foram enviadas por esta Unidade de Saúde, ao Senhor Dr. ………….., bem como a indicação da pessoa que as obteve, e comprovativo do dia, hora e meio [e-mail, telemóvel ou fax] em que as mesmas foram enviadas ao profissional indicado» - documento nº4 junto ao requerimento inicial;
12. No dia 16.02.2017, o requerente recebeu a resposta da entidade requerida, através de ofício com a referência 40/CGG/2017, datado de 13.02.217, na qual a mesma informa que «a pretensão objecto do requerimento apresentado e a decisão final tomada sobre o assunto já foi respondida através do ofício enviado à Senhora sua Mãe, D. D…………., cuja queixa deu origem ao processo que correu termos na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, nos termos do nosso Ofício com a referência 25/CDG/2017, datado de 30.01, o qual se anexa para os devidos efeitos» - documento nº5 junto ao requerimento inicial e admitido por acordo;
13. O requerimento inicial deste processo de intimação foi enviado, por correio electrónico, ao Tribunal, em 27.02.2017.

III. De Direito
1. Julgando procedente o «pedido de intimação» formulado pelo requerente, ao abrigo do regime contemplado nos artigos 104º a 108º do CPTA, o TAF de Sintra decidiu intimar a entidade requerida a enviar àquele, dentro do prazo de quinze dias, e através de correio electrónico, «informação relativa à data e hora de registo de entrada do Dr. …………, nas instalações da entidade requerida, no dia 25.08.2016 [data em que a intervenção cirúrgica de extracção de uma unha ao pai do requerente teve início e fim], e indicação da data e pessoa que obteve as fotografias enviadas ao Dr. …………, e comprovativo do dia, hora e meio [e-mail, telemóvel ou fax] em que as mesmas foram enviadas ao profissional indicado; e registos médicos, registos de enfermagem, e fotografias que foram enviadas pela entidade requerida ao Dr. …………, todos relacionados com o procedimento médico realizado no dia 25.08.2016 [que conduziu à extracção de uma unha ao pai do requerente, com intermediação médica]».
Para tanto, após abordagem das normas pertinentes, entendeu estar em causa o acesso a documentos nominativos, no âmbito da informação não procedimental, e que assistia ao requerente, ponderados os direitos em jogo, um interesse directo, pessoal e legítimo ao mesmo. Além disso, ao arrepio do que tinha sido requerido no final da resposta, condenou em custas a entidade requerida.
Inconformada, a entidade requerida apelou para o TCAS que, pelo acórdão «sob censura» manteve o decidido na 1ª instância no tocante ao mérito e a custas.
Novamente inconformada, a entidade requerida pede a revista do decidido, pois defende que as instâncias, e directamente o acórdão recorrido, erraram, no seu julgamento de direito, quer quanto à solução dada ao «mérito» do litígio, quer quanto à decisão sobre «custas».
2. Está em causa, portanto, o acesso a documentos administrativos nominativos, alguns relativos directamente a dados de saúde, por parte de requerente que não é titular dos mesmos nem tem autorização escrita do respectivo titular.
Esta questão contende directamente com o acesso a informação de dados pessoais de saúde, que é regulada pela «Lei da Protecção de Dados Pessoais» [Lei nº67/98, de 26.10, na versão da Lei nº103/2015, de 24.08], pela «Lei de Informação de Saúde» [Lei nº12/2005, de 26.01], e «Regime de Acesso à Informação Administrativa» [Lei 26/2016, de 22.08]. E, naturalmente, este regime legal, do legislador ordinário, tem por pano de fundo legitimador o artigo 268º da CRP, segundo o qual «Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas» [nº1], e têm, também, «o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas» [nº2].
Estas duas normas consagram o direito dos administrados à informação perante a Administração, direito que assume natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias [artigo 17º CRP], gozando, pois, do regime de protecção prescrito no artigo 18º da Constituição, isto é, «são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas», e a lei «só pode restringi-los nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» [ver, e entre outros, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa, Tomo III, 2ª edição, páginas 601 a 604; Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª edição, páginas 380 e seguintes; Vieira de Andrade, Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5ª edição, páginas 81 e seguintes].
Assim, este direito, embora fundamental, não é um direito absoluto, pois que a Lei Fundamental admite a sua limitação para «compatibilização» com outros de igual valia, embora sempre sob a égide do «princípio da proporcionalidade» na vertente do «necessário».
É assim que o próprio legislador ordinário, no respeito por este princípio, procede ele mesmo à restrição do direito à informação no caso de dados pessoais de saúde. Define na alínea a) do artigo 3º da Lei nº67/98 - supra referida - «dados pessoais» como sendo qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa identificada ou identificável [titular dos dados] e, na mesma lei, previne que «os dados pessoais devem ser tratados de forma lícita e com respeito pelo princípio da boa-fé» [artigo 5º, nº1, alínea a)], e prescreve que «o direito de acesso à informação relativa a dados de saúde, incluindo os dados genéticos, é exercido por intermédio de médico escolhido pelo titular dos dados» [artigo 11º, nº5], sendo que «qualquer pessoa que tiver sofrido um prejuízo devido ao tratamento ilícito de dados ou a qualquer outro acto que viole disposições legais em matéria de protecção de dados pessoais tem o direito de obter do responsável a reparação pelo prejuízo sofrido» [artigo 34º, nº1].
Na Lei nº12/2005 - supra referida - diz o legislador que «a informação de saúde abrange todo o tipo de informação directa ou indirectamente ligada à saúde, presente ou futura, de uma pessoa, quer se encontre com vida ou tenha falecido, e a sua história clínica e familiar» [artigo 2º]. No seu artigo 3º esclarece que a informação de saúde «é propriedade da pessoa, sendo as unidades do sistema de saúde os depositários da informação» e que o proprietário ou «titular da informação de saúde» «tem o direito de, querendo, tomar conhecimento de todo o processo clínico que lhe diga respeito [salvo circunstâncias excepcionais devidamente justificadas e em que seja inequivocamente demonstrado que isso lhe possa ser prejudicial] ou de o fazer comunicar a quem seja por si indicado» [nº1 e nº2]. Mas previne: «O acesso à informação de saúde por parte do seu titular, ou de terceiros com o seu consentimento, é feito através de médico, com habilitação própria, escolhido pelo titular da informação» [nº3].
Ainda na mesma lei, e no artigo seguinte - artigo 4º - estipula o legislador que «os responsáveis pelo tratamento da informação de saúde devem tomar as providências adequadas à protecção da sua confidencialidade […] bem como o reforço do dever de sigilo e da educação deontológica de todos os profissionais» [nº1], e que «As unidades do sistema de saúde devem impedir o acesso indevido de terceiros aos processos clínicos […] e cumprindo as exigências estabelecidas na legislação que regula a protecção de dados pessoais […]» [nº2].
A Lei nº26/2016 - supra referida - também conhecida por LADA/2016 - pois que revogou e substituiu a Lei 46/2007, de 24.08, Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, conhecida por LADA/2007 - diz, na sequência da norma constitucional [artigo 268º, nº2], que «Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo» [artigo 5º, nº1], e, enquadrando este «princípio da administração aberta», diz que «O acesso à informação administrativa é assegurado de acordo com os demais princípios da actividade administrativa designadamente os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da colaboração com os particulares» [artigo 2º, nº1].
Nesta LADA/2016 define-se «Documento nominativo» como «o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de protecção de dados pessoais» [artigo 3º alínea b)], e diz-se que «Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos: a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder; b) Se demonstrar fundamentalmente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação» [artigo 6º, nº5].
O seu artigo 7º estipula, especificamente, sobre «acesso e comunicação de dados de saúde». Diz assim: «1- O acesso à informação de saúde por parte do seu titular, ou de terceiros com o seu consentimento ou nos termos da lei, é exercido por intermédio de médico se o titular da informação o solicitar, com respeito pelo disposto na Lei nº12/2005, de 26.01. 2- Na impossibilidade de apuramento da vontade do titular quanto ao acesso, o mesmo é sempre realizado com intermédio de médico. 3- No caso de acesso por terceiros, mediante consentimento do titular dos dados, deve ser comunicada apenas a informação expressamente abrangida pelo instrumento de consentimento. 4- Nos demais casos de acesso por terceiros, só pode ser transmitida a informação estritamente necessária à realização do interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido que fundamenta o acesso».
3. Trata-se de matéria sensível, em que estão em causa direitos fundamentais e, daí, que o próprio legislador ordinário proceda ao estabelecimento de restrições ao direito à informação não procedimental, visando a sua compatibilização, logo no patamar legislativo, com outros direitos fundamentais, nomeadamente com o que protege a intimidade das pessoas [artigos 26º, nº1, e 268º, nº2, da CRP; 80º do CC].
No artigo 17º do CPA assume este dever constitucional de uma forma genérica, e vai concretizando legislativamente a ordenada «compatibilização» de direitos fundamentais nos vários diplomas legislativos em que tal necessidade se impõe, sempre sob a égide do princípio da proporcionalidade, sobretudo na vertente do necessário [artigo 18º da CRP].
É assim que, atentas as normas legais supra referenciadas e citadas, o acesso a documentos administrativos nominativos, que contenham dados de saúde, que são dados pessoais, se rege pela forma seguinte [artigos 3º alínea b), 6º nº5, e 7º, da LADA/2016; 3º alínea a), 5º nº1 alínea a), e 11º nº5, da Lei nº67/98; 2º, 3º e 4º, da Lei nº12/2005]:
- A informação de saúde abrange todo o tipo de informação directa ou indirectamente ligada à saúde;
- A informação de saúde é propriedade da pessoa, sendo as «unidades do sistema de saúde» os depositários dessa informação;
- O proprietário, ou titular da informação de saúde, tem direito a tomar conhecimento da mesma - salvo circunstâncias excepcionais devidamente justificadas, e em que seja inequivocamente demonstrado que isso lhe possa ser prejudicial - ou de o fazer comunicar «a quem seja por si indicado» mediante «autorização escrita que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder»;
- No caso de acesso por terceiros com consentimento do titular, deve ser comunicada apenas a informação expressamente abrangida pelo instrumento de consentimento;
- O acesso à informação de saúde por parte do seu titular ou de terceiro «com o seu consentimento», é feito através de médico escolhido pelo titular da informação, se este o solicitar;
- Na impossibilidade de apuramento da vontade do titular quanto ao acesso, o mesmo é sempre realizado com intermédio de médico;
- Nos outros casos de acesso por terceiro, este terá de demonstrar fundamentalmente ser titular de «um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante - após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta - que justifique o acesso à informação;
- E, neste último caso, só poderá ser transmitida ao terceiro a informação estritamente necessária à realização do interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido que fundamenta o acesso;
- As unidades do sistema de saúde devem «impedir o acesso indevido de terceiros aos processos clínicos», cumprindo as «exigências estabelecidas na legislação que regula a protecção de dados pessoais».
4. No presente caso importa apreciar, desde logo, se estamos face a pretensão de acesso a informação de saúde, ou seja, a pretensão de acesso ao conteúdo de documentos administrativos nominativos que contêm dados pessoais de saúde.
E se uma conclusão positiva brota, de imediato, quanto à pretendida informação sobre os registos médicos, registos de enfermagem, e fotografias que foram enviadas pela entidade requerida ao Dr. …………, todos relacionados com o procedimento médico realizado no dia 25.08.2016, pois que se impõe pela própria «natureza das coisas», já o mesmo não acontece relativamente ao acesso à informação sobre a data e hora de registo de entrada do Dr. ………… nas instalações da entidade requerida, no dia 25.08.2016 [data em que a intervenção cirúrgica de extracção de uma unha ao pai do requerente teve início e fim], e indicação da data e pessoa que obteve as fotografias enviadas ao Dr. …………, e comprovativo do dia, hora e meio [e-mail, telemóvel ou fax] em que as mesmas foram enviadas ao profissional indicado.
Cremos, porém, que atenta a origem e a causa final deste segmento do pedido, isto é, levando em consideração a motivação da entrada do clínico nas instalações da ora recorrente, a obtenção das fotografias e o seu envio ao mesmo, bem como a finalidade para a qual o pedido é formulado, tudo tem, obviamente, a ver com a aferição do tipo de cuidados de saúde que foram prestados ao pai do recorrido, e o modo como o foram.
E deste jeito, ainda que tais dados, objectivamente considerados, sejam neutros ou indiferentes relativamente à natureza da informação de saúde, o certo é que a adquirem por via simbiótica da sua origem e finalidade. Trata-se de dados que, e tanto as fotografias como os registos de entrada, transmitem, indirectamente, informação «eventualmente relevante» para aferir do tipo e modo dos cuidados de saúde prestados ao pai do requerente.
Este, requerente, não é o titular da informação de saúde em causa. Titular é o seu pai que, e segundo tudo indica [ponto 3 do «provado»], se encontra impossibilitado de manifestar a sua própria vontade. E assim sendo, não obstante esta relação de parentesco, o requerente apresenta-se junto da «unidade de saúde» requerida, depositária das informações de saúde do titular seu pai, enquanto terceiro que quer aceder a informação de saúde de quem está impossibilitado de manifestar a sua própria vontade. Terá, por conseguinte, de acordo com as «normas legais referidas e citadas», de demonstrar ser titular de interesse relevante, ou seja, de «interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido, e que, em sede de ponderação dos direitos fundamentais em presença - feita no quadro do princípio da proporcionalidade - justifique o acesso à informação. E este acesso tem de ser sempre realizado com a intermediação de um médico, e está limitado ao estritamente necessário a realizar o seu demonstrado interesse relevante.
5. As instâncias, e nomeadamente o acórdão recorrido, entenderam que assistia ao requerente esse «interesse relevante» - interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido - para aceder à informação de saúde pretendida, pois que da ponderação dos direitos fundamentais em confronto sobressaía a «necessidade» de ele obter os referidos elementos informativos para poder decidir sobre a responsabilização ou não da entidade demandada e seus funcionários ou agentes.
A este respeito, convém ter desde logo presente que as restrições impostas pelo legislador à informação sobre dados de saúde - supra referidas - é essencialmente justificada pela protecção do respectivo titular dos dados, que, no caso, é o pai do requerente, incapacitado de manifestar a sua vontade. E note-se que assiste ao requerente filho o direito fundamental de responsabilizar a entidade prestadora dos serviços de saúde ao seu pai, caso para tanto haja motivo bastante [artigos 22º da CRP, e 483º CC]. E assiste-lhe, enquanto cidadão especialmente posicionado nesta concreta situação, o direito de apresentar denúncia junto do Ministério Público, no caso de se inteirar de elementos factuais que o permitam fazer, e até de dar notícia à Ordem dos Médicos para despoletar eventual procedimento disciplinar.
Ora, se é verdade que estes direitos do requerente, ora recorrido, cujo efectivo exercício necessita da informação de saúde requerida, conflituam à partida com o direito fundamental do titular dos dados de saúde à «privacidade dos mesmos» enquanto componentes da sua «esfera íntima» - artigo 26º nº1, da CRP -, não é menos verdade que, por um lado, não estamos perante um qualquer terceiro, mas um terceiro que é filho do titular, e por outro lado que o próprio legislador ordinário, como vimos, já procedeu ele próprio a uma ponderação de direitos fundamentais sob a égide do princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade, que resultou na fixação das referidas restrições ao acesso à informação sobre dados de saúde a um terceiro.
Nesta base, fundamentalmente, consideramos assistir ao requerente o interesse relevante, no sentido dado pela lei - interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido, e que, em sede de ponderação dos direitos fundamentais em presença - feita no quadro do princípio da proporcionalidade - justifique o acesso à informação - para poder aceder, embora com as restrições legais, aos pretendidos dados de saúde.
Deste modo, relativamente ao mérito do recurso de revista, deve ser-lhe negado provimento, embora a intimação ordenada pela 1ª instância deva ser realizada através do acesso, por intermediação médica, aos «elementos documentais que foram requeridos e que sejam necessários à satisfação do interesse relevante» que assiste ao requerente.
6. A ora recorrente solicitou, enquanto requerida, e no articulado «resposta» [ver artigo 107º CPTA], que fosse considerada a sua isenção de custas ao abrigo da alínea f) do nº1 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais [RCP], segundo o qual «As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuam exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável».
As instâncias negaram tal isenção, por entenderem que este caso «nada tem a ver com os fins estatutários prosseguidos pela requerida na área da saúde, ou outra. Cumprir o artigo o artigo 268º nº2 da CRP e a Lei 26/2016 não faz parte dos fins estatutários de ninguém, das atribuições legais de qualquer entidade. É um dever legal e constitucional. Não cabe, assim, na previsão do artigo 4º, nº1 alínea f), do RCP».
E esta decisão deverá ser mantida.
Na verdade, e não obstante alguns sectores da doutrina, e jurisprudência, virem entendendo que a «isenção de custas» da citada alínea f) também se aplica às actuações das entidades em causa que sejam instrumentais das suas atribuições, cremos que esta extensão não se compagina com a exigência limitativa imposta pelo legislador. De facto, ao limitar a isenção de custas à actuação desenvolvida exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições o legislador arreda, a nosso ver, essa hipótese.
O que significa que, mesmo a entender-se que o dever constitucional e legal de prestar informações de saúde, imposto in casu à SCM…….., é «instrumental» da sua «atribuição» de prestar cuidados de saúde prioritariamente aos mais desprotegidos [artigo 4º, nº1, dos seus Estatutos], mesmo assim não deixaria de configurar uma imposição geral, não exclusiva, ou redutível às suas especiais atribuições.
Deste modo, relativamente ao segmento do recurso de revista sobre a «isenção de custas», deve ser-lhe, também, negado provimento, mantendo-se o decidido no acórdão recorrido.

IV. Decisão
Nestes termos, decidimos negar provimento ao recurso de revista, e manter o decidido no acórdão recorrido quanto ao mérito e quanto a custas, embora no tocante ao mérito com a especificação dita no último parágrafo do ponto 5 supra.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 8 de Agosto de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Isabel Marques da Silva.