Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0723/16
Data do Acordão:11/22/2017
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANA PAULA LOBO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22594
Nº do Documento:SAP201711220723
Data de Entrada:06/07/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Acórdão recorridoacórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no proc. n.º 723/16, em 01 de Fevereiro de 2017.
Acórdão fundamentoacórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no proc. n.º 0382/15 de 25 de Junho de 2015.
1.
A Representante da Fazenda Pública, notificada do acórdão proferido no presente processo de recurso de decisão de aplicação de coima, em que é entidade recorrida A…………, Ld.ª, veio deduzir recurso, invocando oposição do ali decidido com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no proc. n.º 0382/15 de 25 de Junho de 2015, pelos fundamentos que se mostram sintetizados nas seguintes conclusões:

a) Tendo, o acórdão recorrido (de 2017FEV01, proferido no processo n.º 723/16) e o acórdão fundamento (de 2015JUN25, proferido pelo STA no processo n.º 0382/15), decidido em sentido oposto a mesma questão fundamental de direito com base situações fácticas idênticas, vem, a FP, pugnar pela aplicação, in casu, da solução jurídica adoptada no acórdão fundamento,

Porquanto,

b) se verifica a identidade de situações de facto e de direito nos seus contornos essenciais, já que, em ambos os arestos (recorrido e fundamento) está em causa saber se o despacho de fixação da coima impugnado, satisfaz [ou não] o requisito da descrição sumária dos factos a que alude o art.º 79.º n.º 1 al. b) do RGIT;

c) Em ambos os recursos de contra-ordenação, aqui em crise, estão em causa infracções previstas nos artigos 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1 al. a) e b) do CIVA, e punidas pelos artigos 114.º n.º 2 e 26.º n.º 4 do RGIT, por entrega da declaração periódica de IVA sem meio de pagamento ou com meio de pagamento insuficiente;

d) Sendo que, a ambos os processos é aplicável a alínea a) do n.º 5 do art.° 114.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro;

e) Apesar de no acórdão recorrido (tal como no acórdão fundamento) constar que o facto de não haver referência à circunstância de o imposto ter, ou não, sido recebido, ter deixado de relevar, para o futuro, a partir da alteração introduzida na alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro;

f) Ainda assim, entendeu, o mesmo aresto, que apesar de factualidade apurada poder eventualmente integrar a contra-ordenação p. e p. no n.º 5 do art.º 114.º do RGIT, não é essa a norma indicada nas decisões administrativas de aplicação de coima, porquanto, a norma aí indicada foi o n.º 2 do art.º 114.º do RGIT;

g) Em sentido contrário, no acórdão fundamento entende-se que:

“A decisão de aplicação da coima não indica, é certo, a alínea a) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT apenas o n.º 2 do mesmo preceito legal. Sucede, porém que o que a lei impõe como requisito legal da decisão é a indicação da norma punitiva, ou seja, daquela que prevê a penalidade aplicável à infracção, a respectiva sanção, e esta encontra-se no n.º 2 do artigo 114.º (...).” (sublinhado e negrito nossos);

h) Ou seja, estando - em ambos os acórdãos - em causa a questão de saber se o despacho de fixação da coima impugnado, satisfaz [ou não] o requisito da descrição sumária dos factos a que alude o art.° 79.º n.º 1 al. b) do RGIT;

i) Entendeu, o acórdão recorrido, que uma vez que o n.º 5 do art.º 114.º do RGIT não foi a norma indicada nas decisões administrativas de aplicação de coima, o despacho de fixação da coima impugnado não satisfaz o requisito da descrição sumária dos factos;

j) Já o acórdão fundamento entendeu, em sentido inverso, que apesar do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT não ter sido a norma indicada nas decisões administrativas de aplicação de coima, ainda assim, o despacho de fixação da coima satisfaz o requisito da descrição sumária dos factos, porquanto, entende,

k) que o que a lei impõe como requisito legal da decisão é a indicação da norma punitiva, aquela que prevê a penalidade aplicável à infração, a respetiva sanção, sendo que esta encontra-se no n.º 2 do artigo 114º;

l) Face ao exposto, resulta evidente a identidade de situações de facto, bem como, resulta clara a divergência na solução dada à mesma questão fundamental de direito em ambos os acórdãos, pelo que, não pode deixar de se concluir que deve ser considerado que se verifica a oposição de acórdãos aqui invocada;

m) Assim, sendo certo que o acórdão recorrido perfilha - perante igual questão fáctica e jurídica — entendimento contrário ao acórdão fundamento, tal entendimento [sufragado no acórdão recorrido] não pode prevalecer;

n) Razão pela qual deverá o presente recurso proceder, com a consequente revogação do acórdão proferido pelo STA no processo n.º 723/16;

o) Até porque, não houve alteração substancial na regulamentação jurídica, perfilhando-se, nos acórdãos em confronto, solução oposta que decorre de decisões expressas;

p) Desta forma, deve ser proferido acórdãos que decida a questão controvertida no sentido sustentado pela FP no presente recurso, ou seja, de acordo com o sentido decisório do acórdão fundamento.

Requereu que, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas seja dado provimento ao presente recurso, devendo ser proferido acórdão que decida no sentido preconizado no acórdão fundamento.

2.
Admitido liminarmente o recurso não foram presentes as alegações pela recorrida, mas foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público, que considerou que não se mostram reunidos os pressupostos legais da admissibilidade do recurso, para uniformização de jurisprudência, que deve, pois, ser julgado findo.

Colhidos os vistos legais, impõe-se a análise do recurso.

3.
O despacho de admissão liminar do recurso, com efeitos meramente ordenadores do rito processual não impede, nem dispensa a análise da verificação dos pressupostos legais da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, como impõe o artº 692º, n.º 3 do Código de Processo Civil e, que se define pela necessidade de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento, e o artº 688º do Código de Processo Civil, circunscreve ao domínio da mesma legislação, e, desde que a orientação perfilhada pela decisão recorrida não esteja de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.
Com efeito e como repetidamente tem vindo a ser afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça em diversas situações de que destacamos o ac. proferido no proc. 44/15, de 28-05-2015, acessível em www.dgsi.pt, cuja argumentação seguiremos de perto por a ela aderirmos inteiramente, e ser ela em absoluto transponível para as contraordenações tributárias e respectivo processamento a nível de recursos, as disposições aplicáveis ao processo penal em sede de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, art.º 437.º do Código de Processo Penal não são aqui aplicáveis em face de uma regulamentação específica constante do DL 433/82, no art. 75.º, n.º 1, que regulamenta a matéria em termos gerais, aplicável a estes autos, subsidiariamente, por força do disposto no art.º 3.º, b) do Regime Geral das Infracções Tributárias.
O DL 433/82 estabelece que das decisões do tribunal de 2.ª instância «não cabe recurso», no art. 75.º, n.º 1. Na presente situação nada há de diverso porque a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo neste processo é uma decisão proferida relativamente à decisão de primeira instância que conheceu do recurso da decisão administrativa e que, apenas compete ao Supremo Tribunal Administrativo e não ao Tribunal Central Administrativo por estar em causa no recurso, apenas matéria de direito.
Os recursos das decisões proferidas pelas entidades administrativas, em sede de contra-ordenações fiscais, são interpostos para o tribunal de 1.ª instância. Tal significa que a fase judicial de impugnação de tais decisões é já uma fase de recurso.
O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, regulado nos artºs. 437.º e ss. do CPP, destina-se a assegurar, tanto quanto possível, a uniformidade da jurisprudência na interpretação da lei, de modo a que se alcancem, no caso concreto, decisões aplicadoras de interpretações similares da lei a situações concretas idênticas. O DL 433/82 no seu art. 73.º, n.º 1 indica as situações em que é possível o recurso «normal» da decisão de 1.ª instância, reservando o seu número 2 para uma situação em que excepcionalmente admite que «poderá a relação (...) aceitar o recurso (...) quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência», tendo esta norma a mesma finalidade do art. 437.º do Código de Processo Penal.
Por a lei geral das contra-ordenações estar dotada de um regime de recursos especiais e extraordinários, deve entender-se ser essa a opção do legislador quanto à admissibilidade de tais recursos não havendo lugar a qualquer aplicação subsidiária do art. 437.º do CPP. Ainda que se verifique que o recurso especial para a melhoria da aplicação do direito ou para a uniformidade da jurisprudência a que se refere o n.º 2 daquele art. 73.º tem um âmbito muito mais limitado do que o recurso extraordinário previsto nos artºs. 437.º e ss. do CPP, tal não basta para derrogar o regime concretamente previsto no DL 433/82 sobretudo por não poder olvidar-se a diversa natureza e relevância dos interesses ou valores que estão em causa no ilícito criminal e no ilícito de mera ordenação social.

Deliberação:
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em rejeitar o recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 22 de Novembro de 2017. – Ana Paula da Fonseca Lobo (relatora) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – António José Pimpão - Joaquim Casimiro Gonçalves – José da Ascensão Nunes Lopes - Dulce Manuel da Conceição Neto - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.