Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:050/13.7BUPRT
Data do Acordão:05/12/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P27693
Nº do Documento:SA220210512050/13
Data de Entrada:05/03/2021
Recorrente:A………………
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Nº do Volume:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A………….., não se conformando com o Acórdão proferido pelo TCA Norte, dele interpõe recurso para Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, pedindo a revogação da decisão impugnada.

Alegou, tendo concluído:
1. Salvo o merecido respeito, a decisão recorrida padece de erro quanto à qualificação das actividades da recorrente que são abrangidas pela isenção prevista no n.º 2 do art. 9º do CIVA.
2. As operações em questão foram praticadas no exercício de tarefas públicas e de indesmentível interesse público para a saúde pública da comunidade, tanto mais que a impugnante, que reveste utilidade pública, se constituiu como Agrupamento de Defesa Sanitário e tanto mais que não tem sequer escopo lucrativo (nem tais operações visaram o lucro) posto que o Estado se remeteu a um papel de mera coordenação e controlo, verificando-se, pois e assim, o segundo requisito da norma em apreço (a recorrente é, pelo menos, um estabelecimento "similar").
3. Por outro lado, não se vislumbra nas liquidações ora sindicadas nos autos por que razão a prestação de serviços de vacinação (contra a brucelose, por exemplo) e tosquia de animais consumidos por humanos foram desconsideradas pela Administração Fiscal como abrangidas pelo âmbito da isenção de operações conexas com a saúde.
4. Esta norma de isenção tem como objectivo assegurar a redução do custo dos serviços em razão da sua não tributação em sede de IVA, pelo que não deve efectuar-se uma "interpretação particularmente restritiva" do concerto de estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, como a que é levada a efeito pela decisão recorrida, sob pena de contrariar essa razão teleológica da norma.
5. Sendo que da norma resulta que este segundo requisito tem como denominador comum o facto de estarem em causa instituições ou entidades dedicadas àquelas prestações de serviços, tais como o ADS efectivamente é, não se podendo, pois, interpretar restritivamente a norma, limitando-a violando-se, pois, o art. 9º do CC e 11º da LGT.
6. Considerando a noção técnico-jurídica de estabelecimento, em que basta que se encontrem reunidos os elementos essenciais que individualizam e dão consistência ao estabelecimento para que se possa qualificar uma dada organização como estabelecimento, tem de se considerar que a recorrente, constituída como ADS (Agrupamento de Defesa Sanitário), prestando serviços de interesse público aos produtores de ovinos, nomeadamente de uma dada região, independentemente de os mesmos serem seus associados, pelo menos, funcionava como um "similar" a um estabelecimento de saúde, independentemente da forma jurídica que caracteriza esse exercício.
7. Motivo pelo qual a interpretação dos normativos em causa sufragada pelo acórdão recorrido se revela, por isso, violadora do princípio da Boa fé (art. 2.º da CRP e art. 6º-A do CPA), uma vez que permitiria que o Estado simultaneamente exigisse, por acto normativo, certos requisitos aos particulares e depois, por acto administrativo, o mesmo Estado impedisse um benefício para esses mesmos particulares (e para a comunidade, pela redução de custos que permite - referimo-nos à isenção de imposto), por força da verificação daqueles requisitos que, a priori, impôs.
8. Destaque-se ainda que o Sr. Magistrado do Ministério Público já havia proferido douto Parecer nos autos, considerando que a impugnação devia ser considerada procedente e que a recorrente deveria ser considerada como um "similar": "(...) 8.Afigura-se-me que toda a supracitada actividade desenvolvida pela impugnante, em obediência, aliás, a desígnios nacionais, se enquadra no referido n.º 2, já que se trata de prestações de serviços médicos, como é reconhecido pela FP, e sanitários, sendo certo que a impugnante pode ser considerada "um similar", tendo em consideração a sua estreita ligação com os organismos oficiais atrás indicados."
9. Salvo o merecido respeito, a interpretação das normas (designadamente o art. 11º da LGT e sobretudo o art. 9º, n.º 2 do CIVA) consubstanciada na decisão recorrida, ao não isentar de imposto aquelas operações, é violadora do princípio da Justiça, que enforma o nosso sistema fiscal e que tem assento constitucional, no art. 2.º (ínsito no princípio do Estado de Direito), 103º, 104º, nº 4 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e igualmente consagrado no art. 55º da LGT.
10. Posto que aquelas operações deixaram de ser pagas integralmente pelo Estado, mas continuando a ora recorrente a prestar estas mesmíssimas funções e tarefas, que mantêm a mesma índole de interesse público (que se traduzem na tutela da saúde pública), ao não isentar de IVA tais operações, haveria um locupletamento injustificado do Estado, pois, além de se furtar à prestação destas tarefas e de obrigar os associados da impugnante a pagar parte dos serviços e operações e sobretudo, ainda exigiria o pagamento de valores respeitantes a IVA, fazendo assim aumentar o custo do serviço.
11. E, correspondentemente, haveria prejuízo para a recorrente e para os seus associados que teriam de pagar e suportar tal imposto "cego", não havendo prejuízo para o Estado.
12. Daí que, em nome do princípio da justiça, que enforma o nosso sistema fiscal, e numa ponderação global dos interesses em presença, se deva entender que tais serviços concretamente prestados pela impugnante se enquadram na hipótese da norma sobredita, nomeadamente que a recorrente é "similar" a um estabelecimento de saúde, devendo assim estar isenta de IVA.
13. Sem prescindir do que se alegou supra, parece-nos manifesto que a interpretação dos normativos referidos (designadamente o art. 11º da LGT e sobretudo o art. 9.º, n.º 2 do CIVA) levada a efeito pela decisão recorrida, é igualmente violadora do princípio da proporcionalidade, com consagração constitucional no art. 2º, 18.º e 266.º, nº 2 da CRP e também no art. 55º da LGT.
14. Como tal, e na linha da jurisprudência citada, a interpretação efectuada pela decisão recorrida acarreta grave prejuízo para impugnante e viola o princípio da justiça e da proporcionalidade.
Termos em que, deve ser considerado procedente o presente recurso e, em consequência, ser o Acórdão revogado.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi admitido, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT (presume-se que o recurso foi interposto ao abrigo desta norma, apesar de no mesmo não vir feita qualquer referência nesse sentido, nem se vislumbrar, face aos termos em que vêm delineados os fundamentos do recurso, que possa ser subsumível a qualquer outro tipo de recurso legalmente previsto).

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.
Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Pretende a recorrente com este recurso, no essencial, que este Supremo Tribunal reaprecie as questões que foram decididas pelas instâncias.
Para tanto, deveria, tal como exigido pelo disposto nos artigos 144.º, n.º 2, do CPTA e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis ao presente recurso, ter alegado e demonstrado a factualidade necessária para integrar a verificação dos anteriormente referidos requisitos de admissibilidade da revista.
Lidas as conclusões das alegações de recurso nelas não encontramos qualquer alusão, por mínima que seja, aos requisitos de admissibilidade da revista. A Recorrente não demonstra, nem sequer alega, que estamos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou que a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, impunha-se que tivessem sido alegados os factos susceptíveis de integrar os respectivos requisitos, tarefa que a Recorrente nem sequer ensaiou.
A falta dessa alegação, por si só, justifica a não admissão da revista.
Já vimos que o legislador só concebe a admissão do presente recurso quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
A questão que nos vem colocada pelo recorrente não assume as características necessárias para que o recurso possa ser admitido.
Na verdade, a isenção de imposto pretendida pela recorrente, prende-se com as suas concretas circunstâncias e com as concretas actividades por si desenvolvidas, ou seja, a interpretação das normas que é pretendida pela recorrente visa, essencialmente, enquadrar a sua actividade concreta para efeitos da dita isenção.
Por outro lado, tendo sido ponderados no acórdão recorrido todos os aspectos argumentativos, ainda que de forma sintética, não se vislumbra que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que não se detectam aí soluções jurídicas que afrontem claramente as normas e princípios legais aplicáveis.
Assim, o recurso não é admissível.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Custas do incidente pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 12 de Maio de 2021. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.