Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01118/15
Data do Acordão:11/09/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CASO JULGADO
PRESCRIÇÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PRETERIÇÃO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
IMPOSTO SUCESSÓRIO
FALTA DE COMUNICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS
Sumário:I - O respeito pelo caso julgado impede que se reapreciem questões relativamente às quais exista já decisão judicial transitada em julgado.
II - Só pode conhecer-se da prescrição da obrigação tributária em impugnação judicial – como eventual causa de inutilidade superveniente da lide – se o processo disponibilizar (sem necessidade de averiguação) todos os elementos factuais necessários.
III - A falta de fundamentação do acto não se confunde com a falta de notificação dos fundamentos do mesmo, sendo que só a primeira constitui invalidade do acto.
IV - O acto deve ter-se por suficientemente fundamentado se dá a conhecer os motivos por que foi praticado; saber se esses fundamentos o podem ou não suportar, é questão que se situa, já não no âmbito da sua validade formal, mas no da sua validade material.
V - Se o pedido efectuado à AT for de indeferir in limine, por não ter condições de viabilidade, não se impõe a notificação em ordem ao exercício do direito de audição prévia.
VI - O facto de as obrigações tributárias subsidiárias do de cujus que se transmitiram aos seus herdeiros não terem sido levadas em conta na liquidação do IS a estes efectuada, por serem desconhecidas à data, uma vez que o de cujus não chegou a ser citado como responsável subsidiário, não constitui motivo de invalidade daquela liquidação, sem prejuízo do disposto no § 4.º do art. 28.º do CIMSISD.
Nº Convencional:JSTA00069900
Nº do Documento:SA22016110901118
Data de Entrada:09/18/2015
Recorrente:A.....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:LGT98 ART29 N2 ART49 N2 ART54 ART60 N1 B ART77 N6.
CPPTRIB99 ART44 ART112 N1 ART175 ART209 N1.
CPA91 ART125 N1.
CIMSISD91 ART28 §2 N1 §4 ART87.
CPC13 ART277 E ART580 ART621.
DL 53-A/06 DE 2006/12/29 ART90 ART91.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01025/14 DE 2015/06/13.; AC STA PROC0489/12 DE 2012/05/23.; AC STA PROC059/12 DE 2012/02/23.; AC STA PROC0872/11 DE 2012/02/15.; AC STA PROC0154/06 DE 2006/05/03.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA NOTAS PRÁTICAS 2ED PAG23-25 PAG57 SEGS.
VIEIRA DE ANDRADE - O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO EXPRESSA DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS 1991 PAG47 PAG231.
ANTÓNIO LIMA GUERREIRO - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA PAG277.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 251/06.4BEALM

1. RELATÓRIO
1.1 A…………. (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de imposto sucessório (IS) que lhe foi efectuada.
1.2 O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):
«1. Atento o disposto no artigo 279.º, n.º 1 do CC, in casu é aplicável o prazo prescricional de 8 anos, previsto na LGT;
2. E, bem assim, é aplicável o regime de contagem do prazo estabelecido nos artigos 48.º e 49.º da LGT;
3. Em termos de incidência processual com relevo para o cômputo da prescrição, resulta dos autos principais que (i) a prescrição inicia a sua contagem a partir de 1 de Janeiro de 1999 (data de entrada em vigor do artigo 48.º da LGT, por força do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Novembro), (ii) a impugnação judicial foi instaurada em 30 de Novembro de 2005 (Cfr. fls. 2 e ss. dos autos principais), (iii) a impugnação judicial esteve parada, por facto não imputável ao contribuinte, desde 4 de Junho de 2010 até 16 de Setembro de 2014 (Cfr. fls. 220 e 235 dos autos principais);
4. Os presentes autos estiveram parados por mais de um ano, por facto não imputável à Impugnante (Cfr. fls. 220 e 235 dos autos principais) aplicando-se, por isso, o n.º 2 do artigo 49.º da LGT, onde se estabelece que a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior [interrupção] somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da sua autuação;
5. Logo, a impugnação, entrada em juízo em 30 de Novembro de 2005 (Cfr. fls. 2 dos autos principais), não interrompeu, em absoluto, o prazo prescricional em curso, porquanto a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito da impugnação enquanto evento interruptivo da prescrição;
6. E, tendo o processo se encontrado parado de 4 de Junho de 2010 até 16 de Setembro de 2014, soma-se o tempo que decorreu desde 4 de Junho de 2011 ao tempo que decorreu até ao evento interruptivo, nos termos do disposto no artigo 49.º n.º 2 da LGT, na redacção aplicável in casu;
7. Pelo que operou a prescrição do imposto impugnado, porquanto desde 1 de Janeiro de 1999 até 30 de Novembro de 2005 (data da instauração da impugnação) decorreram 6 anos e 11 meses, que, somados ao tempo decorrido após 4 de Junho de 2011 (termo do primeiro ano em que o processo esteve parado), em muito excedem o prazo prescricional aplicável;
8. Nestes termos, deverá determinar-se a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º CPPT.
Sem prescindir
9. O indeferimento pela Administração Tributária, melhor descrito nas alíneas I) a L) dos Factos Provados, sem mais, da Contestação apresentada pela Recorrente nos termos e para os efeitos do artigo 87.º do CIMSISD, que versava sobre a necessidade de uma nova avaliação da quota social em causa, constitui uma preterição de uma formalidade essencial;
10. De facto, ao rejeitar a possibilidade de contestar a avaliação melhor descrita na alínea C) dos Factos Provados, a Administração Tributária impediu a Impugnante de esgotar os meios graciosos ao seu alcance, o que configura preterição de formalidade legal e causa de invalidade da liquidação;
11. Mais, a Administração Fiscal não apreciou a contestação formulada, limitando-se a cogitar que “o pedido não se enquadra dentro dos parâmetros do disposto no art. 87.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e Imposto sobre as Sucessões e Doações” (Cfr. fls. 133 a 136 do processo administrativo);
12. Tal ofício constante de fls. 136 do processo administrativo é completamente omisso sobre os parâmetros do artigo 87.º do CIMSISD, pelo que é legítimo questionar quais são esses parâmetros, pois eles não são invocados no despacho de fls. 133 do processo administrativo, nem os mesmos resultam da leitura da lei;
13. Logo, tal despacho, ao não determinar com rigor quais os parâmetros, equivale a uma decisão não fundamentada;
14. Ao contrário do entendimento expresso pelo Tribunal a quo, o considerando vertido pela Administração Tributária e melhor descrito nas alíneas I) a K) dos Factos Provados, não pode ser tido por uma decisão fundamentada;
15. E assim é, porquanto a Administração Tributária não procedeu a uma análise pormenorizada de cada um dos argumentos esgrimidos na contestação, ou seja, a Administração Tributária limitou-se a utilizar fundamentação genérica, que nada pormenoriza, não permitindo reconstituir o itinerário cognoscível e valorativo para a decisão em causa;
16. Pelo que está assim tal acto inquinado com o vício da falta de fundamentação;
17. Acresce que a Administração Tributária, antes da decisão melhor descrita na alínea I) dos Factos Provados, não notificou a Impugnante para exercer o direito de audição previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT;
18. Uma vez que a Contestação da Recorrente, apresentada nos termos e para os efeitos do artigo 87.º do CIMSISD não enfermava de qualquer vício que impusesse o seu indeferimento liminar, se impunha a notificação da Recorrente para o exercício do direito de audição prévia;
19. Pelo que, postergado o sobredito direito de audição prévia, se têm por nulos os actos processuais subsequentes;
20. Mais, sempre deverá ser considerado que o valor pelo qual foi avaliada a participação social o foi de forma errónea, pois não teve a Administração Fiscal em consideração o passivo gerado pela avaliação tributária, pelo que sempre deverá ser corrigido atendendo-se às referidas verbas liquidadas de IRC e juros compensatórios (quer de IRC quer de IVA) como custos para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC da sociedade a que se reporta a participação social em causa;
21. Tanto que a representante comum dos herdeiros da quota de B............. na referida sociedade, foi notificada da reversão contra o falecido de dívidas fiscais da sociedade em apreço no montante de € 1.099.441,07 (Cfr. fls. 34 dos autos principais);
22. Sendo certo que está expressamente admitida a possibilidade de correcção do valor do balanço, o que tem de ser entendido no sentido de que o balanço deverá ser tido em conta pela expressão com que ele tem de ser organizado à face das respectivas normas de contabilidade legal (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de Setembro de 2009, no processo n.º 0261/09, in www.dgsi.pt);
23. E, é manifesto que o montante em causa é uma dívida da sociedade anterior ao óbito do autor da herança e que por isso devia ter sido tida em consideração na avaliação da participação social efectuada pelos serviços tributários, porquanto se aquela dívida fiscal tivesse sido considerada, como tinha que ser, a participação social não teria qualquer valor, porquanto o seu passivo seria superior ao seu activo;
24. E foi por tal dívida não ter sido tida em consideração que a Impugnante pediu uma segunda avaliação da referida participação social;
25. Por isso, se impunha a segunda avaliação de tal quota ao abrigo do disposto nos artigos 20.º, 3.º, cláusulas 3.ª e 4.ª, 77.º, 1.º, 87.º e 96.º do CIMSISD, por não se encontrar abrangida na excepção contida naquele artigo 87.º, n.º 2;
26. O que, para mais, é o entendimento expresso pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo no seu parecer de fls. 69 a 71;
27. É que, ao se verificar a reversão da dívida da sociedade para o falecido, e consequentemente para a herança, pois pelo pagamento da mesma responde a totalidade dos bens que constituem o acervo hereditário, tal dívida teria de constar na relação de bens como uma verba do Passivo;
28. Tal quantia de € 1.099.441,07 é muito superior à totalidade do activo da herança, pelo que os bens que constituem o acervo hereditário são insuficientes para proceder ao pagamento dessa dívida da herança;
29. Ou seja, os interessados na herança nada vão herdar, pois a totalidade do activo não chega para pagar as dívidas do falecido;
30. No entanto, estão notificados para pagarem, cada um, € 74.007,49 de imposto sucessório por uma herança em que o activo é inferior ao passivo;
31. Tudo isto por culpa da Administração Fiscal que, em primeiro lugar, ao efectuar a avaliação da referida quota, não teve em consideração as dívidas da sociedade à própria Administração Fiscal;
32. Com a prática supra referida a Administração Tributária violou o princípio da justiça material previsto no n.º 2 do artigo 5.º da LGT;
33. Bem como o disposto no artigo 55.º da LGT que impõe que “a Administração Fiscal exerça as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios (…) da proporcionalidade, da justiça”;
34. Se a dívida fiscal era apenas da sociedade, como salientado pelo Tribunal a quo na douta decisão em crise, então deveria a mesma ter sido tida em conta na avaliação fiscal da quota de que o falecido B............ era titular na sociedade em causa;
35. Tendo em conta que a reversão ocorreu por factos ocorridos durante a vida do falecido, pelo que nos termos do disposto legal referido, o valor do imposto revertido contra o falecido teria de ser deduzido ao activo da herança;
36. Estamos, de facto, unicamente perante factos ocorridos em vida do falecido, que afectam, em tal período, quer o passivo quer o activo da sociedade;
37. Ou seja, é manifesto que a avaliação fiscal da quota não considerou a sobredita dívida fiscal no montante de € 1.099.441,07;
38. Afigurando-se, assim, violador das normas dos artigos 5.º, n.º 2 e 55.º da LGT o entendimento expresso na douta sentença em crise de que (i) a dívida é da sociedade, (ii) que tal dívida não releva para avaliação da quota (iii) e que a avaliação impugnada não padece de qualquer incorrecção;
39. Assim, tendo em conta que a reversão ocorreu por factos ocorridos durante a vida do falecido, pelo que nos termos do disposto legal referido, o valor do imposto revertido contra o falecido teria de ser deduzido ao activo da herança;
40. Acresce que o próprio artigo 77.º do CIMSISD no seu parágrafo terceiro prevê, na última parte, a hipótese da liquidação do valor de uma quota ou parte social ser corrigida em consequência de factos supervenientes que impliquem uma correcção da avaliação efectuada;
41. Sendo que nos termos do artigo 149.º do mesmo código está a Administração Fiscal obrigada a efectuar a revisão oficiosa da liquidação quando verificar que houve situações ulteriores que aumentaram ou diminuíram o valor das participações sociais avaliadas pela administração fiscal;
42. De tudo o supra exposto, verifica-se ainda fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário;
43. Pelo que, no caso de não proceder a alegada nulidade do acto por omissão do dever de fundamentação e de postergação do direito de audição, impõe-se, por isso, salvo melhor opinião, a anulação da douta sentença, com fundamento na violação dos artigos 5.º, n.º 2 e 55.º da LGT, impondo-se a anulação da liquidação, nos termos previstos no artigo 100.º do CPPT, por subsistir fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.
A douta decisão violou, entre outros, os seguintes preceitos legais:
• Artigos 5.º, 48.º, 49.º, 55.º e 60.º da LGT;
• Artigos 20.º, 28.º, 77.º e 87.º do CIMSISD;
• Artigo 175.º do CPPT.
Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA».
1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.
1.4 O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia, declarando como tribunal competente o Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos a pedido da Recorrente.
1.5 Chegados os autos a este Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.
Após fazer uma resenha da situação processual, em ordem à delimitação do objecto do recurso, considerou que se havia já formado caso julgado, com o trânsito do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul nestes autos em 25 de Novembro de 2008, quanto à questão relativa à possibilidade de a ora Recorrente contestar a fixação do valor da quota social mediante 2.ª avaliação, motivo por que nessa parte o recurso não é admissível e não pode ser conhecido.
Quanto à questão da prescrição, invocada em ordem a que seja declarada a inutilidade superveniente da lide, o Procurador-Geral Adjunto, para além de referir que a norma em que a Recorrente fundamenta a sua pretensão – o n.º 2 do art. 49.º da Lei Geral Tributária (LGT) – foi revogada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, o que retira apoio legal à tese por ela defendida, salientou que o conhecimento da prescrição em sede de impugnação judicial só deve acontecer se o processo contiver todos os elementos que o permitam, o que não sucede no caso.
De seguida, relativamente às questões da falta de fundamentação da decisão que lhe indeferiu o pedido de avaliação da quota social, da violação do direito de audiência antes do indeferimento desse pedido e da não inclusão no passivo da herança da dívida decorrente da responsabilidade subsidiária do de cujus, deixou dito o seguinte (A nota que no original estava em rodapé será transcrita no texto, entre parêntesis rectos.):
«[…] 4. Vício de falta de fundamentação
Aparentemente a impugnante/recorrente alicerça o vício de falta de fundamentação da decisão de indeferimento do seu pedido de avaliação da quota por parte da AT no facto de o ofício ter apenas o seguinte conteúdo: “o indeferimento teve como base o pedido não se enquadrar dentro dos parâmetros do disposto no art. 87.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e Imposto sobre as Sucessões e Doações”.
Com efeito, no ponto 10 da sua petição inicial é invocado que “esta notificação ao não determinar com rigor quais os parâmetros equivale a uma decisão não fundamentada”.
Na sentença recorrida a Mma. Juiz [do Tribunal] “a quo” considerou a este propósito que o pedido apresentado pela impugnante/recorrente foi indeferido com os fundamentos transcritos na alínea j) do probatório (querendo referir-se certamente à alínea i), no qual foi vertida a informação que foi acolhida como fundamento no despacho de indeferimento) e que os mesmos permitem a um destinatário médio conhecer as razões do sentido da decisão, na medida em que se colhe do mesmo que a AT entendeu que o contribuinte só pode requerer a avaliação de bens da herança se eles ainda não se encontrarem avaliados, o que não era o caso da quota social. Todavia acrescenta que “caso o impugnante tivesse considerado insuficiente a fundamentação de tal decisão constante da respectiva notificação, sempre poderia ter requerido a notificação dos elementos omitidos,..”, dando, assim, a subentender que a Mma. Juiz [do Tribunal] “a quo” considerou que o ofício para notificação não se fez acompanhar da informação vertida na alínea i) do probatório, o que aliás está em consonância com os termos como tais factos foram levados ao probatório. Com efeito, atento o teor da alínea k) do probatório, conclui-se que o teor da informação vertida na alínea i) (que se subentende ter sido a fundamentação do despacho mencionado na alínea j), embora devesse ser mais explícito) não foi comunicada à impugnante.
Pode, assim, suscitar-se a dúvida sobre se o vício de falta de fundamentação invocado pela impugnante/recorrente se reporta à notificação do acto ou ao próprio acto, o que releva para efeitos da sua apreciação, já que a omissão da fundamentação do acto na notificação não tem quaisquer efeitos invalidantes sobre o acto administrativo sindicado.
Todavia, seja na petição inicial, seja nas alegações do recurso para este tribunal a impugnante/recorrente não deixa também de referir que o ofício que lhe comunicou o indeferimento do pedido de avaliação da quota social era complemente omisso “sobre os parâmetros do artigo 87.º do CIMSISD, pelo que é legítimo questionar quais são esses parâmetros, pois eles não são invocados no despacho de 8-07-2005 do chefe do serviço de finanças, nem os mesmos resulta da leitura da lei”. Ou seja, a impugnante/recorrente considera que o vício de falta de fundamentação afecta a própria decisão de indeferimento do pedido. Igualmente do requerimento que suscitou a nulidade do acórdão do TCA Sul por omissão de pronúncia, para além das questões suscitadas no articulado superveniente, a impugnante/recorrente invoca a falta de pronúncia suscitada no artigo 10.º da petição “de falta de fundamentação da decisão de 8/7/2005 do chefe de serviço de finanças que indeferiu a avaliação requerida” (embora seja certo que nas “conclusões e pedido” com que termina a petição inicial não seja invocado nem alicerçado na lei tal invalidade).
Ora, afigura-se-nos que não assiste razão à Recorrente, seja porque a omissão de fundamentação do acto na notificação apenas afecta a validade deste acto de notificação e não se repercute na validade do acto administrativo, como referimos supra, seja porque o teor da informação vertida na alínea i) do probatório sobre a qual foi proferido o despacho de indeferimento contém, ainda que sucintamente, as razões que levaram a AT a proferir a decisão de indeferimento. Questão diversa é saber se essa fundamentação é materialmente válida e se a impugnante discorda dela, mas neste caso não há violação do dever de fundamentação previsto no artigo 125.º do CPA (revogado), 77.º da LGT e 268.º, n.º 3, da CRP.
Como é pacífico na jurisprudência e doutrina, não está abrangido pelo dever legal de fundamentação dos actos administrativos a fundamentação substancial, que é caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo (cfr. prof. Vieira de Andrade, in «O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», p. 231).
Entendemos, assim, que nesta parte deve o recurso ser julgado improcedente.
5. A Recorrente insurge-se igualmente contra a sentença recorrida na parte que não atendeu o invocado vício de preterição de formalidade legal por falta de audição, em momento anterior ao indeferimento do pedido de avaliação
Considera a Recorrente que estamos perante um acto de indeferimento de pedido e o mesmo é subsumível na alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, pelo que havia lugar ao exercício do direito de audição, cuja preterição influi no exame e na boa decisão da causa e nessa medida constitui fundamento para a anulação dos actos subsequentes, nos termos do artigo 201.º do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo tributário.
Na análise desta questão a sentença recorrida fez suas as considerações efectuadas a este propósito no acórdão do TCA Sul exarado a fls. 134 e seguintes e que, em síntese, vão no sentido de não haver lugar ao exercício do direito de audição nos casos em que não há lugar a instrução do procedimento administrativo, já que no caso concreto o pedido foi indeferido liminarmente.
Comungamos do mesmo entendimento, pelas razões que já tivemos oportunidade de explanar no parecer do M.ºP.º em 1.ª instância – exarado a fls. 218/219 – motivo pelo qual se nos afigura que a sentença recorrida deve ser confirmada com a fundamentação aduzida.
6. Por último a Recorrente insurge-se contra a sentença por discordar da apreciação efectuada quanto à questão da dívida exigida aos herdeiros no âmbito da reversão da execução fiscal instaurada contra a sociedade de que o “de cujus” era sócio-gerente
Entende a Recorrente que tendo a reversão sido determinada “por factos ocorridos durante a vida do falecido, o valor do imposto revertido teria de ser deduzido ao activo da herança”; e dado tratar-se de um facto superveniente, o mesmo devia acarretar uma correcção da avaliação da quota social ao abrigo do artigo 77.º do CIMSISD.
Esta questão foi suscitada no articulado superveniente de fls. 60/61 em que a impugnante e aqui recorrente invocou como facto superveniente o facto de no âmbito de uma citação ter tomado conhecimento que o “de cujus” é responsável subsidiário pela dívida de € 1.099.441,07 euros, que no seu entendimento deve ser considerada uma dívida da herança pela qual responde a totalidade dos bens que constituem o acervo hereditário, tendo para o efeito junto cópia de uma relação adicional de bens entregue no Serviço de Finanças em que é relacionada tal verba como passivo da herança.
Na sentença recorrida não se levou ao probatório qualquer facto atinente a essa questão, tendo a Mma. Juiz [do Tribunal] “a quo” considerado que “as referidas dívidas, à data do falecimento, não podiam ser imputadas ao autor da herança, mas sim à sociedade, pelo que nunca poderiam considerar-se passivo da herança”; e que “a posterior reversão contra o falecido apenas efectiva a responsabilidade subsidiária, não exonerando a devedora principal do pagamento da dívida”.
Pese embora a Mma. Juiz [do Tribunal] “a quo” não tenha levado ao probatório qualquer facto atinente à mencionada dívida, na fundamentação de direito dá como facto adquirido que a Recorrente foi citada na qualidade de representante comum dos herdeiros da quota de B………… na sociedade “C…………, Lda.” para responder pelo pagamento da dívida fiscal de € 1.099.441,07 euros da mesma sociedade. Ou seja, pese embora a sentença recorrida aligeire de forma ostensiva a apreciação desta última questão, importa apreciar se a mesma é ou não passível de conhecimento por este tribunal.
É facto assente que a Recorrente foi chamada à execução fiscal na qualidade de herdeira a responder, a título subsidiário, por uma dívida fiscal da sociedade “C……….., Lda. “, de que o “de cujus” havia sido gerente.
E a questão que a Recorrente coloca é a de saber se tal dívida deve ou não ser relacionada e ser tida em consideração na liquidação do imposto sucessório.
Dispõe a este propósito o artigo 29.º, n.º 2 da LGT, que «as obrigações tributárias originárias e subsidiárias transmitem-se, mesmo que ainda não tenham sido liquidadas, em caso de sucessão universal por morte, sem prejuízo do benefício do inventário». Por isso, refere Jorge Lopes de Sousa (in CPPT Anotado, 3.ª edição, pág. 777), que “é inquestionável, actualmente, que os sucessores dos responsáveis subsidiários podem ser responsabilizados pelo pagamento das dívidas, dos devedores originários abrangidas pela responsabilidade subsidiária”.
Parece, assim, não oferecer dúvidas que a responsabilidade subsidiária se transfere para os herdeiros do responsável embora a responsabilidade destes fique limitada às forças da herança, como se tem pronunciado de forma pacífica a secção de contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 [1 Cfr. a este propósito a jurisprudência citada por Jorge Lopes de Sousa (in ob. cit. pág. 777) e o acórdão do STA de 03/06/2015, recurso n.º 01025/14 e demais jurisprudência ali citada].
A questão que se coloca nestes autos é contudo a de saber se tal dívida deve ou não ser relacionada no passivo da herança do responsável subsidiário e ser tida em conta na liquidação do imposto sucessório.
Pese embora não seja pacífico o entendimento sobre a natureza da figura da responsabilidade subsidiária em direito tributário, e designadamente se a mesma constitui uma figura própria deste ramo de direito, certo é que ao ser chamado a responder por uma dívida alheia, o responsável subsidiário acaba por ver atingido o seu património em maior ou menor grau. Mas o quantum dessa responsabilidade só é definido após ser “convencido” dessa sua responsabilidade, isto é, se aceitar essa responsabilidade ou se no âmbito de processo judicial tributário for proferida decisão desfavorável aos seus interesses. De modo que se aquando da abertura da herança ainda não se encontra efectivada a responsabilidade subsidiária do “de cujus”, não há fundamento legal para que seja relacionado como passivo da herança a dívida da sociedade de que o “de cujus” foi sócio-gerente, ainda que o artigo 29.º, n.º 2 da LGT, disponha que as obrigações tributárias subsidiárias se transmitem, mesmo que ainda não tenham sido liquidadas, em caso de sucessão universal por morte. O facto de essa obrigação tributária decorrer da própria lei, não permite concluir que a mesma se venha a efectivar, a qual só se constituirá se for verificada a fundada insuficiência do património do devedor e se mostrarem reunidos os demais pressupostos legais com o despacho de reversão – artigo 153.º, n.º 2, do CPPT. Só com o despacho de reversão é exercido o direito do credor tributário de accionar a responsabilidade subsidiária do gerente da executada originária, altura em que este último é chamado a responder por uma dívida alheia. E nessa medida só a partir desta altura é que se pode mensurar essa responsabilidade subsidiária, ou seja, o quantum pelo qual vai responder. E esse valor só resulta apurado após ter sido discutida essa obrigação subsidiária.
No caso concreto não resulta de qualquer elemento junto aos autos que esse valor tenha sido apurado. E como resulta do artigo 28.º, § 2.º, 1.º do CIMSISSD, não são deduzidas as dívidas ou quaisquer outros encargos cujo montante não esteja determinado até ao tempo da liquidação. Por outro lado e como prescreve o § 4.º do mesmo preceito legal, fica salvo o direito à restituição do imposto correspondente aos encargos que não forem deduzidos por os interessados desconhecerem a sua existência ou por o seu montante não estar determinado.
Entendemos, assim, que o facto de a Recorrente ter sido chamada na qualidade de herdeira a responder por dívida da sociedade “C………, Lda.”, de que o “de cujus” havia sido sócio-gerente, a título de responsabilidade subsidiária deste último, não afecta a validade da liquidação de imposto sucessório.
Em face do exposto, afigura-se-nos que o recurso improcede igualmente nesta parte».
1.5 Os Conselheiros adjuntos tiveram vista dos autos.
1.6 Cumpre apreciar e decidir.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
A sentença recorrida deu os seguintes factos por provados:
«A) Em 20/08/1998 foi instaurado no Serviço de Finanças de Seixal 2 o processo de imposto sucessório n.º 4785 por falecimento de B……………., ocorrido em 22 de Julho de 1998 (cfr. fls. 1 do processo administrativo em apenso);
B) Em 07/12/1999 junto do Serviço de Finanças de Seixal 2, foi apresentada por D…………., na qualidade de cabeça-de-casal a relação de bens, da qual consta como verba n.º 1, metade indivisa de uma quota da sociedade por quotas “C…………., Lda.”, com o valor nominal de Esc. 5.400.000$00 (cfr. teor de fls. 14/17 do apenso);
C) Em 24/05/2005 foi efectuada a avaliação da quota que B………… detinha na sociedade C…………., Lda., tendo sido confirmado o valor da participação social em € 958.584,52 e adicionado ao activo da herança o saldo credor de € 318.481,93 (cfr. fls. 60/65 do apenso);
D) Em 09/05/2005 foi emitido o ofício n.º 13469 dirigido a D………., enquanto cabeça de casal da herança, para efeitos de notificação para o exercício do direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção (cfr. fls. 86 do apenso);
E) Em 23/05/2005 foi exercido por escrito o direito de audição prévia (cfr. fls. 87/89 do apenso);
F) Em 17/06/2005 foi emitido o ofício n.º 4785 dirigido à ora impugnante para efeitos de notificação da liquidação de imposto sucessório, por óbito de B……….., do qual constam como valores base de liquidação – € 366.884,19 – bens móveis e € 837,16 – bens imóveis, bem como o valor líquido tributável no montante de € 367.721,34, cabendo à ora impugnante o montante € 74.148,19. Consta ainda do mesmo ofício o seguinte “Os valores que serviram de base à liquidação poderão ser objecto de contestação, por qualquer das seguintes formas: contestação dos valores que serviram de base à liquidação nos termos do art. 87.º do Código deste imposto no prazo de oito dias a contar da assinatura do aviso de recepção que acompanha a presente notificação/reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos, fundamentos e prazos previstos respectivamente nos arts. 68.º/ 70.º ou 99.º/ 102.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (...)” (cfr. fls. 121/122 do apenso);
G) Em 20/06/2005, a ora impugnante foi notificada do ofício referido na alínea anterior (cfr. assinatura constante do aviso de recepção de fls. 123 do apenso);
H) Em 04/07/2005, a ora impugnante apresentou contestação dos valores sobre que foi liquidado o imposto, no tocante à avaliação da quota da sociedade C…………, Lda., no valor nominal de € 26.935,09 em € 958.584,52, pedindo a final que “seja revisto o valor da quota referente à sociedade C………….., Lda., no valor nominal de € 26.935,09, avaliada em € 958.584,52, devendo a esse valor ser abatidos todos os encargos fiscais reportados à data do óbito” (cfr. fls. 138/141 do apenso);
I) Sobre a referida contestação, em 08/07/2005, foi proferida informação no serviço de finanças de Seixal 2 com o seguinte teor “Vem Dr. …, Advogado, em representação de A…………., herdeira no processo de imposto sucessório n.º 4785 por óbito de B…………, apresentar contestação nos termos do art. 87.º do código de imposto sucessório referente à avaliação da quota da Sociedade C……….. Lda.;
Da leitura do referido artigo depreende-se que o mesmo permite contestação de valores e perante esta contestação o contribuinte pode requerer a avaliação de bens ainda não avaliados no processo, o que não é o caso pois a referida quota já foi avaliada, conforme ofício n.º 15644 de 27-05-2005 da Direcção Finanças de Setúbal - Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária II” (cfr. fls. 147 do apenso);
J) Em 08/07/2005 foi proferido despacho de indeferimento pelo Chefe de Finanças de Seixal 2 (cfr. fls. 147 do apenso);
K) Foi emitido o oficio n.º 9904 dirigido ao mandatário da ora impugnante, e o of.º n.º 9905, dirigido a esta última, para efeitos de notificação do indeferimento da contestação, constando do referido ofício que: “O indeferimento teve como base o pedido não se enquadrar dentro dos parâmetros do disposto no art. 87.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre as Sucessões e Doação” (cfr. fls. 148/151 do apenso);
L) Tal despacho foi notificado à impugnante em 21.07.2005 (cfr. fls. 149 do apenso).
A convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, e, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos do probatório.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito em face das possíveis soluções de direito e que, por conseguinte, importe registar como não provados».
*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
A ora Recorrente impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada a liquidação de IS que lhe foi efectuada por óbito do seu pai, em 1998. Alegou, em síntese, que a impugnação é deduzida na sequência do indeferimento da contestação que apresentou ao abrigo do art. 87.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD) do valor fixado à quota social que integra a herança e com fundamento no facto de a Administração tributária (AT) ter desprezado o teor daquela contestação, o que redundou em falta de fundamentação da decisão, pois se limitou a indicar como motivo do indeferimento «o pedido não se enquadrar dentro dos parâmetros do disposto no art. 87.º do CIMSISD», e em preterição de formalidade legal, qual seja a 2.ª avaliação. Mais invocou que a AT não notificou para o exercício do direito de audiência prévia à decisão, como se impunha nos termos do art. 60.º, n.º 1, alínea b), da LGT. Assim, e considerando que as arguidas ilegalidades têm como consequência a nulidade das conclusões do relatório e a consequente nulidade da liquidação, pediu a declaração de nulidade ou a anulação da liquidação. Alegou ainda que «sempre deverá ser considerado o valor pelo qual foi avaliada a participação social foi de forma errónea, pois não teve em consideração, como melhor se explica no artigo 18.º ao passivo gerado pela avaliação tributária», alegação que melhor concretizou em articulado superveniente, no qual invoca que a dívida que agora está a ser exigida aos herdeiros ao abrigo do art. 29.º da LGT constitui uma dívida da herança e que, por isso, deveria constar do passivo relacionado e influir na liquidação do IS.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, apreciando a impugnação judicial, considerou verificada a arguida preterição de formalidade legal por falta da 2.ª avaliação da quota social que integra o acervo da herança – havendo lugar à mesma –, ilegalidade que se repercutiu na liquidação, motivo porque julgou procedente a impugnação judicial, considerando prejudicado o conhecimento das demais causas de pedir.
Dessa sentença interpôs recurso a Fazenda Pública para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 25 de Novembro de 2008 (de fls. 134 a 138), revogou a sentença – por entender que não se verificava a preterição de formalidade legal que determinara a procedência da impugnação judicial em 1.ª instância, considerando expressamente que a quota social em causa não estava sujeita a 2.ª avaliação (O Tribunal Central Administrativo Sul entendeu, em síntese constante do sumário do acórdão, que «[o] valor de quota social transmitida por herança é determinado pelo último balanço, na suposição de que esse balanço exprime a situação económica e financeira da sociedade e, portanto, a medida do enriquecimento gratuito do património do herdeiro» e que «[a] correcção oficiosa de tal balanço pela AT resume-se aos casos em que o mesmo balanço se mostre elaborado em desconformidade com as regras legais e contabilísticas vigentes à data da sua elaboração, sendo a correcção operada de acordo com as respectivas regras legais de apuramento do lucro tributável, que não segundo as regras gerais do apuramento do valor dos bens, onde é susceptível de existir a 1.ª e a 2.ª avaliação».). Depois, conhecendo em substituição do «outro fundamento articulado na petição inicial», que considerou ser a falta de notificação para o exercício do direito de audiência prévia ao indeferimento, o Tribunal Central Administrativo Sul entendeu, em síntese, que no caso não se justificava tal notificação, porque a decisão foi de indeferimento liminar, sendo que o pedido formulado nem sequer era apto a iniciar um procedimento, motivo por que julgou improcedente a impugnação judicial.
Porque, nesse acórdão, o Tribunal Central Administrativo Sul não atentou que a Impugnante apresentara um articulado superveniente, motivo por que não conheceu dos fundamentos nele aduzidos, a Impugnante veio arguir a nulidade por omissão de pronúncia. O Tribunal Central Administrativo Sul julgou-a verificada, por acórdão proferido em 19 de Maio de 2009 (a fls. 177/178) e, anulando o anterior acórdão «na parte afectada», ordenou que os autos regressassem à 1.ª instância, a fim de aí, depois de se decidir da admissibilidade desse articulado, serem apreciadas as questões nele suscitadas.
Há que ter bem presente que esse segundo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, como nele ficou claramente dito (Diz o acórdão de 5 de Maio de 2009, que conheceu da nulidade assacada ao aresto de 25 de Novembro de 2008: «É assim, de julgar procedente a arguição de nulidade do acórdão proferido por este tribunal constante de fls. 134 a 138 dos autos, quanto ao seu ponto 4.1, em que conheceu do objecto da apelação em substituição do tribunal recorrido, e de o declarar nulo nesta parte, mantendo-se no demais».) e como bem realçou o Procurador-Geral Adjunto, reconhecendo a nulidade por omissão de pronúncia, apenas anulou o anterior acórdão na parte em que conheceu em substituição, ou seja, na parte em que conheceu do vício de preterição do direito de audiência prévia, mantendo expressamente o julgamento de revogação da sentença.
Assim, na parte em que conheceu a questão relativa à possibilidade de a Impugnante contestar o valor da quota social mediante pedido de 2.ª avaliação – e que determinou a revogação da sentença – o mesmo transitou em julgado, não mais podendo ser questionada a sua decisão no que a essa questão respeita [cfr. arts. 580.º e 621.º do Código de Processo Civil (CPC)]. Isto quer a posição aí assumida mereça ou não o nosso acordo.
É certo que na segunda sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (de fls. 222 a 235) – na sequência da revogação da primeira pelo referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – se enunciou, de novo, como questão a decidir a de «saber se a quota de uma sociedade por quotas que consta de uma relação de bens que foi avaliada oficiosamente pela Administração tributária pode ser objecto de nova avaliação nos termos do art. 87.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações». Depois, ficou dito que «[s]obre esta matéria seguiremos de perto o entendimento vertido no Acórdão do TCA Sul, de 25/11/2008 – rec. 02165/07, proferido nestes autos (cfr. fls. 134/139)». Após reproduzir a fundamentação expendida nesse aresto relativamente à questão em causa, concluiu pela improcedência da mesma.
Ou seja, a sentença, ao invés de considerar, como se impunha, que a questão estava já decidida por decisão transitada em julgado pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, voltou a dela conhecer, no mesmo sentido e com a mesma fundamentação daquele acórdão. Mas essa “reapreciação”, indevidamente efectuada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, não afecta o caso julgado já formado nem reabre a possibilidade de voltar a discutir a questão enunciada pela Recorrente sob as conclusões n.ºs 9 e 10, pelo que dela não conheceremos.
Tendo presente o que vimos de dizer, o que ora cumpre apreciar e decidir em sede recurso é apenas saber se se verifica i) a prescrição da obrigação tributária (cfr. conclusões n.ºs 1 a 8) e se a sentença fez correcto julgamento quanto às seguintes questões: ii) a falta de fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de avaliação da quota social (cfr. conclusões n.ºs 11 a 16), iii) a violação do dever de audiência prévia a essa decisão (cfr. conclusões n.ºs 17 a 19) e iv) a falta de consideração na liquidação do IS das dívidas que ora estão a ser exigidas aos herdeiros ao abrigo do art. 29.º, n.º 2, da LGT (cfr. conclusões n.ºs 20 a 43).
2.2.2 DA PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
A Recorrente sustenta que deve declarar-se prescrita a obrigação tributária e, consequentemente, julgar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Antes do mais, cumpre relembrar que, porque estamos em sede de impugnação judicial, a prescrição da obrigação tributária nunca poderá constituir causa de pedir do pedido de anulação da liquidação, mas apenas poderá ser conhecida, incidentalmente, como motivo de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide: no caso de a obrigação tributária não estar ainda solvida e de ser inquestionável o decurso do prazo da respectiva prescrição, a AT, ainda que a impugnação seja julgada improcedente, não poderá instaurar execução com vista à cobrança da dívida correspondente, bem como deverá oficiosamente declarar extinta a execução (cfr. art. 175.º do CPPT), caso esta tenha já sido instaurada. Assim, apesar de a prescrição não poder constituir fundamento de impugnação judicial da liquidação, a jurisprudência tem vindo a admitir que pode ser apreciada nessa sede, mesmo oficiosamente, como motivo da inutilidade superveniente da lide: verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade; nesse circunstancialismo, deve extinguir-se a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, alínea e), do CPC (Neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 23 a 25.).
Cumpre também ter presente que a prescrição da obrigação tributária em sede de impugnação judicial apenas deve ser conhecida, como causa da eventual inutilidade superveniente da lide, nos casos em que do processo constem (não havendo de diligenciar nesse sentido, pois não se trata de questão a apreciar no impugnação judicial) todos os elementos que permitam uma decisão segura quanto àquela questão, designadamente, quando do processo constem os elementos que permitam atender a possíveis causas de interrupção e suspensão da prescrição, que poderão ter ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos (Ibidem.).
Tendo presente esta doutrina, logo somos levados à conclusão de que os elementos constantes do processo não permitem concluir seguramente pela prescrição das obrigações tributárias correspondentes às liquidações impugnadas, pois nada nos permite afirmar que, para além da impugnação judicial não tenham ocorrido outros factos susceptíveis de interromper ou de suspender o prazo da prescrição. Note-se que até à revogação do n.º 2 do art. 49.º da LGT, pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, a lei relevava cada uma das diversas causas de interrupção que se fossem sucedendo, sendo que apenas desde 1 de Janeiro de 2007 – data da entrada em vigor daquele diploma – deixou de o fazer e passou a dizer que «a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar».
Em todo o caso, sempre se poderá dizer, acompanhando o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, que a tese da Recorrente – que assenta no pressuposto de que a paragem do processo de impugnação judicial por mais de um ano e por motivo que não lhe é imputável tem como consequência a “degradação” (Na expressão que veio a ser acolhida pela jurisprudência para significar a passagem do efeito interruptivo a efeito suspensivo por motivo da paragem do processo por mais de um ano por motivo não imputável ao sujeito passivo. Para maior desenvolvimento JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., págs. 57 e segs.) do efeito interruptivo em efeito suspensivo – despreza uma circunstância que lhe retira todo o apoio: a revogação do n.º 2 do art. 49.º da LGT ( Que dispunha: «A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação».), pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), ressalvando apenas os casos em que, nessa data, tivesse já decorrido período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo (arts. 90.º e 91.º).
Ora, em 1 de Janeiro de 2007, data em que entrou em vigor a referida Lei n.º 53-A/2006 (cfr. art. 163.º), a presente impugnação judicial ainda não tinha sofrido paragem por período superior a um ano por motivo não imputável à Impugnante – sendo que ela mesma situa o início dessa paragem em 4 de Junho de 2010 (cfr. conclusões de recurso com os n.ºs 3 e 6), motivo por que o efeito interruptivo decorrente da instauração deste processos não cessou, nem cessará até ao trânsito em julgado da decisão judicial que lhe puser termo.
Note-se, finalmente, que se realmente se verificou a prescrição da obrigação tributária, nada obsta a que a questão seja conhecida em sede própria (a execução), oficiosamente ou a requerimento da ora Recorrente que, enquanto não pagar, aí poderá suscitar a questão a todo o tempo.
Não há, pois, que declarar a inutilidade superveniente da lide com fundamento na prescrição da obrigação tributária correspondente à liquidação impugnada.
2.2.3 DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
A Recorrente invoca o erro de julgamento relativamente à questão da falta de fundamentação (cfr. conclusões com os n.ºs 11 a 16). Sustenta, em resumo, que a expressão constante do ofício por que lhe foi comunicado o indeferimento – «o pedido não se enquadra dentro dos parâmetros do disposto no art. 87.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e Imposto sobre as Sucessões e Doações» – não satisfaz as exigências legais de fundamentação, não permitindo sequer saber que parâmetros são esses que foram considerados (cfr. conclusão com o n.º 11) e, por outro lado, que a AT «não procedeu a uma análise pormenorizada de cada um dos argumentos esgrimidos na contestação» e, ao invés, «limitou-se a utilizar fundamentação genérica, que nada pormenoriza, não permitindo reconstituir o itinerário cognoscível e valorativo para a decisão em causa» (cfr. conclusão com o n.º 15). Por isso, sustenta que mal andou a sentença ao considerar que não se verificava o invocado vício de falta de fundamentação.
Como bem realçou o Procurador-Geral Adjunto, não é claro se a Recorrente refere a falta de fundamentação ao próprio indeferimento do seu pedido de avaliação da quota social que integra a herança aberta por óbito do seu pai ou ao ofício por que a AT lhe comunicou esse indeferimento.
Na verdade, a motivação aduzida nesse ofício para o indeferimento do pedido – «o indeferimento teve como base o pedido não se enquadrar dentro dos parâmetros do disposto no art. 87.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e Imposto sobre as Sucessões e Doações» – pela sua vacuidade e falta de concretização, seria insuficiente como motivação do acto, sabido que é que esta deve dar a conhecer ao destinatário os motivos de facto e de direito por que se decidiu nesse sentido, permitindo-lhe optar conscientemente entre conformar-se com o mesmo ou contra ele reagir, graciosa ou contenciosamente.
Mas, como temos vindo a dizer noutras ocasiões, uma coisa é a fundamentação do acto e outra é a comunicação desses fundamentos ao interessado: enquanto aquela constitui um vício susceptível de determinar a anulação do acto que dela padeça, o incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de comunicação dos fundamentos não se podem reflectir na validade do acto comunicando (Vide, entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 3 de Maio de 2006, proferido no processo n.º 154/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Outubro de 2006 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32220.pdf), págs. 692 a 695, também disponível em
- de 15 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 872/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Abril de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32210.pdf), págs. 412 a 419, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1bbaeac622479cd0802579b90042a6f9.).
O dever de comunicação dos fundamentos não se identifica ou confunde com o dever de fundamentação. Como refere VIEIRA DE ANDRADE, «uma coisa será permitir que do exterior se conheçam as razões da decisão, outra coisa será levar ao exterior o conhecimento delas» (O Dever de fundamentação expressa dos actos administrativos, Almedina, 1991, pág. 47). É por isso que os problemas existentes quanto ao incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de comunicação dos fundamentos não se podem reflectir na validade do acto comunicando. No nosso sistema, as eventuais deficiências que a notificação apresente apenas atingem a eficácia do acto notificando e não a sua perfeição ou validade, pois, como resulta do n.º 6 do art. 77.º da LGT, a comunicação do acto constitutivo de deveres e encargos é apenas uma condição de eficácia.
Ora, não pode afirmar-se que a fundamentação do acto seja a que consta do referido ofício, antes pelo contrário. Como ficou dito na sentença recorrida, o pedido de avaliação da quota social foi indeferido com os fundamentos transcritos na alínea I) do probatório (Sendo certo que na sentença se diz alínea J), afigura-se-nos ser manifesto tratar-se de lapso de escrita: querendo referir-se à alínea I) escreveu alínea J).), na qual foi vertida a informação que foi apropriada pelo despacho de indeferimento. Note-se que a fundamentação por remissão era autorizada pelo art. 125.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, na redacção em vigor à data (hoje, 153.º, n.º 1). Nessa informação diz-se que «Da leitura do referido artigo [87.º do CIMSISD] depreende-se que o mesmo permite contestação de valores e perante esta contestação o contribuinte pode requerer a avaliação de bens ainda não avaliados no processo, o que não é o caso pois a referida quota já foi avaliada, conforme ofício n.º 15644 de 27-05-2005 da Direcção Finanças de Setúbal».
Tal como também referiu a sentença, esses fundamentos permitem a um destinatário médio conhecer as razões do sentido da decisão: a AT entendeu que o contribuinte só pode requerer a avaliação de bens da herança se eles ainda não se encontrarem avaliados, o que não era o caso da quota social.
Questão diferente, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto no seu parecer é se essa fundamentação é materialmente válida. Na verdade, uma coisa é saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto (Isto, como bem salienta VIEIRA DE ANDRADE, sem prejuízo de a exigência de fundamentação formal não se bastar com «uma qualquer declaração do agente sobre os fundamentos do acto», nem de ser «a ausência total de menção dos fundamentos a única modalidade de vício de forma por incumprimento desse dever», pois «[o] conteúdo da declaração fundamentadora não pode ser o de um qualquer enunciado, há-de consistir num discurso aparentemente capaz de fundar uma decisão administrativa» (ob. cit., pág. 231).); outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa. Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, VIEIRA DE ANDRADE diz que a diferença está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo» (Ob. e loc. cit.).
No caso, é inequívoca a existência da fundamentação de facto que, pelo facto de ser sucinta, não deixa de ser clara e congruente, satisfazendo as exigências legais.
O recurso não pode ser provido com este fundamento.
2.2.4 DA PRETERIÇÃO DO DIREITO DE AUDIÊNCIA PREVIAMENTE AO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE AVALIAÇÃO
A Recorrente também discorda da sentença por nesta se não ter julgado procedente a impugnação judicial com fundamento no vício por ela invocado de preterição do direito de audiência. Sustenta a Recorrente que se impunha a sua notificação para o exercício daquele direito, atento o disposto no art. 60.º, n.º 1, alínea b), da LGT e porque a contestação que apresentou ao abrigo do art. 87.º do CIMSISD «não enfermava de qualquer vício que impusesse o seu indeferimento liminar» (cfr. conclusões n.ºs 17 a 19).
Salvo o devido respeito, a questão foi cabalmente respondida na sentença, que, aliás, reproduziu o referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul na parte em que apreciou a questão (e que, recorde-se, nesta parte não transitou em julgado, por ter sido ulteriormente anulado no segmento em que conheceu em substituição).
Assim, e porque a Recorrente nenhum argumento novo traz, limitar-nos-emos a remeter para a sentença, que, a este propósito, deixou dito:
«Nos termos do disposto nos arts. 54.º e segs. da LGT e 44.º e segs. do CPPT, o procedimento tributário segue o princípio do contraditório e o contribuinte nele participará, nos termos da lei, na formação da decisão. E nos termos do disposto no art. 54.º e segs. do Código de Procedimento Administrativo (CPA), o procedimento administrativo inicia-se oficiosamente ou a requerimento dos interessados, deve em princípio, ser escrito quando por iniciativa destes, sendo liminarmente indeferidos os requerimentos não identificados e aqueles cujo pedido seja ininteligível (n.º 3 do seu art. 76.º), só tendo direito a ser ouvidos depois de concluída a instrução e que, mesmo assim, neste âmbito, ainda pode ser dispensada – cfr. seus arts. 100.º e 103.º.
Ou seja, quer no âmbito de aplicação da LGT e do CPPT, quer do CPA, o direito de audição só tem lugar nos casos previstos na lei, onde nenhuma norma a impõe, no caso de apresentação de requerimento pelo interessado, que desde logo, deva ser liminarmente indeferido.
E nem as normas do art. 60.º, n.º 1 b) e n.º 4 da LGT (redacção de então), invocadas pela autora, que impõe tal direito de audição antes do indeferimento dos pedidos formulados pelo interessado, podem ser interpretadas no sentido de que tal audição também tenha lugar antes de proferido um despacho de indeferimento liminar, por tal norma surgir inserida sistematicamente já no desenrolar da marcha processual, na sua fase de instrução do mesmo procedimento, portanto, já ultrapassada a fase do seu indeferimento liminar, que não perante a decisão a proferir perante um requerimento apresentado pelo interessado que deva desde logo ser indeferido liminarmente por afectado de vício que não tem, sequer, virtualidade, para dar início a esse procedimento tributário, no caso.
Nestes casos, bem se poderá dizer que o procedimento, enquanto forma processual para declarar certo acto, nem sequer se chegou a iniciar.
Aliás, nem se compreenderia que assim não fosse, quando perante uma petição inicial de um processo judicial a mesma pudesse ser desde logo indeferida liminarmente quando afectada de um qualquer vício inultrapassável – cfr. arts. 112.º n.º 1 e 209.º n.º1 do CPPT – e no procedimento tributário se impusesse a audição prévia do interessado e a sua notificação do projecto de decisão, como pretende a impugnante, quando nenhuma instrução houve e é perante apenas a própria pretensão formulada que se formula o juízo da sua não viabilidade, certa, segura, e que legitima a formulação de tal despacho de indeferimento liminar.
Neste mesmo sentido se pronuncia, António Lima Guerreiro (2) [(2) In Lei Geral Tributária, anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 277, notas 8 e 9], ao escrever: “O direito de audição depende de um procedimento dirigido à declaração dos direitos tributários. Não se aplica, pois, quando o pedido ou reclamação não tiverem aptidão para iniciarem um procedimento por, por exemplo, o seu objecto consistir na emissão de um mero acto interno da Administração Tributária. Não depende de prévia audição do contribuinte a resposta às petições, representações, reclamações ou queixas previstas no art. 56.º, n.º 2, alínea b), mesmo quando desfavoráveis. O direito de audição depende igualmente do que a doutrina chama de uma “prévia instrução procedimental ...”, ou seja, de um conjunto de formalidades, informações, pareceres, apresentação ou produção de prova, realização de diligências, vistorias exames necessários à prolação do acto. Sem instrução nesse sentido amplo, não há dever de audição procedimental, que incide, assim, apenas sobre a matéria de facto e não sobre as normas de direito aplicáveis.
Essa doutrina infere-se do art. 100.º, número 1, do CPA, que dispõe que, concluída a instrução, os interessados têm direito a ser ouvidos no procedimento antes da decisão final, de que, “a contrario”, resulta que, não havendo instrução, não há decisão ...”
Não havendo, assim, que proceder a tal audição prévia da ora impugnante, não pode deixar de improceder a impugnação judicial fundada no invocado vício consistente na sua falta».
Esta posição merece o nosso inteiro acordo, sendo, aliás, que este Supremo Tribunal, se bem que não conhecendo directamente da questão, já aludiu à desnecessidade de cumprir o denominado direito de audição quando o requerimento formulado à administração, por não ter condições de viabilidade, haja de ser indeferido liminarmente (Cfr. os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 59/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Abril de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32210.pdf), págs. 440 a 449, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/be23336db28e007f802579bc003e8347;
- de 23 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 489/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Outubro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32220.pdf), págs. 1567 a 1583, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/09cb65ca8640ba2a80257a0f00586d5b.).
O recurso também não pode proceder com este fundamento.
2.2.5 DO ERRO NA LIQUIDAÇÃO POR NÃO CONSIDERAÇÃO DAS DÍVIDAS ORA EXIGIDAS AOS HERDEIROS AO ABRIGO DO ART. 29.º, N.º 2, DA LGT COMO PASSIVO DA HERANÇA
A questão, suscitada pela Impugnante no articulado superveniente (fls. 28 e segs.), é a de que o valor da dívida que ora está a ser exigida aos herdeiros ao abrigo do art. 29.º, n.º 2, da LGT, deveria ter sido considerado uma dívida da herança e, como tal, relevado no respectivo passivo.
É certo que a Recorrente coloca a questão também sobre outra perspectiva, qual seja a de que, se a dívida não era do de cujus à data do decesso, então era da sociedade e não podia deixar de ser relevada na avaliação da quota social. Mas, a este propósito, temos de recordar o que ficou já dito relativamente ao trânsito em julgado quanto à possibilidade de a Impugnante contestar o valor da quota social.
Assim, a questão só pode ser encarada sob a perspectiva de saber se a dívida que ora está a ser exigida aos herdeiros ao abrigo do art. 29.º, n.º 2, da LGT, deveria ter sido considerada uma dívida da herança e, como tal, relevada no respectivo passivo.
A este propósito, a sentença – que não fixou qualquer factualidade em ordem à apreciação da questão (Apesar disso, afigura-se-nos não se justificar a anulação da sentença, uma vez que a solução, em face da alegação da Recorrente, não poderá ser outra.) – foi lacónica, limitando-se a afirmar que este fundamento não procede «porquanto as referidas dívidas, à data do falecimento, não podiam ser imputadas ao autor da herança mas sim à sociedade, pelo que nunca poderiam considerar-se passivo da herança».
Afigura-se-nos que tem razão. Na verdade, a fazer fé nas alegações da Impugnante, as referidas dívidas tributárias estão a ser exigidas aos herdeiros ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 29.º da LGT, ou seja, enquanto sucessores e no âmbito de responsabilidade subsidiária (À face do n.º 2 do art. 29.º da LGT, e numa solução legislativa que suscita inúmeras dificuldades conceptuais, é inquestionável que os sucessores dos responsáveis subsidiários podem ser responsabilizados pelo pagamento das dívidas dos devedores originários abrangidas pela responsabilidade subsidiária.
Vide, por mais recente e com referências jurisprudenciais e doutrinais, o seguinte acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 3 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 1025/14, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21 de Setembro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2015/32220.pdf), págs. 2056 a 2061, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/365e3152d262b6d580257e5b00534345. ).
Em face da alegação da Recorrente, o de cujus não chegou a ser citado enquanto responsável subsidiário. Ou seja, e porque a responsabilidade subsidiária só se concretiza com o chamamento por reversão do responsável subsidiário à execução fiscal, não pode considerar-se que as referidas dívidas existissem no património do falecido à data do seu decesso.
Ora, nos termos do art. 28.º, § 2.º, 1.º, do CIMSISD, «§ 2.º Não serão deduzidas: 1.º As dívidas ou quaisquer outros encargos que não tenham sido comprovados ou cujo montante não esteja determinado até ao tempo da liquidação; […]».
Em todo o caso, a lei salvaguarda os interesses dos sucessores relativamente às dívidas ou encargos que não tenham sido deduzidos por desconhecimento da sua existência ou por o seu montante não estar ainda determinado, ao estipular no § 4.º do mesmo art. 28.º do CIMSISD que «Fica salvo o direito à restituição do imposto correspondente aos encargos que não forem deduzidos por os interessados desconhecerem a sua existência, ou por o seu montante não estar determinado, ou ainda, tratando-se de alimentos, por estes não se mostrarem constituídos e fixados ao tempo da liquidação».
Assim, não podemos considerar que a liquidação padeça do vício que lhe vem assacado por não ter relevado as referidas dívidas como passivo da herança.
2.2.6 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O respeito pelo caso julgado impede que se reapreciem questões relativamente às quais exista já decisão judicial transitada em julgado.
II - Só pode conhecer-se da prescrição da obrigação tributária em impugnação judicial – como eventual causa de inutilidade superveniente da lide – se o processo disponibilizar (sem necessidade de averiguação) todos os elementos factuais necessários.
III - A falta de fundamentação do acto não se confunde com a falta de notificação dos fundamentos do mesmo, sendo que só a primeira constitui invalidade do acto.
IV - O acto deve ter-se por suficientemente fundamentado se dá a conhecer os motivos por que foi praticado; saber se esses fundamentos o podem ou não suportar é questão que se situa, já não no âmbito da sua validade formal, mas no da sua validade material.
V - Se o pedido efectuado à AT for de indeferir in limine, por não ter condições de viabilidade, não se impõe a notificação em ordem ao exercício do direito de audição prévia.
VI - O facto de as obrigações tributárias subsidiárias do de cujus que se transmitiram aos seus herdeiros não terem sido levadas em conta na liquidação do IS a estes efectuada, por serem desconhecidas à data, uma vez que o de cujus não chegou a ser citado como responsável subsidiário, não constitui motivo de invalidade daquela liquidação, sem prejuízo do disposto no § 4.º do art. 28.º do CIMSISD.
* * *
3. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 9 de Novembro de 2016. - Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.