Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 011/13.6BEPRT |
Data do Acordão: | 11/10/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS NEGÓCIO JURÍDICO EFEITOS QUALIFICAÇÃO DE CONTRATO |
Sumário: | I - De acordo com o n.º 1 do artigo 38.º da LGT, os efeitos tributários reportam-se ao momento em que os negócios jurídicos produzem os efeitos económicos pretendidos pelas partes; II - O n.º 4 do artigo 36.º da LGT determina que a qualificação de um negócio jurídico pelas partes não vincula a AT. III - A circunstância de se “qualificar” uma segunda escritura como uma rectificação da primeira quanto ao valor dos prédios permutados não vincula a AT a reconhecer a “rectificação” do valor dos imóveis que foram permutados para efeitos da tributação da respectiva transmissão. |
Nº Convencional: | JSTA00071301 |
Nº do Documento: | SA220211110011/13 |
Data de Entrada: | 05/26/2021 |
Recorrente: | A…………. |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Legislação Nacional: | art. 36.º, n.º 4, art. 38.º, n.º 1, da LGT |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I - Relatório 1 – A………….., com os sinais dos autos, impugnou no TAF do Porto o despacho de 12 de Outubro de 2012 do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 1, que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMT n.º 160 811 031 243 603, no valor de € 21.480,26. 2 – Por sentença de 10 de Dezembro de 2020, o TAF do Porto julgou improcedente a impugnação. 3 - O Impugnante, inconformado com sentença do TAF do Porto, vem dela interpor recurso, apresentando, para tanto, alegações que remata com as seguintes conclusões: «[…] A) O presente recurso tem por objeto a reapreciação da matéria de direito em considerar improcedente a impugnação judicial apresentada contra a liquidação de IMT nº 160811031243603 no valor de €21.480,26. B) O tribunal de 1ª instância, entendeu ser válida a escritura de permuta inicialmente celebrada e consequentemente válida a liquidação correspondente ora impugnada. C) Entende, porém, a recorrente que o contrato válido é o que resultou da celebração posterior e que deu origem à liquidação de IMT nº 160.712.012.084.703 no valor de €19.066,72, sendo esta a liquidação a manter-se. D) Mais entende, que o Tribunal não fez a correta apreciação e interpretação dos factos, pelo que a sentença proferida padece de erro de julgamento e vício de lei. E) O Tribunal de 1ª Instância para considerar a escritura de permuta válida alegou não se estar perante um erro patente ou ostensivo que permitisse a sua retificação através da outorga de uma segunda escritura (anulando assim a primeira escritura – a de permuta). F) Da escritura celebrada em 20/06/2012 resulta o seguinte teor “o valor global dos prédios dados em permuta pelo aqui outorgante à sociedade é de Euros 500.000,00 e não como aí se referiu”, G) Verifica-se, com a segunda escritura, a modificação das condições do contrato de permuta anteriormente celebrado, sendo um ato sujeito a escritura pública, nos termos do art.º 80.º n.º 2, b) do Código do Notariado. H) As partes alteram assim o negócio ao abrigo da liberdade contratual prevista no art.º 405.º do Código Civil. I) Por aplicação das regras do ónus da prova previsto no art. 74.º, n.º 1 da LGT competia à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos do direito de tributar a primeira operação e não a segunda operação, mas, in casu, a AT não cumpriu o ónus que sobre ela impendia. J) A AT não alegou, nem nos presentes autos, foi produzida prova no sentido de que a segunda escritura de alteração da permuta não correspondia a uma operação real e efetiva. K) A fundamentação centrou-se no facto de a escritura não ser retificável à luz do disposto no art.º 249.º do CC, olvidando-se da faculdade das partes introduzirem alterações ao contrato nos termos da liberdade contratual. L) Não se considerando impugnada a escritura datada de 20/06/2012, o facto tributário sujeito a IMT operou-se nesta data e consequentemente ser ilegal a liquidação ora impugnada e válida a liquidação n.º 160.712.012.084.703. M) Termos em que, face à prova produzida deveria a impugnação ter sido julgada provada, improcedendo a sentença recorrida de erro de julgamento e violação de lei. NESTES TERMOS, e com mui douto suprimento de V/Exas. deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a sentença proferida, no sentido de julgar a impugnação procedente, anulando-se em consequência a liquidação impugnada, com os demais efeitos legais. 5 – Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a alegada incompetência hierárquica suscitada pelo Excelentíssimo Representante do MP, veio o Impugnante pugnar pela competência deste Supremo Tribunal Administrativo, alegando que os fundamentos da sua impugnação se atinham a questões de direito.
II – Fundamentação
No parecer que emitiu, o MP veio suscitar a questão da incompetência hierárquica deste STA para conhecer da questão por considerar que nas conclusões C), D) e E) o Recorrente “questiona as ilações que o Tribunal a quo retira da factualidade provada”, ou seja, na leitura que o ilustre Representante do MP faz daquelas conclusões, o Recorrente pretenderia que este STA interpretasse de forma diferente a factualidade dada como assente. Porém, como bem esclarece o Recorrente no requerimento que apresenta em sede de contraditório face a esta alegada excepção, o que se questiona é exclusivamente matéria de direito. E assim é. O que o Requerente pretende com o presente recurso é que o Supremo Tribunal Administrativo subsuma a factualidade assente — realização de uma escritura de permuta de prédios urbanos em 13.12.2011 [facto assente A)] e posterior realização de uma segunda escritura, no dia 20.06.2012, abrangendo os mesmos prédios mas atribuindo-lhes um valor mais reduzido, num acto que denominou expressamente como “rectificação da escritura anterior” [facto assente C)] — a um regime jurídico diferente e não que retire ilações de facto diversas daquela factualidade assente. E a subsunção dos factos ao direito é uma questão jurídica e não uma questão que envolva juízos de natureza fáctica. Trata-se, por conseguinte, de um recurso que versa exclusivamente sobre uma questão de direito e que, por essa razão, se inscreve na competência deste STA ex vi do artigo 280.º, n.º 1 do CPPT e 26.º, al. b) do ETAF. Improcede a alegada excepção de incompetência do STA para conhecer do presente recurso.
3.2. Da alegada ilegalidade do despacho que julgou improcedente o pedido de revisão / anulação do acto de liquidação do IMT 3.2.1. De acordo com a matéria de facto assente, o Impugnante e aqui Recorrente celebrou um contrato de permuta de imóveis, por si e na qualidade de Presidente do Conselho de Administração e, por isso, também em representação da sociedade anónima “B…………….., S.A.”, no qual atribuiu o valor de €816.302,46 aos prédios que foram objecto da permuta [facto assente A)]. A outorga desta escritura foi precedida da liquidação de IMT no valor de € 21.480,26 [facto assente B)]. Posteriormente, em 20.06.2012, celebrou um contrato de permuta respeitante aos mesmos imóveis, uma vez mais por si e na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da sociedade anónima “B………………, S.A.”, no qual atribuiu o valor de €550.000,00 aos referidos prédios. Atribuiu a este segundo negócio jurídico a denominação de rectificação do primeiro [facto assente C)]. A outorga desta segunda escritura foi precedida da liquidação de IMT no valor de € 19.066,72 [facto assente D)]. Apresentou posteriormente um pedido de revisão oficiosa, alegando duplicação de colecta e solicitando a anulação do primeiro acto de liquidação do IMT [facto assente E)]. O Chefe do Serviço de Finanças do Porto 1 anulou o segundo acto de liquidação com fundamento em duplicação de colecta e justificou que a anulação incidia sobre o segundo acto de liquidação do IMT (era este que conduzia à duplicação de colecta) e não sobre o primeiro porque: i) o primeiro negócio jurídico produzira validamente os efeitos económicos pretendidos pelas partes (i. e., operara juridicamente a permuta) e por isso sobre ele incidia correctamente a liquidação; e que ii) o segundo negócio jurídico não podia juridicamente qualificar-se como uma rectificação do primeiro para efeitos tributários, uma vez que não se tratava de um erro de escrita ou cálculo, nem de um erro patente ou ostensivo, mas antes de uma “alteração” ao primeiro negócio jurídico, no qual se tinha decidido modificar o valor dos prédios permutados.
3.2.2. Inconformado com o facto de a anulação por duplicação de colecta ter produzido efeitos sobre o segundo acto de liquidação e não sobre o primeiro, o agora Recorrente Impugnou aquela decisão no TAF do Porto. O Tribunal a quo julgou improcedente o pedido, fundamentando a respectiva improcedência, essencialmente, nos mesmos argumentos que constavam da decisão recorrida, e que, por serem correctos, uma vez mais aqui reiteramos. Em primeiro lugar, o n.º 1 do artigo 38.º da LGT determina que, para efeitos tributários, se atende ao momento em que os negócios jurídicos produzem os efeitos económicos pretendidos pelas partes. Vertida esta solução normativa para a factualidade dos autos, conclui-se que os efeitos económicos da permuta (que era o negócio aqui subjacente) se produziram com a celebração da primeira escritura, pelo que é correcta a liquidação do IMT nesse momento, ou seja, a primeira liquidação de IMT não está afectada de qualquer ilegalidade. Em segundo lugar, o n.º 4 do artigo 36.º da LGT determina que a qualificação de um negócio jurídico pelas partes não vincula a AT. Por isso, a circunstância de o Impugnante e aqui Recorrente ter “qualificado” a segunda escritura como uma rectificação da primeira quanto ao valor dos prédios permutados não vincula a AT a reconhecer a “rectificação” do valor dos imóveis que foram permutados para efeitos da tributação da respectiva transmissão. Essa “obrigação” só teria sentido se estivesse em causa um erro manifesto, ou seja, se resultasse evidente da primeira escritura que tinha havido um erro de escrita ou de cálculo na determinação do valor dos imóveis. Mas a factualidade assente nos autos mostra que não foi assim. A factualidade assente nos autos, e que o Recorrente não questiona, mostra que a modificação dos valores atribuídos aos prédios resultou da celebração de uma nova escritura pública, integralmente atribuível ao livre exercício da vontade das partes, tal como à vontade das partes se tem de atribuir a denominação dessa modificação dos termos do primeiro negócio jurídico como “rectificação”. Ora, esta nova formulação da vontade das partes em nada contende com os efeitos jurídico-tributários do primeiro negócio jurídico, que já se tinham produzido e que não são afectados por ela. Em suma, concluiu-se que não existe qualquer erro de julgamento na decisão do Tribunal a quo.
III - Decisão Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso. * Custas pelo Recorrente. * Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia. |