Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0290/11.3BELRA 0455/17
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
CORRECÇÃO TÉCNICA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A fundamentação dos actos tributários ou "praticados em matéria tributária" que "afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes" estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C.P.Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G.Tributária). Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, als.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89, de 8/07.
II - Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material ou substancial: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
III - Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.A., então em vigor; artº.153, nº.2, do novo C.P.A.).
IV - O dever legal de fundamentação do acto administrativo reveste uma função exógena, a de dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou a sua impugnação graciosa ou contenciosa, e também uma função endógena, consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.
V - No caso "sub iudice", a correcção à matéria colectável que fundamentou a liquidação de Imposto de Selo objecto do processo padece dos vícios de insuficiência e incongruência na fundamentação, os quais equivalem à inexistência da mesma (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.A., então em vigor; artº.153, nº.2, do novo C.P.A.), desde logo, não cumprindo a sua função exógena.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27589
Nº do Documento:SA2202104280290/11
Data de Entrada:04/19/2017
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A………… II - PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA UNIPESSOAL, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.152 a 159 do processo, a qual julgou procedente a presente impugnação pela sociedade recorrida, "A………… II - Promoção Imobiliária Unipessoal, L.da.", intentada e tendo por objecto acto de liquidação de Imposto de Selo, no montante total de € 27.203,23.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.173 a 177 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-A impugnação judicial versa sobre liquidação de Imposto de Selo e respectivos juros compensatórios, do ano de 2007, no valor de € 27.203,23;
B-Tal liquidação resultou de correcção meramente aritmética efectuada pelos SIT, no âmbito de acção inspectiva realizada junto da sociedade impugnante e fundou-se no entendimento de que a prestação acessória realizada em espécie (setenta e três imóveis) a título definitivo e não reembolsável constituía uma operação com carácter oneroso, efectuada pelo sócio ao sujeito passivo, no valor de € 3.059.425,00 e, como tal, uma transmissão do direito de propriedade sobre imóveis situados no território nacional sujeita a IMT e dele não isenta (art. 2º/1 e art. 12º/1 do CIMT) e, também, sujeita a Imposto de Selo, nos termos a contrario do art. 1º, nº 1 e nº 5, alínea e) do Código do Imposto do Selo (CIS);
C-A sentença sob recurso, em matéria da fundamentação, apontou deficiências ao relatório inspectivo final, entendendo no fim que “(…) em lado nenhum do Relatório a AF expõe de uma forma clara e perceptível as razões para proceder à liquidação adicional da Impugnante. Assim, e com tantas dúvidas, não tendo a AF indicado relativamente ao Impugnante quais os factos, de uma forma clara e objectiva, nos quais se baseou para efectuar a liquidação em causa, e qual a base legal que serviu pra tributar a mesma operação, a impugnação tem de proceder com base neste fundamento”;
D-Respeitosamente, entendemos porém que a fundamentação do relatório inspectivo final, embora nem sempre exposta da forma mais linear, atenta a especificidade e a complexidade da matéria versada, revelou afinal, de modo mínimo, mas suficiente, as razões que conduziram a AT ao impulso correctivo verificado;
E-A fundamentação adoptada, na sua dimensão formal de exposição dos motivos que se revelaram capazes a suportarem a decisão final correctiva, foi afinal clara, coerente e suficiente, em observância dos ditames legais que lhe são aplicáveis - artigo 268º, nº 3, da CRP e artigo 77º, nº 1 da LGT;
F-Pois no que às exigências da fundamentação respeita, ampla jurisprudência do STA se tem firmado, aqui invocando, com a devida vénia, e por todos, o Acórdão de 2008/09/11, Processo 0112/07 que assim sumariou: “É por demais sabido que a jurisprudência deste STA considera que um acto está suficientemente fundamentado desde que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação”;
G-Conforme a interposição da impugnação judicial o atesta;
H-Acresce que, da consulta do processo administrativo anexo aos autos, não logram colher as alegadas incoerências apontadas pelo Mmo Juiz a quo;
I-De facto, no Parecer da Sra Directora de Finanças Adjunta, exarado em 2010/07/22, expressamente se afirmado que “(…) Pela fundamentação vertida no relatório de inspecção ficou demonstrado que a prestação acessória realizada em espécie a título definitivo e não reembolsável, se trata de uma operação com carácter oneroso, efectuado pelo sócio ao sujeito passivo no valor de € 3.059.425,00 (…) A presente operação, encontra-se também sujeita a Imposto do Selo pelo mesmo montante, nos termos do artigo 1º, nº 5, al e) do CIS. (…)” (ponto F) do probatório e pág 1 do PA);
J-Ou seja, ao contrário do defendido na douta sentença recorrida, a Sra Directora de Finanças Adjunta, de modo expresso, referiu estar a operação sujeita também a Imposto do Selo, nos termos do artigo 1º, nº 5, al e) do CIS;
K-No que respeita ao carácter conclusivo e opinativo do segmento do relatório inspectivo final em que se afirma “A operação nada tem de gratuito, uma entidade deu imóveis à outra de forma a obter uma posição na sua estrutura de capital.” (cf. a fls. 20 do PA, pág. 19 ao relatório final), compulsado o documento em causa, verifica-se que o mesmo culmina afinal um outro segmento de extenso exame aos documentos e depoimentos prestados no procedimento inspectivo e surge já no âmbito da análise empreendida a todos os factos dados como estabelecidos;
L-Isto é, só a visão estanque daquele segmento, desarticulado do seu contexto, pode justificar a crítica que a sentença sob recurso lhe dirige;
M-Quanto à alusão ao procedimento do art 63º do CPPT, tal referência resulta inconsequente, porquanto não foi desenvolvida e, no fim, não foi esta a via judicialmente eleita para determinar a anulação da liquidação;
N-No que toca à aludida omissão da verba 1.1 da TGIS no relatório inspectivo final, importa referir que a competência para as operações de liquidação do Imposto do Selo (IS) aqui em causa (à imagem do IMT devido) recaiu sobre o Serviço de Finanças de Peniche, nos termos do art. 21º, nº 2, alínea b) do CIMT, por remissão do art. 23º, nº 4 do CIS, cabendo ao relatório inspectivo somente expor os factos legitimadores da actuação correctiva da AT, dando-lhes o necessário enquadramento legal, designadamente, em termos de incidência objectiva e subjectiva, mas não exactamente quantificar o imposto devido, cujo apuramento cabe à entidade competente para a liquidação, no caso que nos ocupa, o aludido órgão periférico local;
O-Não consubstanciando tal situação uma fundamentação a posteriori, conforme vem entendido na sentença recorrida;
P-Aqui chegados, entendemos que a fundamentação do relatório inspectivo final, embora sucinta, revela de um modo mínimo, mas suficiente, as razões e condicionalismos que levaram a AT a efectuar a questionada correcção de IS;
Q-A questão da fundamentação levantada na sentença sob recurso terá de se apreciada na sua dimensão formal de explanação dos motivos que sustentaram a decisão final correctiva, a qual, no nosso modesto entendimento, foi suficiente em termos desta vertente formal, em observância do disposto no art. 77º, nº 1 da LGT;
R-Deste modo, a mui douta sentença sob recurso avaliou deficientemente a prova documental produzida nos autos, fazendo errónea aplicação e interpretação dos normativos legais que regulam a situação vertente, designadamente, dos artigos 38º, nº 3, 39º, nº 1 e nº 2, ambos do CPPT e art. 45º, nº 6 da LGT, pelo que não deve manter-se.
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A sociedade impugnante e ora recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.198 a 206 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
a)Vem o presente Recurso apresentado contra a sentença proferida por este Venerando Tribunal que considerou a impugnação apresentada contra o acto de liquidação de Imposto de Selo nº 162111000009061 no montante de € 27,203,23 (vinte e sete mil duzentos e três e vinte e três cêntimos) procedente condenando, em consequência, a Administração Tributária no pedido de anulação da liquidação de Imposto do Selo impugnado;
b)Considerou e bem o Tribunal a quo, que o relatório de inspeção não permite “perceber o raciocínio subjacente ao Relatório de Inspeção” designadamente por força da “grave e insanável incongruência” constante do Parecer da Srª. Directora Adjunta “ quando fundamenta o seu parecer com base legal oposta daquilo que pretende dizer”;
c)É entendimento correto do Tribunal a quo, e em conformidade com a ampla jurisprudência, que o Relatório de Inspeção tem de conter a fundamentação para o acto tributário de liquidação adicional de Imposto do Selo praticado pela Administração Tributária;
d)Desta forma, decidiu e bem, sem qualquer margem para censura, o Tribunal a quo pela procedência da impugnação com consequente condenação da Administração Tributária na anulação da liquidação de Imposto de Selo;
e)A discordância da Administração Tributária baseia-se na fundamentação exibida no relatório final que considera, mas mal, que cumpre as disposições legais impostas em matéria de fundamentação formal das decisões administrativas, designadamente quanto ao nº3 do artigo 268.º da CRP e nº1 do artigo 77º da LGT;
f)Tal alegação é incompatível com as próprias alegações qua a Administração Tributária faz designadamente no ponto 7) das suas alegações ao afirmar qua a fundamentação não foi “sempre exposta de forma mais linear, atenta a especificidade e complexidade da matéria versada”, apesar de considerar que “revelou afinal, de modo mínimo, mas suficiente, as razões que conduziram a AT ao impulso correctivo verificado”;
g)Com efeito, as alegações da Recorrente não podem em absoluto prosseguir, porquanto o acto tributário padece do vício de falta de fundamentação, em clara violação com o artigo 77º da LGT que impõe qua a decisão de procedimento seja sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito qua a motivaram, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, sendo certo qua a eficácia da decisão depende da própria notificação;
h)O acto em questão, enquanto acto administrativo que afecta direitos ou interesses legalmente protegidos ou impõe ou agrava deveres, encargos ou sanções, deve ser fundamentado, conforme dispõe a alínea a) do nº1 do artigo 124º do Código do Procedimento Administrativo (CPA);
i)“In casu”, no relatório da Administração Tributária não constam indício suficientes e claros para fundamentar o seu acto tributário, sendo que o mesmo padece claramente de visível e patente incongruência, não se relevando como poderá a fundamentação ser considerada suficiente com base na alegada mera declaração de concordância com os fundamentos do relatório de fiscalização tributária;
j)Com efeito, resulta das conclusões do relatório final e do parecer da Directora Adjunta das Finanças de Leiria, factos estes dados como provados pelo Tribunal a quo, que “a presente operação encontra-se também sujeita a Imposto de Selo pelo mesmo montante, nos termos do artigo 1ª, nº5, al. e) do CIS”, sendo esta conclusão incompatível com a norma legal invocada que não sujeita a imposto as transmissões gratuitas a favor de sujeitos passivos de IRC;
k)Estando em falta os elementos essenciais da fundamentação do acto tributário, na medida em que esta não está expressa de forma clara, suficiente e congruente no próprio acto, é evidente que a Administração Tributária não cumpriu com o seu dever objectivo de fundamentação e que integra o quadro de legalidade ao qual se encontra sujeita na prática dos seus actos (vide nº2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP);
l)Uma vez que impondo o legislador à Administração Tributária a notificação válida de todos os actos tributários, sob pena de violação do disposto no artigo 268º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P), não só se verifica a violação do Principio da Legalidade, contrariando o disposto nonº3 do artigo 103º da CRP e o artigo 8º da LGT, como a mesma padece de falta de fundamentação;
m) Acresce que, mesmo que se considere existir mera insuficiência de fundamentação, o que não se concede, a verdade é que mesma é equiparada à falta de fundamentação, tendo igualmente como consequência a nulidade da presente notificação, em violação do disposto no nº3 do 268º., nº3 da CRP, do nº4 do artigo 77º da LGT e do nº2 do artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo (CPA);
n)A sentença recorrida não merece qualquer censura, não padecendo de qualquer erro de julgamento na medida em que a prova documental constante dos autos e produzida pela Administração Tributária foi examinada de forma exímia, conduzindo a uma correcta aplicação do direito aos factos, devendo assim manter-se a decisão recorrida.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.218 a 220 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.225 e 226 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.152-verso a 157-verso do processo físico):
A-A Impugnante é uma sociedade unipessoal por quotas, que exerce a actividade de “Promoção Imobiliária (Desenvol)”, inscrita com o CAE 41100 e estando enquadrada em sede de IVA no regime normal com periocidade trimestral, e em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável – cfr. fls. 7 do Processo Administrativo (PA) apenso aos Autos;
B-Em 28/11/2007, foi outorgado por ……………, na qualidade de gerente da Impugnante e da A………….. Construções e Turismo, Lda., o instrumento junto a fls. 43 a 69 do PA apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, intitulado de “Entrega de Prestações Acessórias”;
C-Pelo instrumento referido na alínea anterior, as partes clausularam o seguinte:
«(…)
Que o referido capital da sociedade sua representada “A…………….. II” corresponde a uma única quota de igual valor nominal de cinco mil euros pertencentes à sua representada, referida na alínea b), “A………..”.
Que nos termos constantes do artigo quinto do contrato de sociedade, a única sócia “A………….” se obrigou a entrar para a sociedade, a título de prestação acessória a realizar em espécie, a título definitivo e gratuito, por não reembolsável nem originadora de qualquer espécie de contraprestação no momento da sua realização ou no futuro com os bens adiante indicados, conforme contrato de sociedade que ARQUIVO.
Que por deliberação de oito de Novembro de dois mil e sete, constante da acta número um da Assembleia Geral, que ARQUIVO, foi deliberada a realização da prestação acessória, nos termos constantes do contrato.
PELO PRIMEIRO OUTROGANTE, NA SUA QUALIDADE, REFERIDA NA ALÍNEA B) FOI DITO:
Que, nos termos constantes do referido contrato e da referida deliberação, a sua representada “A………. – Construções e Turismo, Lda.”, ficou obrigada a efectuar, a título de prestação acessória, a entrega dos bens constantes do documento complementar elaborado nos termos do n.º2 do art. 64º do Código do Notariado e que faz parte integrante da presente escritura, cujo conteúdo declara conhecer perfeitamente pelo que se dispensa a sua leitura.
Que em nome da sua representada “A…………..” pela presente escritura e em conformidade com o contrato de sociedade e a deliberação, entrega os identificados prédios à também sua representada “A……………. II” a título de prestação acessória gratuita pelo valor global de três milhões cinquenta e nove mil quatrocentos e vinte cinco euros - 3.059.425,00.
(…)
Esta transmissão gratuita não está sujeita ao imposto de selo nos termos da alínea e) n.º5 do art. 1º do respectivo Código.
(…)»;
D-Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200906475, de 25/08/2009, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, desencadearam à Impugnante a acção de inspecção externa relativamente ao exercício de 2007, em sede de IMT, no âmbito da qual procederam a correcções à matéria tributável no montante de 3.059.425,00€ com recurso a correcções meramente aritméticas - cfr. fls. 4 do PA apenso aos Autos;
E-Em 5/05/2010, foi elaborado o Relatório de Fiscalização junto a fls. 1 a 23 do PA apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções ao ano de 2007, e das quais com interesse para a causa se destacam as seguintes:
« (…)
D - Conclusões
Em virtude dos esclarecimentos obtidos face ao Auto de declarações, se conclui por:
• Prestações acessórias realizadas em espécie, resultante da transferência definitiva de imóveis para o s.p.:
• O art. 209 do CSC menciona a possibilidade de as mesmas serem feitas, de acordo com regras;
• As prestações acessórias não são reembolsáveis, logo não constituem Passivos;
• Tem carácter de entradas de capital e não de créditos, são capitais permanentes;
• A intenção é a obtenção de dividendos.
E - Análise da informação obtida
1. Temos uma sociedade por quotas, unipessoal, com uma actividade de promoção imobiliária que recebe Imóveis sob a forma de Prestações Acessórias, feitas pela sócia única e, não reembolsáveis.
Que as sociedades tem relações entre elas especialmente no que respeita à administração de ambas.
Foi lavrada escritura e realizada acta de deliberação para as prestações acessórias.
Que os valores dos imóveis dados para efeitos das citadas prestações foram posteriormente reavaliados e aquelas registadas no balanço pelo valor da reavaliação.
Os valores constantes da escritura relativa às prestações, realizados de forma gratuita, não foram sujeitos a Imposto de selo por constituírem uma não sujeição, conforme evidencia a escritura.
A A……………. CONSTRUÇÕES (actual A………….., SGPS, SA) era proprietária de bens imóveis, loteamento com construções já edificadas e lotes de terrenos. É a única sócia da A………….. III - PROMOÇÃO IMOBILIARIA UNIPESSOAL LDA, s.p. em análise, onde realiza prestações acessórias em espécie por transferências dos bens imóveis a título definitivo.
• Na escritura das prestações acessórias estão identificados 73 imóveis (da página 4 à 40 do documento complementar à escritura), lotes de terrenos e construções edificadas e, ainda a cedência de licenças de utilização num total de 16, cadernetas prediais (73) e certidões emitidas pela conservatória do registo predial de Peniche.
A partir do documento complementar à escritura elaborou-se um mapa com a identificação completa dos imóveis, mapa 1, anexo 4, com identificação da matriz, tipo de imóvel, localização e valor patrimonial, avaliação da B………… e da C………… e o registo na conservatória do registo predial de Peniche.
Da análise dos histórico dos registos na conservatória do registo predial de Peniche, anexo 9, se pode concluir que os imóveis (73) foram todos registados naquela conservatória a favor da A………… III - PROMOÇÃO IMOBILIARIA UNIPESSOAL LDA, s.p. em análise, convertendo-se assim em sua propriedade, em virtude da operação de transferência a que nos vimos referindo, conforme mapa 1, anexo 4, certidões permanentes da conservatória do registo predial de Peniche relativas aos 73 imóveis, anexo 8, descritas no mapa 3.
2. Os registos contabilísticos efectuados na contabilidade do s.p., reportaram-se a um registo no valor de € 3.614.364,00 na conta 331 - produtos acabados e depois €3.914.450,OO na 351 - produtos e trabalhos em curso, por contrapartida da 582 - Prestações Acessórias Gratuitas de € 7.528.814,00, anexo 5.

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

A diferença refere-se ao facto de se ter promovido a uma revalorização dos Imóveis antes de se efectuar o registo contabilístico.
O s.p recorreu a duas entidades independentes, B…………….., Lda. e a "………, Lda.", identificadas no mapa 2, de modo a obter o valor de mercado de cada um dos imóveis transferidos.
Os valores resultado da avaliação constam de um documento apresentado, onde se pode identificar a avaliação realizada. De acordo com os esclarecimentos prestados, e cito:" Na maior parte dos casos o valor utilizado foi a média aritmética das duas avaliações deduzido de uma % entre 5% e 10% para fazer face a despesas futuras como comissões de venda, despesas de manutenção etc." , conforme anexo 6.
Em virtude das desvalorizações consideradas, resultou o valor avaliado, extraindo -se a média das duas avaliações, que resultou no valor registado na contabilidade, mapa 2, anexo 7 e mapa 3, anexo 8.
No mapa 2, anexo 7, colunas avaliação B……….. e avaliação C……….., estão as avaliações atribuídas pelas entidades referidas. A coluna Valor a Utilizar é a avaliação feita menos a desvalorização de 5% a 10%, consoante os casos e a coluna Valor a contabilizar corresponde ao registado na contabilidade.
Aquele mapa foi apresentado pela empresa de modo a esclarecer os valores registados na contabilidade, e no fundo o suporte documental do mesmo.
De acordo com o esclarecimento prestado, citado nos parágrafos anteriores, se extraiu o valor de revalorização dos Imóveis, de modo que as existências, conta 331 + 351, totalizam um activo de € 7.528.814,00.
Foi construído o mapa 3, anexo 8, com a identificação dos 73 imóveis, o valor revalorizado de cada um conforme anteriormente descrito, e com base no documento apresentado pelo s.p. em anexo 7.
Esta reavaliação é de natureza particular e não se insere em nenhuma reavaliação de carácter legal.
Deste modo, o valor inicial que correspondia ao que a escritura mencionava, com a reavaliação dos activos, passa para Existências no valor de € 7.528.814,00 e prestações acessórias no mesmo valor. Ou seja, o valor mencionado na escritura quanto às prestações acessória, após a avaliação dos prédios, passa para € 7.528.814,00 e registado na contabilidade.
O procedimento correspondente à valorimetria das existências não se insere nos preceitos consignados no art. 26 do CIRC, pelo que o mesmo tem o seu efeito no custo das existências quando se registarem Vendas, e terá de ser tomado em atenção para efeitos de determinação do Lucro tributável.
3. As prestações acessórias às quais se refere o art. 209° do CSC, que o contrato de sociedade do s.p. também menciona e que foram deliberadas em acta, configuram a natureza de entradas de capital, ou seja, a transferência para o património do s.p. em causa de um conjunto alargado de imóveis (73) traduzida em prestações acessórias, em termos económicos, não é nada mais nada menos do que uma entrada de capital em espécie; trata-se assim, salvo melhor opinião, de uma outra forma de realizar entradas de capital que não em prestação pecuniária.
De acordo com o mencionado estamos então em presença variações patrimoniais positivas, sendo e que só não concorrem para a formação do lucro tributável porque a alínea a) do art. 21° do CIRC, as exclui como tal. Deve-se entender por entradas de capital não só os valores inerentes à sua contribuição formal para subscrever o capital social, como todos os outras contribuições dos sócios.
Não se justificaria assim que estas prestações acessórias tivessem sido afastadas pelo legislador do conceito de variações patrimoniais excepcionadas na determinação do lucro tributável.
Por outro lado há a considerar se estas Prestações Acessórias, não reembolsáveis, e integradas na estrutura do capital, são ou não parte integrante da quota social e então transmissível com a e mesma.
De acordo com a opinião do Prof. Raul Ventura, Código das Sociedades Comerciais, anotado e comentado, pgs. 226, edição de 1987, nestes casos as Prestações Acessórias transmitem-se com as quotas, salvo questões pessoalíssimas.
4. Neste documento de trabalho foi mencionado que a transferência dos imóveis, para efeito das prestações acessórias, não foi objecto de liquidação de IMT nem de Selo.
A escritura designa que a operação é a título gratuito, sendo que refere a sua não sujeição ao Imposto de Selo por forma da alínea e) do nº5 do art.1° do Código do Imposto do Selo: “5-para efeitos da verba 1.2 da tabela geral, não são sujeitas a imposto do selo as seguintes transmissões gratuitas:
e) Transmissões a favor de sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ainda que dele isentas;" .
A transmissão é a favor de um s.p. sujeito a IRC, logo a operação não é sujeita a imposto de selo, porque passa ser sujeita aquele imposto.
As prestações acessórias registadas na conta 582, no património da A………….. III - PROMOÇÃO IMOBILIARIA UNIPESSOAL LDA, s.p. em análise, correspondem a uma posição na estrutura do seu capital adquirida pela A…………. CONSTRUÇÕES (actual A…………, SGPS, SA) sendo que esta deu em contrapartida dessa posição, os imóveis a que nos vimos referindo. De acordo como CIRC, art. 21°, a operação constitui uma variação patrimonial positiva, não reflectida no resultado líquido do exercício a qual influenciaria o lucro tributável, tal como está definido no nº2 do mencionado artigo. Contudo, a mesma é uma das excepções à regra do mencionado art. 21° e como tal, o lucro tributável do s.p. não ser influenciado pelas prestações acessórias, considerando que as mesmas são entrada de capital, como apresentado no anterior ponto 3.
E só assim faz sentido o afastamento da sujeição a imposto do selo.
5. Os Imóveis (73) obtidos por transferência, passam para a titularidade do s.p. e estão todos registados, a seu favor, na conservatória do registo predial de Peniche.
Constata-se sem dúvida é que o Activo do s.p. evoluiu favoravelmente em termos de valor, passando a poder dispor do exercício do direito de propriedade sobre aqueles Imóveis com os registos a seu favor na Conservatória do registo Predial de Peniche, anexo 9.
Os Imóveis saíram da titularidade da A………. CONSTRUÇÕES (actual A……….., SGPS, SA) para a titularidade da A………. III - PROMOÇÃO IMOBILIARIA UNIPESSOAL LDA, s.p. em análise.
É evidente que o actual proprietário dos imóveis não despendeu contrapartidas pecuniárias para os chamar ao seu património e ao activo. Mas o que não deixa de ser menos certo é que apesar do facto, a outra entidade ganha a sua posição na estrutura do capital daquela para quem transferiu as propriedades. Ou seja, é uma forma manifesta de contrapartida não pecuniária mas também em espécie.
Esta situação, realização de Prestações Acessórias com imóveis em nada difere de uma realização de capital social com imóveis.
As prestações acessórias diferem das prestações suplementares porque estas não podem ser feitas em espécie ao contrário daquelas.
A operação não tem nada de gratuito, uma entidade deu imóveis à outra de forma a obter uma posição na sua estrutura de capital.
Quando a escritura refere, e cito "… prestações acessórias a realizar em espécie, a titulo definitivo e gratuito, por não reembolsável nem originadora de qualquer espécie de contraprestação no momento da Sua realização ou no futuro ...", e considerando também o que foi declarado em Auto de Declarações, as prestações acessórias realizadas não vão ser reembolsadas, são definitivas, daqui não se inferindo que a operação tem qualquer carga de gratuitidade.
A operação é onerosa, tem um custo, uma das partes não se desonerou dos bens imóveis sem uma contrapartida que foi a tomada de posição na estrutura do capital da outra parte.
A operação tem carácter oneroso, refere-se a uma transmissão do direito de propriedade sobre imóveis situados no território nacional, logo sujeita a IMT e dele não isenta, conforme n º1 do art. 2° do CIMIT.
O nº 5 do citado art 2° enumera a titulo meramente exemplificativo um conjunto de factos que por força do nº1 do mesmo artigo se encontram abrangidos pela regras de incidência do IMT onde o legislador enquadra a entrada dos sócios com bens imóveis para a realização do capital das sociedades comerciais, alínea e) daquela nº5 . Os factos descritos neste documento de trabalho em nada diferem do previsto na mencionada alínea e).
6. Considerando os factos descritos as operações relativas aos imóveis que foram transferidos da propriedade da A……………… CONSTRUÇÕES (actual A…………., SGPS, SA) para a de A………… III - PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA UNIPESSOAL LDA, s.p. em análise, porque a titulo oneroso, são operações sujeitas a IMT, nos termos do art 2° do CIMIT e delas não isento.
F - Determinação do Valor
1. Como não se procedeu a qualquer liquidação de IMT face à operação descrita e, porque a mesma é sujeita e não isenta procede-se à sua correcção, do qual resultará imposto a pagar.
2. A escritura relativa às prestações acessórias refere que as mesmas tem o valor de € 3.059.425,00, as quais passam a estar registadas no balanço por € 7.528.814,00, em virtude da reavaliação induzidas aos imóveis dados em contrapartida. Então, sendo que o valor dos imóveis é o reavaliado, dados em contrapartida das prestações acessórias, é este o valor do acto, pelo que e nos termos do nº1 do art. 12° do CIMIT é o valor que serve para liquidação do imposto.
Correcções realizadas.
Quadro 1- IMT – 2007

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

está o mesmo no sentido que passo a citar: “ Concordo. Estando na presença de uma transmissão onerosa deverá a mesma estar sujeita a imposto do selo, nos termos da aI. e) nº5 do art. 1º do CIS. Por outro lado, o valor a tributar tanto em sede de IMT como do imposto do selo, deverá ser o valor do acto contratual (€ 3.059.425,00) de conformidade com o art. 12° nº1 do CIMIT. Assim sendo, remeta-se o presente processo à inspectora Drª …………….. para que proceda à elaboração de um novo projecto de relatório, reformulando a posição da administração fiscal passando à consequente notificação do mesmo."
Face ao mencionado despacho procede-se apenas à correcção no valor de 3.059.425,00 euros em termos de IMT.
Considerando o despacho procede-se à reformulação deste projecto de relatório:
Quadro II - IMT - 2007 (reformulado)

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]


F-Em 22/07/2010, foi aposto no Relatório referido na alínea anterior pela Directora de Finanças Adjunta de Leiria o parecer constante a fls. 1 do PA apenso aos Autos, e onde consta o seguinte:
«Concordo. Pela fundamentação vertida no relatório de inspecção ficou demonstrado que a prestação acessória realizada em espécie a título definitivo e não reembolsável, se trata de uma operação com carácter oneroso, efectuada pelo sócio ao sujeito passivo no valor de 3.059.425,00€ o que consubstancia uma transmissão do direito de propriedade sobre imóveis situados no território nacional sujeita a IMT e dele não isenta, nos termos do n.º1 do art. 2º do CIMIT, tributável pelo valor atrás referido nos termos do artigo 12º n.º1 do CIMT. A presente operação, encontra-se também sujeita a Imposto de Selo pelo mesmo montante, nos termos do artigo 1º, n.º5 al e) do CIS.(…)»;
G-Em 23/07/2010, foi aposto no Relatório referido em E) pelo Director de Finanças de Leiria o parecer constante a fls. 1 do PA apenso aos Autos, e onde consta o seguinte:
«Concordo. Proceda-se conforme o proposto.»
H-Em 25/10/2010, o Serviço de Finanças de Peniche remeteu para a Impugnante, por correio registado com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 23 dos Autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, referindo o seguinte:
« (…)
Fica por este meio notificado para, no prazo de 30 dias a contar da data de assinatura do aviso de recepção, efectuar o pagamento na Secção de Cobrança, mediante guias a solicitar neste Serviço, da quantia de € 166.490,20, sendo, € 125.319,82, correspondente a Imposto Municipal de Transmissões, € 24.475,40 de Imposto de Selo da verba 1.1, € 13.967,15 e € 2.727,83 de juros compensatórios correspondentes ao IMT e I. Selo, contados 30 dias após a data da celebração da escritura, pela aquisição em 28 de Novembro de 2007 dos prédios urbanos pertencentes a A………………., SGPS, S.A. NIPC 500307822, conforme demonstração que se segue:
Lotes de terreno para construção urbana, identificados pelos artigos: 1861, 1862, 1864, 1865, 1872, 1875, 1879, 1876, 1882, 1893, 1891, 1886, 1884, 1883, 1885, 1887, 1888, 1890, 1892, 1894, 1889, 2306, 2313, 2189, 2188, pelo valor de € 43.822,43, € 43.941,30, € 44.060,17, € 44.184,69, € 44.331,86, € 44.450,73, € 44.569,60, € 43.867,71, € 44.569,60, € 44.569,60, € 44.569,60, € 44.569,60, € 31.018,72, € 24.475,35, € 24.475,35, € 24.475,35, € 24.045,17, € 24.475,35, € 24.475,35, € 24.475,35, € 31.018,72, € 54.718,61,€ 222.961,20, € 275.891,13, € 260.342,15 respectivamente.
Estacionamentos identificados pelos artigos: 3021-0, F e I, 2913-1, 2998-A, O, G, L, N, 3588-H, 3024-A, O, I, G, M, L, 3000-A, C, O, F, I, 3026-A, C, O, G, H, 2710-E, 2914-H, pelo valor de € 3226,40, € 5377,33, € 4381,11, € 4381,11, € 3481,12, € 3226,40, € 3345,27, € 3056,59, € 3090,55, € 3577,34, € 3481,12, € 3226,40, € 4381,11, € 3345,27, € 4262,24, € 3056,59, € 3481,12, € 3481,12, € 3481,12, € 3481,12, € 4381,11, € 3481,12, € 3481,12, € 3481,12, € 4381,11, € 4381,11, € 4624,51, € 5043,37, respectivamente.
Casas de habitação identificadas pelos artigos: 3524, 3523, 3522, 3521, 3520, 3518, 2998 -AJ, 3591-AO, R, V, 3588-AO, AC, AF, S, 3000-0, R, 3026-0, R, X, 2914-L, pelo valor de € 108791,93, € 108791,93, € 108678,73, € 108678,73, € 108678, 73, € 132293,71, € 60854,43, € 39860,19, € 39860,19, € 37443,22, € 32586,64, € 31052,68, € 31092,30, € 63050,64, € 61482,73, € 64182,71, € 61482,73, € 64301,58 , € 35054,55, respectivamente.
LIQUIDAÇÃO:
Lotes de terrenos para construção:
Valor total: 1.578.354,60 x 6,5% = 102.593,04
Estacionamentos:
Valor total: 106.075,38 x 6,5% = 6.894,90
Habitação:
Com valor inferior a € 85.500,00:
699.081,00 x 1 % = 6.990,81
Com Valor Superior a 85.500,00:
108.791,93 x 2% = 2.175,84
P. Abater 855,00
Total 1.320,84 x 2 = 2.641,68
108.678,73 x 2% = 2.173,57
P. Abater 855,00
Total 1.318,57 x 3 = 3.955,71
132.293,71x 5% = 6.614,68
P. Abater 4.371,00
Total 2.243,68 -------2.243,68
Cálculo do Imposto de Selo: 3.059.425,00 x 0,8% = 24.475,40
Cálculo de Juros compensatórios de IMT: 125.319,82 x 1017 x 4% I 365 = 13.967,15
Cálculo de Juros compensatórios de I. Selo: 24.475,40 x 1017 x 4% I 365 = 2.727,83
Por decisão do Director de Finanças Adjunto, substituto legal do Director de Finanças de Lisboa e com os fundamentos do Relatório de correcções - IMT/2007 ao SP A…... II - Promoção Imobiliária Unipessoal, Lda, elaborado pelo Serviço de Inspecção Tributária de Lisboa.
(…)»;
I-O Aviso de Recepção referido na alínea anterior foi assinado a 27/10/2010 – cfr. fls. 24 dos Autos;
J-Em 14/01/2011, foi emitida pela DGCI a liquidação de Imposto Selo – Verba 1.1., em nome da Impugnante, no valor de 27.203,23€ - cfr. fls. 26 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;
K-Em 14/01/2011, foi emitida pela DGCI a liquidação de IMT, em nome da Impugnante, no valor de 139.286,97€ - cfr. fls. 25 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;
L-A PI deu entrada neste Tribunal a 25/02/2011 - cfr. fls. 1 dos autos.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados…".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos Autos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes.
Em particular foi efectuada a análise ponderada e detalhada do teor da prova documental junta aos Autos pela Fazenda Pública, designadamente aquela constante do Processo Administrativo e cujo valor não foi abalado por qualquer outra prova junta…".
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente procedente a presente impugnação, em consequência do que anulou o acto de liquidação de Imposto de Selo objecto do processo (cfr.al.J) do probatório supra), dado padecer do vício de falta de fundamentação.
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a fundamentação do relatório inspectivo final, embora sucinta, revela de um modo mínimo, mas suficiente, as razões e condicionalismos que levaram a A. Fiscal a efectuar a questionada correcção, e consequente liquidação, em sede de Imposto de Selo. Que a sentença recorrida avaliou deficientemente a prova documental produzida nos autos, fazendo errónea aplicação e interpretação dos normativos legais que regulam a situação vertente (cfr.conclusões A) a R) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A fundamentação dos actos tributários ou "praticados em matéria tributária" que "afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes" estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C.P.Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G.Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, als.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material ou substancial: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/07/2011, rec.656/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/04/2020, rec.1371/08.6BELRA).
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J. 26/04/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. Edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/02/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação "per relationem" - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo, então em vigor).
Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº. 125, nº.2, do C.P.Administrativo, então em vigor). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final. E recorde-se que o dever legal de fundamentação do acto administrativo reveste uma função exógena, a de dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou a sua impugnação graciosa ou contenciosa, e também uma função endógena, consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/02/2006, rec. 1114/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/05/2018, rec.572/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/10/2018, rec.1422/17.3BESNT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/04/2020, rec.1371/08.6BELRA; Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª. Edição, 2012, pág.675 e seg.).
No caso "sub iudice", do exame do teor do relatório de inspecção (cfr.al.E) do probatório) deve começar por vincar-se que a A. Fiscal segue uma linha de raciocínio no exame da operação de entrega de prestações acessórias identificada nas als.B) e C) da matéria de facto, chegando à conclusão de que tal operação reveste carácter oneroso (assim contrariando a natureza gratuita constante do documento público em que foi outorgada), embora não conste do mesmo relatório factualidade que tal desfecho permita. Neste capítulo o relatório fundante do acto tributário de Imposto de Selo objecto do presente processo padece de insuficiente fundamentação.
Avançando.
Ora, a suposta natureza onerosa das prestações acessórias entregues à sociedade impugnante/recorrida não é congruente com a defendida sujeição a Imposto de Selo de tal operação, ao abrigo do artº.1, nº.5, al.e), do C.I.Selo, e conforme despacho da Sra. Directora de Finanças Adjunta (cfr.al.E) do probatório), quando a citada norma de incidência objectiva, exclui de tributação as transmissões gratuitas na mesma previstas, nomeadamente, as transmissões a favor de sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ainda que dele isentas, normativo este que deve ser conjugado com a verba 1.2 da Tabela Geral de Imposto de Selo anexa ao Código (cfr. António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.629; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.493 e seg.). Neste trecho, o relatório de inspecção fundante do acto tributário impugnado padece do vício de incongruência.
Por último, do relatório de inspecção não se retira qual a norma da Tabela Geral de Imposto de Selo anexa ao Código em que se fundamenta a tributação da citada operação de entrega de prestações acessórias, se a verba 1.1, se a verba 1.2, da T.G.I.S. Somente no ofício remetido pelo Serviço de Finanças de Peniche para a sociedade impugnante e ora recorrida consta que a tributação é baseada na verba 1.1 da T.G.I.S., normativo este que não é conjugável com o citado artº.1, nº.5, al.e), do C.I.Selo, conforme supra referido, dado prever a tributação de transmissões onerosas e não gratuitas de bens.
Com estes pressupostos, deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que a correcção à matéria colectável sob exame padece dos vícios de insuficiência e incongruência na fundamentação, os quais equivalem à inexistência da mesma (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.A., então em vigor; artº.153, nº.2, do novo C.P.A.), desde logo, não cumprindo a sua função exógena.
Atento o relatado, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito (nomeadamente, violação do regime previsto no artº.77, da L.G.T., e no artº.1, nº.5, al.e), do C.I.Selo), pelo que se julga improcedente o recurso e se confirma a decisão objecto da apelação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 28 de Abril de 2021. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator) - Paulo José Rodrigues Antunes - José Gomes Correia (em substituição).