Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0637/15.3BEPRT
Data do Acordão:10/07/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ACÇÃO ADMINISTRATIVA
IMPUGNABILIDADE
ACTO ADMINISTRATIVO
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado a solução firmada no acórdão recorrido se mostrar como dubitativa e não isenta de dúvidas, tanto mais que se afasta da jurisprudência uniformizada sobre a matéria em discussão.
Nº Convencional:JSTA000P28296
Nº do Documento:SA1202110070637/15
Data de Entrada:09/10/2021
Recorrente:A........
Recorrido 1:INSTITUTO POLITÉCNICO DO PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. A………… [doravante A.], devidamente identificada nos autos e invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 09.04.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 231/240 dos autos - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que, na ação administrativa por si instaurada contra Instituto Politécnico do Porto [doravante R.], negou provimento ao recurso de apelação e manteve a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/PRT - cfr. fls. 209/229], que havia julgado procedente a exceção inominada prevista no n.º 2 do art. 38.º do CPTA e absolvido o R. da instância quanto à pretensão deduzida [«a) Ser reconhecido o direito da A. à categoria de Assistente do 2.° triénio, índice 135 e à categoria retributiva, de Assistente de 2.° triénio com Mestrado, índice 140 da estrutura remuneratória do pessoal docente do ensino superior politécnico, respetivamente, com efeitos a 6/11/2005, data da primeira renovação contratual e com efeitos a março de 2009, data da aquisição do grau de Mestre; E cumulativamente, b) As entidades demandadas condenadas à contratação da A. como Assistente de 2.° triénio, desde 6/11/2005 e como Assistente de 2.° triénio com Mestrado, desde 1/3/2009 e ao pagamento à A. dos diferenciais remuneratórios, vencidos e vincendos, entre os valores das remunerações mensais pagas pelo índice 100, como Assistente de 1.° triénio e as devidas como Assistente de 2.° triénio e Assistente de 2.° triénio com Mestrado, índices 135 e 140, que nesta data, calculados desde novembro de 2005, com juros, se quantificam em €77.745,21 (…), acrescidos de juros de mora à taxa legal até integral pagamento dos mesmos»].

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 248/273] na relevância jurídica fundamental e, bem assim, para uma «melhor aplicação do direito», invocando a incorreta aplicação, mormente, dos arts. 37.º e 38.º, n.º 2, do CPTA.

3. O R. devidamente notificado não produziu contra-alegações [cfr. fls. 278 e segs.].

Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TCA/N manteve o julgamento realizado pelo TAF/PRT, desatendendo o recurso de apelação que lhe havia sido dirigido, extraindo-se da sua linha fundamentadora que se «não está apenas em causa o direito a uma determinada remuneração. … Está em causa o reconhecimento à contratação numa determinada categoria. A remuneração é uma consequência, essa sim, decorrente diretamente da lei, do reconhecimento do direito a uma determinada categoria. … A Autora pretende ver-lhe reconhecido o direito à categoria de Assistente do 2.° triénio, índice 135 e à categoria retributiva, de Assistente de 2.° triénio com Mestrado, índice 140 da estrutura remuneratória do pessoal docente do ensino superior politécnico, respetivamente, com efeitos a 06.11.2005, data da primeira renovação contratual e com efeitos a março de 2009, data da aquisição do grau de Mestre. … Direito que lhe foi negado pelo despacho de 06.11.2015 (por delegação) da Vice-Presidente da ESEIG, que autorizou a renovação do contrato da Recorrente como assistente do 1.º triénio, e pelos despachos que sucessivamente procederam à renovação do contrato da Recorrente como Assistente, com remuneração no 1.º escalão, índice 100», sendo que «[t]al despacho, de 06.11.2015, definiu unilateralmente a situação jurídica concreta da Autora, como contratada na categoria de Assistente do 1° triénio, índice 100», tratando-se «manifestamente, de um ato administrativo no conceito que nos é dado pelo artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo (de 1991). … Ato este que se consolidou na ordem jurídica por não ter sido atempadamente impugnado, no prazo de 3 meses, a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos», razão pela qual «[f]ace ao disposto no artigo 38.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos a Autora não pode pretender agora um efeito incompatível com esse ato, ou seja, o mesmo que obteria com a anulação do ato, a saber, o reconhecimento a ser contratada como Assistente de 2.° triénio com Mestrado, índice 140», impondo-se concluir «que a ação administrativa comum foi impropriamente utilizada no caso concreto, para obter o efeito que já não se pode obter através de ação administrativa especial de impugnação de ato, por este já se ter consolidado na ordem jurídica».

7. A A., ora recorrente, insurge-se contra este juízo, acometendo-o de incurso em erro de julgamento por incorreta interpretação e aplicação do quadro normativo atrás enunciado.

8. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA quanto ao recurso de revista.

9. E entrando nessa análise importa concluir, desde logo, pela necessidade da admissão da presente revista para uma melhor aplicação do direito dado o acórdão recorrido se mostrar lavrado, primo conspectu, em divergência com a jurisprudência produzida por este Supremo Tribunal sobre a concreta questão suscitada nesta sede e que foi prolatada em situações com contornos similares ao caso vertente [cfr. Acs. de 30.05.2018 (Secção) - Proc. n.º 01470/17, e de 01.10.2020 (Pleno) - Proc. n.º 081/19.3BALSB].

10. Extrai-se do citado acórdão do Pleno deste Supremo de 01.10.2020 [Proc. n.º 081/19.3BALSB] a enunciação como máxima uniformizadora de jurisprudência que «A ação administrativa comum era o meio adequado para analisar a pretensão de uma docente de ver reconhecido o direito a considerar-se contratada a partir de certo momento para uma diferente categoria e estrutura remuneratória da que resulta do contrato de provimento celebrado e das respetivas renovações, com o fundamento de que tal resulta da lei».

11. Daí que ponderadas as críticas acometidas à solução acolhida no acórdão recorrido e cientes de que esta, envolvendo matéria dotada de relevância e de complexidade, se afasta da jurisprudência uniformizada e, como tal, não está imune à dúvida, impõe-se a necessidade de recebimento do recurso, para reanálise do assunto com vista a uma esclarecida aplicação do direito.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..

Lisboa, 7 de outubro de 2021. - Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.