Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01431/16.0BEBRG 0472/18
Data do Acordão:04/30/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24485
Nº do Documento:SA22019043001431/16
Data de Entrada:05/09/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUNEIRA
Recorrido 1:EÓLICA DO ............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. Eólica do …………, S.A., deduziu, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, impugnação judicial do ato de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), relativo ao ano de 2015, correspondente aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos 3382 da freguesia de Areosa, 1598, 1599, 1602 e 1605 da freguesia de Carreço, e 814 e 815 da freguesia de Outeiro, no montante global 9.278,35€, peticionando a sua anulação.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 29/11/2017 (fls.323/329), julgou a impugnação judicial procedente.
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1.3. É dessa decisão que a Fazenda Pública recorre terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, que julgou totalmente procedente, por provada, a impugnação judicial e, consequentemente, anulou “a liquidação de IMI impugnada, com todas as legais consequências”.
2. Douta sentença essa que, a nosso ver, e salvaguardado o devido respeito que a mesma nos merece, e o devido respeito por melhor entendimento, padece de erro de julgamento, em matéria de direito, ao não considerar os aerogeradores, e a subestação aqui em causa, como sendo prédios urbanos da categoria “Outros” para efeitos de incidência de IMI.
3. Não pode a Fazenda Pública conformar-se, desde logo por força do disposto no nº 1 do artigo 68.º- A da LGT, com o entendimento seguido na douta sentença ora posta em crise, na qual consta “(…)Conclui-se, assim, na esteira da jurisprudência acabada de citar, cuja fundamentação se acolhe, que um aerogerador ou uma subestação pertencente a um parque eólico não constituem prédios para efeitos de IMI uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores ou de qualquer outro elemento que compõem o parque eólico (porque individualmente nenhum deles é, por si só, em circunstâncias normais, idóneo para produzir e injectar a energia na rede pública), mas apenas em relação a este, na sua unidade, atenta a sua finalidade”.
4. Na verdade, resulta do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do CIMI, que, para que uma determinada realidade territorial seja considerada prédio, para efeitos fiscais, necessário é que se encontrem reunidos três elementos: o elemento físico, o elemento jurídico e o elemento económico.
5. Ao contrário do que foi entendido na douta sentença ora posta em crise, também o terceiro elemento a que aludimos supra (elemento económico) se encontra preenchido no caso concreto – os aerogeradores e a subestação geram rendimentos para a impugnante, ora recorrida, cuja obtenção não depende dos terrenos onde se encontram implantados.
6. No caso concreto encontram-se preenchidos todos os requisitos legais para os aerogeradores (e a subestação) serem considerados prédios urbanos da categoria “Outros”.
7. No caso particular da subestação (e do edifício de comando) referida nos pontos 9., 12. e 22. do probatório, a mesma também preenche, a nosso ver, aqueles requisitos definidos no nº 1, do artigo 2º do IMI.
8. Aliás, tanto assim é, que até a própria impugnante, ora recorrida, tem a sua sede “no Edifício Comando e Subestação do Parque Eólico de …………” – veja-se, a este propósito, o introito da PI e a procuração forense junta aos autos.
9. Concluindo, diremos que, uma vez que a titularidade dos prédios urbanos da categoria “Outros” aqui em causa é evidente, pertencendo à impugnante, ora recorrida, enquanto proprietária do parque eólico, encontram-se preenchidas as normas legais que regulam a incidência objetiva e subjetiva do IMI.
10. Não sendo, em sequência, e salvaguardado o devido respeito por melhor entendimento, ilegal a liquidação de IMI, referente ao ano de 2015, aqui impugnada.
11. Ao decidir como decidiu, a M. ma Juíza do Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, em matéria de direito, violando, nomeadamente, o disposto nos artigos 1º; 2º; 4º e 6º, nº 1, alínea d), e nº 4, todos do IMI.
12. Razão pela qual deve a mesma sentença ser revogada, com todas as legais consequências – o que se requer.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, com todas as legais consequências.».
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1.4. Não foram apresentadas contra alegações.
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1.5. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda: classificação de aerogeradores integrantes de parque eólico, para efeito de incidência de IMI
A questão foi analisada e resolvida em recente jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, com fundamentação sólida que merece a adesão do Ministério Público (acórdãos TCA Sul 26.01.2017 processo nº 516/15; acórdãos STA-SCT 7.06.2017 processo nº 1417/16; 15.03.2017 processo nº 140/15, cujo sumário se transcreve)
I - Para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis, “prédio” é toda a fração de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência (elemento físico), que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva (elemento jurídico) e que em circunstâncias normais tenha valor económico (elemento económico) – art. 2º do CIMI.
II - Um Parque Eólico estrutura-se sobre uma fração de território, que ocupa, organizando-se com variados e interligados elementos constituintes ou partes componentes (onde se destacam os aerogeradores conectados em paralelo, os postos de transformação, as linhas áreas e os cabos subterrâneas de ligação, a subestação e o centro de comando), com ligação ao solo com carácter de permanência, sendo esse conjunto de elementos imprescindível à atividade económica que se pretende desenvolver: a produção de energia elétrica, através da atividade de transformação da energia eólica, e a sua injeção no sistema elétrico de potência para venda de acordo com a tarifa regulada em Portugal, sendo essa injeção ou conexão ao sistema elétrico um dos principais parâmetros de um parque eólico.
III - Os elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não podem, de per si, ser considerados como prédios urbanos da espécie “outros”, na medida em que não constituem partes economicamente independentes, isto é, não têm aptidão suficiente para, por si só, desenvolverem a referida atividade económica, caracterizando-se como elementos ad integrandum domum, sem autonomia económica relativamente ao todo de que fazem parte.
IV - Nas situações em que um Parque Eólico é constituído por diversos subparques que se encontram funcionalmente interligados entre si, não possuindo autonomia económica relativamente ao todo de que fazem parte, não é aceitável a inscrição oficiosa na matriz predial de cada subparque como um prédio urbano da espécie “outros”, nem, por consequência, a sua avaliação como tal.
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada,».
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1.6. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. A Autora, é uma sociedade anónima cujo objecto social consiste no «exercício das actividades de construção e exploração do Parque Eólico de …………, previsto no Contrato Escrito celebrado entre a A…………, S.A. e a Direcção Geral de Energia e Geologia, na sequência do concurso público para atribuição da capacidade de injecção de potência na rede do sistema eléctrico de serviço público e pontos de recepção associados para energia eléctrica produzida em centrais eólicas;
2. Por contrato celebrado em 4 de maio de 2009, a Impugnante adquiriu a posição da B…………, S.A. no contrato de cessão de exploração que esta celebrou com a Junta de Freguesia de Areosa, através do qual adquiriu o direito de explorar terrenos baldios da freguesia de Areosa para construção de um aproveitamento de energia cólica, destinado a produzir energia eléctrica – cf. doc. junto com a PI sob o n.º 2 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. Nos terrenos baldios de Areosa, referidos em 2., a Impugnante instalou um (1) aerogerador pertencente ao Parque Eólico de ………… – cf. doc. junto com a PI sob o n.º 3 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. A Impugnante celebrou com os proprietários dos prédios rústico inscritos na matriz da freguesia de Carreço, concelho de Viana do Castelo sob os artigos 6761, 6762, 6763, 6764, 6765, 6768, 6769, 6770, 6771, 6772, 6775, 6777 e 6778, escritura para aquisição do direito de superfície, por um período de 25 anos, sobre essas faixas de terreno para construção de uma central eólica de produção de energia;
5. No terreno rústico inscrito sob o artigo 6765, a Impugnante instalou um (1) aerogerador - cf. doc. junto com a PI sob o n.º 4 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
6. No terreno rústico inscrito sob o artigo 6768, a Impugnante instalou dois (2) aerogeradores - cf. doc. junto com a PI sob o n.º 4 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
7. A Impugnante adquiriu a posição da C…………, Lda. no contrato de cessão de exploração que esta celebrou com a Junta de Freguesia de Carreço e a Junta de Freguesia de Outeiro, através do qual adquiriu o direito de explorar terrenos baldios da freguesia de Outeiro e de Carreço para construção de um aproveitamento de energia eólica, destinado a produzir energia eléctrica - cf. doc. junto com a PI sob o n.º 5 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
8. Nos terrenos baldios de Outeiro, a Impugnante instalou dois (2) aerogeradores - cf. doc. junto com a PI sob o n.º 3 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
9. Nos terrenos baldios da freguesia de Carreço a Impugnante instalou uma subestação - cf. doc. junto com a PI sob o n.º 3 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
10. Os aerogeradores localizados nas freguesias de Areosa, Carreço e Outeiro são de marca ENERCON, modelo E-82 - cf. doc. junto com a PI sob o n.º 6 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
11. Os aerogeradores são constituídos por 4 grandes grupos: as pás, o rotor, a nacelle e a torre - cf. doc. junto com a PI sob o n.ºs 7. 8 e 9 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
12. A subestação contém os equipamentos necessários para a transmissão e distribuição de energia eléctrica, bem como equipamentos de protecção e controle necessários ao funcionamento do parque eólico;
13. A AT procedeu à instauração oficiosa do procedimento tributário tendente à inscrição na matriz predial urbana dos referidos aerogeradores e da referida subestação;
14. A AT inscreveu o aerogerador instalado na freguesia de Areosa na matriz predial da freguesia de Areosa como prédio urbano do tipo “Outros” (artigo 3382) e avaliou-o nos termos do CIMI em €214.865,10 – cf. doc. junto com a PI sob o n.º 11 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
15, A Impugnante não concordou com a avaliação, referida no ponto anterior, e requereu a segunda avaliação, na sequência da qual o VPT aumentou de €214.865,10 para €694.890,00 cf. doc. junto com a PI sob o n.º 12 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
16. A Impugnante apresentou impugnação judicial contra este acto de fixação do VPT, em sede de segunda avaliação, a qual correu termos no TAF de Braga com o número 518/14.8BEBRG;
17. Posteriormente, o serviço de finanças promoveu nova segunda avaliação deste artigo, que se realizou no dia 25-03-2015, tendo o VPT deste artigo sido fixado em €413.280,00 - cf. doc. junto com a PI sob o n.º 14 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
18. A AT inscreveu os três (3) aerogeradores instalados na freguesia de Carreço na matriz predial da freguesia de Carreço como prédios urbanos do tipo “Outros” (artigo 1598, 1599 e 1622) e avaliou-os nos termos do CIMI em €214.865,10, - cf. doc. junto com a PI sob o n.º 15 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
19. A Impugnante não concordou com estas avaliações e requereu a segunda avaliação, na sequência da qual o VPT aumentou de € 214.870,00 para €627.990,00, - cf. doc. junto com a PI sob o n.º 16 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
20. A AT inscreveu os dois (2) instalados na freguesia de Outeiro na matriz predial da freguesia de Outeiro como prédios urbanos do tipo “Outros” (artigo 814 e 815) e avaliou-os nos termos do CIMI em €214.870,00, cf. doc. junto com a PI sob o n.º 17 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
21. A Impugnante não concordou com estas avaliações e requereu a segunda avaliação, na sequência da qual, o VPT aumentou de €214.870,00 para €584.890,00, cf. doc. junto com a PI sob o n.º 18 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
22. A AT inscreveu a subestação instalada na freguesia de Carreço na matriz predial da freguesia de Carreço como prédio urbano do tipo “Outros” (artigo 1605) e avaliou-o nos termos do CIMI em €166.950, cf. doc. junto com a PI sob o n.º 19 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
23. A Impugnante não concordou com esta avaliação e requereu a segunda avaliação, na sequência da qual o VPT foi mantido no valor de 166.950,00, cf. doc. junto com a PI sob o n.º 20 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
24. Na sequência das referidas inscrições, foi emitida em 26.02.2016, a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI do ano de 2015, no valor global de €9.278,35, cf. doc. junto a fls. 313 do suporte físico dos autos.
25. A primeira prestação, no montante de €3.092,80 foi paga pela Impugnante em 26.04.2016, cf. informação de fls. 314 do suporte físico dos autos.
26. Em 28.07.2016 foi apresentada a presente impugnação judicial, cf. fls. 2 do suporte físico dos autos.
27. Posteriormente, foi revista pela AT a liquidação, nos termos do artigo 44°-A do EBF, sendo reduzido o seu montante para €4.639,19, o que deu origem à anulação das 2.ª e 3.ª prestações e à liquidação da 2.ª prestação no montante de €773,21 e à 3.ª prestação no montante de €773,18, cf. informação de fls. 314 do suporte físico dos autos.».
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3.1. A sentença recorrida atendendo a que a Impugnante alega diversos vícios, mas não estrutura a sua alegação segundo uma relação de subsidiariedade analisou, em primeiro lugar, o alegado vício de violação de lei, por inexistência de prédio urbano para efeitos de IMI, porquanto da sua eventual procedência resultará uma maior estabilidade e eficácia na composição dos interesses ofendidos.
Afirmou, na esteira da jurisprudência acabada de citar, cuja fundamentação acolheu, que um aerogerador ou uma subestação pertencente a um parque eólico não constituem prédios para efeitos de IMI uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores ou de qualquer outro elemento que compõem o parque eólico (porque individualmente nenhum deles é, por si só, em circunstâncias normais, idóneo para produzir e injectar a energia na rede pública), mas apenas em relação a este, na sua unidade, atenta a sua finalidade.
Concluiu que a liquidação impugnada padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, uma vez que as realidades inscritas na matriz não preenchem o conceito fiscal de prédio para efeitos de tributação em sede de IMI.
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3.2. A questão decidida pela sentença recorrida não é nova, existindo vasta jurisprudência deste STA que, apreciando situações similares à dos presentes autos, sufraga o entendimento expresso pela impugnante, no sentido de que os elementos constitutivos de um parque eólico não se subsumem ao conceito fiscal de “prédio”, tal como vem definido nos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 6.º do CIMI o que pode confirmar-se nos acórdãos de 15.03.2017 e de 26.01.2017, proferidos nos processos 0140/15 e 516/15, respetivamente.
Acresce que o STA, em 13-09-2017, proc. 0543/17, entendeu já que não se justifica admitir o recurso de revista excecional relativamente à questão de saber se um aerogerador integra o conceito de prédio urbano nos termos e para os efeitos previstos no artigo 2º do CIMI, tendo em conta a pronúncia já emitida pelo STA sobre a matéria.
Acompanha-se o referido entendimento jurisprudencial por inexistirem razões para do mesmo divergir.
Entende-se, por isso, que os elementos constitutivos de um parque eólico, como é o caso dos aerogeradores, não se subsumem à figura de “prédio” de acordo com a definição constante no CIMI, atenta a falta de valor económico próprio, sendo no próprio parque eólico que se encontra a manifestação de capacidade contributiva que revela a existência de tal valor.
Uma vez que assentou a avaliação dos elementos em causa no pressuposto errado de que os mesmos se subsumem ao conceito fiscal de prédio e, como tal, sujeitos a IMl, improcede, com esse fundamento o presente recurso.
Acompanha-se, por isso, o caminho percorrido por este STA, em 15-03-2017, no proc. 140, transcrevendo as partes que se reputam compatíveis com a situação factual, em tudo semelhantes às dos presentes autos.
“…
A impugnação judicial teve por fundamento e causa de pedir a ilegalidade imputada quer à inscrição oficiosa dessa realidade física na matriz como um prédio urbano, quer à sua avaliação, quer à própria tributação, no entendimento de que os parques eólicos não se enquadram no conceito de “prédio” consagrado no Código do IMI, nem este Código contém qualquer regra de incidência subjetiva que permita que a entidade exploradora seja responsabilizada pelo pagamento deste imposto, como não contém, igualmente, um critério que permita a avaliação de tal tipo de “prédio”. Além de que, na ótica da impugnante, a tributação em IMI redundaria numa dupla tributação, por já existir um imposto municipal que incide sobre os rendimentos da exploração dos parques eólicos, o que gera uma tributação dupla, desigual e desproporcionada, ofensiva das normas constitucionais contidas nos artigos 103º, nº 2, e 104º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, na petição inicial a impugnante advoga que não é juridicamente sustentável a tributação em IMI dos parques eólicos (no todo ou em parte), porquanto:
(a) os elementos constitutivos de um parque eólico (aerogeradores, elementos de ligação, edifícios de comando e da subestação, etc.) não se subsumem à figura de “prédio” à luz da definição constante no Código do IMI; e as normas de interpretação extensiva não permitem considerar esses elementos, ainda que organizados numa rede virtual coesa, como um único “prédio urbano” para efeitos de IMI;
(b) o Código do IMI não faz qualquer referência que permita concluir que os parques eólicos estão abrangidos pelas regras de incidência tributária de natureza objectiva ou subjectiva, não sendo admissível a integração de lacunas em normas de incidência tributária com recurso à analogia (art.º 11º, nº 4, da LGT);
(c) o Código do IMI também não prevê um método de avaliação dos parques eólicos que se mostre capaz de traduzir o valor económico dos mesmos;
(d) os parques eólicos já são objecto de tributação incidente sobre os rendimentos resultantes da sua exploração, da qual beneficiam os municípios em que se encontrem instalados, pelo que ocorre uma dupla e ilegal tributação.

Nessa sequência, foi proferida a sentença ora recorrida, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial, no entendimento de que não ocorria qualquer uma das ilegalidades invocadas pela impugnante.
E é contra essa decisão que se insurge a impugnante, ora recorrente, que continua a insistir que: (i) a tributação dos parques eólicos em IMI escapa às regras de incidência objectiva e subjectiva previstas no CIMI; (ii) a lei não prevê nem define critérios que possibilitem a sua avaliação em sede de IMI; (iii) o acto de avaliação realizado não se encontra devidamente fundamentado; (iv) a tributação em IMI configura uma dupla tributação face ao pagamento da renda prevista no Dec.Lei nº 189/88, de 27 de Maio.
3.1. Do imputado erro de julgamento no que toca aos pressupostos de incidência objectiva de IMI.
A primeira questão que importa analisar é a de saber se um parque eólico (e, em particular, um dos seus subparques) pode subsumir-se à figura de “prédio”, tendo em conta que, como se viu, os serviços de finanças consideraram como tal o Subparque da Bezerreira, que faz parte integrante do Parque Eólico do Caramulo (e não cada um dos seus aerogeradores, como passou a ser prática dos serviços da administração tributária após a Circular nº 8/2013 da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis).
Segundo o entendimento vertido na sentença, o conceito fiscal de “prédio”, para efeitos de incidência do IMI, afasta-se da noção civilística contida no art.º 204º do Código Civil, corporizando um conceito mais amplo, «porquanto prevê a existência de um elemento de natureza física (o território, o qual deve ser autónomo e ter um carácter de permanência); um elemento de natureza jurídica (resultante da necessidade do prédio fazer parte do património de uma pessoa física ou jurídica) e um elemento de natureza económica (traduzido na exigência de possuir um valor económico em circunstâncias normais), sendo «que só com a confluência dos três elementos podemos qualificar determinada realidade como prédio para efeitos de enquadramento em sede de IMI».
Entendimento que se mostra correto, na medida em que o art.º 2º do CIMI define o conceito de prédio do seguinte modo:
«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.».
Temos, assim, que para efeitos deste imposto, “prédio” é toda a fracção de território (elemento físico), abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência, que faça parte do património de pessoa singular ou coletiva (elemento jurídico) e que em circunstâncias normais tenha valor económico (elemento económico).
Posto isto, e vista a importância vital do elemento de natureza económica, traduzido na necessidade de a fracção de território em causa possuir, por si só, valor económico para poder ser qualificado como “prédio” para efeitos de incidência objectiva de IMI, a problemática reside, desde logo, em saber se, à luz desta norma, um “parque eólico” pode ser classificado como “prédio” nos termos e para os efeitos da inscrição na matriz predial e consequente avaliação e tributação neste imposto municipal sobre o património imobiliário.
O que passa, necessariamente, por saber o que é um parque eólico.
Da leitura de obras técnicas da especialidade (Cfr., entre outras, a dissertação de mestrado de YESMARY CAROLINA DA SILVA GOUVEIA, no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa - Área Departamental de Engenharia Civil, intitulado “Construção de um Parque Eólico Industrial” e bibliografia aí citada.) decorre, de forma clara, que o objetivo final de um parque eólico consiste no aproveitamento da velocidade do vento para a produção de energia elétrica, sendo que, para que tal aconteça, é necessário que o parque seja constituído por alguns elementos essenciais, nomeadamente por um conjunto de aerogeradores que são interligados por cabos de média tensão e cabos de comunicação ligados a uma subestação e a um edifício de comando, que se liga a uma (habitualmente aérea) rede elétrica de transporte.
Deste modo, um parque eólico é constituído por um conjunto obrigatório e interligado de bens, equipamentos e infraestruturas – aerogeradores (Cada um composto por uma sapata de betão ou “fundação”, uma estrutura metálica ou “torre”, uma naceile, um rotor, e três pás.), postos de transformação, edifícios de comando e de subestação, rede elétrica de cabos subterrâneos com ligação entre os aerogeradores e o edifício de comando/subestação e, no caso de existência de várias subestações, linhas elétricas de ligação destas, bem como caminhos de acesso - tudo com vista a converter a energia cinética do vento em energia elétrica e a injetá-la no sistema eléctrico de potência, sendo que os grandes parques eólicos exigem a construção de várias subestações e de linhas de transmissão para a conexão ao sistema elétrico de potência, sendo esta injeção ou conexão ao sistema elétrico um dos principais parâmetros de um parque eólico.
Em suma, um parque eólico é uma fracção de território (terrestre ou marítimo) organizado e estruturado com variados e interligados elementos constituintes e partes componentes – onde se destacam os aerogeradores conectados em paralelo (no mínimo cinco), um ou mais edifícios onde se localizam a(s) subestação(ões) e o centro de operação e manutenção – com ligação ao solo e com carácter de permanência, sendo todo esse conjunto de bens e equipamentos imprescindível à atividade económica em questão: atividade de transformação da energia eólica em energia elétrica, sua injeção no sistema elétrico de potência e consequente venda desta eletricidade à rede elétrica de acordo com a tarifa regulada em Portugal para o sector eólico em geral.
O que significa que cada um desses elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não pode, de per si, ser considerado um prédio urbano (“outros”), na medida em que não constitui uma parte economicamente independente, isto é, não tem aptidão suficiente para, por si só, desenvolver a aludida atividade económica (A mesma razão leva a que não possam ser considerados como “prédios” (nem a AT ousa considerá-los como tal) os diversos elementos e estruturas que integram um estádio de futebol (as balizas, as bancadas, a estrutura coberta, os balneários, etc.) ou que integram um campo de golfe (o green, o tee, o fairway, os obstáculos, o edifício de atendimento, etc.), já que cada uma dessas estruturas e elementos, que se encontram interligados e conexionados com vista ao mesmo objetivo e finalidade económica, não possuem autonomia económica em relação à fração de território ocupada, pese embora seja incontroverso que tanto o estádio de futebol como o campo de golfe constituem, à luz do mencionado preceito do CIMI, prédios urbanos para efeitos de incidência objetiva de IMI.)
Por conseguinte, e em suma, caracterizando-se como elementos ad integrandum domum, sem autonomia económica relativamente ao todo de que fazem parte, fica afastada a possibilidade de classificar como “prédios” autónomos cada um dos diversos elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico, não só porque o seu destino normal não é diferente de todo o prédio, como, também, porque não é possível avaliá-los separadamente, na medida em que não são partes economicamente independentes.
Razão por que consideramos inteiramente correta a posição expressa pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 26/02/2017, no acórdão prolatado no processo nº 516/15 (onde se discutia a legalidade da inscrição e avaliação como prédio urbano de um aerogerador), segundo o qual «Em circunstâncias normais, um aerogerador integrado num parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não tem valor económico próprio. Pelo contrário, é no próprio parque eólico que se encontra a manifestação de capacidade contributiva que revela a existência de tal valor, motivo pelo qual é o parque eólico, que não o aerogerador, que é remunerado (…).
Pelo que à míngua do terceiro pressuposto, não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública seja um prédio para efeitos de I.M.I., uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores ou de qualquer outro elemento que compõe o parque eólico (porque individualmente nenhum deles é, por si só, em circunstâncias normais, idóneo para produzir e injectar a energia na rede pública), mas apenas em relação a este (o parque eólico), na sua unidade, atenta a sua finalidade.».
Assiste, pois, razão à impugnante, ora recorrente, quando advoga que os elementos constitutivos de um parque eólico (os aerogeradores, os elementos de ligação, a estação de comando e a subestação) não se subsumem à figura de “prédio” de acordo com a definição constante no CIMI, atenta a falta de valor económico próprio.
O que faz soçobrar o entendimento vertido pela Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis na Circular nº 8/2013, onde se veiculou o entendimento de que cada aerogerador e cada subestação são unidades independentes em termos funcionais, devendo, por isso, ser considerados como prédios autónomos e qualificados como prédios urbanos do tipo "outros".
Posto isto, e apesar de se poder concluir que se deteta, em princípio, na porção de território ocupada por todo o parque eólico não só a presença do apontado elemento físico como, também, do elemento económico, razão por que o Parque Eólico do Caramulo poderá constituir um único prédio afeto ao mesmo fim e atividade económica, há que atender ao caso em análise, onde se constata que um dos seus subparques (o da Bezerreira) foi qualificado pelos serviços da administração tributária como um prédio autónomo, inscrito na matriz predial como prédio urbano (tipo “outros”) e ao qual foi atribuído o artigo matricial P- 571.
…”.

De tudo o exposto resulta que o referido parque eólico não pode ser considerado como prédio autónomo à luz do conceito enunciado no art.º 2º do Código do IMI.
Inexistindo a referida falta de autonomia económica, não é aceitável a inscrição oficiosa desta realidade física na matriz predial como um prédio urbano, nem, por consequência, a sua avaliação como tal, o que determina, por ilegais, a anulação desses atos.
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Nos termos do artigo 2º do CIMI os elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não podem, de per si, ser considerados como prédios urbanos da espécie “outros”.
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Fazenda Pública.
Lisboa, 30 de abril de 2019. – António Pimpão (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.